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sexta-feira, janeiro 26, 2024

Histórias do Futebol em Portugal (43)... Braga levou para casa a única edição da Taça da Federação Portuguesa de Futebol

Sporting de Braga na temporada de 76/77, altura em que venceu 
a única edição da Taça da FPF


Braga e Estoril disputam neste início de ano de 2024 o primeiro título oficial do calendário futebolístico português, a Taça da Liga. Não será, por ventura, a final mais esperada – e desejada – dos responsáveis pelo futebol luso, que esperavam, por certo, ver um dérbi eterno (Sporting – Benfica) como cabeça de cartaz daquela que é a mais nova das quatro competições (além do campeonato nacional da 1.ª Divisão, da Taça de Portugal e da Supertaça Cândido de Oliveira) do "principal" futebol em Portugal. Porém, bracarenses e estorilistas atingem a final da Taça da Liga com todo o mérito, há que sublinhá-lo. Vem isto a propósito de um duelo que não é inédito numa final nacional. Por outras palavras, Estoril e Braga já disputaram uma final de uma prova nacional, uma competição relâmpago, visto que apenas conheceu uma edição, a Taça da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Organizada, como o próprio nome indica, pelo organismo que tutela o futebol português, a competição realizou-se após o términus dos Campeonatos Nacionais das 1ª, 2ª e 3ªDivisões da temporada 1976-77, e foi disputada entre os clubes que competiram em cada um dos respetivos escalões nacionais.

Assim, a 1.ª Divisão da Taça FPF foi dividida em quatro grupos de quatro equipas cada, apurando-se para as meias-finais os primeiros classificados. O Braga disputou o grupo A, levando a melhor sobre o grande rival Vitória Sport Clube (de Guimarães), o Varzim, e o Leixões; ao passo que o Estoril integrou o grupo C, terminando em 1.º à frente de Benfica, Sporting e Belenenses (!). Nas meias-finais o Braga (que havia concluído o campeonato da 1.ª Divisão em 8.º lugar) derrotou o campeão nacional dessa temporada, o FC Porto, por 3-1, ao passo que o Estoril (que findou o campeonato do escalão maior luso desse ano em 11.º lugar) bateu o último classificado do Nacional da 1.ª Divisão desse ano, o Atlético, por 2-1.

A final da única Taça FPF da história disputou-se no dia 1 de julho de 1977, e teve como palco o Estádio Municipal de Coimbra, o mítico Calhabé. Vamos assim e à boleia do jornal A Bola, e pela pena de um dos grandes mestres do jornalismo desportivo nacional de todos os tempos, Cruz dos Santos, recordar essa inédita e ímpar conquista dos bracarenses. 

Manchete de A Bola 

De acordo com o célebre jornalista, o Braga justificou a vitória na final, por 2-0, porque teve mais força, tendo sido «claramente superior a estorilistas que em dia de calor intenso saíram de Lisboa a meio da tarde por estrada» (!). Outros tempos, em que mesmo sendo de 1.ª Divisão o futebol português tinha contornos de amadorismo. A final, disputada nessa noite de 1 de julho, foi presenciada por cerca de 7000 espectadores, uma baixa assistência que Cruz dos Santos justificou com a razão de ser não só porque estávamos em plena época de verão como também pelos factos de em campo não estarem nenhum dos chamados "3 Grandes”, e de os dois finalistas atuarem a mais de 200 quilómetros dos respetivos “berços”. Daquela «meia dúzia de milhares de espectadores» - como visualizou o jornalista de A Bola – a maior parte viajou de Braga, dando colorido e ambiente às bancadas. Quanto ao jogo, o Braga apresentou «uma superioridade nítida, inapelável. A tal ponto que deu para na primeira parte, a equipa minhota chegar a jogar bastante bem, a impor-se em todos os capítulos (…) e, depois do intervalo, a afrouxar bastante o andamento e quase se limitar a deixar correr o tempo, sem por isso de deixar de controlar o duelo. (…) (O Braga foi) um vencedor brilhante, realmente, quer pela capacidade do conjunto evidenciada, quer até pelos que dela conseguiram sobressair, pela sua ação individual», analisou Cruz dos Santos, que precisamente neste plano individual destacou os braguistas António Fidalgo, Fernando Martins, Paulo Rocha, Caio Cambalhota, e Chico Faria.

Isto diante de um Estoril que na visão do jornalista se apresentou em Coimbra «amorfo, sem chama, e desligado». De referir que o Estoril tinha nos seus quadros nomes sonantes do então futebol português, sendo o maior de todos eles José Torres, o lendário ponta de lança do Benfica e da seleção nacional que brilhou no Mundial de 1966. Na defesa estorilista pontificava Fernando Santos… futuro selecionador nacional e responsável pela conquista do Campeonato da Europa de 2016 e pela Liga das Nações de 2019.

Braguistas posam para a fotografia com a Taça FPF 

Quanto à marcha do marcador, Caio Cambalhota fez o primeiro golo da noite, aos 17 minutos, na sequência de uma jogada descaída pela direita, com Chico Faria a cruzar rasteiro para a área onde surgiu o brasileiro a antecipar-se à defesa estorilista para rematar para o fundo da baliza de Ruas. O 2-0 aconteceu à passagem do minuto 40, altura em que também numa jogada desenhada pela direita, Chico Faria voltou a cruzar para o interior da área, ao que o guardião canarinho, em mergulho, não consegue intercetar a bola, desviando-a para a frente, onde oportuno Carlos Garcia remata na recarga com êxito. No final, o magriço (de 1966) Hilário, ex-jogador do Sporting que neste final de época 76/77 orientou os nortenhos, explicou que a final da Taça FPF opôs duas excelentes equipas, sendo que na sua opinião o Braga soube aproveitar as duas melhores oportunidades que dispôs na 1.ª parte. Do lado do Estoril, o técnico José Bastos considerou o Braga um justo vencedor, explicando que os golos marcados na primeira metade praticamente sentenciaram o desfecho da partida. 

Lance da final da Taça FPF da 1.ª Divisão 

Sob arbitragem de Castro e Sousa, auxiliado por Mário Martins e Monteiro da Cunha (trio da Associação de Futebol de Coimbra) as equipas alinharam da seguinte forma: Braga – Fidalgo, Mendes, Serra, Fernando Martins, Manuel Vilaça, Paulo Rocha, Pinto, Carlos Garcia (Zézinho, 75), Chico Faria (Beck, 70), Caio Cambalhota, e Chico Gordo. Treinador: Hilário.

Estoril – Ruas, Vieirinha, Fernando Santos, Amílcar, Carlos Peixoto, Óscar Duarte (Quim 64), Nélson Reis, José Torres (Manuel Fernandes, 46), Fernando Martins, Clésio, e João Cepêda. Treinador: José Bastos.

Resta referir que os vencedores das 2.ª e 3.ª divisões desta Taça FPF foram, respetivamente, o Barreirense, e o Bragança.

A Taça FPF

Classificações e resultados da única edição da Taça da FPF:  

1.ª Divisão

Primeira Fase:

Grupo A

                     J-V.E.D.GM-GS-Pts. 

Braga. . . . . .6-4-1-1-13-2-9 pts.

Guimarães. . . .6-3-2-1-11-4-8 pts.

Varzim . . . . .6-3-1-2-7-7 -7 pts.

Leixões. . . . .6-0-0-6-4-22-0 pts.

Grupo B

FC Porto. . . . . .6-5-1-0-13-2-11 pts.

Académico. . . .6-2-2-2- 8-6-6 pts. 

Beira-Mar. . . .6-1-2-3-6-16-4 pts.

Boavista . . . .6-0-3-3-6-9-3 pts. 

Grupo C

Estoril. . . . .6-3-2-1-11-8-8 pts.

Benfica. . . . .6-3-2-1-13-8-8 pts.

Sporting . . . .6-2-2-2-11-12-6 pts.

Belenenses . . .6-1-0-5-6-13-2 pts. 

Grupo D 

Atlético . . . .6-5-0-1-17-4-10 pts.

Portimonense . .6-3-1-2-11-10- 7 pts.

Setúbal. . . . .6-3-1- 2- 11-10- 7 pts.

Montijo. . . . .6-0-0- 6- 6-21-0 pts.

Meias-Finais:

Braga: 3 Porto: 1

Atlético: 1 Estoril: 2

Final:

Braga: 2 Estoril: 0

Conjunto do Barreirense que em 76/7 venceu a 2.ª Divisão da Taça FPF

2.ª Divisão

Primeira Fase:

Grupo A

                        J-V.E.D.GM-GS-Pts.

Famalicão. . . . . .6-4-1-1-10-4 -9

Fafe . . . . . . . .6-3-1-2 -5-6 -7

Chaves . . . . . . .6-2-1-3-8-8- 5

Gil Vicente. . . . .6-0-3-3-3-8-3

Grupo B 

U. Lamas . . . . . .6-3-2-1-11-9-8

Penafiel . . . . . .6-3-1-2-10-8-7

Paços de Ferreira. .6-3-1-2-11-11-7

Régua. . . . . . . .6-0-2-4 -6-10-2

Grupo C

Sp. Covilhã. . . . . . .6-4-0-2-15-10-8

Marinhense . . . . .6-3-1-2 -7-7-7

Sanjoanense. . . . .6-3-1-21-3-4-7

Acad. Viseu. . . . .6-1-0-5-5-19-2

Grupo D 

Portalegrense. . . .6-3-1-2-10-4- 7

Peniche. . . . . . .6-2-2-2-5-6-6

U. Santarém. . . . .6-1-4-1-5-8- 6

U. Coimbra . . . . .6-2-1-3-6-8-5

Grupo E

Barreirense. . . . .6-4-1-1-8-2-9

Odivelas . . . . . .6-4-0-2-9-6-8

Almada . . . . . . .5-1-2-2- 5-8- 4*

Sesimbra . . . . . .5-0-1-4- 2-8- 1*

Grupo F 

Olhanense. . . . . .6-4-1-1-11-9- 9

Vasco da Gama. . . .6-3-2-1-16-13-8

Farense. . . . . . .6-1-2-3 -6-9-4

Juventude de Évora . . . . .6-1-1-4-10-12-3

*Nota: O jogo Almada-Sesimbra não foi homologado pela FPF.

Segunda Fase:

Grupo A

Famalicão. . . . . .2-1-1-0-3-0-3

Covilhã. . . . . . .2-0-2-0-3-3-2

U. Lamas . . . . . .2-0-1-1-3-6-1

Grupo B

Barreirense. . . . .2-1-1-0-3-1-3

Portalegrense. . . .2-1-0-1-2-2-2

Olhanense. . . . . .2-0-1-1-1-3-1

Final:

Famalicão – Barreirense: 0-1

 

A equipa do Bragança que se sagrou campeã da Taça FPF da 3.ª Divisão 

3.ª Divisão

Primeira Fase:

                     J-V.E.D.GM-GS-Pts.

Grupo A

Bragança. . . . . . .6-3-2-1-14-2-8

Monção. . . . . . . .6 -3- 0-3-10-16-6

Vianense. . . . . . .6-2-1-3 -9-10-5

D. Aves . . . . . . .6 -2 -1- 3 - 7-12- 5

Grupo B

Lamego. . . . . . . .6-3-2-1-6-3 -8

Avintes . . . . . . .6-4-0-2- 9-12-8

Oliveirense . . . . .6-2-2-2-12-7-6

Paços de Brandão. . .6-0-2-4 -7-12-2

Grupo C 

Águeda. . . . . . . .6-4-1-1- 8-39

Oliveira do Bairro. .6-3-0-3 -8-10-6

Marialvas . . . . . .6-1-3-2 -7-11-5

Naval  1º Maio. . . . . . . .6-1-2-3 -8-7-4

Grupo D

Marrazes. . . . . . .6-3-2-1 -4-6 -8

Alcobaça. . . . . . .6-2-3-1 -6-4- 7

Batalha . . . . . . .6-1-3-2 -5-6- 5

Elétrico . . . . . .6-2-0-4 -8-7 -4

Grupo E

O Elvas . . . . . . .6-4-0-2-10-6- 8

Nacional. . . . . . .6-3-1-2-11-6 -7

SL Olivais. . . . . .6-3-1-2 -9-9 -7

Alverca . . . . . . .6 -0- 2- 4 - 4-13 -2

Grupo F

Luso. . . . . . . . .6-3-2-19-5 - 8

Aljustrelense . . . .6-4-0-2 -11-8- 8

Santiago do Cacém . .6-1-2-3 -7-8- 4

Silves. . . . . . . .6-1-2-3 -6-12-4

Segunda Fase:

Bragança: 3 Águeda: 0.

Lamego desqualificado.

O Elvas . .2-1-0-1-3-2-2

Luso. . . .2 -1- 0- 1- 2-2-2

Marrazes. .2-1-0-1-2-3-2

Final:

Bragança – O Elvas: 1-0

quinta-feira, novembro 16, 2023

Jogos Memoráveis (6)... Racing White - CUF (Taça UEFA 1972/73)

Equipa da CUF que fez história na Taça UEFA de 72/73

O Barreiro figura na história do futebol português como um alfobre de largas dezenas de notáveis futebolistas. Durante anos a fio esta cidade industrial de referência foi um dos maiores, senão mesmo o maior, fornecedor de jogadores para os grandes clubes de Lisboa (sobretudo) e por consequência para a seleção nacional. Enumerá-los merecia só por si um artigo específico sobre a condição do Barreiro enquanto berço de génios da bola, artigo esse que fica para outras núpcias. Mas não só de virtuosos futebolistas reza a história desta terra localizada na margem sul do estuário do Tejo. Grandes e míticas equipas dali oriundas levaram o nome do Barreiro longe, tanto no plano nacional como internacional. Durante anos a fio a CUF e o Barreirense, os dois míticos emblemas ali nascidos, foram os máximos representantes da vila operária no mais alto escalão do futebol luso. E com resultados/classificações histórico(a)s! E como consequência dessas excelentes performances ambos os clubes têm o seu nome inscrito na história das provas da UEFA, vulgo, as competições europeias. Sobre a aventura do Barreirense já aqui falámos noutras viagens ao passado, enquanto que da CUF vamos recordar hoje o encontro histórico que permitiu ao mítico "clube-fábrica" superar pela primeira vez uma barreira uefeira, isto é, eliminar um adversário europeu. Aconteceu na época de 72/73, na recém-criada Taça UEFA, onde a CUF mediu forças com os belgas do Racing White (Molenbeek). Antes de recordarmos este encontro, há que referir que o emblema da Companhia União Fabril - fundada pelo grande e visionário empresário, Alfredo da Silva, nos inícios do século XX - não era propriamente um estreante em matérias de competições internacionais. Esta era na verdade a terceira presença dos cufistas na alta roda do futebol europeu. A primeira havia sido na extinta Taça das Cidades com Feira, na temporada de 65/66, altura em que a CUF surpreendeu ao Europa ao obrigar o poderoso Milan a um terceiro e decisivo jogo de desempate; e em 67/68, na mesma competição, quando caiu aos pés dos jugoslavos do Vojvodina na ronda inaugural.

E em 72/73 o clube do Barreiro chegava novamente ao palco europeu, fruto de um brilhante 4.º lugar no Campeonato Nacional da época anterior, em que ficou à frente do FC Porto, por exemplo.

Belgas sobranceiros caíram na ratoeira dos mind games

Quis o sorteio que a terceira presença da CUF nas competições europeias tivesse início em Bruxelas, onde à sua espera tinha o Racing White. Apesar de bem orientados por Fernando Caiado, que durante largos anos bebeu - enquanto adjunto - da sabedoria de ilustres técnicos que conduziram o Benfica a finais europeias na década de 60, os cufistas não reuniam à sua volta grande expectativas por parte dos opinadores do futebol português quanto a uma passagem de eliminatória. Pelo menos era esta a ideia que o célebre jornalista Cruz dos Santos passou no início da sua análise ao jogo realizado no Estádio Fallon a 20 de setembro de 1972. E de acordo com as palavras iniciais do jornalista d' A Bola esta descrença era mais pelas debilidades da equipa barreirense do que pelo poderio do adversário, poderio esse de que nunca se tinha ouvido falar! Para Cruz dos Santos o Racing era somente uma equipa jeitosa, com três ou quatro jogadores de boa craveira técnica, mas não mais do que isso. «Todas as desconfianças que se alimentavam a propósito das possibilidades de qualificação da equipa portuguesa repousavam na própria CUF, que se sabe ser capaz de uma superação na hora exacta (tem-no provado tanta vez em Portugal) mas que é urna equipa com muitas limitações, capaz de "encalhar" quando depara com um adversário mais experimentado e habituado a estas andanças», escrevia o jornalista que mais adiante recordava que a turma do Lavradio havia alcançado «resultados espetaculares» diante de equipas como o Benfica, Sporting, ou Vitória de Setúbal, mas que nesse cenário interno contava e muito o facto de os cufistas conhecerem de gingeira a forma de jogar desses clubes, o que não era tudo mas ajudava e de que maneira. 

A turma do Racing White que defrontou os cufistas

No confronto europeu isso não acontecia, nem o Racing White conhecia tão bem a CUF, nem esta o emblema belga, e nesse sentido dois estranhos iriam medir forças num encontro em que apontar um vencedor era um autêntico tiro no escuro. E a equipa portuguesa arriscou, foi feliz, mas com um certo ambiente de mind games à mistura que acabou por ludibriar os belgas, conforme se pode depreender das palavras de Cruz dosSantos. «E os responsáveis da CUF (...) chegaram, foram instados a botar palavra pelos jornalistas, e muito amáveis, muito simpáticos, foram dizendo que Bruxelas é uma linda cidade, que o clima é maravilhoso, que o Racing é uma equipa de categoria, uma equipa poderosa, que a CUF, enfim, vai ter muita honra em recebê-lo no Lavradio (...) mas que, enfim, quanto a uma hipotética qualificação não alimentavam grandes ilusões, até porque de um lado iriam estar profissionais da bola enquanto do outro jogariam operários de uma fábrica do Barreiro, que fazem futebol nas horas vagas... Este tom aparentemente realista com que os homens da CUF mostraram encarar o jogo, para além do rasto de simpatia que lhes valeu (quem não gosta de ouvir elogiar os seus...) ajudou a criar ainda um clima de facilidades que realmente (provou o jogo depois) não tinha razões para existir. E de tudo se beneficiou a CUF».

E foi com a ideia de que a eliminatória seriam favas contadas que os poucos espectadores (cerca de 6000) que se deslocaram ao Estádio Fallon encararam a partida. Mas os rapazes da CUF tinham a lição bem estudada, e «com uma defesa atenta com Fernando, vigilante, entre os quatro homens de trás e os três do meio do campo (Arnaldo, Monteiro e Vítor Gomes) e finalmente Manuel Fernandes e Juvenal, lá na frente, jogando muito abertos, nitidamente, com a preocupação de travarem o avanço dos defesas-laterais. Com este dispositivo Caiado garantia a defesa da sua área, assegurava o domínio do meio do campo e depois, só com dois homens na frente, manietava toda defesa belga, pois Manuel Fernandes e Juvenal barravam o caminho aos defesas-laterais, apenas deixando soltos os "centrais", e sabe-se bem que os "centrais" nunca descem no terreno. (...) Com a vitória deste sistema a CUF não apenas travou o ímpeto do Racing como assegurou próprio domínio do jogo». 

Um duelo no jogo de Bruxelas

Os belgas não encontravam o caminho da baliza de Conhé, não conseguindo assim resolver o quebra-cabeças montado por Fernando Caiado. Com isto o tempo foi passando, e Cruz dos Santos escrevia que não se via a teórica supremacia atribuída ao Racing White na antecâmara do jogo. Com isto a CUF foi ganhando confiança e passou ao ataque à baliza de Nico de Bree, que via os seus companheiros atarantados com o ímpeto cufista tendo para isso que recorrer muitas vezes a entradas maldosas. «Por volta da meia hora já não havia Racing — era quase tudo CUF. CUF que moralizada, estimulada pelo acerto da exibição vinha produzindo, crescia, crescia a ponto de se superiorizar por completo ao adversário». Na reta final da primeira metade os belgas ainda esboçam uma reação no sentido de intimidar os portugueses, mas sem grande sucesso. O máximo que conseguiram foi desferir dois remates tímidos à baliza barreirense que foram travados com atenção por Conhé, que seria um dos heróis deste encontro. Já antes disto a CUF havia colocado em sentido Nico de Bree, sobretudo ao minuto 15, quando o experiente avançado José Monteiro (que havia passado pelo Sporting) entra de rompante na área e com um remate venenoso obrigou o guardião holandês ao serviço do emblema belga a defesa espetacular. Os jogadores do Racing White mostravam-se nervosos, e a prova disso é que no regresso às cabines para o descanso Teugels atirou maldosamente a bola à cara de Manuel Rodrigues, o que lhe valeu de pronto o cartão amarelo exibido pelo árbitro inglês David Smith.

Conhé, lenda da CUF
Conhé veste a capa de herói

Na segunda metade os belgas voltaram com os ânimos mais calmos e acima de tudo intencionados em marcar, e desse modo os primeiros 10 minutos desta etapa colocaram Conhé e a sua muralha defensiva em alerta máximo. E foi precisamente neste período de maior intensidade do Racing White que aconteceu a grande oportunidade do conjunto da casa. O holandês Wietse Veenstra é derrubado dentro de área por dois defesas cufistas, Manuel Rodrigues e José António, lance que não deixou o árbitro com qualquer dúvida em assinalar o castigo máximo. Encarregue da marcação ficou a estrela da equipa, Henri Depireux, esse mesmo, o tal que cerca de 15 anos mais tarde treinaria o Belenenses. Porém, Conhé foi herói e parou o potente remate do médio belga. «A equipa da CUF em peso caía sobre o seu guarda-redes, enquanto o desânimo tombava sobre o Estádio Fallon!», escreveu A Bola. Este lance deu ainda mais moral ao conjunto português. Cruz dos Santos escrevia então que «a surpresa da exibição da CUF já não vinha só do facto de suportar o zero-zero durante primeira hora de jogo; muito para além disso a equipa portuguesa estava a jogar em grande, (...) congelando o esférico no seu meio do campo para quebrar o ímpeto do adversário, mas isso sem nunca abdicar da ideia de progredir no terreno, de construir com cada passe o lance de contra-ataque, de pôr à prova em cada jogada a coesão e a mobilidade da defesa belga».

Depireux, aqui como treinador do 
Belenenses falhou penalty
Auto-golo trouxe justiça ao jogo

Por esta altura Conhé mostrava que a defesa da grande penalidade não tinha sido obra do acaso. Aquele era mesmo um dia em que estava inspirado, como comprovam mais duas grandes defesas aos 67 e 69 minutos. E quando não era o guardião luso a travar a bola era a barra, como aconteceu à passagem da meia hora desta 2.ª parte. Os belgas desesperavam, com a aproximação do final do encontro carregavam com mais intensidade, estavam completamente balanceados no terreno, facto aproveitado e de que maneira pela CUF. Num lance de puro contra-ataque, quando o relógio marcava 84 minutos, «Juvenal corre com a bola pelo seu flanco, Vanderborght  tenta travá-lo, o jogador português prefere experimentar o centro, que Ihe sai em jeito de remate. Vanderborght, sempre atento, mete a cabeça a tentar o corte, mas a intervenção resulta infeliz, levando o esférico a ganhar altura e a escapar-se a De Bree que, entretanto, abandonava a baliza para tentar a intercepção, para ir, finalmente, alojar-se bem no fundo das balizas belgas». Estava feito o golo da vitória dos portugueses. Um auto-golo que premiou a equipa mais coesa e mais feliz, conforme titulava A Bola. Os belgas ainda tentaram evitar o escândalo, e estiveram muito perto quando Bjerre atirou de novo à barra. O resultado não se alterou e a CUF ganhou o seu primeiro jogo internacional fora de portas, o qual lhe haveria de abrir... a porta da eliminatória seguinte desta edição da Taça UEFA. Em jeito de balanço, Cruz dos Santos escrevia que  o «Racing, pelo que jogou e pelo que deixou adivinhar que habitualmente joga, não só não foi hoje como não é nunca, pelo menos no momento presente, mais equipa do que a CUF». Muitos elogios para os jogadores portugueses, especialmente para Conhé, «a grande sensação do jogo», e um tal de Manuel Fernandes, jovem avançado de 20 anos que fazia a sua estreia em jogos europeus. Manuel Fernandes, esse mesmo, que viria a ser lenda no Sporting e na seleção nacional. Sobre ele, Cruz dos Santos escreveu o seguinte: «Vinte anos e velocidade estonteante. Com esta juventude e com esta rapidez estava talhado para ser o homem que rompesse de surpresa pelo campo dos belgas. E fê-lo de maneira entusiástica. Em vaivéns arrasastes. Criou perigo sempre, mas quase nunca se lembrou de tentar o remate».

Manchete d' A Bola que exalta o feito da CUF

Cufistas pedem autógrafos a um desportista de dimensão mundial

Após o encontro Fernando Caiado era naturalmente um homem feliz. À reportagem d' A Bola diria que «estou encantado com a forma como os meus jogadores se bateram e jogaram. Foram muito inteligentes e portaram-se como veteranos em provas europeias. Embora fosse o adversário a marcar o nosso tento, nós, também, tivemos oportunidades. — Quanto ao futuro?  Agora, parece mais fácil, ainda que, no Barreiro seja tão difícil como antes de a eliminatória começar». Também Conhé estava radiante com a vitória e com a sua exibição. «Estou muito contente comigo e com os meus companheiros. Com humildade, mostrámos que a nossa equipa se pode bater com eles, de igual para igual. Não somos inferiores. Para a segunda mão vamos ter dificuldades, mas acredito na passagem à eliminatória seguinte. (Sobre o) "penalty"? Bem, não é o primeiro que defendo! Já tenho, até, defendido vários, mas este é especial, porque tem sabor a vitória».

Do outro lado havia naturalmente tristeza. O treinador Félix Week não se conformava: «Quinze cantos, três bolas na trave... e somos nós a marcar o golo do nosso adversário!», dando assim a entender que a sua equipa fez de tudo para ganhar o encontro. Quanto ao encontro da segunda mão: «Vamos trabalhar para podermos apresentar em Portugal um futebol do mesmo nível . E parabéns aos portugueses». Desportivismo acima de tudo. Inconformado mas esperançado com vista a uma reviravolta da eliminatória no Lavradio estava o guarda-redes Nico de Bree. «Não há dúvida que o encontro foi bastante agradável para os espectadores, embora eu considere que tivesse sido um jogo em que a sorte ditou leis . E a sorte foi para os portugueses. (...) Não me considero culpado no golo que sofri. O tento resultou de uma mistura de azar nosso e mérito dos portugueses. Mas enquanto há vida, há esperança, e esperemos agora que o nosso contra-ataque resulte em Portugal».

Este Racing White tinha como sócio de mérito um dos grandes nomes do ciclismo mundial daquele... e todos os tempos. Eddy Merckx. Esteve no estádio onde assistiu ao jogo, e antes do pontapé de saída esteve no balneário dos portugueses a dar autógrafos! Os dirigentes da CUF de pronto lhe fizeram o convite para assistir ao jogo da 2.ª mão em Portugal, todavia tal não seria possível já que o grande campeão belga tinha dois compromissos desportivos por alturas do confronto do Lavradio.

Para a eternidade aqui fica a ficha da primeira vitória internacional da CUF do Barreiro fora do seu estádio e que lhe haveria de abrir as portas da 2.ª eliminatória, já que no Lavradio se seguiu uma nova vitória sobre os belgas, desta feita por 2-0, com dois golos de Eduardo. A aventura europeia dos cufistas iria terminar às mãos dos alemães do Kaiserslautern na ronda seguinte.

Arbitro: David Smith (Grã-Bretanha), auxiliado por George Hartley e por George Byng.

Racing White: De Bree; Vercammen, Tuyaersts, Desanghere Vanderborght; Crombez, Bjerre e Depireux (Bergholtz, 60); Koens, Tengels e Veenstza.

CUF: Conhé; José António, Rodrigues, Castro e Esteves; Arnaldo, Fernando e Vítor Gomes, Manuel Fernandes, Monteiro (Capitão Mor, 75) e Juvenal.

ENTREVISTA COM JOÃO CASTRO

«...TÍNHAMOS UMA EQUIPA DE JOGADORES VALIOSOS E MUITO RAÇUDOS. NÃO TÍNHAMOS MEDO!»

Ele foi um dos homens que nesse dia em Bruxelas ajudou a fechar a porta da baliza de Conhé. Com ele trocámos breves palavras no sentido de recordar um pouco este jogo histórico da CUF. Ele foi titular em três dos quatro jogos europeus que os cufistas realizaram nesta época, assumindo-se como um dos jogadores mais experientes do plantel às ordens de Fernando Caiado. Estamos a falar de João Castro, mais um "produto" do Barreiro que brilhou quer com a camisola da CUF, quer (mais tarde) com a do Barreirense.

Museu Virtual do Futebol (MVF): Jogar uma eliminatória da UEFA é sempre um aliciante para qualquer clube ou jogador. Como é que o balneário da CUF viveu o início da aventura europeia de 72/73?

João Castro (JC): Lógico que se viveu com uma certa expectativa o jogo, mas devo dizer que também tínhamos uma excelente equipa e fomos para a Bélgica à vontade!

MVF: Hoje em dia com a tecnologia cada vez mais avançada é fácil conhecer ao pormenor cada adversário. Mas antigamente não era assim. Vocês sabiam alguma coisa do Racing White?

JC: Não, desconhecíamos por completo o valor do adversário! Mas nós fomos para lá todos contentes para esta nova aventura a nível internacional da CUF.

MVF: A experiência de Fernando Caiado, que enquanto treinador adjunto, viveu muitos jogos internacionais foi importante para aquilo que viria a ser o desfecho quer deste jogo quer da eliminatória?

JC: Sem dúvida que a experiência do Sr. Caiado teve muita importância neste jogo, porque como disse ele era muito conhecedor do futebol a nível internacional e isso ajudou muito.

MVF: E quando lá chegados, como é que sentiram que os belgas olharam para vocês? As crónicas desse jogo dizem que eles vos olharam de sobranceira, que achavam que vencer a CUF seria tarefa fácil. Isto é verdade?

JC: Não me lembro muito bem, mas acredito que se calhar eles olharam-nos com uma certa sobranceria, com a ideia de que o jogo já estava ganho. Mas o que é certo é que não se passou nada daquilo que eles pensavam, de que nós seriamos uma equipa fácil. Não foi nada disso o que se passou em campo.

MVF: Conta-se que em certos momentos os belgas usaram e abusaram a dureza em algumas jogadas e também pelo facto de não estarem a conseguir ultrapassar a muralha cufista, é verdade?

JC: Não acho que isso tenha sido verdade, pois até nesse aspeto eles nunca levaram vantagem porque nós tínhamos uma equipa também de jogadores valiosos e muito raçudos. Não tínhamos medo!

MVF: Em que momento do jogo é que vocês sentiram que iriam sair dali com a vitória, ou que podiam ganhar ao Racing White

JC: Quando fizemos o golo! Isto numa numa altura em que  eles já não entravam na nossa área. Embora, no final eu lembro-me que eles nos obrigaram a ter muito trabalho! Mas ganhámos.

MVF: Para terminar. Conta-se que antes do jogo do famoso ciclista Eddy Merckx esteve no balneário da CUF a distribuir autógrafos...

JC: Sim, é verdade, no final do jogo ele esteve nossa cabine a dar-nos os parabéns e nós aproveitámos para lhe pedir autógrafos.

quarta-feira, março 08, 2023

Jogos Memoráveis (5)... Barreirense - Dínamo de Zagreb (Taça das Cidades com Feira 1970/71)

Lance do confronto entre Barreirense 
e Dínamo de Zagreb
O Barreiro reserva um lugar muito especial na história do futebol português, já que serviu de berço para alguns dos melhores jogadores lusos de sempre. Figuras como Joaquim Carvalho, João Azevedo, José Augusto, Fernando Chalana, ou João Cancelo são filhos do Barreiro que brilharam, ou brilham no caso do lateral direito Cancelo, no Planeta da Bola. O Barreiro é conhecida como a cidade onde se viveu a revolução industrial em Portugal, pela mão de Alfredo da Silva, o criador da CUF. E foi precisamente a CUF um dos dois principais responsáveis pelo boom desportivo que a cidade da margem sul do (rio) Tejo viveu nos anos 60 e 70 do século passado. Sobretudo no futebol, em que o Barreiro se exibiu em grande plano quer a nível nacional, quer a nível internacional.

Ataque à baliza do Dínamo
Mas esta brilhante performance teve a mão de um outro símbolo incontornável da história desta cidade, o Futebol Clube Barreirense. Com 24 presenças no principal escalão do futebol português, o hoje centenário Barreirense - foi fundado em 1911 - escreveu páginas memoráveis na história do nosso futebol, sendo uma delas que vamos precisamente hoje recordar. Uma cintilante página que teve consequência na brilhante temporada de 1969/70, onde a turma do Barreiro alcançou a sua melhor classificação no Campeonato Nacional da 1.ª Divisão, um 4.º lugar, à frente de históricos como o Belenenses e o FC Porto. Desse grupo, orientado pelo Mestre da Tática Manuel Oliveira, faziam parte nomes como Chico Bolota, Carlos Azevedo, Artur Serra, João Carlos, Malagueta, entre outros, que ajudaram a qualificar o histórico emblema do Barreiro para as competições europeias da época seguinte, mais precisamente para a hoje extinta Taça das Cidades com Feira (TCcF). Naquela que seria a sua primeira e única aparição europeia, o Barreirense foi um dos clubes que participou na derradeira edição da TCcF, que daria o seu lugar, em 1971/72, à Taça UEFA, hoje em dia denominada de Liga Europa.

Quis o sorteio que o padrinho do Barreirense na alta roda do futebol internacional ao nível de clubes fosse o Dínamo de Zagreb, tão só uma das maiores potências da então Jugoslávia. Dínamo que ostentava já no seu palmarés um título continental, no caso a Taça das Cidades com Feira da época de 66/67, onde na final derrotaram os ingleses do Leeds United. Era pois um clube com pergaminhos europeus aquele que o Barreirense tinha pela frente, colocando aos portugueses a fasquia da dificuldade num nível alto.

Mas futebol é futebol, e tudo é possível, como ficou provado no jogo da 1.ª mão desta 1.ª eliminatória da TCcF. Jogo este que aconteceu no dia 16 de setembro de 1970, tendo como palco o Estádio D. Manuel de Melo, no Barreiro, que viveu uma autêntica tarde de festa. Disso dá conta o jornal A Bola, que no dia seguinte a este encontro trouxe uma extensa reportagem sobre a estreia do Barreirense na Europa do futebol.

A equipa do Barreiro que participou na Taça das Cidades com Feira em 70/71

«Foguetes, cabeçudos, tambores e uma infindável alegria foram o "folclore" do campo do Barreirense. Os jugoslavos ficaram surpreendidos com o ar festivo que por "tabela" os acolheu»
, podia ler-se numa foto-legenda publicada sobre esse encontro pelo jornal da Travessa da Queimada. Não era, contudo, a primeira vez que a cidade do Barreiro se vestia a preceito para acolher um jogo alusivo às eurotaças, visto que por duas ocasiões na década de 60 também a CUF havia entrado também em ação na TCcF.

Mas esta era a primeira vez do Barreirense, agora treinado pelo brasileiro Edsel Fernandes, o qual não teria muita sorte nesta sua aventura em terras lusas. O técnico, que fizera furor ao serviço América do Rio de Janeiro, saiu ao fim de oito jornadas a contar para o Nacional da 1.ª Divisão, deixando na altura o clube em último lugar da tabela classificativa, sendo substituído por Artur Quaresma.

Mas neste confronto com os jugoslavos ele estava no banco barreirense, a comandar uma equipa que na baliza tinha já uma promessa do futebol português, e que nos anos seguintes viria a tornar-se numa lenda. Manuel Bento, o seu nome. Então com 23 anos, o guardião, nascido na Golegã, iniciara a sua carreira como sénior ao serviço do Barreirense, transferindo-se para o Benfica dois anos mais tarde.

Também oriundo do América do Rio de Janeiro tinha chegado o defesa Nelinho, que na verdade teve uma passagem muito discreta por Portugal. Este jogador faria, porém, furor no regresso ao Brasil, onde defendeu com arte as cores do Cruzeiro e da seleção brasileira, que defendeu nos Mundiais de 1974 e de 1978.

Mas voltando à festa que na tarde de 16 de outubro de 70 estoirou no Barreiro, dizer que ela seria ainda maior no final do encontro, já que o Barreirense se agigantou e derrotou os teoricamente favoritos do Dínamo de Zagreb por 2-0.

Manuel Bento
Homero Serpa foi o jornalista encarregue de cobrir para A Bola este encontro,  escrevia que o Barreirense, «um bocadinho enervado como noivo que enfrenta a cerimónia nupcial, nunca quis ser uma equipa dominada, uma equipa que surge na Taça das Feiras só para "fazer calendário" e avisou os jugoslavos das suas intenções». E assim o fez perante um estádio quase repleto, não fosse a bancada sul apresentar algumas clareiras. Esta moldura humana resultou a boa quantia de 120 contos de receita. Números excelentes para a época. 

Apesar deste ímpeto inicial de querer vencer, o Barreirense acusou a estreia internacional, facto expresso nos números aparentemente curtos do triunfo. Pois se a tarimba internacional fosse outra, «os jogadores do Barreiro poderiam a estar hora estar tranquilamente deitando contas à vida adivinhando o nome do próximo adversário, se, realmente, possuíssem a seu favor a experiência, o calo, a rotina deste tipo de jogos. É que o triunfo, justo, justíssimo, não se alargou como devia, não criou amplitude porque vieram ao de cima em situações importantes da partida as inibições que adivinhamos possíveis no conjunto orientado por Edsel Fernandes», escrevia Homero Serpa quiçá adivinhando o vendaval que iria varrer com o Barreirense da Europa na viagem à então Jugoslávia. Este resultado foi digamos que lisonjeiro para um Dínamo que  de acordo com o jornalista não terá pesado bem o valor do futebol português daquele tempo, nem mesmo o facto de o Barreirense ter na época transata alcançado um brilhante 4.º lugar no campeonato nacional. No Barreiro, apareceu um Dínamo «confuso, surpreendido, indeciso, que deu a chance aos adversários, admitiu-lhes o futebol genicoso e apenas tentou contrapor-lhe uma monótona maneira de fazer passar o tempo, aguentando a bola ou mesmo fazendo-a passar os limites das quatro linhas».

Câmpora
As dimensões reduzidas do retângulo de jogo do Estádio D. Manuel de Melo também foram um obstáculo a uma equipa habitado a jogar em estádios bem maiores, como aquela turma jugoslava, que apresentou sérias dificuldades nas manobras ofensivas. Porém, Homero Serpa avisava que não contem com este Dínamo, a jogar a «20 à hora» na 2.ª mão, já que este não era o verdadeiro Dínamo de Zagred, sendo que o "original" iria na visão do jornalista jogar em sua casa e em grande velocidade um futebol largo que iria colocar sérias dificuldades aos portugueses. E na verdade, foi isso mesmo o que aconteceu. Mas voltemos ao jogo da 1.ª mão, em que o Barreirense na análise de Homero Serpa levou tempo a compreender que não se sentia bem em campo, que a equipa que surgiu no Barreiro era «uma desagradável surpresa» pelo pobre futebol exibido, e de maneira que quando o golo inaugural da partida apareceu «já os da casa haviam perdido por manifesto nervosismo duas oportunidades flagrantes». Mas o golo, «oportuno e merecido» lá surgiu à passagem do minuto 30 do primeiro tempo. O seu autor foi Serafim, sendo que o "desenho" deste tento foi feito da seguinte maneira pelo jornalista: «Câmpora, no meio campo do adversário, meteu muito bem a bola na frente de José Carlos. O extremo barreirense centro de cima da linha de cabeceira, Câmpora (já na zona central e perto da baliza) falhou o remate e entrou em luta com Ramljak, mas a bola ressaltou para Serafim que rematou forte e por alto».

Este golo galvanizou o Barreirense, que a partir daqui balanceou-se por completo ao ataque, "desenhando" no relvado «jogadas muito bem delineadas, conduzidas, por norma, pelos extremos que sempre tentaram concluí-las, metendo a bola nos pés ou na cabeça dos companheiros da zona frontal. Podemos dizer, sem sombra de favoritismo, aliás absolutamente descabido, que o Barreirense foi a única equipa organizada e com poder atacante durante todo o primeiro tempo», assim analisava Homero Serpa.    

O internacional brasileiro Nelinho com
o manto sagrado do Barreirense
O Barreirense corria, pois, à procura do segundo golo, uma toada em que se desenvolveu toda a segunda parte. Por sua vez, o Dínamo queimava o tempo conforme podia, sem chama e sem soluções para atacar com perigo a baliza de Bento. Nesta etapa complementar o Barreirense jogou com um 12.º jogador, isto é, o seu público, cerca de 7000 almas que por um lado percebendo a apatia dos jugoslavos, e por outro vendo a postura ofensiva da sua equipa, o querer em voltar a marcar, decidiu puxar pela equipa, empurrando-a ainda mais para a baliza de Fahrija Dautbegovic. Este apoio foi por ventura uma injeção de energia renovada para o Barreirense, que galvanizado pelos seus adeptos continuou ao ataque. Porém, o merecido segundo golo só chegaria ao cair do pano, por intermédio do Câmpora, um uruguaio que após a sua retirada do futebol adotou o Barreiro como a sua terra. «Faltava um minuto para a partida terminar, quando o Barreirense fez o 2-0. Livre junto à linha lateral do lado da bancada, apontado por Serra com um ligeiro toque a solicitar a intervenção do dinâmico José João. O jogador barreirense levou a bola, driblou em progressão, e mesmo de cima da linha de cabeceira tirou um centro com força. Falhanço do "keeper" e da defesa jugoslava, batida pela velocidade e trajetória da bola, e entrada rapidíssima, fulgurante de Câmpora a rematar sobre a linda de baliza». assim foi descrito por A Bola um golo que se tivesse aparecido mais cedo poderia ter levado o Barreirense a um resultado mais dilatado.

No rescaldo final desta histórica vitória da equipa da margem sul, Homero Serpa escrevia que acontecesse o que acontecesse nesta eliminatória entre o novato Barreirense e o experiente Dínamo de Zagreb, «uma verdade já é incontestável: a turma do Barreiro fez um excelente resultado, realizou uma bela partida e venceu com todo o merecimento. Foi uma estreia brilhante, tão brilhante que os jugoslavos, jogadores de categoria e habituados a competir a nível europeu, não conseguiram sequer empalidecer. Na história do glorioso Barreirense pode acrescentar-se este capítulo inédito. (...) O Barreirense jogou muito unido, muito apoiado, e magnificamente consciente da utilidade de cada pedra, dando-lhe o valor e o trabalho consequentes».

Nas cabines foram ouvidos alguns dos protagonistas deste embate, tendo Câmpora dito que «o jogo foi difícil. Não metemos mais golos porque também tínhamos de defender, mas lá fora os nossos golos valem dois e não devemos ficar em branco».

Aspeto da bancada do Estádio D. Manuel Melo
no dia do batismo europeu do Barreirense
Por sua vez, o brasileiro Nelinho, que havia entrado na segunda metade, não estava totalmente feliz: «Foi horrível a minha atuação. A equipa esteve bem eu é que estive mal». Já o treinador Edsel Fernandes disse que «o jogo foi o que se esperava, mas a minha equipa merecia melhor resultado.  Temos muitas possibilidades de passar a eliminatória». Enquanto o otimismo para o segundo encontro reinava na cabine portuguesa, no balneário dos visitantes pairava um certo fanfarronismo, a julgar pelas palavras do treinador Zlatko Cajkovski, que apesar de considerar o Barreirense como uma equipa aguerrida, anteviu desde logo que os portugueses não teriam a mínima hipótese em Zagreb. E estava tão certo. «O nosso desaire foi motivado, primeiro, pela adaptação difícil dos meus jogadores ao terreno, muito curto em relação ao nosso. Por outro lado, culpo os meus jogadores por não terem lutado tanto como o costume».

Esta vitória fica, naturalmente, para a história, mas seria demasiado curta para que o Barreirense prosseguisse o sonho europeu, já quem em Zagreb seria goleado por 6-1.

E para a história fica a ficha deste jogo do Barreiro, que teve arbitragem do francês  Georges Uhlén:

Barreirense: Manuel Bento, Artur Serra, Alfredo Bandeira, João de Almeida, Francisco Candeias (Luís Mira, 80), José João, Valter Costa (Nelinho, 57), João Carlos, José Carlos, Henrique Câmpora, e Serafim de Oliveira. Treinador: Edsel Fernandes.

Dínamo de Zagreb: Fahrija Dautbegovic, Zlatko Mesic, Mladen Ramljak, Branko Gracanin, Josip Lalic (Marijan Cercek, 46), Filip Blaskovic, Josip Gucmirtl, Daniel Piric, Krasnodar Rora, Josip Razic (Ivan Miljkovic, 63) e Drago Vabec. Treinador: Zlatko Čajkovski.

Vídeo: BARREIRENSE - DINAMO DE ZAGREB*

*Créditos: www.fcbarreirense.com

segunda-feira, julho 15, 2013

Competições jovens (1)... Campeonato do Mundo de Sub-20/Tunísia 1977

Peder alguém tão querido, importante, e insubstituível como uma mãe abre em nós uma ferida eterna, que jamais será cicatrizada. É pois com o sangue a jorrar em catadupa que regresso hoje às viagens pelo passado do belo jogo, fazendo-o com a inauguração de uma nova vitrina, um espaço onde daqui em diante irão ser recordados os grandes eventos internacionais que viram a luz do dia com a intenção de revelar ao Mundo os craques do futuro deste jogo que tanto nos encanta. Falamos das competições jovens, onde ao longo de décadas centenas, ou milhares, de jovens jogadores evoluíram, carregando consigo o sonho de dar o passo para o palco principal do futebol internacional, isto é, o patamar profissional sénior. Nem todos o conseguiram, ficando às portas de uma desejada e brilhante carreira profissional. Outros porém, confirmaram todo o seu potencial no plano sénior, e muitos deles ascenderam mesmo ao patamar das lendas, casos de Maradona, Dunga, Bebeto, Casillas, Xavi, Figo, ou Messi.
Bom, todas as histórias têm um início, e o nosso início remonta a 1977, ano em que a FIFA dá vida ao Campeonato do Mundo de sub-20, também denominado de Mundial de júniores. E para a estreia o palco escolhido foi a Tunísia, nação situada no norte de África que entre 27 de junho e 10 de julho do citado ano reuniu 16 países que entre si lutaram pela posse da coroa de príncipes do futebol planetário. Quatro grupos foram distribuídos por outras tantas cidades tunisinas, cabendo às seleções da França e da Espanha dar o pontapé de saída da jovem competição em simultâneo com Itália e Costa do Marfim, que à mesma hora jogavam em Sousse, para o grupo C. O duelo entre os vizinhos franceses e espanhóis estava integrado no grupo A, tendo tido lugar em Rades, sendo que no final estes últimos levaram a melhor na sequência de um triunfo por 2-1, com golos de Escobar e Casas, enquanto que para os gauleses Bacconnier apontou o tento de honra. Curiosidade é que na baliza da Espanha estava um então desconhecido Paco Buyo, que mais tarde se haveria de tornar num dos mais lendários guarda-redes do futebol espanhol, brilhando sobretudo ao serviço do Real Madrid.
Nesse mesmo dia, horas mais tarde, entrava em campo uma das seleções que encantou neste Mundial, o México. Com um futebol eletrizante, de ataque contínuo, os mexicanos esmagaram a seleção da casa na estreia, por 6-0, com destaque para o hattrick (três golos) de Luis Placencia.

Na segunda jornada do grupo A o México deu um passo de gigante rumo às meias-finais (nota: fase esta para onde se qualificavam os vencedores dos quatro grupos desta primeira fase) após empatar com a favorita seleção espanhola a uma bola, enquanto que no outro jogo Thierry Meyer dava ainda alguma esperança - de qualificação - aos franceses, já que dos seus pés saiu o único golo com que les blues bateram a seleção tunisina, equipa esta que desta forma dizia matematicamente adeus à fase seguinte.
E talvez por nada mais terem a ganhar - ou perder - na sua competição, a não ser defender com dignidade a bandeira que representavam, os jogadores africanos fizeram - na última jornada da fase de grupos - a vida negra a uma Espanha que precisava de uma vitória para seguir em frente e esperar que o México tropeçasse diante da França. Pois bem, neste último aspeto as contas até saíram bem aos espanhóis, já que gauleses e mexicanos empataram a uma bola no primeiro jogo do dia do grupo A, um resultado que estendia à Espanha a passadeira vermelha rumo às meias-finais. No entanto, e como se costuma dizer, por vezes a teoria não confirma a prática, e aos 52 minutos do duelo com a Roja europeia Ben Fattoum bateu Buyo e ofereceu uma sensacional e inesperada vitória à equipa da casa, que assim se despedia em glória do torneio e mandava os favoritos europeus mais cedo do que o previsto para casa. Em frente seguia pois o México.

Arte charrúa imperou no Grupo B

O grupo B ficou sediado na capital Tunes, e teve como grande dominador o forte combinado do Uruguai, nação que ao longo de décadas ofereceu ao planeta da bola inúmeros artistas, sendo que neste primeiro torneio juvenil esta tendência não fugiu à regra. Jogadores como Venancio Ramos, Hugo de León, ou Ruben Paz faziam parte do selecionado sul-americano que viajou para a Tunísia no escaldante verão de 77, e que posteriormente brilharam a grande altura no patamar sénior. E logo no primeiro jogo os charrúas colocaram em campo toda a sua arte, diante do principal rival do grupo, a Hungria, seleção esta que não conseguiu evitar a derrota por 1-2, um encontro onde curiosamente todos os golos foram apontados durante os primeiros 25 minutos. No outro encontro mediram forças os dois outsiders do grupo, Marrocos e Honduras, com a balança da vitória a pender para esta última equipa graças a um tento solitário de Norales.

Hondurenhos que na ronda seguinte não tiveram a felicidade da estreia do seu lado, não conseguindo evitar uma derrota por 0-1 diante do favorito Uruguai, que desta forma praticamente garantia a presença na fase seguinte. Quanto aos Leões do Atlas, o mesmo é dizer Marrocos, despediam-se do torneio na sequência de um novo desaire, desta feita diante da Hungria, por 0-2.
Europeus que precisavam de um milagre para alcançar as meias-finais, milagre esse que passava por uma derrota do Uruguai diante dos marroquinos e da necessidade imperial de vencer as Honduras na derradeira ronda do grupo. No entanto a ajuda divina acabou por não surgir, já que o combinado do leste europeu não só perdeu o seu jogo (0-2) como viu o principal rival do grupo bater por três golos sem resposta os norte-africanos.

Escrete confirma favoritismo em contraposto com uma pobre Squadra Azzurra

No grupo C estavam integradas as duas seleções quiçá mais favoritas à conquista do até então inédito título mundial de júniores, a Itália e o Brasil. Dois gigantes do futebol planetário que em Sousse tiveram porém desempenhos bem distintos. O estádio olímpico desta cidade costeira assistiu a um dos dois desafios que abriram este Mundial, no dia 27 de junho, neste caso entre Itália e Costa do Marfim, que mediam forças em simultâneo com o duelo entre França e Espanha, a contar para o grupo A, como já fizemos referência no início desta viagem. Italianos, e um jogador muito em particular, que entraram para a história do torneio juvenil da FIFA, quando aos 11 minutos apontaram o primeiro golo de um Campeonato do Mundo de sub-20. Tal façanha pertenceu a Luigi Capuzzo, atacante que na época pertencia aos quadros da Juventus. Este foi no entanto o único momento dourado de uma squadra azzurra que teve uma performance a todos os títulos dececionante. Ante a Costa do Marfim os europeus deixaram escapar a vitória a cerca de 13 minutos do final, altura em que Kouassi fez o 1-1 final.
No outro encontro a típica magia do futebol brasileiro encantou o público presente nas bancadas do Olímpico de Sousse. Ante o frágil e desconhecido Irão o Brasil sublinhou a sua incontestável supremacia com uma goleada de 5-1, com destaque para aquele que viria a ser o melhor marcador do torneio, Guina, que neste encontro fez três dos cinco golos do escrete.

Na ronda seguinte a Itália volta a desiludir. Ante os asiáticos a azzurra, que no seu coletivo tinha nomes que mais tarde atingiriam a ribalta do belo jogo, casos do guarda-redes Giovanni Galli (brilhou ao serviço do Milan na década de 80), e do médio-ala Giuseppe Baresi (irmão mais velho do lendário defesa Franco Baresi), não foi além de um desolador empate sem golos ante o Irão. Porém, o principal rival dos transalpinos também não teve uma tarde feliz nessa segunda jornada, já que não conseguiu melhor do que uma igualdade a um golo diante dos costa-marfinenses. Empate que chegou em cima do apito final (89 minutos) do árbitro tunisino Mohamed Kadri por intermédio de Cléber, já que desde os 46 minutos de jogo que o Brasil estava surpreendentemente em desvantagem no marcador!
Costa do Marfim que com dois sensacionais empates ante os tubarões do grupo partia para a derradeira jornada com reais esperanças de se qualificar para a fase seguinte, precisando para isso de uma aparentemente fácil vitória sobre a seleção mais frágil da chave, o Irão. Contudo, os iranianos não queriam sair de Sousse sem uma boa lembrança deste campeonato, e para isso nada melhor do que uma robusta vitória por 3-0, que deixou de imediato os africanos de fora da corrida pelo apuramento.

Assim sendo, o Brasil - Itália ganhava contornos de final. Quem vencesse seguia em frente, sendo que para os brasileiros bastaria um empate para fazer a festa. Mas o futebol-arte dos canarinhos veio mais uma vez ao de cima diante da paupérrima Itália, e logo aos 11 minutos o médio goleador Guina abriu o ativo para o selecionado orientado pelo lendário - enquanto jogador - Evaristo de Macedo. No início da segunda parte o avançado Paulinho fez o 2-0 final, selando assim a qualificação para as meias-finais da sua equipa.

Frieza soviética ditou leis

Finalmente, o grupo D, onde figuravam os conjuntos do Iraque, Paraguai, Áustria, e a ex-União Soviética. De semblante frio, mais parecendo robots programados (!), os soviéticos apresentaram um coletivo estremamente bem organizado, assente numa sólida e praticamente intransponível defesa, e num letal ataque. O eficaz futebol-mecânico do conjunto de leste fez mossa logo na primeira jornada do grupo D, sendo a vítima o Iraque, que sem armas para parar o rápido jogo dos europeus não conseguiu melhor do que evitar uma derrota por 1-3, com o destaque individual desse encontro a centrar-se no avançado Valeri Petrakov, autor de dois remates certeiros.
No outro encontro do grupo, que teve como sede a cidade de Sfax, o Paraguai batia a Áustria por uma bola a zero, graças a um tento solitário de Victor Morel. Particularidade neste primeiro Mundial de júniores o facto de a maioria das seleções europeias terem tido uma performance verdadeiramente desastrosa. França e Espanha no grupo A, Hungria no B, Itália no C, e Áustria no D não fizeram mais do que figura de corpo presente, sendo que os austríacos fizeram a sua despedida a prova na segunda jornada após uma pesada derrota diante do desconhecido Iraque por 1-5!


A excessão do desastre europeu foi mesmo a União Soviética, que na segunda ronda praticamente selou a presença nas meias finais graças a um triunfo por 2-1 sobre os paraguaios, com destaque para o golo e a exibição sublime de Vladimir Bessonov, para muitos considerado o melhor jogador deste primeiro torneio da FIFA.

Na terceira e última ronda de nada valeu a goleada do Paraguai sobre o Iraque, por 4-0, com destaque para o bis (dois golos) da estrela-mor dos sul-americanos, o centro-campista Pedro Lopez.
E no outro encontro a Áustria despediu-se do Mundial juvenil com um empate a zero bolas ante a equipa mais forte do grupo, os qualificados soviéticos.

Lotaria dos penaltis decide finalistas

Rades foi a localidade escolhida pela organização para acolher quer os jogos das meias-finais, quer os encontros de atribuição dos terceiro e quarto lugares e final. Começando pelas meias-finais a curiosidade reside no facto de ambos os jogos terem sido decididos após a marcação de grandes penalidades.
A 6 de julho Brasil e México subiram ao relvado do Estádio El Menzah, recaindo o favoritismo sobre o conjunto treinado por Evaristo de Macedo. Porém, os mexicanos partiam para este duelo com o título de seleção surpresa do torneio, já que haviam deixado para trás os fortes conjuntos da Espanha e da França durante a primeira fase. E seria após uma primeira parte equilibrada, e sem golos, que os mexicanos se adiantariam no marcador aos 53 minutos, na sequência de um tento de Eduardo Rergis. O Brasil tremeu, mas não caiu, e seis minutos volvidos Jorge Luíz repôs a igualdade. O tempo foi passando e a defesa do país centro-americano levou a melhor sobre a avalanche ofensiva canarinha que se seguiu após o golo de Jorge Luíz. O prolongamento não encontrou um primeiro finalista, pelo que foi necessário recorrer-se às grandes penalidades. E aqui a lotaria saiu aos mexicanos, que derrubariam os artistas brasileiros por 5-3. Igual sorte, ou mérito, tiveram os soviéticos no dia seguinte, já que após um nulo com a combatida a criativa seleção uruguaia foram mais felizes no desempate por grandes penalidades, neste caso por 4-3.

Lotaria voltou a andar à roda para definir o campeão

A 9 de julho Rades engalanou-se para assistir a um dos clássicos do futebol sul-americano, protagonizado por Brasil e Uruguai, que entre si lutavam pela medalha de bronze. Contra todas as expectativas este foi um duelo desequilibrado, conforme traduz a expressiva vitória canarinha por 4-0. O bronze estava assim entregue. E mais do que a medalha de bronze o Brasil saia da Tunísia com o melhor ataque da prova (13 golos) e com o melhor homem-golo do certame (Guina, com quatro remates certeiros).
Um dia mais tarde realizou-se a grande final. Frente a frente o eficaz mecânico futebol soviético contra o eletrizante e fantasista futebol mexicano. Um grande encontro em perspectiva. E assim foi. Após uma primeira parte sem golos o verdadeiro espetáculo apareceu na etapa final. E o primeiro toque artístico foi dado aos 50 minutos por intermédio de Fernando Garduno, que desta forma colocava os centro- americanos na frente. Sol de pouca dura no entanto, já que dois minutos volvidos a estrela soviética, e melhor jogador desta final, Vladimir Bessonov, restabeleceu a igualdade.

O encontro estava aberto, de ataque contínuo a ambas as balizas, e um novo golo poderia surgir a qualquer momento. E voltou a acontecer aos 59 minutos, através de Manzo, que assim voltava a recolocar o México na frente. A União Soviética não desistiu, e com rápidos toques ia levando a bola sempre com perigo à baliza de Marco Paredes. Como diz o velho ditado "tantas vezes o cântaro vai à fonte que um dia acaba por partir", e a dois miuntos dos 90 a vontade dos europeus foi premiada com o justo golo da igualdade, da autoria, claro está, de Bessonov. O árbitro francês Michel Vautrot apitou pouco depois para o fim do jogo. Veio o prolongamento que nada decidiu, e mais uma vez recorreu-se à lotaria das grandes penalidades. E mesmo aqui o empate resistiu, pois só no final da segunda série de penaltis se encontrou um campeão, o qual dava pelo nome de União Soviética, que com uma vitória por 9-8 se tornava assim no primeiro campeão mundial de júniores da história. E para a eternidade ficavam nomes como Sergei Baltacha, Andrei Bal, e claro Vladimir Bessonov, entre outros, os heróis soviéticos.

A figura: Guina

Vladimir Bessonov foi rotulado pela FIFA como o melhor jogador do Mundial de 1977. Porém, e para nós, o cerebral estilo de jogo do soviético só foi eclipsado pela magia do brasileiro Aguinaldo Roberto Gallon, conhecido nos relvados como Guina. Médio ofensivo ele foi aos 19 anos o melhor marcador do torneio, com quatro golos, e mais do que isso o verdadeiro camisa 10 do escrete, o maestro da orquestra montada por Evaristo de Macedo. O Campeonato do Mundo de Sub-20 foi mesmo o minuto de fama de Guina no planeta da bola. Nascido a 4 de fevereiro em Ribeirão Preto ele representava o Vasco da Gama na altura em que integrou o selecionado brasileiro que viajou até à Tunísia. 1977 foi mesmo um ano de ouro para o jovem Guina, já que ao serviço do emblema do Rio de Janeiro ele venceu o campeonato carioca e a Taça Guanabara. Saiu de São Januário (casa dos vascaínos) em 1981 para rumar à Europa, mais concretamente a Espanha, onde durante cinco temporadas e meia defendeu as cores do Real Murcia. Em 1986/86 atravessou a fronteira para em Portugal defender por meia temporada as cores do Belenenses. Voltaria a Espanha, onde jogaria mais quatro temporadas, três ao serviço do Tenerife e uma com o emblema do Elche ao peito. Pendurou as chuteiras em 1992 na sua cidade natal, ao serviço do Botafogo Futebol Clube. Pela seleção principal do Brasil, Guina só atuou uma única vez!

Nomes e números:

Grupo A

1ª Jornada

França - Espanha: 1-2
(Becconnier, aos 75m)
(Escobar, aos 29m, Casas, aos 60m)

México - Tunísia: 6-0
(Placencia, aos 48m, aos 69m, aos 72m, Manzo, aos 46m, aos 47m, Garduno, aos 56m)

2ª Jornada

Espanha - México: 1-1
(Escobar, aos 46m)
(Rodriguez, aos 73m)

Tunísia - França: 0-1
(Meyer, aos 20m)

3ª Jornada

França - México: 1-1
(Wiss, aos 64m)
(Moses, aos 70m)

Espanha - Tunísia: 0-1
(Ben Fattoum, aos 52m)

Classificação

1-México: 4 pontos
2-Espanha: 3 pontos
3-França: 3 pontos
4-Tunísia: 2 pontos

Grupo B

1ª Jornada

Marrocos - Honduras: 0-1
(Norales, aos 46m)

Uruguai - Hungria: 2-1
(Diogo, aos 15m, Bica, aos 25m)
(Peter, aos 17m)

2ª Jornada

Honduras - Uruguai: 0-1
(Nadal, aos 29m)

Hungria - Marrocos: 2-0
(Kerekes, aos 26m, Nagy, aos 56m)

3ª Jornada

Hungria - Honduras: 0-2
(Yearwood, aos 7m, Duarte, aos 30m)

Uruguai - Marrocos: 3-0
(Nadal, aos 36m, Enrique, aos 44m, Ramos, aos 51m)

Classificação

1-Uruguai: 6 pontos
2-Honduras: 4 pontos
3-Hungria: 2 pontos
4-Marrocos: 0 pontos

Grupo C

1ª Jornada

Itália - Costa do Mardim: 1-1
(Capuzzo, aos 11m)
(Kouassi, aos 77m)

Brasil - Irão: 5-1
(Guina, aos 22m, aos 29m, aos 39m, Paulo Roberto, aos 37m, Júnior Brasília, aos 52m)

2ª Jornada

Irão - Itália: 0-0

Costa do Marfim - Brasil: 1-1
(Semon, aos 46m)
(Cléber, aos 89m)

3ª Jornada

Irão - Costa do Marfim: 3-0
(Asheri, aos 31m, aos 87m, Barzegar, aos 80m)

Brasil - Itália: 2-0
(Guina, aos 11m, Paulinho, aos 48m)

Classificação

1-Brasil: 5 pontos
2-Irão: 3 pontos
3-Itália: 2 pontos
4-Costa do Marfim: 2 pontos

Grupo D

1ª Jornada

União Soviética - Iraque: 3-1
(Petrakov, aos 19m, aos 23m, Bal, aos 39m)
(Munshid, aos 77m)

Áustria - Paraguai: 0-1
(Morel, aos 62m)

2ª Jornada

Iraque - Áustria: 5-1
(Muhammad, ao 1m, aos 34m, aos 38m, Munshid, aos 30m, Hammadi, ?)
(Weiss, aos 28m)

Paraguai - União Soviética: 1-2
(Battaglia, aos 38m)
(Khidiyatullin, aos 29m, Bessonov, aos 59m)

3ª Jornada

Paraguai - Iraque: 4-0
(Lopez, aos 30m, aos 68m, Salmaniego, aos 26m, Gimenez, aos 67m)

Áustria - União Soviética: 0-0

Classificação

1-União Soviética: 5 pontos
2-Paraguai: 4 pontos
3-Iraque: 2 pontos
4-Áustria: 1 pontos

Meias-finais

México - Brasil: 1-1 (5-3 nas grandes penalidades)
(Rergis, aos 53m)
(Jorge Luíz, aos 59m)

União Soviética - Uruguai: 0-0 (4-3 nas grandes penalidades)

Jogo de atribuição dos 3º e 4º lugares

Brasil - Uruguai: 4-0
(Cléber, aos 13m, Paulo Roberto, aos 30m, Paulinho, aos 53m, Tião, aos 69m)

Final

União Soviética - México: 2-2 (9-8 nas grandes penalidades)

Data: 10 de julho de 1977

Estádio: El Manzah, em Rades (Tunísia)

Árbitro: Michel Vautrot (França)

União Soviética: Novikov (Sivuha, aos 100m), Kriachko, Baltacha, Kaplun, Iljin, Bal, Bessonov, Khidiyatullin, Bychkov, Sopko, e Bodrov. Treinador: Serguel Massiaguine

México: Paredes, Mora, Rubio, Alvarez, Cosio, Rodriguez, Garduno, Rergis, Lopez Zarza, Manzo, Placencia. Treinador: Alfonso Portugal

Golos: 0-1 (Garduno, aos 50m), 1-1 (Bessonov, aos 52m), 1-2 (Manzo, aos 59m), 2-2 (Bessonov, aos 88m)
     
Legenda das fotografias:
1-Troféu que premeia o campeão do Mundo de sub-20
2-Cartaz oficial do Tunísia 77
3-Seleção do Uruguai
4-Luigi Capuzzo, autor do primeiro golo de uma fase final
5-Selecionador do Brasil, Evaristo de Macedo
6-A estrela soviética, Bessonov
7-Pedro Lopez, do Paraguai
8-O Estádio de Rades, onde decorreram as meias-finais e a final do certame
9-Fase da final do campeonato (1)
10-Fase da final do campeonato (2)
11-Guina, o melhor marcador do Mundial
12-A seleção da França
13-Seleção brasileira
14-Presidente da FIFA, João Havelange, entrega o trofeú de campeão aos soviéticos
15-Para a eternidade, a equipa da União Soviética, a primeira campeã mundial de júniores

DEDICADO A UMA GRANDE SENHORA, A UMA GRANDE AMIGA, A UM GRANDE SER HUMANO, A UMA ENORME E ÚNICA MÃE... A MINHA MÃE, QUE ETERNAMENTE VIVERÁ DENTRO DO MEU CORAÇÃO...