Mostrando postagens com marcador Giampiero Combi. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Giampiero Combi. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, maio 07, 2021

Cidades do Futebol (3)... Turim: o berço do futebol italiano onde nasceu um gigante (Juventus) e um infeliz desta vida (Torino)

Foi em Turim que o futebol em Itália nasceu
Itália é muito provavelmente o país do Mundo onde o futebol exerce uma pressão quase asfixiante sobre os seus protagonistas, o mesmo é dizer sobre jogadores e treinadores. E não são apenas os adeptos a cobrar de forma voraz os artistas da bola quando as coisas correm menos bem, já que também a imprensa desportiva detém um papel extraordinariamente feroz na hora de analisar as exibições e comportamentos de futebolistas e treinadores. Um pouco por todo o país da bota é assim há muitas décadas a esta parte.

A popularidade do futebol em Itália excede aquilo o que se vê e sente noutros países do globo, de tal maneira é a paixão fervorosa com que o Belo Jogo é encarado. E esta paixão registou-se muito antes de o futebol moderno - nascido em Inglaterra - ter visto a luz do dia, pois contrariamente ao que acontece com a maioria dos países da Europa em terras transalpinas já existia um jogo semelhante ao futebol criado por volta do século XVI, o Calcio Florentino. Era uma mistura de futebol e rugby, a partir do qual dizem muitos historiadores que viria a desenvolver-se o futebol moderno.

Efetivamente, este último só floresce em Itália no século XIX por influência britânica, tal como na maior parte do planeta, tendo como berço a região norte do país, mais concretamente na cidade de Turim, embora em Génova e Milão muitos ingleses na última década do atrás citado século dão início ao pontapé na bola em termos mais oficiais com a criação de clubes. Mas é em Turim que o futebol nasce em Itália.

Turim era então, e continua a sê-lo nos dias de hoje, uma cidade industrial, onde predomina(va) a classe trabalhadora, com uma vontade férrea de vencer sob todos os aspetos. Em contraposto está Milão, cidade ligada à moda, que sempre levou um estilo de vida com mais glamour e mais etiqueta.

Edoardo Bosio, o pai do futebol italiano

Edoardo Bosio
Mas voltemos a Turim, onde tudo começou nos anos 80 do século XIX pela mão de Edoardo Bosio, considerado por muitos como o pai do futebol moderno em Itália. Nascido a 9 de novembro de 1864 precisamente em Turim, Edoardo tinha origem helvética, já que o seu pai era suíço de nascimento. Giacomo Bosio, o progenitor de Edoardo, foi aliás fundador da primeira cervejaria em Turim, em 1845, ficando assim claro que a veia do pioneirismo estava patente no ADN da família Bosio. Edoardo começou a trabalhar na casa dos vinte anos para uma empresa têxtil sediada em Nottingham e seria na sequência da sua permanência em Inglaterra que o jovem ítalo-suíço travou conhecimento com o football que se praticava em Terras de Sua Majestade. De volta à Itália, com uma bola debaixo do braço, ele decide fundar em 1887 um clube de futebol, nascendo assim o Torino Football and Cricket Club, o primeiro emblema do futebol moderno no país da bota.

Equipado de camisa listrada vermelha e preta, este clube além de futebol permitia aos seus integrantes praticarem críquete e o remo, outra grande paixão desportiva de Bosio. Porém, é o futebol que rapidamente começa a contagiar os habitantes de Turim, e dois anos depois, em 1889, nascia o Nobili Torino, sendo que a partir daqui a atividade futebolística da cidade orbitava em torno destes dois clubes, os dois mais antigos da Itália, disputando acérrimos encontros entre eles, pelo que podemos afirmar que o Nobili Torino - Torino FCC é o clássico, ou dérbi, mais antigo da Itália.

A camisola do
Torino FCC
Voltando ao Nobili Torino, dizer que assim se chamava porque de facto os seus jogadores eram realmente nobres e aristocráticos, sendo que à frente do clube estava um almirante, de sua graça Luigi Amedeo  di Saboia, também conhecido como Duca (duque) degli Abruzzi. Dois anos e vários duelos depois as equipas de Bosio e dos nobres fundem-se para dar vida ao Internazionale di Torino que participou nos primeiros campeonatos de futebol e cuja existência foi caracterizada pelo início da rivalidade com o Genoa, dando-se assim início às rivalidades inter-cidades, tendo em conta que é na última década do século XIX que o futebol se começa a expandir por outras regiões do norte, nomeadamente Génova e Milão.

No entanto, era em Turim que o futebol continuava a crescer a olhos vistos e em 1894 nasce o FC Torinese, ao passo que a Royal Gymnastics Society of Turin (já ativa desde 1844) cria em 1897 a secção dedicada ao jogo de futebol. No mesmo ano, um grupo de jovens alunos do colégio clássico Massimo d'Azeglio fundou o Sport-Club Juventus, escolhendo como manto sagrado um elegante uniforme rosa com gravata ou taramelo. Mal sabiam que estavam a dar o primeiro passo de um clube que com o passar das décadas se haveria não só de tornar no emblema mais popular e laureado de Itália como um dos maiores de todo o Mundo, a Vecchia Signora (a Velha Senhora), a toda poderosa Juventus.

Início da competição futebolística em Itália acontece em Turim

O Torinese em 1894
É igualmente em Turim que em 1898 acontece um facto histórico no futebol transalpino, já que este é o ano em que se realiza o primeiro campeonato italiano, organizado sob a batuta da Federação Italiana de Futebol, nascida precisamente em 1898, em Turim, sendo que um dos seus fundadores foi precisamente Edoardo Bosio. E para o primeiro grande torneio nacional quatro equipas mediram forças entre si no sentido de apurar o primeiro campeão de Itália, nomeadamente o Internazionale di Torino, o FC Torinese, o Royal Gymnastics Society of Turin e o Genoa Cricket and Football Club. Foi um torneio eliminatório envolvendo estes quatro clubes, sendo que todos os três jogos foram disputados no Velódromo Umberto I, em Turim, a 8 de maio ao longo de um só dia. O vencedor e consequentemente o primeiro campeão italiano foi o Genoa, que na final bateu o Internazionale di Torino por 2-1 após prolongamento.

Fase de um no Velódromo Umberto I
O Velódromo Umberto I tornou-se assim na primeira grande catedral do calcio italiano, um recinto com capacidade para 15.000 espectadores que havia sido construído em 1895 e destinado ao ciclismo, mas que a partir de 1898 começa a acolher jogos de futebol. Estava localizado no bairro La Crocetta de Torino, dentro do parque Corso Re Umberto, próximo ao hospital Mauriziano. Entre 1904 e 1906 torna-se no campo de ação da Juventus, tendo sido ali que em 1905 a Juve venceu o seu primeiro scudetto (campeonato de Itália). Edoardo Bosio não foi apenas o introdutor do futebol em Itália, ele também foi um dos primeiros intervenientes no retângulo de jogo, tendo participado nas três primeiras edições do campeonato italiano: em 1898 e 1899 pelo Internazionale di Torino e em 1900 pelo FC Torinese. É ele quem marca o  primeiro golo da história do campeonato italiano de futebol, um golo que permitiu ao Internazionale Torino vencer o FC Torinese por 2-1. Precisamente em 1900 o Internazionale di Torino  é absorvido pelo FC Torinese, que, por sua vez em 1906 acolheu um grupo de dissidentes que tinham deixado a Juventus para dar vida a Torino Football Club.

Equipa da Juventus que em 1905 venceu o seu primeiro scudetto

Estávamos a 3 de dezembro quando na Cervejaria Voigt, na via Pietro Micca, se estabeleceu uma aliança entre os membros do FC Torinese e alguns dissidentes da Juventus, que assim deram vida ao Torino FC. Dez dias depois, o novo clube disputa o seu primeiro jogo contra o Pro Vercelli, e o Toro vence por 3-1.

Juve mais vitoriosa mas o coração dos nativos de Turim é do Toro

Um dos primeiros dérbis de Turim
Com o passar dos anos a Juventus tornou-se no mais popular e laureado clube de Itália, como já referimos, o clube com mais seguidores em toda o país, sendo que um estudo elaborado em 2007 pelo Instituto Demos-Eurisko dava conta de que a Vecchia Signora tinha em solo italiano 16,3 milhões de adeptos, querendo isto dizer que em cada três adeptos um era da Juve. Este clube construiu um palmarés impressionante até aos dias de hoje, sendo que em todas as décadas desde os anos 20 do século passado sagrou-se campeã nacional, a título de exemplo. Apesar desta popularidade nacional e internacional, não é a Juventus a deter os corações dos verdadeiros nativos de Turim, mas antes o Torino. Tal facto não tem a ver com o número de títulos conquistados, até porque os cetros da Juve são muitos mais do que os do Toro, mas antes pelo envolvimento destes últimos com a cidade, o que lhes valeu a preferência dos adeptos locais. E este aspeto tem uma razão de ser, a qual acontece em 1905, ano em que a Juventus celebra o seu primeiro título de campeão nacional, tendo os seus dirigentes pensado na ideia de levar o clube para fora de Turim, algo que acabou por criar um mau estar não só na cidade como no seio do próprio clube, tendo alguns dos seus integrantes decidido desertar e fundar um novo clube, e assim um ano mais tarde surgia o Torino FC. Os adeptos da cidade passaram então a encarar o Toro como um clube mais envolvido com Turim, ao passo que a Juve passou a granjear o ódio em todas as esquinas da cidade mesmo com todo o sucesso que ia conquistado pelo país fora.   

Porém, o Torino também provou do sabor da glória em algumas ocasiões. o primeiro marco histórico chegou em 1927 quando venceu o primeiro scudetto, um feito repetido um ano depois.

O nascimento do Grande Torino dos anos 40

A equipa do Grande Torino

No entanto, a era dourada do Toro acontece nos anos 40, altura em que é tida não só como a melhor equipa de Itália como de toda a Europa. É a era do Grande Torino, da equipa que venceu quatro campeonatos consecutivos entre 1946 e 1949, além de praticar um futebol vistoso que lhe valeu o título de melhor equipa do Mundo por parte de adeptos, meios de comunicação social e até mesmo dos rivais.

Sob a batuta do lendário treinador Vittorio Pozzo, Il Grande Torino era liderado dentro do campo pelo carismático avançado Valentino Mazzola. Inúmeras façanhas ficam na memória de todos aqueles que viram as obras de arte do Toro na mítica década de 40, a título de exemplo os 125 golos apontados em 47/48, ou a vitória da Itália sobre a então superpotência Hungria em que a Squadra Azzurra era composta por 10 jogadores do Torino. Mas a história deste clube tem tanto de glorioso e mágico como de trágico como mais à frente iremos ver nesta visita a Turim.

Combi
No início do século XX, mais concretamente em 1902, nasce em Turim aquela que pode ser considerada como a primeira lenda, o primeiro grande futebolista a nível nacional e internacional nascido na cidade: Giampiero Combi, o primeiro grande astro das balizas do futebol italiano. Nascido a 20 de Novembro de 1902, Combi desenvolveu toda a sua carreira ao serviço da Juventus, clube por onde percorreu todos os escalões de formação até chegar à formação sénior em 1922. Aí chegado nunca mais largou a baliza da “Velha Senhora” até à data da sua retirada, tendo-se tornado num dos futebolistas de referência do gigante emblema italiano. Durante as 12 temporadas em que defendeu com brilho as cores da Juve venceu cinco scudettos, sendo que o primeiro deles surgiu na época de 1925/26. Os restantes quatro títulos nacionais seriam alcançados na sequência de um poker efetuado pela Juve entre 1930 e 1934.

Apesar de não ser um guarda-redes muito alto – media 1,71m – Combi primava por uma robustez física impressionante que aliada à sua garra e determinação em jogar futebol, por vezes nas condições mais adversas, fizeram dele um dos atletas mais venerados pelos tiffosi (adeptos) daquela altura. Recorde-se neste aspecto uma partida contra o Modena onde actuou com três costelas partidas e um outro encontro ante a Cremonese onde jogou com várias vértebras danificadas.

Possuindo na época um dos conjuntos mais fortes do calcio não era de estranhar que a Juventus fosse um dos principais fornecedores de jogadores às seleções italianas dos anos 30. Uma década de extrema glória para os azzurri que como se sabe arrecadariam dois títulos mundiais (1934 e 1938). E no primeiro deles Combi assumiu-se como um dos atores principais da épica conquista italiana. A jogar em casa a squadra azzurra do lendário treinador Pozzo foi capitaneada e comandada desde a baliza, o mesmo é dizer por Giampiero Combi que nos céus de Roma teve a honra de erguer a primeira Taça do Mundo arrecadada pela Itália. Pela azzurra actuou por 47 ocasiões, tendo-se estreado em 1924 num jogo ante a Hungria, em Budapeste. Para além do título Mundial conquistaria ainda pela equipa nacional a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1928 (Amesterdão).

Abandonou a carreira de futebolista aos 32 anos com um total de 367 jogos no currículo disputados com as cores da sua Juventus. Penduradas as chuteiras Combi continuou ao serviço da Juve por vários anos quer como olheiro quer como colaborador técnico. Morreu em 1956 devido a um enfarte, numa altura em que colaborava com o recém eleito presidente da Juve Umberto Agneli que procurava recolocar a “Velha Senhora” no caminho do sucesso depois de uma fase menos boa do nobre emblema transalpino.

Juve e Toro estabeleceram-se no sul da cidade, com os estádios separados por uma rua. E por falar em estádios não podemos deixar de falar de dois palcos que tiveram uma enorme importância no futebol não só de Turim como da própria Itália.

Communale e Filadelfia, duas catedrais míticas da cidade

Uma imagem atual do Stadio Olimpico
O primeiro viu a luz do dia em 1933, tendo sido construído para o Mundial de1934, e hoje em dia dá pelo nome de Estádio Olímpico, outrora também conhecido como Estádio Communale (municipal). Nesse Mundial de 34 era designado como Benito Mussolini, e tinha capacidade para 65.000 pessoas, tendo acolhido dois jogos do certame, o Áustria - França e o Checoslováquia - Suíça. após a II Guerra Mundial mudou de designação, passando a chamar-se apenas Stadio Communale di Torino, tendo sido na maioria das vezes a casa da Juve.

Este recinto foi palco não só de dezenas de conquistas nacionais como também das primeiras vitórias da Vecchia Signora a nível internacional, e neste aspeto podemos lembrar a primeira conquista europeia, acontecida em 1977, mais concretamente a Taça UEFA, sendo que na primeira mão, ocorrida em Turim, a Juve bateu por 1-0 ao Athletic de Bilbao, tendo perdido a segunda mão em San Mamés por 1-2, mas beneficiando do golo obtido fora de portas para levantar o primeiro caneco internacional. O Communale de Turim foi ainda palco de três encontros do Europeu de 1980, organizado pela Itália, tendo ficado lembrado pelos tristes episódios de holiganismo proporcionado pelos adeptos ingleses cujo quartel general foi instalado precisamente em Turim, onde a seleção dos Três Leões efetuou dois encontros. Com a construção do Estádio Delle Alpi e mais recentemente com a edificação do moderno Juventus Stadium o Communalle perdeu algum brilho, pese embora tenha sido recentemente modernizado para servir de casa ao Torino.

Estádio Filadelfia
Porém, a casa mais emblemática do Toro foi o Estádio Filadélfia, precisamente onde a equipa do Grande Torino encantou as multidões que ali se deslocavam na década de 40. A construção do "Fila", como era conhecido pelos adeptos do Toro, ​​remonta a 1926, a mando do Conde Enrico Marone de Cinzano, presidente do Torino. A obra é de Miro Gamba. 

É um recinto com uma arquitetura muito simples nos sistemas e estruturas, com o aparato decorativo reduzido ao mínimo e limitado ao mastro da bandeira na entrada. A inauguração ocorreu no dia 17 de outubro do mesmo ano, na presença do Príncipe Umberto, da Princesa Maria Adelaide e mais de 15.000 espectadores.

O Filadelfia está intimamente ligada à epopeia do Grande Torino, sendo que para qualquer adversário deste clube sair na década de 40 do Filadélfia invicto era considerado um verdadeiro feito. Ao longo de mais de seis anos o Toro nunca perdeu neste campo.

O desastre aéreo de Superga que acabou com Il Grande Torino

Destroços do avião que transportava 
a equipa do Toro
Esta verdadeira catedral da bola como que morreu com o trágico desaparecimento do Grande Torino no final da década de 40.

A 4 de maio de 1949 o avião Fiat G212 partiu de Lisboa levando a bordo toda a equipa desse mítico Toro. Esta tinha disputado na capital portuguesa um encontro amigável com o Benfica, em homenagem a Francisco Ferreira. O avião transportava 31 passageiros, dos quais 18 eram jogadores do Torino, havendo mais seis homens ligados ao clube e ainda três jornalistas que acompanharam a equipa a Lisboa.

Debaixo e chuva torrencial e nevoeiro cerrado o avião foi visto a sair de um banco de nuvens e a embater na Basílica de Superga, nas montanhas a leste de Turim. Não houve sobreviventes. Esta tragédia feriu o coração não só dos adeptos do Toro mas todos os que gostavam de futebol, foi na verdade um choque para toda a Itália, e a prova disso é que dois dias após o acidente realizou-se o funeral dos jogadores, no Palazzo Madama, tendo a ele assistido meio milhão de pessoas. Esta tragédia pôs fim à melhor equipa de sempre do Toro, e uma das mais brilhantes que o Belo Jogo já teve em termos planetários, tendo o clube passado as duas décadas seguintes afundado no meio da tabela classificativa. Só na década de 70, em 1976 mais concretamente, o Toro volta a dar sinais da sua vitalidade desportiva, quando se sagrou pela última vez, até à data, campeão de Itália. Aliás, a história do Torino está escrita com sangue, não só o que foi derramado em Superga mas igualmente na década de 60, quando um dos maiores símbolos do clube dentro das quatro linhas morreu ainda jovem vítima de um atropelamento rodoviário. O seu nome era Gigi Meroni, considerado então um dos maiores talentos do país.

Juve campeã da Europa em 85
Com o fim do Grande Torino a Juventus ocupou o lugar do seu rival da cidade, muito por culpa da família Agneli, donos do império FIAT. Esta família fez da Juve um colosso à escala planetária, sobretudo a partir das décadas de 70 e 80 do século passado, com contratação de alguns dos melhores futebolistas do Mundo, como Sivori, Boniek, Platini, Altafini, Scirea, ou Paolo Rossi. Na década de 80 a Juve tornou-se, a título de exemplo, na primeira equipa europeia a vencer as três competições da UEFA, isto é, a Taça dos Clubes Campeões Europeus (em 1985), a Taça das Taças (em 1984) e a Taça UEFA (que havia vencido pela primeira vez em 1977). Nos anos 90 a Juventus enriqueceu as suas vitrinas com mais uma Taça dos Campeões Europeus (em 1996), e duas Taças UEFA (em 90 e 93), graças à ajuda de lendas como Roberto Baggio, Zidane, Didier Deschamps, Paulo Sousa, Del Piero, entre outros astros que vestiram a mítica camisola bianconera (preto e branca).

Enquanto a Juventus era cada vez mais um colosso à escala mundial o Torino deambulava ora pela Série B (2.ª divisão) ora pelo meio da tabela da Série A (1.ª divisão), sendo que a última grande campanha do clube foi na temporada de 1991/92 quando chegou à final da Taça UEFA perdida às mãos do Ajax. Os reveses económicos relegaram o Toro para uma equipa ió-ió, isto é, sobe e desce entre as Séries A e B.

Stadio Delle Alpi, hoje demolido
Por esta altura ambos os clubes partilhavam a mesma casa, isto é, o Estádio Delle Alpi, construído em 1990 juntos das montanhas dos Alpes para acolher jogos do Mundial de 1990, realizado em Itália. Com capacidade para 71.000 espectadores o recinto recebeu cinco partidas desse Mundial, inclusive a célebre meia-final entre Alemanha e Inglaterra. Considerado um dos recintos mais frios do Velho Continente não só pelas baixas temperaturas que se fazem sentir naquela zona mas também porque as suas bancadas registaram quase sempre baixas assistências, mesmo nos jogos grandes da Juve, pelo que foi demolido em 2009. A Juventus comprou por 25 milhões de euros o estádio ao Município de Turim, para no lugar dele erguer em 2011 o ultramoderno Juventus Stadium, onde atualmente disputa os seus jogos. recinto este que acolheu já uma final europeia, em 2014, quando o Benfica foi ali derrotado nas grandes penalidades pelo Sevilha na Liga Europa.

Dérbi Della Mole
Juve e Toro seguiram caminhos distintos ao longo dos anos, no entanto, sempre que se encontram no chamado dérbi Della Mole a rivalidade entra em campo e atinge proporções enormes, ou não fosse este o dérbi mais antigo de Itália e considerado o de maior risco.  

quinta-feira, junho 14, 2018

Histórias do Futebol em Portugal (19)... Memórias de uma primeira vez na alta roda do futebol internacional (1.ª parte)

Seleção portuguesa que marcou presença
nos Jogos Olímpicos de Amesterdão 1928
Se hoje em dia Portugal se apresenta perante a aldeia global futebolística como uma potência temida e respeitada, há quase um século atrás – 90 anos, para sermos mais precisos – a nação lusa não passava de uma mera e desconhecida aprendiz nos principais palcos do belo jogo planetário. Esta introdução faz-nos viajar precisamente 90 anos na cápsula do tempo, até ao ano de 1928, altura em que Amesterdão centrava em si os olhos do Mundo na sequência do acolhimento das Olimpíadas desse ano. Largas centenas de atletas vindos de vários pontos do globo assentaram arraiais naquela cidade holandesa em busca do endeusamento olímpico nas mais variadas modalidades. Entre elas, estava o futebol, que levou a Amesterdão (alguma da) a nata (de então) da modalidade, valorosos futebolistas atletas que iriam lutar entre si pelo trono da então maior competição futebolística do Mundo.

Cartaz oficial dos Jogos de 1928
Será importante sublinhar que na altura o torneio olímpico de futebol era a maior competição do planeta no que ao Desporto Rei concerne, a qual de quatro em quatro anos juntava as melhores seleções do globo. Isto porque nem o Campeonato do Mundo nem o Campeonato da Europa haviam visto a luz do dia. Vencer os Jogos Olímpicos era o equivalente a vencer um Mundial nos dias de hoje. O mediático sucesso dos torneios anteriores – Antuérpia 1920 e Paris 1924, sobretudo este último – elevou a fasquia de interesse em torno da competição que decorreu na Holanda entre 27 de maio e 10 de junho de 1928. Em campo iriam estar alguns dos pesos pesados do futebol planetário de então, casos de uma Itália que viria a dominar o Mundo na década seguinte – com a conquista de dois Mundiais consecutivos (1934 e 1938) –; da vice-campeã olímpica de 1920, a Espanha; ou das potências sul-americanas Argentina e Uruguai, sendo que estes últimos chegavam a Amesterdão como detentores (em título) do ouro olímpico – conquistado de forma época quatro anos antes em Paris. Os uruguaios eram por aqueles dias olhados como a maior potência do futebol global. Nos Jogos Olímpicos de 1924, esta pequena nação sul-americana (com apenas 3 milhões de habitantes) havia apresentado do Mundo os seus magistrais intérpretes do belo jogo, apresentando ao público parisiense um jogo alegre, solto, e tecnicamente atrativo, mais parecendo que o "onze charrúa” bailava ao som de um tango de Carlos Gardel.

A mítica seleção do Uruguai que iria vencer
o torneio olímpico pela segunda vez consecutiva
Na retina daqueles que presenciaram o torneio olímpico de 24, ficaram os bailados futebolísticos de nomes como Pedro Cea, Hector Scarone, José Nasazzi, Pedro Petrone, e de um tal José Leandro Andrade, um negro que haveria de sair destes Jogos Olímpicos endeusado pelo povo da capital francesa. O torneio de futebol das Olimpíadas de Amesterdão não foi mais do que a confirmação daquilo que se visionara em Paris 1924, por outras palavras, o Uruguai enquanto a seleção mais poderosa do Mundo. Amesterdão 1928 foi pois como a segunda parte de uma das mais belas e poéticas histórias futebolísticas, a história de uma talentosa equipa que mostrou ao globo que o futebol poderia ser jogado de uma maneira artística e atraente, bem diferente do famoso kick and rush inglês interpretado pela esmagadora das seleções e/ou clubes do então planeta da bola.

Gravura do Espanha - Portugal de 1921
(o primeiro jogo da seleção portuguesa)
Mas entre a elite do futebol global que viajou para a Holanda estava uma nação que dava os primeiros passos a nível internacional e cujo futebol – em termos de popularidade – crescia significativamente no plano interno. Portugal! Seleção que contrariamente a potências como Espanha, Itália, Argentina ou Uruguai apenas havia feito o seu batismo na alta roda internacional menos de sete anos antes (dezembro de 1921) num particular com nuestros hermanos, em Madrid, saldado por uma honrosa derrota – atendendo ao poderio do adversário – por 3-1.
Desde então, a seleção nacional fazia um percurso que podemos chamar de aprendizagem e ao mesmo tempo de afirmação na senda internacional, colecionando alguns resultados dignos de sublinhar que o futebol português tinha valor e que com um pouco mais de organização (interna) e prática (internacional) talvez fosse possível ombrear com os melhores. Isso, foi possível ver-se, a título de exemplo, em junho de 1925, quando no Campo do Lumiar (Lisboa) a nossa seleção derrotou (1-0) a poderosa Itália onde despontavam futuros campeões mundiais como Giampiero Combi, Gino Rosetti, ou Umberto Caligaris; ou os valorosos empates com potências como a Checoslováquia – em 1926 –; Hungria – também em 26 –; ou a Espanha liderada pelo lendário guarda-redes Ricardo Zamora – que em janeiro de 1928 não conseguiu levar de Lisboa melhor do que uma igualdade a uma bola.

Até aqui, Portugal disputara somente encontros amigáveis, 15 para sermos precisos, pelo que em Amesterdão iria ser o primeiro grande teste oficial no plano internacional para um futebol português que no plano interno apresentava algumas carências, apesar do crescimento em termos de popularidade em torno da modalidade.
No aspeto competitivo, o centro do nosso futebol estava em Lisboa, Porto, Algarve e Setúbal, onde se disputavam os campeonatos (regionais) mais importantes e acima de tudo competitivos. Nas outras regiões do país, a competição tinha ainda pouca expressão, ou quase nenhuma. Apesar de ainda ser algo limitado, em termos estruturais, o que é certo é que o futebol não havia envergonhado o país no plano “além fronteiras”, e mesmo nas derrotas havia mostrado valentia e valor que deixavam antever um futuro promissor. 

(continua) 

sexta-feira, abril 10, 2015

Histórias do Planeta da Bola (9)... Os anos dourados (1927-1939) da Taça Mitropa - A primeira montra de estrelas do futebol europeu (parte IV)

Matthias Sindelar, um dos mais virtuosos
futebolistas da História e a grande figura
da edição de 1933 da Mitropa Cup
Um céu repleto de estrelas, assim era vista a Taça Mitropa nos inícios dos anos 30. Uma deslumbrante constelação de estrelas dava cor a uma competição que em 1933 partia para sua sétima edição, e onde na qual aquela que foi talvez a estrela mais cintilante da história da Mitropa Cup teve a sua primeira aparição. Matthias Sindelar de seu nome, o Homem de Papel, ou o Mozart do futebol austríaco, uma lenda que vive na memória dos (poucos) comuns mortais - ainda entre nós - que o viram atuar e no imaginário de todos aqueles que lamentam não ter vivido no tempo em que este imortal do futebol espalhou (a sua) magia pelos retângulos do Velho Continente. Sindi - como era carinhosamente tratado pelos seus amigos e companheiros de equipa - foi então a estrela mais reluzente - não só pelo futebol que mostrou mas igualmente pela influência que teve na condução do seu Austria de Viena ao triunfo no certame - daquela que foi a edição da Taça Mitropa que mais figurais lendárias do futebol internacional das décadas de 20 e 30 reuniu ao seu redor. Nomes como Raymond Braine, István Avar, Raimundo Orsi, Josef Silný, Frantisek Plánicka, Giampiero Combi, ou Giuseppe Meazza, foram algumas das personagens mais famosas de um certame que atestou - uma vez mais - a mestria e o poderio do futebol austríaco de então, na sequência do triunfo final alcançado pelo estreante - no que concerne à Mitropa Cup - Austria de Viena. Liderado por aquele que era já considerado então o futebolista mais virtuoso da Áustria, Sindelar, o clube de Viena não teve contudo um trajeto livre de dificuldades até ao momento em que ergueu o troféu. Na primeira ronda o obstáculo deu pelo nome de Slavia de Praga, os campeões da Checoslováquia, cujo ponto forte estava na baliza: Frantisek Plánicka. Na primeira mão, realizada em Praga, o Austria pôde dar-se por satisfeito por ter regressado a casa com uma derrota de apenas 3-1. E dizemos apenas porque segundo rezam as crónicas de então o trio de avançados dos checoslovacos, Svoboda, Sobotka, e Kopecky - cada um deles com um golo apontado neste encontro - foi uma persistente dor de cabeça para a defensiva forasteira. Na segunda mão inverteu-se o cenário, com o Austria a dominar por completo um jogo onde Matthias Sindelar deslumbrou a assistência e... os adversários! Uma exibição soberba do Homem de Papel - assim chamado devido à sua estrutura física franzina - guiou os vienenses a um triunfo por 3-0, um score que só não foi mais avolumado devido à grande exibição do mãos de ferro Plánicka. Rudolf Viertl, com dois golos, e Sindelar com um, foram os homens que derrubaram a muralha checoslovaca rumo às meias-finais.

Raimundo Orsi
E se o embate entre checoslovacos e austríacos havia sido - no cômputo das duas mãos - equilibrado, o jogo entre os campeões italianos e húngaros, respetivamente, a Juventus e o Ujpest, foi notoriamente desnivelado.  Um resultado total de 10-4 assim o comprovou. Na primeira mão, ocorrida em Budapeste, a Juve chegou à meia hora da etapa inicial a vencer por 4-0! No jogo de volta o ítalo-argentino Raimundo Orsi assumiu o papel de estrela da companhia, ao apontar quatro dos seis golos - o resultado final foi de 6-2 - com que os transalpinos despacharam os húngaros. Orsi, que também tinha marcado um golo no início deste duplo embate, perfazia assim um total de cinco remates certeiros, que lhe iriam conferir a par de Sindelar, Kloz, e Meazza o título de melhor marcador da edição de 1933 da Mitropa.
Quem também teve motivos para festejar nesta primeira ronda foi a outra equipa italiana em prova, a Ambrosiana-Inter, que se desenvencilhou dos campeões da Áustria, o First de Viena, por um total de 4-1. Porém, na primeira mão, na capital austríaca, o emblema de Milão não teve vida fácil, devendo ao seu guarda-redes, Carlo Ceresoli, o facto de ter saído derrotado pela margem mínima (1-0). Na segunda mão uma exibição de gala de Giuseppe Meazza acabou com as aspirações dos conterrâneos de Mozart. Secundado de forma brilhante pelos extremos Frione e Levratto, Il Peppino, como era conhecido, apontou três dos quatro golos da sua squadra, que assim avançava para a fase seguinte, onde iria enfrentar o Sparta de Praga, conjunto este que graças à sua temível linha avançada formada por Raymond Braine, Josef Silný, Nejedly, e Frantisek Kloz afastou com dois triunfos mínimos (3-2 e 2-1) mas inteiramente merecidos o MTK de Budapeste.
A equipa da Juventus que na meia-final foi varrida por um vendaval chamado... Sindelar

A primeira mão das meias-finais praticamente decifrou quais os finalistas da edição de 1933 da Taça Mitropa, tal foi a robusta vantagem que as equipas que atuaram diante do seu público alcançaram. Em Viena, Sindelar voltou a fazer das suas. Que o diga Luis Monti, que teve a ingrata tarefa de marcar o Homem de Papel, que no encontro da capital austríaca esteve verdadeiramente endiabrado, sendo da sua autoria o golo madrugador - apontado aos três minutos - que violou a baliza de Combi. A veia artística de Sindi espicaçou a fúria dos italianos, que ao longo de todo o encontro recorreram a inúmeras entradas violentas para travar o astro austríaco. Numa dessa entradas o marcador direto do craque do Austria de Viena, Monti, recebeu ordem de expulsão por parte do árbitro húngaro Arpad Keil, já perto do final de uma partida que terminou com o triunfo por 3-0 dos vencedores da Taça da Áustria da época 32/33 - Sindelar bisou e Viktor Spechtl apontou o terceiro ainda antes do intervalo.
E se o Homem de Papel foi o herói do jogo de Viena, o guarda-redes austríaco Johann Billich centrou em si as atenções na partida de Turim, disputada no Stadio Benito Mussolini. Como lhe competia a Juventus entrou em campo disposta a provar que a tarefa de dar a volta ao marcador não era uma missão de todo impossível, com o trio ofensivo formado por Ferrari, Borel, e Cesarini a criar um sem número de oportunidades junto da baliza forasteira. Porém, esta era guardada de maneira heróica por Billich que só por uma vez foi buscar a bola ao fundo das redes, na sequência de um remate fulminante de Giovanni Ferrari, aos 21 minutos. Golo que foi sol de pouca dura, já que volvidos apenas nove minutos Josef Stroh restabeleceu a igualdade no marcador que até final não mais iria sofrer alterações, não obstante da avalanche ofensiva patenteada pela Juve na etapa complementar.

Attilio Demaria
Em Milão, Attilio Demaria foi a estrela do primeiro round entre a Ambrosiana-Inter e o Sparta de Praga. O ítalo-argentino apontou três dos quatro golos com que os italianos derrotaram (4-1) os checoslovacos. Este jogo teve a particularidade de conhecer duas partes bem distintas. A primeira foi desenvolvida num ritmo frenético por parte da turma da casa, que ao intervalo já vencia por 4-0, ao passo que a segunda foi lenta e desprovida de grandes interesses - a exceção foi talvez o golo do Sparta, apontado por Nejedly - muito por culpa do extremo calor que abraçou Milão.
E se o calor havia massacrado os jogadores da Ambrosiana-Inter na primeira mão, em Praga o massacre foi protagonizado pelos futebolistas do Sparta, que durante 90 minutos não largaram a baliza de Ceresoli. Ataques atrás de ataques resumiram um encontro de sentido - quase - único, o da baliza dos transalpinos, que muito tiveram de suar para sair da capital da Checoslováquia com uma preciosa igualdade a duas bolas, resultados que assim lhes garantia a presença na final. Frantisek Klos marcou os dois golos do Sparta, enquanto que do outro lado Demaria voltou a ser o abono de família da squadra de Milão, ao apontar mais um golo, o seu quarto no confronto com os checoslovacos.

Sindelar e Meazza, duas lendas
do futebol mundial dos anos 30,
posam juntos antes da final
Mitropa Cup de 1933
A 3 de setembro de 1933 a Europa do futebol acordou envolta num clima de entusiasmo, já que nesse dia dois dos maiores futebolistas de então iriam enfrentar-se na primeira mão da final da Mitropa Cup. Giuseppe Meazza e Matthias Sindelar, respetivamente as estrelas principais da Ambrosiana-Inter e do Austria de Viena. Ambos, Il Peppino e Sindi, jogaram de forma magistral, como lhes era característico, num jogo marcado pelo drama e pela postura heróica dos futebolistas daquele tempo. O azar bateu à porta dos italianos, que cedo se viram privados do atacante Felicio Levratto, o qual teve de abandonar por largos minutos o relvado por lesão, numa altura em que as substituições ainda não eram permitidas.
A jogar com menos um elemento os transalpinos não deixaram porém de atacar a baliza de Billich, sempre com perigo, e quase sempre por intermédio do génio Meazza. Fazendo jus a um velho ditado popular português, "água mole em pedra dura tanto bate até que fura", Il Peppino iria inaugurar o marcador a cinco minutos do intervalo, período em que para espanto da multidão presente na Arena Civica, Levratto retorna ao relvado - lesionado - para, no minuto seguinte, fazer o 2-0, naquele que foi um ato de coragem e paixão pelo emblema que carregava ao peito. No segundo tempo os papéis inverteram-se.
O Austria passou a controlar o jogo, postura essa que seria premiada com um golo, apontado por Rudolf Viertl, aos 77 minutos. 2-1, vitória da Ambrosiana-Inter, que partia assim para Viena com uma magra vantagem na bagagem. E como seria insuficiente...
As três equipas - o Austria de Viena, a Ambrosina-Inter, e o trio de arbitragem - que deram vida à final
de 1933 posam juntas
antes do pontapé de saída
Apenas cinco dias mais tarde as duas formações voltaram a medir forças, desta feita no Estádio do Prater - que havia sido inaugurado dois anos antes. Um embate que se resumiu em duas palavras: Matthias Sindelar. Simplesmente divina a atuação do Homem de Papel, que em cima do intervalo converteu uma grande penalidade que colocava a eliminatória em igualdade. Com sucessivos dribles diabólicos sobre os seus adversários, Sindi foi um quebra-cabeças constante para o último reduto dos nerazzurri, sendo que aos 80 minutos o génio austríaco levou a multidão ao delírio na sequência de uma soberba jogada individual que foi concluída com a bola a beijar o fundo das redes de Ceresoli. Este era, contudo, um duelo de astros, e quase na jogada seguinte Giuseppe Meazza também tirou um coelho da cartola, fazendo o 1-2, numa altura em que a Ambrosiana-Inter estava reduzida a nove homens, já que minutos antes dois jogadores seus - Allemandi e Demaria - haviam sido expulsos pelo árbitro checoslovaco Frantisek Cejnar. E eis que quando os 58 000 espectadores presentes no Prater de Viena já imaginavam um terceiro jogo para decidir quem iria ficar com o título de campeão, Matthias Sindelar, sempre ele, edifica um magnífico remate em vólei que termina no fundo da baliza italiana, quando o relógio marcava 88 minutos. Todo o estádio entrou em delírio perante aquela obra de arte criada pelo artista vienense. Um golo que mais do que conferir o título ao Austria Viena conferia a Sindi o estatuto de imortal do belo jogo.

Números e nomes:

Quartos-de-final (1ª e 2ª mãos)

Ujpest (Hungria) - Juventus (Itália): 2-4/2-6

Slavia Praga (Checoslováquia) - Austria Viena (Áustria): 3-1/0-3

MTK Budapeste (Hungria) - Sparta Praga (Checoslováquia): 2-3/1-2

First Viena (Áustria) - Ambrosiana-Inter (Itália): 1-0/0-4

Meias-finais (1ª e 2ª mãos)

Ambrosiana-Inter (Itália) - Sparta Praga (Checoslováquia): 4-1/2-2

Austria Viena (Áustria) - Juventus (Itália): 3-0/1-1

Final (1ª mão)

Ambrosiana-Inter (Itália) - Austria Viena (Áustria): 2-1

Data: 3 de setembro de 1933
Estádio: Arena Civica, em Milão (Itália)
Árbitro: Ferenc Klug (Hungria)

Ambrosiana-Inter: Carlo Ceresoli, Paolo Agosteo, Luigi Allemandi, Alfredo Pitto, Ricardo Faccio, Armando Castellazzi, Francisco Frione, Renato De Manzano, Giuseppe Meazza (c), Attilio Demaria, e Felice Levratto. Treinador: Árpád Weisz.

Austria Viena: Johann Billich, Karl Graf, Walter Nausch (c), Matthias Majemnik, Johann Mock, Karl Gall, Josef Molzer, Josef Stroh, Matthias Sindelar, Camillo Jerusalem, e Rudolf Viertl. Treinador: Josef Blum.

Golos: 1-0 (Meazza, aos 40m), 2-0 (Levratto, aos 41m), 2-1 (Viertl, aos 77m)

Final (2ª mão)

Austria Viena (Áustria) - Ambrosiana-Inter (Itália): 3-1

Data: 8 de setembro de 1933
Estádio: Prater, em Viena (Áustria)
Árbitro: Frantisek Cejnar (Checoslováquia)

Austria Viena: Johann Billich, Karl Graf, Walter Nausch (c), Matthias Majemnik, Johann Mock, Karl Adamek, Josef Molzer, Josef Stroh, Matthias Sindelar, Camillo Jerusalem, e Rudolf Viertl. Treinador: Josef Blum.

Ambrosiana-Inter: Carlo Ceresoli, Paolo Agosteo, Luigi Allemandi, Alfredo Pitto, Ricardo Faccio, Giuseppe Viani, Francisco Frione, Pietro Serantoni, Giuseppe Meazza (c), Attilio Demaria, e Armando Castellazzi. Treinador: Árpád Weisz.

Golos: 1-0 (Sindelar, aos 45), 2-0 (Sindelar, aos 80m), 2-1 (Meazza, aos 85m), 3-1 (Sindelar, aos 88m)
Matthias Sindelar - o primeiro jogar na fila de cima, a contar da esquerda para a direita - foi o ilustre condutor
que levou o Austria de Viena à conquista da Taça Mitropa de 1933
1934: O alargamento da grande montra europeia de clubes

Carlo Reguzzoni, o melhor marcador
da edição de 1934 da competição
A popularidade da Taça Mitropa na Europa do futebol na década de 30 era por demais evidente. O interesse em torno da competição - quer da parte dos clubes, quer da parte dos adeptos - subida de edição para edição. Ciente deste facto a organização decide em 1934 duplicar o número de participantes, passando de 8 para 16 os pretendentes ao trono da competição. Uma verdadeira Liga dos Campeões dos anos 30, com mais jogos, maior competitividade, e um maior número de estrelas envolvidas, era este o panorama da oitava edição da Mitropa.
Cada um dos quatro países envolvidos na competição passava agora a dispor de quatro vagas a serem ocupadas pelo campeão, vice-campeão, terceiro e quarto classificados, sendo que no caso da Áustria uma dessas vagas era ocupada pelo vencedor da taça. Com o aumento do número de clubes a competição europeia criada por Hugo Meisl conheceu alguns emblemas novos em 1934. Um desses caloiros foi o Floridsdorfer, da Áustria, que logo na primeira ronda evidenciou toda a sua inexperiência internacional ao ser copiosamente goleado por um resultado global de 10-1 pelos antigos campeões da prova, os húngaros do Ferencvaros, com o destaque individual deste confronto desnivelado a ir para o avançado do clube de Budapeste, Gyorgy Sarosi, autor de três dos dez tentos da sua equipa, a qual no jogo da segunda mão, disputado no mítico estádio Hohe Warte, em Viena, atuou para 800 pessoas, num recinto que tinha capacidade para acolher 40 000, constituindo-se este como um dos registos mais baixos - em termos de assistência - da história da era dourada da Mitropa Cup
Estreia auspiciosa tiveram os checoslovacos do Kladno, que protagonizariam a maior surpresa desta primeira eliminatória ao afastar os vice-campeões da temporada anterior, a Ambrosiana-Inter. Na primeira mão, os italianos arrancaram uma igualdade a uma bola no terreno do adversário, sendo impensável que no encontro de volta, em Milão, pudessem deixar escapar a oportunidade de continuar a sua caminhada rumo a uma nova final, no mínimo! Na verdade, Meazza e seus companheiros estavam enganados, já que uma exibição letal do ex-avançado do Sparta de Praga, Frantisek Kloz - um dos melhores marcadores da edição anterior - ajudou o Kladno a vencer em Itália por 3-2 e colocar desta forma a Europa do futebol em estado de choque! Pudera.

Angelo Schiavio remata para o fundo das redes húngaras
Passagem de eliminatória complicada teria o futuro campeão da prova, os também italianos do Bologna, que não tiveram vida fácil diante dos húngaros do Bocskai, que no jogo da primeira mão, no Stadio del Litorialle - atualmente denominado de Renato dall'Ara - se apresentou com uma defesa de ferro, só derrubada pela arte e força de Carlo Reguzzoni e da grande estrela da equipa, Angelo Schiavio. Na segunda mão foi a vez do setor defensivo dos italianos brilhar, segurando a avalanche ofensiva dos húngaros que tiveram em Jeno Vincze a sua maior figura, sendo dele um dos golos com que o Bocskai derrotou o Bologna, por 2-1. Resultado, contudo, insuficiente para passar aos quartos-de-final, já que o tento de Reguzzoni fez estalar a festa entre a comitiva transaplina. A primeira de muitas festas para os rapazes comandados pelo húngaro Lajos Kovács ao longo desta edição.
Outra das surpresas desta primeira ronda foi a eliminação dos campeões em título, o Austria de Viena, aos pés dos húngaros do Ujpest. Privados do seu capitão de equipa, Walter Nausch, por se encontrar lesionado, os austríacos foram derrotados pelo mesmo score (2-1) nos dois embates, onde ficou vincada a robustez defensiva do vice-campeão magiar.
Tranquila foi a passagem dos campeões de Itália, a Juventus, diante dos frágeis checoslovacos do FK Teplice, enquanto que o equilíbrio surgiu em dois dos restantes duelos desta primeira eliminatória, decididos num terceiro, quarto, quinto, e sexto jogos!!! Sem a sua estrela-mor, Anton Schall, os campeões da Áustria, o Admira de Viena, enfrentaram os estreantes do Nápoles, que na primeira mão causou surpresa ao empatar a zero bolas no terreno do adversário. Na cidade do sul de Itália verificou-se um novo empate no jogo de volta, desta feita com golos, 2-2, tendo os napolitanos estado em vantagem grande parte do tempo por 2-0, score que até poderia ser mais avolumado não fosse a tarde inspirada do guardião Peter Platzer. Porém, na reta final da partida apareceu Adolf Vogl, que com dois golos obrigou à necessidade de se realizar um terceiro e decisivo duelo. Ato este que decorreu em campo neutro, em Zurique mais concretamente, tendo ai o Admira vincado o porquê de ter vencido com distinção o competitivo campeonato austríaco na temporada anterior. 5-0, foi o pesado resultado com que os vienenses afastaram os italianos, com destaque para as magníficas performances de Stoiber, Sigl, e - mais uma vez - Vogl.

Raymond Braine, uma das grandes
estrelas do Sparta Praga
Renhida foi também a eliminatória entre o MTK de Budapeste e o Sparta de Praga. Na primeira mão, na capital da Checoslováquia, os húngaros surpreenderam o seu oponente com um triunfo por 2-1, enquanto que no jogo de volta foi a vez do belga Raymond Braine e do checoslovaco Nejedly guiarem o Sparta até um triunfo por 5-4, empatando assim a eliminatória, o que obrigou a um jogo de desempate. E aqui surgiu a polémica. O MTK protestou a utilização por parte do Sparta do jogador Facsinek no encontro do play-off de desempate, partida essa que os checoslovacos haviam vencido por 5-2. Na sequência desse protesto o comité organizador da Mitropa decidiu anular os três jogos da eliminatória disputados entre estes dois clubes, obrigando a que tudo fosse repetido, ou seja, a eliminatória iria começar do zero! No primeiro jogo o MTK venceu em casa por 2-1, enquanto que uma semana mais tarde o Sparta aplicou ao adversário o mesmo resultado, obrigando a um novo jogo de desempate. Para não variar, o equilíbrio foi a nota dominante numa eliminatória que teimava em não ser fechada, conforme traduz o resultado final de 1-1. Perante tal facto, os organizadores da prova tiveram de proceder a um sorteio para decidir quem avançaria para os quartos-de-final, tendo a sorte bafejado o Sparta Praga.
Pior sorte teve a outra equipa de Praga, o Slavia, que perdeu o braço de ferro com o Rapid de Viena.

Gyorgy Sarosi
Gyorgy Sarosi foi a vedeta do jogo da primeira mão dos quartos-de final entre o Ferencvaros e o surpreendente Kladno, ao apontar três dos seis golos com que a sua equipa esmagou (6-0) os checoslovacos, os quais na segunda mão estiveram muito perto de alcançar o impossível, como comprova o triunfo por 4-1, num jogo em que a linha defensiva dos húngaros mostrou não estar à altura da sua congénere ofensiva.  
Com a preciosa ajuda do melhor marcador do campeonato italiano da temporada transata, Felice Borel, a Juventus alcançou uma saborosa vitória - todas o são, naturalmente - em casa do Ujpest, por 3-1, com o citado atleta a fazer o gosto ao pé em duas ocasiões. Na segunda mão uma exibição categórica dos irmãos gémeos Mario e Giovanni Varglien no setor defensivo da Vecchia Signora impediu que o ataque dos húngaros fizesse estragos de maior em Turim, tendo o encontro terminado com um empate a uma bola, com Borel a apontar o tento dos italianos que assim seguiam em frente. Tranquila foi a passagem do Bologna, que na primeira mão, diante do seu público, humilhou por completo o Rapid de Viena. 6-1 foi o resultado de uma partida onde os atacantes Reguzzoni e Schiavio estiveram em claro destaque ao apontarem os golos da sua equipa. Em Viena, o Rapid adiantou-se cedo no marcador, por intermédio de Binder, logo aos dois minutos, dando ideia de que o milagre poderia acontecer, mas Reguzzoni logo tratou de arrefecer o ímpeto dos locais com o golo do empate, de nada valendo os três golos de Binder no segundo tempo.
Em grande forma estava por esta altura o Admira de Viena, que na receção ao Sparta de Praga aplicou a chapa 4 com uma classe meritória inquestionável, numa partida onde no plano individual sobressaiu o austríaco Wilhelm Hahnemann. Na segunda mão, e contrariamente ao que se previa, foi o Admira a entrar mais atrevido no jogo, tendo o bis de Karl Durspekt colocado os visitantes a vencer por 2-0 ao intervalo. Com a passagem às meias finais mais do que assegurada os vienenses abrandaram na segunda parte, permitindo que os checoslovacos concluíssem a sua participação na Mitropa Cup de 1934 com uma vitória (3-2).
Capitães do Ferencvaros e do Bologna posam para a posteridade junto da equipa de arbitragem
antes do início da primeira mão da meia-final
O primeiro embate das meias-finais comprovou que o Bologna era de facto uma das grandes equipas da Europa dos anos 30. Que o diga o Ferencvaros, que na primeira mão não foi além de um empate caseiro antes os italianos, que por sua vez no jogo de volta esmagaram por completo os húngaros na sequência de um robusto triunfo por 5-1, com relevo para as exibições de Fedullo e Schiavio, este último autor de dois golos. Na outra meia-final o Admira de Viena deu uma nova prova da sua condição de belíssima equipa. Com 50 minutos cravados no relógio - na partida da primeira mão - a turma austríaca já vencia a Juventus por 3-0. Um golo tardio de Orsi fechou o marcador em 3-1 para a turma da casa, um golo que dava assim alguma esperança ao campeão italiano. Juve que na segunda mão dominou por completo a partida, sendo que numa altura em que estavam decorridos 30 minutos de jogo o marcador indicava já uma vantagem de dois golos para os transalpinos - com golos de Borel e Orsi - que assim empatavam a eliminatória. Contudo, na aproximação ao intervalo, um contra-ataque letal do Admira foi concluído com êxito por Vogl. Um golo que selou a qualificação dos austríacos para a final, já que no segundo tempo a turma orientada por Hans Skolaut fechou-se a sete chaves na sua zona defensiva, travando de todas as formas e feitios os sucessivos ataques dos juventinos.

Fase da partida entre Bologna e Admira Viena
E assim chegávamos a mais uma final, onde surgiu pela segunda vez - no espaço de três anos - Il Grande Bologna, clube que, recorde-se, dois anos antes havia vencido a competição sem precisar de jogar a final, devido ao castigo imposto pela organização aos outros integrantes - Juventus e Slavia de Praga - de uma das semi-finais. Bologna que se viu a braços com o azar na partida da primeira mão da final da edição de 1934, já que por motivos de lesão a sua maior estrela, Angelo Schiavio, não pôde viajar para Viena. No entanto, e em contrário ao que se esperava, os italianos não ficariam fragilizados por esse facto, já que ao intervalo venciam o seu oponente por duas bolas a zero. No segundo tempo, e no curto espaço de seis minutos, o Admira deu a volta ao marcador, o qual não mais viria a ser alterado até final, graças a uma magnífica exibição do guardião bolonhês Mario Gianni. Na segunda mão, e já com o seu capitão e estrela-mor Schiavio em campo, o Bologna dominou por completo os acontecimentos. Jogada de baixo de um calor infernal a partida foi de sentido único, o da baliza forasteira, com sucessivos lances de perigo a ocorreram junto da baliza à guarda de Platzer. O perigo número um na área vienense dava pelo nome de Carlo Reguzzoni, que neste encontro esteve verdadeiramente endiabrado. Apontou três dos cinco golos com que o Bologna venceu o seu oponente, mas poderia ter marcado muitos mais, tais foram as ocasiões em que assustou Platzer. Com este hattrick Reguzzoni elevaria para 10 o número de golos marcados na competição, facto que fez dele o melhor da edição de 1934 da Mitropa. Quando o árbitro inglês Arthur James Jewell apitou para o final do encontro os 25 000 espectadores presentes no Stadio del Littoriale explodiram de alegria: Il Grande Bologna era de novo campeão da Europa.
Depois da conquista do Mundo - na sequência do triunfo da Squadra Azzura no Campeonato do Mundo da FIFA - o futebol italiano arrecadava agora a coroa europeia no que a clubes dizia respeito. Memorável.

Números e nomes: 

Oitavos-de-final (1ª e 2ª mãos)

Ferencvaros (Hungria) - Floridsdorfer (Áustria): 8-0/2-1

Kladno (Checoslováquia) - Ambrosiana-Inter (Itália): 1-1/3-2

Bologna (Itália) - Bocskay (Hungria): 2-0/1-2

Slavia Praga (Checoslováquia) - Rapid Viena (Áustria): 1-3/1-1

Austria Viena (Áustria) - Ujpest (Hungria): 1-2/1-2

Juventus (Itália) - Teplice (Checoslováquia): 4-2/1-0

Admira Viena (Áustria) - Nápoles (Itália): 0-0/2-2/5-0 (desempate)

MTK Budapeste (Hungria) - Sparta Praga (Checoslováquia): 2-1/1-2/1-1 (Sparta vence por sorteio)

Quartos-de-final (1ª e 2ª mãos)

Ferencvaros (Hungria) - Kladno (Checoslováquia): 6-0/1-4

Ujpest (Hungria) - Juventus (Itália): 1-3/1-1

Bologna (Itália) - Rapid Viena (Áustria): 6-1/1-4

Admira Viena (Áustria) - Sparta Praga (Checoslováquia): 4-0/2-3

Meias-finais (1ª e 2ª mãos)
Recorte de um jornal da época dando conta do embate entre o Bologna e o Ferencvaros
Ferencvaros (Hungria) - Bologna (Itália): 1-1/1-5

Admira Viena (Áustria) - Juventus (Itália): 3-1/1-2

Final (1ª mão)

Admira Viena (Áustria) - Bologna (Itália): 3-2

Data: 5 de setembro de 1934
Estádio: Prater, em Viena (Áustria)
Árbitro: William Walden (Inglaterra)

Admira Viena: Peter Platzer, Robert Pavlicek, Anton Janda, Johann Urbanek, Karl Hummeberger, Josef Mirschitzka, Ignaz Sigl (c), Wilhelm Hahnemann, Karl Stoiber, Anton Schall, e Adolf Vogl. Treinador: Hans Skolaut.

Bologna: Mario Gianni, Eraldo Monzeglio, Felice Gasperi, Mario Montesanto (c), Aldo Donati, Giordano Corsi, Bruno Maini, Raffaele Sansone, Aldo Spivach, Francisco Fedullo, e Carlo Reguzzoni. Treinador: Lajos Kovács.

Golos: 0-1 (Spivach, aos 7m), 0-2 (Reguzzoni, aos 25m), 1-2 (Stoiber, aos 56m), 2-2 (Vogl, aos 58m), 3-2 (Schall, aos 60m)

Final (2ª mão)

Bologna (Itália) - Admira Viena (Áustria): 5-1

Data: 9 de setembro de 1934
Estádio: Del Littoriale, em Bolonha (Itália)
Árbitro: Arthur James Jewell (Inglaterra)

Bologna: Mario Gianni, Eraldo Monzeglio, Felice Gasperi, Mario Montesanto, Aldo Donati, Giordano Corsi, Bruno Maini, Raffaele Sansone, Angelo Schiavio (c), Francisco Fedullo, e Carlo Reguzzoni. Treinador: Lajos Kovács.

Admira Viena: Peter Platzer, Robert Pavlicek, Anton Janda, Johann Urbanek, Karl Hummeberger, Josef Mirschitzka, Karl Durspekt, Wilhelm Hahnemann, Karl Stoiber, Anton Schall, e Adolf Vogl (c). Treinador: Hans Skolaut.

Golos: 1-0 (Maini, aos 21m), 1-1 (Vogl, aos 32m), 2-1 (Reguzzoni, aos 33m), 3-1 (Reguzzoni, aos 40m), 4-1 (Fedullo, aos 84m), 5-1 (Reguzzoni, aos 88m).
A squadra do Bologna que pela segunda vez no curto espaço de três anos conquistou a coroa do futebol europeu

sexta-feira, março 13, 2015

Histórias do Planeta da Bola (7)... Os anos dourados (1927-1939) da Taça Mitropa - A primeira montra de estrelas do futebol europeu (parte II)

Fase do jogo entre a Juventus e a Ambrosiana-Inter
na qual estava em discussão um lugar
na Mitropa Cup de 1929
Em 1929 abriram-se as portas da Taça Mitropa para os clubes italianos. Esta foi a novidade mais significativa da terceira edição da competição. O clima de tensão que se vivia na então Jugoslávia fez com que a organização da competição opta-se por não incluir os emblemas daquele país na edição de 29, convidando para o lugar destes os combinados oriundos de Itália. Nação cujo campeonato nacional abraçara neste período o profissionalismo, à semelhança do que ocorrera em Inglaterra na região central da Europa. A inclusão dos clubes transalpinos na Mitropa Cup acrescentou, de certa forma, uma maior elegância e virtuosismo técnico à competição, já que a Itália havia surgido - em finais da década de 20 - na senda internacional como uma poderosa potência futebolística que interpretava o jogo de forma majestosa. Os anos 30 iriam confirmar tudo isto... 
Itália, ou neste caso a federação italiana de futebol, que se viu obrigada a promover um play-off de qualificação para a Taça Mitropa de 1929, já que foram quartos os clubes que mostraram desde logo interesse em participar. O curioso é que nenhum destes quatro emblemas assumia por aqueles dias o papel de gigante do calcio, por outras palavras, nenhum deles era então uma equipa de topo. Esse estatuto pertencia ao Bologna, campeão italiano em 28/29, uma equipa perfeita sob todos os aspetos onde sobressaia, entre outros, Angelo Schiavio, um dos melhores futebolistas transalpinos da década de 30. Bologna que simplesmente declinou o convite para participar na Taça Mitropa, alegadamente por preferir realizar um passeio - digressão - pela América do Sul! Assim, e sem o poderoso Bologna Football Club em jogo, a Juventus, o Inter de Milão - na altura denominado de Ambrosiana-Inter -, o Milan, e o Génova lutaram entre si pelos dois bilhetes de acesso à competição continental. No primeiro encontro, a Juventus só necessitou de 90 minutos para afastar a Ambrosiana-Inter do seu caminho, já que após uma derrota por 1-0 em Turim a equipa de Milão desistiu de discutir a eliminatória num segundo encontro! A última vaga para a Taça Mitropa foi alcançada por... sorteio! Depois de empates (2-2 na primeira mão e 1-1 na segunda) entre si, Milan e Génova foram atirados para as teias de um sorteio, tendo a sorte bafejado esta última equipa.


O guarda-redes italiano Combi trava mais um ataque
do poderoso Slavia de Praga
.
Para além dos clubes italianos mais duas estreias ocorreram na terceira edição da prova, o First Viena, que se apresentava no certame depois de ter vencido a Taça da Áustria, e o Ujpest, que surgia aqui no lugar dos campeões da Mitropa Cup do ano anterior, o Ferencvaros. Ujpest que na primeira mão da ronda inaugural - ocorrida a 22 de junho de 1929 - despachou categoricamente os checoslovacos do Sparta de Praga por 6-1, com a particularidade do avançado István Avar - um romeno naturalizado húngaro - ter feito três golos, ele que haveria de se sagrar o melhor marcador desta edição da competição, com uma dezena de tentos apontados. Na segunda mão, uma vitória por 2-0 do Sparta foi insuficiente para evitar o adeus prematuro dos campeões da primeira edição da Mitropa. Estreia brilhante teve igualmente o First Viena, emblema que espantou a então Europa do futebol ao afastar por um total de 6-1 os campeões húngaros do MTK de Budapeste, sobretudo pela categórica vitória por 4-1 obtida na capital da Hungria, onde sobressaiu o médio criativo Friedrich Gshweidl, autor de dois golos na eliminatória. First Viena que na competição interna durante esse ano de 1929 apresentou um impressionante registo em termos ofensivos, com 76 golos marcados em 22 encontros realizados. Os eternos vice-campeões da Mitropa Cup - pelo menos até então eram vistos desta forma -, o Rapid de Viena - campeão austríaco em 1929 - derrotou o Génova por um resultado total - no conjunto das duas eliminatórias - de 5-1, enquanto que em Turim o talentoso Slavia de Praga encontrou algumas dificuldades perante uma Juventus onde se destacava na baliza um tal de Giampiero Combi, que hoje em dia repousa na Olimpo dos Deuses do Futebol. 1-0, venceu a Juve, graças a uma soberda exibição de Combi. Uma vitória que no entanto se afigurou demasiado curta com vista a uma viagem tranquila até Praga, a casa do Slavia, que à semelhança do rival Sparta era orientado por um treinador escocês, neste caso Jake Madden, que enquanto jogador defendeu as cores do Dumbarton e do Celtic de Glasgow, além de ter representado a seleção da Escócia em cinco ocasiões, duas delas como capitão de equipa, e que em 1909, após ter encerrado a sua carreira de futebolista, decide partir à aventura para a Checoslováquia, onde, e tal como o seu compatriota John Dick (do Sparta), teve um papel preponderante na dinamização do futebol daquele país da Europa Central. Edificou um temível Slavia, um conjunto que triturava adversários, tanto no plano interno como extreno. Recorrendo aos números, Madden oriuntou o clube de Praga em 169 ocasiões na liga doméstica, tendo obtido 134 triunfos, enquanto que no plano internacional disputou 429 partidas - oficiais e particulares - tendo vencido 304 delas. Impressionante. 
No embate da segunda mão com  a Juventus o herói deu pelo nome de Frantisek Junek, autor de dois dos três tentos que levaram os checoslovacos até às meias-finais.

Jake Madden
A 25 e 28 de agosto teve lugar a primeira mão das meias-finais, sendo que em Viena assistiu-se a um duelo empolgante entre o First e o Slavia de Praga. Aliás, ambas as meias-finais foram disputadas sob o signo do futebol espetáculo. O First Viena dominou amplamente o encontro da capital austríaca, mas uma exibição portentosa de Antónin Puc - autor de dois golos - e do guarda-redes Frantisek Plánicka deu origem a uma vitória mínima (3-2) da equipa da casa. 
Puc que voltou a fazer das suas na segunda mão, realizada em setembro, sendo da sua autoria dois dos quatro golos com que o Slavia derrotou (4-2) com muito esforço um combativo First de Viena. 
Rapid de Viena e Ujpest necessitaram de um terceiro jogo para decidir qual das equipas iria acompanhar o Slavia na grande final. 
A grande estrela deste confronto, sobretudo no play-off de desempate, foi o goleador István Avar, autor de um hattrick que colocou os estreantes do Ujpest no jogo decisivo. Num breve registo biográfico sobre uma das estrelas mais brilhantes - senão mesmo a mais cintilante - da terceira edição da Taça Mitropa, é de sublinhar István Avar nasceu em Arad, na Roménia, a 28 de maio de 1905, tendo representado a seleção romena em duas ocasiões entre 1926 e 1927. A sua veia goleadora chamou à atenção das grandes equipas do futebol continental de então, tendo em 1928 assinado um contrato profissional com o Ujpest, emblema que representou ao longo de seis épocas. Com este clube atuou em centena e meia de jogos, tendo marcado 161 golos. Naturalizou-se húngaro, tendo atuado em 21 ocasiões pela seleção magiar entre 1929 e 1935, tendo nesse período apontado um total de 24 golos com a camisola nacional húngara.

István Avar, o goleador
da edição de 1929
da Taça Mitropa,
com 10 golos

A 13 de novembro de 1929 o Estádio Hungária Korut acolheu 18.000 pessoas que começaram por presenciar uma primeira parte equilibrada, conforme traduz a igualdade a uma bola no marcador ao intervalo. Porém, no segundo tempo uma exibição avassaladora da equipa da casa aniquilou por completo os jogadores do Slavia. Com quatro golos o Ujpest construiu uma robusta vitória 5-1, resultado que lhe dava sérias hipóteses de levantar o troféu. Ao nível particular este encontro fica marcado pela soberba performance do defesa húngaro Ferenc Borsanyi. Ele, que havia sido igualmente uma peça fundamental no play-off de desempate ante o Rapid de Viena. A 16 de novembro o Estádio Letna, em Praga, recebeu o jogo da segunda mão, e tal como lhe era pedido o Slavia entrou a todo o gás na tentativa de anular a pesada desvantagem que trazia da Hungria. Aos 28 minutos Junek abriu o marcador para os da casa, que no início do segundo tempo iriam aumentar a vantagem com um golo de Josef Kratochvil, na transformação de uma grande penalidade, golo este que fazia renascer a esperança entre os checoslovacos, que precisavam agora de apenas dois golos para empatar a final e quem sabe levar a decisão para um terceiro encontro. Porém, e mais uma vez, a estrela do goleador da terceira edição da Mitropa Cup, István Avar, iria voltar a brilhar. Antes de Avar dar nas vistas Gábor Szábo reduziu aos 84 minutos a desvantagem dos húngaros nesta partida, sendo que dois minutos depois Avar colocou de vez um ponto final nas aspirações do conjunto checoslovaco em erguer a taça. 2-2, o resultado final, um empate com sabor a vitória para o Ujpest, que assim sucedia aos compatriotas do Ferencvaros como campeão daquela que era já a competição internacional de clubes mais popular do Velho Continente.

Números e nomes:

Quartos-de-final (1ª e 2ª mãos)

Ujpest (Hungria) - Sparta Praga (Checoslováquia): 6-1/0-2

MTK Budapeste (Hungria) - First Vienna (Áustria): 1-4 /1-2

Rapid Viena (Áustria) - Génova (Itália): 5-1/0-0

Juventus (Itália) - Slavia Praga (Checoslováquia): 1-0/0-3

Meias-finais (1ª e 2ª mãos)

First Vienna (Áustria) - Slavia Praga (Checoslováquia): 3-2/2-4

Ujpest (Hungria) - Rapid Viena (Áustria): 2-1/2-3/3-1 (desempate)

Final (1ª mão)

Ujpest (Hungria) - Slavia Praga (Checoslováquia): 5-1

Data: 3 de novembro de 1929
Estádio: Hungária Korut (Hungria)
Árbitro: Eugen Braun (Áustria)

Ujpest: János Aknai, Károly Kovágó, Jozsef Fogl (c), Ferenc Borsanyi, János Koves, János Víg-Wilhelm, Albert Strock, István Avar, István Meszáros, Illés Spitz, e Gábor Szábo. Treinador: Lajos Bányai.

Slavia Praga: Frantisek Plánicka, Ladislav Zenisek, Antonín Novák, Antonín Vodicka, Josef Pleticha (c), Karel Cipera, Frantisek Junek, Bohumil Joska, Frantisek Svoboda, Antonín Puc, e Josef Kratochvil. Treinador: Jake Madden.

Golos: 1-0 (Spitz, aos 42m), 1-1 (Puc, aos 44m), 2-1 (Avar, aos 60m), 3-1 (Strock, aos 67m), 4-1 (Szábo, aos 69m), 5-1 (Spitz, aos 80m)

Final (2ª mão)

Slavia Praga (Checoslováquia) - Ujpest (Hungria): 2-2

Data: 17 de novembro de 1929
Estádio: Letna, em Praga (Checoslováquia)
Árbitro: Eugen Braun (Áustria)

Slavia Praga: Frantisek Plánicka, Ladislav Zenisek, Antonín Novák, Antonín Vodicka, Josef Pleticha (c), Karel Cipera, Frantisek Junek, Bohumil Joska, Frantisek Svoboda, Antonín Puc, e Josef Kratochvil. Treinador: Jake Madden.

Ujpest: János Aknai, Károly Kovágó, Jozsef Fogl (c), Ferenc Borsanyi, János Koves, János Víg-Wilhelm, Albert Strock, István Avar, István Meszáros, Illés Spitz, e Gábor Szábo. Treinador: Lajos Bányai.

Golos: 1-0 (Junek, aos 28m), 2-0 (Kratochvil, aos 57m), 2-1 (Szábo, aos 84m), 2-2 (Avar, aos 86m). 

Os onze heróis que em 1929 conquistaram o título mais pomposo da história dos húngaros do Ujpest

1930: Taça Mitropa viaja finalmente para a nação que a idealizou, no ano em que uma estrela italiana começou a brilhar no céu internacional


Giuseppe Meazza, uma das maiores estrelas
do futebol internacional da década de 30
foi a grande estrela da quarta
edição da Mitropa Cup




Finalistas vencidos nas duas primeiras edições, semi-finalistas em 1929, eis à quarta tentativa o Rapid de Viena viu finalmente a luz ao fundo do túnel, o mesmo será dizer, venceu a Mitropa, levando desta forma o troféu pela primeira vez para o país que sonhou uma competição onde começavam a despontar estrelas em catadupa. Em 1930 surge aquela que é considerada como a primeira lenda do futebol italiano, o primeiro grande ídolo dos tiffosi, de seu nome Giuseppe Meazza. Nascido em Milão, a 23 de agosto de 1910, Peppino, como carinhosamente era tratado por colegas e adeptos, cedo mostrou os seus deslumbrantes atributos de futebolista, tendo com apenas 17 anos conquistado a titularidade no Ambrosiana-Inter, clube cuja camisola envergou em mais de 400 ocasiões - 408 para sermos mais precisos, distribuídas entre jogos oficiais e particulares - ao longo de 17 anos, tendo marcado 287 tentos. Em 1940 como que apunhala o clube que o revelou ao Mundo após assinar pelo vizinho e eterno inimigo, o Milan, onde esteve durante duas temporadas, Jogou ainda pela Juventus, Varese, e Atalanta. É um dos melhores marcadores de todos os tempos da Serie A - o principal campeonato transalpino - com 367 golos apontados em 216 partidas realizadas. Pela Squadra Azzurra atuou em 53 jogos, tendo feito balançar as redes adversárias por 33 ocasiões. Entre as suas numerosas conquistas destacam-se os dois títulos de campeão do Mundo - obtidos em 1934 e 1938 - com a nazionale italiana. Com 20 anos Peppino Meazza fez então a sua primeira aparição na montra do futebol continental ao nível de clubes, fazendo-o na qualidade de principal figura da Ambrosiana-Inter, emblema que surgia nesta edição da Taça Mitropa na qualidade de campeão de Itália. 
Ditou o sorteio que logo na primeira ronda os italianos defrontassem os campeões em título, o Ujpest, duelo que haveria de ter contornos históricos.

A equipa da Ambrosiana-Inter (de Milão) que disputou a edição número quatro da Mitropa Cup
Quatro jogos foram necessários para decidir quem seguia para as meias-finais, ou a Ambrosiana-Inter, ou o Ujpest. A primeira mão, em Budapeste, ficou marcada por uma exibição memorável de Meazza, astro que apontou dois dos quatro golos com que a sua equipa deixou a capital húngara. 4-2 o resultado final de um encontro épico. Igualmente bem jogada foi a partida da segunda mão, em Milão, com a vingança do Ujpest servida em bandeja igual à que os italianos haviam oferecido ao seu rival em Budapeste, ou seja, 4-2 a favor dos campeões da Mitropa. Em jeito de nota de rodapé será importante dizer que em 1930 a organização da competição continental decidiu que o vencedor da Mitropa Cup teria sempre lugar assegurado na edição seguinte, independentemente de vencer ou não o seu campeonato nacional. Voltando ao tira-teimas entre Ambrosiana-Inter e Ujpest para recordar que o primeiro jogo de desempate foi pautado pela postura extremamente defensiva que ambas as equipas apresentaram no terreno. Um encontro onde as principais estrelas dos dois combinados, István Avar do lado húngaro, e Meazza do lado italiano, foram totalmente neutralizadas pelas rígidas defesas. 1-1 foi o resultado final que obrigou assim a um novo play-off. Este quarto duelo primou pela emoção, espetáculo, e fartura de golos. Os italianos tiveram uma entrada demolidora, chegando com relativa facilidade ao 3-0, graças a dois golos de Meazza e um de Leopoldo Conti. Porém, do outro lado da barricada não estava uma equipa qualquer, e num abrir e fechar de olhos o Ujpest chegou à igualdade, muito devido à inspiração de Avar, autor de dois tentos. Os húngaros estavam muito melhor sobre o retângulo de jogo, mas no futebol nem sempre vence quem joga melhor e foi precisamente isto o que aconteceu. A Ambrosiana-Inter, quase sem querer, e numa altura de jogo em que era dominada pelo seu oponente, chegou ao 5-3, arrumando - finalmente - a questão a seu favor.

O belga Raymond Braine semeia o perigo
na sequência de mais um ataque do Sparta
Destino contrário ao do emblema de Milão teve a outra equipa transalpina em prova, o Génova, que depois de um empate a um golo na primeira mão, em casa, foi goleada em território austríaco pelos futuros campeões, o Rapid de Viena. O azar bateu à porta dos genoveses ao minuto 40 da partida da segunda mão, altura em que o seu principal esteio, o seu notável guarda-redes Manlio Bacigalupo, sofre uma grave lesão que o obriga a abandonar o terreno, sendo substituído por um jogador de campo - na altura as substituições estavam ainda muito longe de ser permitidas. O Rapid aproveitou a inexperiência do guardião improvisado para chegar à goleada, com realce para o bis de Weselik e Wessely. Giuseppe Meazza não foi a única estrela a emergir nesta quarta edição da Mitropa. No Sparta de Praga orientado por John Dick aparecia um prodígio belga, avançado, de nome Raymond Braine, um verdadeiro terror para os guarda-redes oponentes. Natural de Antuérpia, Braine vestiu durante seis épocas a camisola do clube checoslovaco, assumindo-se desde logo como uma das suas principais estrelas a par de Karel "Kada" Pasek, ou Josef Silny. O belga realizou um total de 106 encontros pelo emblema de Praga, tendo apontado 128 golos. Um deles ocorreu precisamente no embate da primeira mão dos quartos-de-final da Mitropa Cup de 1930, ante o First Viena, o tento que selou um magro mas justo triunfo (2-1) dos vice-campeões da Checoslováquia. Na segunda mão, em Viena, nova vitória do Sparta de Ferro, desta feita por 3-2, sendo que com apenas 20 minutos de jogo os checoslovacos já lideravam o marcador por 3-1. À festa do apuramento para as meias-finais os adeptos do Sparta rejubilaram com o afastamento do seu grande rival, o Slavia, que caiu aos pés do Ferencvaros após uma eliminatória muito equilibrada.

Ambrosiana-Inter coloca anúncio em jornal para recrutar um guarda-redes para o duelo das meias-finais!


Pietro Miglio, o guarda-redes
que a Ambrosiana-Inter contratou
através de um anúncio de jornal!
Facto insólito ocorreu numa das meias-finais da prova. Poucos dias antes da partida da segunda mão com o Sparta de Praga a turma da Ambrosiana-Inter vê-se privada dos seus dois guarda-redes, Smerzi e Degani, ambos a contas com graves lesões. Os nerazzurri viram-se então forçados a colocar um anúncio num jornal desportivo (!) com a finalidade de encontrar um keeper para o que restava da temporada. Não se sabe ao certo quantos candidatos apareceram, mas o que se sabe é que a escolha recaiu em Pietro Miglio, que atuava numa equipa amadora de Turim, o Crocetta. A inexperiência do Miglio na alta roda internacional - e profissional - acabaria por deixar marcas na eliminatória, já que depois de uma igualdade a dois golos na primeira mão, em Milão, o descalabro ocorreu em Praga, onde o Sparta além de dominar amplamente o encontro graças a soberbas exibições de Braine e Kada humilhou os italianos com uma goleada de 6-1. À Ambrosiana-Inter restou a consolação de ver a sua estrela-mor, Giuseppe Meazza, ter alcançado o título de goleador da Taça Mitropa de 1930, com sete remates certeiros. A outra meia-final foi uma repetição do jogo decisivo da segunda edição da prova, entre Ferencvaros e o Rapid de Viena, tendo na altura os húngaros sido mais felizes. Dois anos demorou a vingança dos austríacos, que no encontro da primeira mão beneficiaram do facto de terem pela frente um adversário que apesar de ter mais posse de bola cometeu demasiados erros no capítulo da finalização. Resultado: 5-1 a favor dos vienenses, com o destaque individual a recair sobre Matthias Kaburek, autor de um hattrick, e com isto a final estava ali ao virar da esquina. Na segunda mão, em Budapeste,a defesa do Rapid ditou leis, apresentando-se praticamente intransponível, e dizemos praticamente porque somente por uma ocasião o Ferencvaros conseguiu bater o guardião Bugala. 

À terceira tentativa o Rapid ergueu finalmente a Taça Mitropa


Karl Rappan
O dinamarquês Sophus Hansen foi o árbitro escolhido pela organização para dirigir os dois encontros da final da Mitropa Cup de 1930. No dia 2 de novembro o Estádio Letna acolhe o primeiro encontro, o qual ficou marcado pela excelente exibição do guardião vienense, Josef Bugala, e pela eficácia do contra-ataque da sua equipa, que em duas ocasiões fez balançar as redes do guardião checoslovaco Belik na sequência de jogadas de contra-golpe. O Rapid de Viena estava assim bem lançado para finalmente colocar as mãos numa taça que lhe havia escapado nas duas primeiras edições, sendo que no encontro da segunda mão entrou em campo com uma postura distinta da que foi patenteada em Praga. Lançados ao ataque desde o apito inicial de Hansen, os jogadores do Rapid cedo chegaram à vantagem, por intermédio de Kaburek, logo ao minuto sete. No esteio da defesa vienense militava um homem que um par de décadas mais tarde haveria de atingir o patamar das celebridades futebolísticas, já que é da sua autoria a conhecida tática do... ferrolho, a(s) base(s) do catenaccio que os italianos tornaram célebre a partir dos anos 60. Karl Rappan era o seu nome. No Hohe Warte Stadium de Viena não brilhou o génio do belga Raymond Braine mas em seu lugar apareceu o inspirado Josef Kostalek, que nos espaço de três minutos (entre os minutos 25 e 27) apontou dois golos que fizeram tremer os austríacos. Tremedeira que na segunda parte iria ter um fim, quando ao minuto 67 Smistik fez o 2-2 que praticamente garantiu o título, de nada valendo um terceiro golo de Kostalek. 
Depois de duas finais perdidas o Rapid de Viena era por fim campeão da Mitropa, ou na realidade daquela altura... campeão da Europa.

Números e nomes:

Quartos-de-final (1ª e ª mãos) 

Slavia Praga (Checoslováquia) – Ferencvaros (Hungria): 2-2/0-1 

Sparta Praga (Checoslováquia) - First Viena (Áustria): 2-1/3-2

Génova (Itália) - Rapid Viena (Áustria): 1-1/1-6 

Ujpest (Hungria) – Ambrosiana-Inter (Itália): 2-4/4-2/1-1/3-5 (desempate)

Meias-finais (1ª e 2ª mãos) 

Ambrosiana-Inter (Itália) - Sparta Praga (Checoslováquia): 2-2/1-6 

Rapid Viena (Áustria) - Ferencvaros (Hungria): 5-1/0-1

Final (1ª mão)

Sparta Praga (Checoslováquia) - Rapid Viena (Áustria): 0-2

Data: 2 de novembro de 1930 

Estádio: Letna, em Praga (Checoslováquia)

Árbitro: Sophus Hansen (Dinamarca)

Sparta Praga: Ladislav Belik, Jaroslav Brugr, Antonín Hojer, Madelon, Kada (c), Erich Srbek, Adolf Patek, Josef Kostalek, Raymond Braine, Josef Silný, e Karel Hejma. Treinador: John Dick. 

Rapid Viena: Josef Bugala, Roman Schramseis, Leopold Czejka, Karl Rappan, Josef Smistik, Johann Vana, Willibald Kirbes, Franz Weselik, Matthias Kaburek, Johann Luef, e Ferdinand Wesely (c). Treinador: Edi Bauer.

Golos: 0-1 (Luef, aos 9m), 0-2 (Wesely, aos 57m)

Final (2ª mão)

Rapid Viena (Áustria) - Sparta Praga (Checoslováquia): 2-3

Data: 11 de novembro de 1930

Estádio: Hohe Warte, em Viena (Áustria)

Árbitro: Sophus Hansen (Dinamarca)

Rapid Viena: Josef Bugala, Roman Schramseis, Leopold Czejka, Karl Rappan, Josef Smistik, Johann Vana, Willibald Kirbes, Franz Weselik, Matthias Kaburek, Johann Luef, e Ferdinand Wesely (c). Treinador: Edi Bauer.

Sparta Praga: Ladislav Belik, Jaroslav Brugr, Josef Ctyroky, Madelon, Kada (c), Erich Srbek, Karel Podrazil, Josef Kostalek, Raymond Braine, Josef Silný, e Karel Hejma. Treinador: John Dick. 

Golos: 1-0 (Kaburek, aos 7m), 1-1 (Kostalek, aos 25m), 1-2 (Kostalek, aos 27m), 2-2 (Smistik, aos 67), 2-3 (Kostalek, aos 87m).

À terceira tentativa (numa final) o Rapid de Viena conseguiu levar o troféu para casa