sexta-feira, outubro 18, 2019

Histórias do Futebol em Portugal (30)... Lobos do Mar foram os pioneiros em "tingir" os seus mantos sagrados com publicidade

Um "onze" do Varzim que entrou na história do futebol português
por ter sido o primeiro clube com publicidade nas camisolas

Tingir o manto sagrado de um clube de futebol com o nome de uma qualquer marca ou empresa foi algo inimaginável durante décadas a fio no Planeta da Bola. O orgulho de exibir uma camisola limpa de publicidade resistiu até meados da segunda metade do século XX numa altura em que o dinheiro começava a falar cada vez mais alto no seio do futebol.
Na verdade, a publicidade estampada nas camisolas era um negócio agradável para ambas as partes: para as empresas/marcas que viam no mediatismo crescente do futebol um veículo para se promoverem, e para os clubes que viam os seus cofres serem inundados pelo dinheiro de marcas comerciais e dessa forma garantiam a sua sobrevivência numa modalidade onde os cifrões eram (e são) cada vez mais imprescindíveis.

Wormatia Worms, pioneiros a nível mundial
no uso de publicidade nas camisolas
Contudo, grandes clubes mundiais só há bem pouco tempo romperam com a tradição de se passearem nos relvados com as suas camisolas livres dos ataques das marcas comerciais. Foi o caso do Barcelona e do Athletic de Bilbao, que só neste novo milénio aceitaram um patrocínio nas camisolas.
É preciso recuar quatro décadas face a este facto para conhecer o primeiro emblema a nível planetário que exibiu publicidade na frente das suas camisolas. Estávamos em 1967 quando os alemães do Wormatia Worms ousaram enfrentar a lei que proibia publicidade nas camisolas de equipas desportivas, estampando no seu manto sagrado a propaganda a uma empresa de máquinas pesadas, a CAT.
Porém, este não foi caso único no futebol germânico, já que ainda antes da Federação Alemã de Futebol permitir o uso de publicidade nas camisolas, algo que aconteceu em 1973, o Eintracht de Braunschweig ludibriou a proibição ao substituir o seu símbolo pelo logótipo da empresa Jagermeister.

Histórico edifício da Maconde
E em Portugal, quando foi que um clube de futebol exibiu pela primeira vez uma marca comercial nas suas camisolas? É esta questão a razão que nos leva hoje a abrir as portas do Museu.
A resposta óbvia para muitos seria o FC Porto, o Benfica, ou o Sporting, porventura os três emblemas mais apetecíveis (para o setor empresarial) do futebol português. Mas não, nenhum deles foi pioneiro nesta moda. Esse dado histórico pertence aos Lobos do Mar, vulgo, o Varzim Sport Clube, que na temporada de 1982/83 estampou na sua camisola listada de preto e branco o nome da Maconde. Esta foi tão só uma das maiores empresas têxteis do país dos anos 70 e 80. Fundada em 1969, em Vila do Conde, com capital holandês, esta empresa chegou a ter nos seus tempos áureos 2000 funcionários a laborar nas quatro unidades fabris dispersadas pela região norte do país: Braga, Vila do Conde, Póvoa de Varzim e Maia, além de deter uma rede de lojas com balcões abertos em todo o país.
Como em quase tudo na vida, a célebre Maconde teve o seu fim.
A crise do têxtil que assolou muitas empresas na região norte (Vale do Ave, por exemplo, foi uma das zonas mais afetadas, com o encerramento de dezenas de empresas) nos finais dos anos 90, levou em 2000 a Maconde a ser dividida em duas novas empresas a Macvila e a Mactrading. Porém, 10 anos volvidos, ambas abriram insolvência.

Ficam, no entanto, muitas memórias da emblemática Maconde, e uma delas é precisamente o facto de ter sido a primeira marca a estampar o seu nome na camisola de um clube português.
A versão de 1982/83 do Varzim era comandada por um histórico do futebol nacional, José Torres. Esse mesmo, o Bom Gigante, o homem que enquanto atleta brilhou com as cores do Benfica e da seleção nacional, sendo que neste último capítulo foi um dos lendários Magriços que levou Portugal à conquista de um (então) impensável terceiro lugar no Mundial de 1966. Na Póvoa de Varzim, Torres comandava uma equipa à imagem daquela região, lutadora e aguerrida dentro de campo, uma equipa que tal e qual um pescador no alto mar nunca virava a cara às adversidades.
A fortaleza da Póvoa começava na baliza, onde pontificava um homem nascido noutra escola com fortes ligações ao mar, neste caso nos Bébés de Matosinhos, a escola do popular Leixões. Lúcio era o seu nome e nessa época ninguém lhe roubou a baliza poveira. Fez os 30 jogos desse campeonato.

À sua frente, erguia-se um verdadeiro muro para os avançados adversários, uma defesa de aço, duríssima de transpor e comandada por um brasileiro cujas feições assustavam o mais feroz dos avançados daquela 1.ª Divisão. Um autêntico "armário", que apesar dos seus então já adiantados 35 anos impunha respeito a muito boa gente. Washington Alves, de seu nome, um brasileiro com cara de poucos amigos - que tem a particularidade de ser pai de outro nome icónico do futebol português: Bruno Alves – e que tinha a seu lado craques como José Alberto Torres, ou Vitoriano Ramos - que anos mais tarde seria campeão nacional pelo FC Porto.
No meio campo figurava um jovem artista, um dos maiores carregadores de piano lusos. Todo o futebol daquele Varzim passava pelos seus pés. António André, a sua graça. Atuou em 28 jogos nessa campeonato pelos Lobos do Mar, tendo apontado dois golos. Dois anos mais tarde seguiria viagem para a Cidade Invicta onde construiu uma carreira em tons de azul e branco que dispensa apresentações.
E na frente, com a missão de atacar as redes contrárias, estavam figuras como Valdemar e Folha, uma dupla que só à sua conta apontou 11 dos 23 golos varzinistas nesse Nacional da 1.ª Divisão.

A modesta classificação dos Lobos do Mar nessa temporada - foram 12.º, salvando-se da descida de divisão por um ponto - não espelha a qualidade dessa equipa. Sobretudo nos jogos realizados na Póvoa de Varzim, onde a esmagadora das equipas visitantes se via negra para sair de lá viva. Em 15 encontros disputados no seu território o Varzim do Bom Gigante Torres só perdeu três: Espinho, FC Porto e Vitória de Setúbal, e todos pela margem mínima: 0-1. De resto, nem Benfica, nem Sporting lá passaram, tendo os leões sido mesmo vergados a uma derrota (2-1) com um bis de Valdemar.

Esse Varzim deixou a sua marca, não só pelo futebol aguerrido exibido diante do seu público, sobretudo, mas por ter sido igualmente a primeira equipa lusa a apresentar publicidade nas suas camisolas. 

terça-feira, outubro 08, 2019

Histórias do Planeta da Bola (24)... Elizabeth Robbie: a primeira big boss no Planeta da Bola


O desaparecimento recente de Marlene Matheus (24 de setembro de 1936 - 2 de julho de 2019) abre caminho para esta nossa viagem ao passado. Uma incursão ao Mundo das mulheres que ousaram pisar um terreno dominado pelo sexo masculino. Não no campo de batalha, isto é, no terreno de jogo, onde de há (largos) anos a esta parte o sexo feminino dá cartas, quer na condição de atletas, quer enquanto treinadoras ou árbitras, mas sim na condução dos destinos de um clube de futebol, enquanto proprietárias, presidentes, ou até mesmo diretoras desportivas. Olhando para o mapa futebolístico global verificamos que são (ou foram) ainda poucas as senhoras que vestem, ou vestiram, o fato de big boss, ou chairman, neste caso, de chairwoman, ou como agora está em voga, CEO, de um clube de futebol.
Abrindo o Atlas do Futebol Mundial encontrámos alguns nomes que fizeram história, caso da já referida Marlene Matheus, a brasileira que ficou mundialmente conhecida por ter sido a primeira e única mulher que foi presidente do Corinthians. Um cargo que ocupou entre 1991 e 1993, tendo sucedido ao seu marido, o folclórico Vicente Matheus, que presidiu o clube paulista em mandatos não consecutivos entre os anos 50 e 90.

Porém, o nome mais sonante à frente de um clube é talvez o da espanhola Teresa Rivero, conhecida como a Dama de Ferro do futebol espanhol. A empresária que nada sabia de futebol, ou pelo menos assim pensava, quando em 1994 assumiu a presidência do Rayo Vallecano, o clube ió-ió como era conhecido antes da sua chegada à liderança, pelo sobe e desce constante entre as divisões secundárias de Espanha, revolucionou o pequeno emblema de Vallecas. Um clube financeiramente débil e sem perspetivas de futuro. Teresa Rivero alterou por completo este cenário, e fez do Rayo um clube estável e saudável sob o ponto de vista financeiro, e acima de tudo um emblema de primeira divisão, e que em finais do século passado atingiu as competições europeias. Com Teresa Rivero ao leme o Rayo Vallecano viveu os melhores anos da sua existência. A Dama de Ferro aposentou-se das lides futebolísticas em 2011.

Ainda no ativo está Ann Budge, the Queen of Hearts, traduzido na língua de Camões: a rainha do Hearts. Esta escocesa, nascida em Edimburgo, em 1948, é além de uma notável e reconhecida mulher de negócios e dona de uma das maiores fortunas da Escócia, a proprietária do Hearts of Midlothian Football Club. Budge comprou o clube em 2014 e desde logo procedeu a várias mudanças no seio do emblema de Edimburgo, tornando-o na terceira potência do futebol escocês, logo a seguir aos gigantes de Glasgow: Celtic e Rangers. Pela forma como tem administrado o Hearts, Budge recebeu em novembro de 2016 o prémio "CEO do Ano", no âmbito do Football Business Awards.  
Plantel dos Strikers em 1977, onde pontificava o campeão mundial Gondon Banks (Elizabeth Robbie encontra-se em segundo lugar na fila do meio, a contar da esquerda para a direita)
Estas três mulheres podem ter em comum o facto de terem transformado para melhor os seus clubes do coração, mas nenhuma delas foi pioneira na condução dos destinos de um clube. Esse estatuto pertence a Elizabeth Robbie. Esta cidadã norte-americana tornou-se no início da década de 70 na primeira mulher a presidir um clube de futebol. Ela e o seu marido fundaram em 1972 os Miami Toros, guiando, um ano mais tarde, este emblema até à principal liga do soccer norte-americano, a NASL. Em 1977 rebatizou o clube da Florida, passando este a denominar-se de Fort Lauderdale Strikers. Foi sob esta designação que o emblema atingiu a fama no futebol estado-unidense, numa liga que durante mais de uma década atraiu algumas das principais estrelas planetárias, como Pelé, Cruyff, Eusébio, Beckenbauer, entre muitos outros. 
Elizabeth Robbie, na fila de baixo ao meio, comanda os Strikers em 1981,
com Cubillas e Gerd Muller como estrelas da companhia
Os Strikers liderados por Robbie contribuíram para que a NASL (North American Soccer League) se tornasse talvez na competição mais galática do futebol mundial nos anos 70 e 80, pelo menos no que concerne à agregação na mesma liga de nomes tão sonantes. Sob a sua presidência o emblema de Miami falhou por muito pouco a glória - em 1974, ainda como Miami Toros, foram derrotados na final pelos Los Angeles Aztecs e em 1980 foram vergados na final do campeonato pelo galático Cosmos de Nova Iorque, que tinha nas suas fileiras nomes como Carlos Alberto, Seninho, Romerito, Frankie Van Der Elst, ou Neeskens. Contudo, construiu ao longo da sua presidência (até 1984) alguns dos melhores plantéis da velha NASL. Nomes como Gordon Banks, Gerd Muller, ou Teófilo Cubillas vestiram a camisola dos Strikers nesse período dourado do soccer dos Estados Unidos da América.

A sua preponderância não só no clube de Miami como no próprio futebol daquele país foi de tal forma importante que em 2003 ela passou a fazer parte do National Soccer Hall of Fame.