Mostrando postagens com marcador Adolphe Cassaigne. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Adolphe Cassaigne. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, julho 22, 2021

Arquivos do Futebol Português (17)...

Edifício/sede da AFL
Em 1911 dá-se a novidade de pela primeira vez em Portugal se cobrarem ingressos para assistir aos jogos de futebol. Mas ainda antes disto a Liga Portuguesa de Futebol (LFP) desaparece, fruto dos sucessivos tumultos que assolavam o futebol lisboeta de então. A indisciplina reinava nas relações entre clubes, causadas por queixas contra árbitros, ou decisões da LPF. Os regulamentos raramente eram cumpridos. Os jogadores mudavam de camisola quando bem lhes apetecesse, os clubes desistiam a meio das provas, além de que a segurança não existia numa época em que as rivalidades levavam os adeptos a ultrapassar a fronteira que separa os bons costumes da selvajaria. Tumulto cujo ponto final foi colocado a 23 de setembro desse longínquo ano de 1910, dia em que nasce a Associação de Futebol de Lisboa (AFL), a entidade que haveria de dinamizar e remodelar o futebol associativo em Portugal dali em diante. AFL que tomou de imediato conta do Campeonato de Lisboa, tendo logo em 1910/11 chamado a si a organização do certame, que iria contar com a participação de sete clubes, nomeadamente o CIF, o Benfica, o Sporting, o Campo de Ourique, o Império, o Lisboa Football Club, e o União Belenense. Notava-se a ausência de alguns clubes históricos dos primeiros anos de futebol em Portugal, desde logo os ingleses do Carcavellos Club, que preferiam agora competir apenas em jogos particulares (!), enquanto que emblemas como o Lisbon Cricket e o Gilman desapareciam, tendo os seus valorosos atletas rumado para outras paragens. O CIF seria coroado campeão de Lisboa na temporada de 1910/11.

A equipa do FC Porto que em 1911
venceu a primeira edição da Taça Monteiro da Costa

A norte, em 1911, dá-se um terrível choque para a nação portista: morre aos 29 anos José Monteiro da Costa, nada mais nada menos do que o refundador do Football Club do Porto. Monteiro da Costa era a alma do FC Porto, tudo o que tivesse a ver com o clube chamava à sua responsabilidade, desde a constituição das equipas para os jogos até aos meros convites endereçados aos associados para assistiram aos empolgantes duelos futebolísticos. Pelo que ele representava para o clube não demorou muito a que um grupo de associados metesse mãos à obra para homenagear o reinventor do FC Porto, ao propor a instituição de um troféu, que seria denominado de Taça Monteiro da Costa, e que dali em diante iria coroar o rei do futebol nortenho. O homenageado não chegou a ver a competição em andamento, já que morreu antes do pontapé de saída. Monteiro da Costa adoece nos primeiros dias de janeiro de 1911, vindo a falecer no dia 30 desse mesmo mês com apenas 29 anos! A nação portista entra em pânico. E agora? Como é que o clube vai sobreviver sem o seu principal impulsionador, sem a sua figura central, sem a sua alma? Foram questões levantadas de imediato por associados e dirigentes do então jovem FC Porto. Temeu-se que pela segunda vez na sua história o clube fosse empurrado para uma morte prematura, medos que no entanto seriam eclipsados na Assembleia Geral de 16 de março desse ano de 1911, altura em que um punhado de seguidores do sonho de Monteiro da Costa decide continuar a aventura em memória do saudoso companheiro. E é pois nesse embalo para o futuro que se edifica a primeira edição da Taça Monteiro da Costa, ou o primeiro Campeonato do Norte, como defendem alguns historiadores desportivos. Convidados para a estreia da citada competição, cujo vencedor teria à sua espera a denominação de campeão do norte (aquém Mondego), seriam os vizinhos do Boavista e do Leixões, para além, claro, do clube anfitrião, o FC Porto, que no final acabaria por fazer a festa.

O certame abriu com um duelo entre matosinhenses e boavisteiros, a 26 de março, com os primeiros a bater sem apelo nem agrado os portuenses por 4-1. A 2 de abril entra em campo o FC Porto, cujos jogadores transportavam consigo a ambição sentimental de vencer aquele troféu tão especial. O oponente foi o Boavista. Resultado final: 3-1 para os portistas. Posteriormente, portistas e leixonenses mediriam forças no derradeiro jogo desta primeira edição da Taça Monteiro da Costa, um duelo que teve contornos de verdadeira final, pois quem vencesse seria coroado como o primeiro campeão do norte. Tal como se esperava foi um desafio muito intenso, e rezam as crónicas que o Leixões esteve várias vezes perto do golo, valendo aos portistas a magnífica exibição do seu guarda-redes, Manuel Valença. E como quem não marca sofre, o FC Porto chegaria ao golo - cujo autor se desconhece - um tento solitário que deu a primeira Taça Monteiro da Costa ao clube da Cidade Invicta, que assim se auto-proclamava o primeiro campeão nortenho do então jovem football.

Para a eternidade ficam pois os nomes dos seguintes campeões: Manuel Valença, Elísio Bessa, Vitorino Pinto, Mário Maçãs, Adelino Costa, Magalhães Bastos, José Bacelar, Camilo Moniz, Carlos Megre, João Cal, e Ivo Lemos. Jogadores treinados pelo mestre francês Adolphe Cassaigne, o homem que haveria de estar nas quatro restantes conquistas do portistas nesta prova.

A seleção nacional da AFL que em 1911 defrontou os franceses do Stade Bordelais

Também em 1991 a recém surgida AFL resolve reunir uma "seleção nacional", para enfrentar os franceses do Stade Bordelais, que a convite da associação lisboeta efetuaram três encontros em território português, um diante do CIF, outro com o Benfica, e por último ante a "seleção" da AFL. Este último desafio decorreu no dia 21 de maio, no Campo da Feiteira, em Lisboa, e a "seleção nacional", equipando de camisola azul e branca (cores da monarquia que então acabara de cair em Portugal), calção branco, e meia preta, alinhou com: Eduardo Luís Pinto Basto (CIF), Merick Barley (CIF), Henrique Costa (Benfica), William Sissener (CIF), Cosme Damião (Benfica), Artur José Pereira (Benfica), António Stromp (Sporting), Francisco Stromp (Sporting), António Rosa Rodrigues (Sporting), Carlos Sobral (CIF), e João Bentes (Sporting). Quanto ao resultado o conjunto luso esmagou o seu congénere gaulês por 5-1.

terça-feira, março 16, 2021

Arquivos do Futebol Português (13)...

Equipa do Carcavellos que venceu a 1.ª edição do Campeonato de Lisboa, em 1907

O sucesso do o primeiro torneio organizado em Portugal, o Bronze Viúva Alexandre Senna, em 1906, contribuiu para uma maior organização entre os clubes então existentes no sentido de criar um campeonato de futebol com o formato de todos contra todos, à semelhança do que já se fazia em Inglaterra. Em setembro de 1907 foi fundada a Liga de Football Association, presidida por Joaquim Costa. Este organismo formado por Lisbon Cricket Club, Football Cruz Negra, Clube Internacional de Football (CIF) e Sporting Clube de Portugal, decidiu organizar o seu primeiro campeonato por pontos, no formato de todos contra todos a duas voltas.

Os vencedores da prova foram os ingleses do Carcavellos Football Club. O Sport Lisboa (futuro Sport Lisboa e Benfica), o Lisbon Cricket e o CIF foram os outros clubes envolvidos neste campeonato regional, o primeiro a ser realizado no país no sistema de pontos. Nesta prova o poderio do Carcavellos no panorama do futebol lisboeta sobressaiu, já que em 6 jogos realizados a turma inglesa - formada por empregados da Telegraph Company - apenas perdeu um, ante o Sport Lisboa. Aliás, este triunfo dos portugueses sobre os mestres ingleses foi um dos factos mais relevantes desta edição inaugural do Campeonato de Lisboa, já que quebrou um recorde de nove anos de invencibilidade dos ingleses do Carcavellos. Este episódio histórico aconteceu no dia 10 de fevereiro de 1907, com os encarnados a vencerem por 2-1. Em baixo reproduzimos a crónica do encontro no jornal Os Sports:

Os ingleses não perdiam com equipas lusas desde 1898. Para a história ficam os nomes dos heróis do Sport Lisboa que nessa tarde na Quinta Nova (instalações do Cabo Submarino) acabaram com a invencibilidade dos mestres ingleses: Manuel Mora, Henrique da Costa, Emílio de Carvalho, Fortunato Levy, António do Couto, Artur dos Santos, Manuel Costa, António Rosa Rodrigues, Daniel Queiroz dos Santos, Cândido Rosa Rodrigues e David da Fonseca.
A turma do sport Lisboa que na Quinta Nova obteve a histórica vitória ante o Carcavellos

O Sport Lisboa foi mesmo o vice-campeão deste campeonato, com 6 pontos (3 vitórias e outras tantas derrotas), a quatro do Carcavellos (que somou 5 triunfos e apenas perdeu o tal encontro com o Sport Lisboa). Na 3.ª posição ficou o Lisbon Cricket, com 4 pontos e no 4.º lugar quedou-se o CIF, também com 4 pontos, tendo ambas as equipas contabilizados duas vitórias e averbado 4 derrotas. CIF que continuava a ser dos Pinto Basto e dos amigos ingleses.

O primeiro jogo internacional realizado em solo português

No final do ano de 1907, mais concretamente a 15 de dezembro, dá-se outro acontecimento histórico no então jovem futebol português. A norte, no Porto, realiza-se o primeiro encontro internacional em solo lusitano. Frente a frente as equipas do Football Club do Porto e o Real Fortuna de Vigo. As equipas evoluíram no Campo da Rainha, reduto dos portistas, liderados por José Monteiro da Costa, o refundador do clube, tendo o resultado desse encontro caído no esquecimento! Orientados pelo francês Adolphe Cassaigne os azuis e brancos alinharam com Soares, Dumont Villares, Brugmman, Romualdo Torres, Ernesto Sá, António Pinheiro, Raws, Antunes Lemos, John Jones, Catullo Gadda e Edward de Almeida.

FC Porto e Real Fortuna de Vigo posam para a fotoigrafia

O FC Porto retribuiu a cortesia dos galegos três semanas depois, visitando Vigo, naquela que seria a primeira saída internacional de uma equipa portista. tal como o jogo da Invicta o resultado é desconhecido, sabendo-se apenas que se jogou a 12 de Janeiro de 1908, sendo que o único regista desta partida pode ser encontrado no primeiro Relatório e Contas do clube: «resolvemos iniciar as excursões desportivas visitando a cidade de Vigo, indo ali aprender para depois continuarmos por Portugal, ensinando. Porém, o estado do tempo afuguentou o maior número e com grande pesar nosso, essa visita, que seria uma alegria para os nossos amigos de Vigo, que se preparavam para receber 150 visitantes, apenas se limitou a uma pequena excursão de 23 pessoas a quem os sócios do Real Fortuna Clube e Vigo Football Club dispensaram extremos carinhos e inúmeras finezas».

segunda-feira, março 14, 2016

Flashes Biográficos (8)... Adolphe Cassaigne

Adolphe CASSAIGNE (França): As informações sobre as bases dos seus profundos - ao que reza a história - conhecimentos sobre futebol são escassas, quase possível de serem resumidas num parágrafo biográfico, mas nada que impeça o seu nome de figurar no Atlas do Futebol Português. Porquê? Porque estaremos perante aquele que foi o primeiro treinador - na verdadeira ascensão da palavra - a ser contratado por um clube em Portugal. Desconhece-se o dia, o mês, o ano e o local de nascimento deste cidadão francês, sabendo-se apenas que fazia do Porto o seu lar nos inícios do século XX, onde exibia os seus dotes de professor da tática ao serviço dos amadores da equipa de futebol da Escola de Alunos-Marinheiros da Corveta Estefânia. Conhecimentos técnico-táticos que se sabiam apenas terem sido adquiridos no seu país de origem, onde, ao que parece, havia sido treinador de algum renome. Adolphe Cassaigne era o seu nome. A entrada na história do futebol luso deste gaulês dá-se em 1907, ano em que a Cidade Invicta rejubilava com o (re)nascimento do seu Football Club do Porto, pela mão de José Monteiro da Costa. A popularidade do clube ia de vento em popa, e a testemunhar isso o facto do Campo da Rainha - a casa dos portistas - atrair por aqueles dias as atenções dos cidadãos locais sempre que os players entravam em ação para interpretar o famoso football que chegara de Inglaterra nos finais do século anterior. Um desses curiosos foi Adolphe Cassaigne, que, e segundo a lenda, certo dia apresenta-se formalmente a Monteiro da Costa, deixando elogios à organização e disciplina da equipa, ao mesmo tempo em que se propunha treina-la "obsequiosamente". Diz a história que Monteiro da Costa aceitou de pronto a candidatura, até porque a equipa não tinha um treinador específico, uma vez que o grupo era dirigido pelo atleta mais experiente e conhecedor das regras do jogo, jogador esse que em 1901 havia provado o sabor do sucesso ao serviço do Milan, na sequência da conquista do campeonato italiano, e que dava pelo nome de Catullo Gadda. O francês tornava-se assim no primeiro treinador contratado na história do futebol português, não se sabendo, porém, se essa ligação teve de pronto, ou nos anos à posteriori, contrapartidas económicas. O que se sabe sim é que os conhecimentos futebolísticos de Cassaigne provocaram efeitos imediatos, com os progressos no futebol praticado a serem visíveis. A primeira prova de fogo do renascido Porto dá-se, porventura, em janeiro de 1908, altura em que o clube recebe - pela segunda vez no espaço de dois meses, a primeira havia ocorrido em dezembro de 1907 - os galegos do Real Fortuna de Vigo, que saíram da Invicta vergados a uma goleada de 4-1, resultado que assinalou a primeira vitória de um clube português sobre um eleven internacional. A ligação de Cassaigne ao FC Porto estende-se até à década de 20, mais precisamente até 1924. Ao longo deste percurso o francês torna-se no arquiteto dos primeiros títulos alcançados pelos dragões, e foram muitos há que sublinha-lo. O primeiro deles vislumbra-se em 1911, ano em que os portistas vencem a primeira edição da Taça Monteiro da Costa, por muitos considerado o primeiro grande campeonato regional disputado no norte do país. Até 1916 leva a equipa à conquista de mais quatro edições da citada prova, saindo derrotado somente na edição de 1913 (ganha pela Académica de Coimbra). Em 1914 a Associação de Futebol do Porto lança a sua primeira competição oficial, o Campeonato Regional, o qual Adolphe Cassaigne vence por sete ocasiões no comando dos portistas, perdendo apenas as edições de 1913/14 e de 1917/18, respetivamente para o Boavista e para o Salgueiros. Em 1922 ele comandou a armada azul e branca na conquista do país, isto é, da primeira edição do Campeonato de Portugal.

segunda-feira, março 05, 2012

Histórias do Futebol em Portugal (4): O primeiro Campeonato de Portugal

É opinião partilhada por muitos dos estudiosos do fenómeno futebolístico do nosso burgo que os anos 20 do século passado trouxeram a maturidade ao então jovem futebol português. Com a expansão da mancha clubística um pouco por todo o país a modalidade começou a acorrentar a si contornos de maior competitividade e interesse com a disputa das primeiras competições ao nível de clubes. Longe pareciam já estar os tempos dos primeiros ensaios que procuravam decifrar os mistérios daquele jogo trazido de Inglaterra na década de 80 do século XIX por Guilherme Pinto Basto, com o povo mais do que familiarizado com a modalidade a mostrar-se nos inícios do século seguinte completamente rendido a ela!
Os duelos entre clubes vizinhos sucediam-se em catadupa, e em volta deles alastrava a fervorosa massa adepta que com o seu entusiasmo conferia uma vida singular às primeiras catedrais – o mesmo é dizer estádios – da bola então construídas.
O mapa futebolístico português começava pois a ser desenhado com maior vivacidade, pese embora com traços de cariz regional. Foram pois regionais os primeiros confrontos a “doer”, os primeiros títulos, as primeiras histórias...
A temporada de 1906/07 assinala o arranque do 1º Campeonato de Lisboa no qual participaram o popular CIF (Clube Internacional de Futebol) fundado pela família Pinto Basto, o Sport Lisboa, o Lisbon Cricket Club e o Carcavelos Club, cabendo a este último emblema a honra de inaugurar a lista de campeões regionais da capital do país.
Estava assim dado o pontapé de saída nas competições regionais, que com o passar dos anos se iam multiplicando por outras regiões nacionais. Com a popularidade dessas mesmas competições surgiu nos anos 20 como que um apelo à criação de uma prova de maior dimensão, um torneio capaz de transpor a fronteira da regionalização, por assim dizer, de colocar frente a frente os pesos pesados locais num certame de âmbito... nacional.
O título de rei da região era já pequeno demais, sabia a pouco, os clubes, os jogadores e sobretudo os adeptos queriam mais, queriam ser os melhores do país. A Associação de Futebol de Lisboa toma mesmo a iniciativa de desafiar a sua congénere do Porto para um “match” entre Benfica e FC Porto, um repto que no entanto seria recusado por estes últimos, muito por culpa do diferendo que opôs sulistas e nortenhos aquando da escolha dos jogadores para integrar a primeira seleção nacional que enfrentou a Espanha em 1921, episódio esse aliás já aqui recordado no Museu Virtual do Futebol . Estava dado contudo o impulso para a criação de uma prova de cariz nacional, capaz de colocar em confronto os melhores clubes e os melhores atletas de cada região.

O nascimento do Campeonato de Portugal

E eis que na época de 1921/22 nasceu aquela que é considerada como a primeira competição de essência nacional: o Campeonato de Portugal. Vencê-lo significava ostentar a coroa de rei de Portugal no futebol. Não foi contudo um parto fácil, já que por aquelas alturas o futebol era desenvolvido de uma forma mais oficial e séria apenas nas associações de futebol de Lisboa e do Porto, e a espaços no Funchal e no Algarve, já que no resto do país a organização do futebol não era mais do que uma miragem. A União Portuguesa de Futebol (UPF) – antecessora da atual Federação Portuguesa de Futebol – sentiu pois algumas dificuldades em colocar em prática a sua ideia, dificuldades essas que no entanto não se afigurariam como entrave para a realização do primeiro CAMPEONATO DE PORTUGAL. Um campeonato integrado apenas pelos campeões regionais das duas associações que levavam mais a sério, por assim dizer, o fenómeno futebolístico em termos de competições organizadas, Lisboa e Porto, já que as associações do Funchal e do Algarve alegariam dificuldades económicas para explicar a não adesão à prova.
A representar as duas principais urbes de Portugal estiveram dois ilustres senhores do futebol lusitano, Sporting e o FC Porto. Ficou assente que o título nacional seria disputado em duas mãos, uma na capital outra na Cidade Invicta, cabendo a esta última as honras de receber o primeiro encontro.
No dia 4 de junho de 1922 o Porto vestiu-se de azul e branco na esperança de ver o seu clube ser o campeão de Portugal e acima de tudo levar a melhor sobre a “rival” Lisboa.
O relógio marcava 16h15 de uma tarde cinzenta salpicada com pingos de chuva. O público nortenho dava largas ao seu entusiasmo e paixão pelo emblema da cidade nas repletas bancadas do Campo da Constituição à espera de uma batalha – muitos encaravam-na dessa forma, ou não estivessem frente a frente os cavaleiros do Porto e de Lisboa – que deveria ter começado às 15h00, não fosse o atraso de um dos melhores jogadores portistas de então, João Nunes, que aproveitara aquele célebre domingo para dar um salto à... romaria do Senhor de Matosinhos. Pequeno atraso que não esmoreceu os intervenientes do encontro que sob a arbitragem de um inglês (Merick Barley) seria ganho pela equipa da casa por 2-1. Portistas que até estiveram a perder, na sequência de um golo de Emílio Ramos, aos 9 minutos, conseguindo no entanto dar a volta ao marcador graças a um “bis” de Tavares Bastos, primeiro aos 25 minutos e o segundo quase em cima do apito final, ao minuto 86.
De pronto foram lançados foguetes pelos eufóricos adeptos portuenses, sim portuenses e não portistas, porque esta foi uma vitória de toda a Cidade do Porto sobre a capital Lisboa, mais parecendo um S. João antecipado.
Sobre a histórica tarde o célebre Ribeiro dos Reis escreveria que: «o jogo decorreu em ambiente apaixonadíssimo, de que os lisboetas, no regresso, se queixaram amargamente». Pudera! Mas nada estava ainda perdido para os campeões de Lisboa.
No domingo seguinte (11 de junho) deu-se a segunda parte da batalha, desta feita em terras alfacinhas, mais precisamente no Campo Grande que em resposta ao cenário edificado uma semana antes no Porto se apresentou cheio como um ovo. Só que desta feita num ambiente 100 por cento hostil para os nortenhos. Outra coisa não seria de esperar, já que era agora a vez do Sporting jogar diante das suas gentes.
Para este jogo a UPF escolheu um árbitro espanhol (!), Montero de seu nome. Empolgados pelo seu público os leões vingaram a derrota na Constituição ao vencer por 2-0 com golos de Henrique Portela e Torres Pereira.

O “tira teimas” pendeu para o FC Porto

Com a contenda empatada a UPF viu-se forçada a agendar um terceiro e decisivo encontro
para uma semana mais tarde (18 de junho). Foi então sorteado o local do “tira teimas”, tendo a sorte ficado posteriormente do lado do FC Porto já que o palco da finalíssima foi o Campo do Bessa, situado no... Porto. Mas nem o facto de ter de viajar novamente até ao terreno do rival parece ter incomodado as gentes de Lisboa, e muito em particular a imprensa da capital, a qual a julgar pelo que viu no Campo Grande não tinha dúvida em rotular o Sporting como o principal candidato à vitória. «Vaticinamos nova vitória para o Sporting, pois o FC Porto é, inegavelmente, inferior», titulava o jornal desportivo “Os Sports”. Como estavam enganados.
Na véspera deste decisivo encontro Portugal escrevia uma das páginas mais belas da sua história com a conclusão da primeira travessia aérea entre Portugal e o Brasil protagonizada pela “dupla” composta por Gago Coutinho e Sacadura Cabral. No Porto, como em todo o país, certamente, estalaram foguetes para comemorar tal façanha, com o povo a sair em grande número para as ruas dando assim um colorido mais intenso à festa. Quem parece não ter achado muita graça à onda de festividades foi o Sporting, cujos jogadores se queixam não ter pregado o olho durante a noite devido aos ruidosos festejos. Propositadamente ou não esses festejos teriam contornos mais intensos junto ao hotel onde estava instalada a comitiva sportinguista. Casualidade ou não? O lisboeta “Os Sports” achava que não.
Dia de jogo e o Campo do Bessa a arrebentar pelas costuras... com os entusiastas adeptos do FC Porto, naturalmente. Ambiente quente que ainda ficou mais escaldante ao minuto 51 quando Balbino fez o primeiro golo da tarde para os portistas. Vantagem que não foi ampliada cinco minutos mais tarde devido ao preciosismo do árbitro Neves Eugénio, que por sinal era um dos notáveis jogadores/dirigentes do... Académico do Porto. O juiz manda repetir uma grande penalidade que Artur Augusto converte inicialmente em golo com a justificação de que não havia dado ordem para a sua marcação. Na repetição o mesmo Artur Augusto envia violentamente a bola à trave!
Talvez empolgado pela falha do rival o Sporting aventura-se no ataque e aos 70 minutos Emílio Ramos repõe a igualdade no marcador.
O relógio não parava e no final dos 90 minutos o marcador indicava uma igualdade a uma bola. Parecia maldição, mas ainda não havia campeão! Veio o prolongamento e o FC Porto voltou a adiantar-se no marcador à passagem do minuto 100, desta feita por João Nunes, o tal que no primeiro jogo havia chegado atrasado por ter dado um salto à romaria do Senhor de Matosinhos. Um pouco tardio ou não parece que o efeito da ida do jogador à festa do milagroso santo parecia dar agora os seus frutos! O Sporting esmoreceu e dois minutos depois o capitão dos portistas João de Brito deu a machadada final no jogo ao apontar o 3-1 final.
Quando Neves Eugénio apitou pela última vez a loucura foi total. O campo mais parecia uma bomba a explodir de alegria, o FC Porto sagrava-se CAMPEÃO DE PORTUGAL, o primeiro CAMPEÃO DE PORTUGAL. A festa prolongou-se pela madrugada dentro na Cidade Invicta. Para a eternidade ficavam os nomes de Lino Moreira (guarda-redes), Júlio Cradoso, Artur Augusto, José Mota, Velez Carneiro, Floreano Pereira, João de Brito, Balbino Silva, Alexandre Cal, Tavares Bastos, João Nunes, e Adolphe Cassaigne (treinador).

Nomes e números da final:

FC PORTO – SPORTING, 2-1
4-6-1922, Porto (Campo da Constituição)
Árbitro: Merick Barley (Inglês)
Marcadores: 0-1 Ramos (9), 1-1 Bastos (25), 2-1 Bastos (86)
FC Porto: Lino Moreira; Júlio Cardoso e Artur Augusto; José Mota, Velez Carneiro e Floreano Pereira; João Brito cap, Balbino Silva, Tavares Bastos, João Nunes e Alexandre Cal. Treinador: Adolphe Cassaigne
Sporting: Amadeu Cruz; Joaquim Ferreira e Jorge Vieira; João Francisco, José Filipe e Henrique Portela; Torres Pereira, Francisco Marques, Francisco Stromp (cap), Emílio Ramos e José Leandro. Treinador: Charles Bell

SPORTING – FC PORTO, 2-0
11-6-1922, Lisboa (Campo Grande)
Árbitro: Montero (espanhol)
Marcadores: 1-0 Portela, 2-0 Pereira
Sporting: Amadeu Cruz; Joaquim Ferreira e Jorge Vieira; João Francisco, José Filipe e Henrique Portela; Torres Pereira, Jaime Gonçalves, Francisco Stromp cap, Emílio Ramos e José Leandro. Treinador: Charles Bell
FC Porto: Lino Moreira; Júlio Cardoso e Artur Augusto; José Mota, Velez Carneiro e Floreano Pereira; João Brito cap, Balbino Silva, Tavares Bastos, João Nunes e Alexandre Cal. Treinador: Adolphe Cassaigne

FC PORTO – SPORTING, 3-1 (após prolongamento)
18-6-1922, Porto (Campo do Bessa )
Árbitro: Neves Eugénio (Académico do Porto)
Marcadores: 1-0 Balbino (51), 1-1 Ramos (70), 2-1 Nunes (100), 3-1 Brito (102)
FC Porto: Lino Moreira; Júlio Cardoso e Artur Augusto; José Mota, Velez Carneiro e Floreano Pereira; João Brito cap, Balbino Silva, Alexandre Cal, Tavares Bastos e João Nunes. Treinador: Adolphe Cassaigne
Sporting: Amadeu Cruz; Joaquim Ferreira e Jorge Vieira; João Francisco, Filipe dos Santos e Henrique Portela; Torres Pereira, Jaime Gonçalves, Francisco Stromp cap, Emílio Ramos e José Leandro. Treinador: Charles Bell

Legenda das fotografias:
1-A equipa do FC Porto que venceu o primeiro Campeonato de Portugal
2-Tavares Bastos, autor dos dois golos do jogo da 1ª mão e um dos melhores jogadores portistas da época
3-A fachada principal do reduto dos Dragões, o Campo da Constituição...
4-...e uma vista aérea do Campo Grande (Lisboa)
5-A equipa do Sporting que vendeu cara a derrota na primeira prova de âmbito nacional organizada em Portugal