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segunda-feira, maio 12, 2025

Histórias do Futebol em Portugal (50)... Pontapé de saída da 1.ª Divisão Nacional portuguesa deu-se há 90 anos

Manchete de Os Sports, dando conta
do arranque dos campeonatos

20 de janeiro de 1935. 15H00, mais minuto, menos minuto, e a bola rola pela primeira vez no Campeonato Nacional da 1.ª Divisão. Neste dia dava-se o pontapé de saída do escalão maior do futebol português. Noventa primaveras cumpriram-se no início deste ano de 2025 deste momento histórico do futebol luso. Coimbra, Porto e Lisboa foram as cidades onde nesse longínquo dia se jogou a 1.ª jornada daquela que é hoje em dia a competição mais importante do calendário futebolístico português. Recorrendo às páginas do extinto Diário de Lisboa (DL), iremos recordar um pouco as incidências de cada um dos quatro desafios que preencheram a ronda inaugural de uma «inovação de que muito há a esperar para bem do “apuramento” do jogo “association” em Portugal», assim dava conta o DL na sua edição desse (hoje) histórico dia. Olhando na diagonal para os resultados dos quatros jogos podemos chegar à conclusão que as equipas de Lisboa levaram a melhor sobre as suas adversárias do Porto e de Coimbra: duas vitórias e outros tantos empates averbados. Mas olhando mais a fundo as incidências dos matchs, vemos mais do que isso. Vemos a mestria e preponderância na manobra das respetivas equipas de alguns dos grandes jogadores do futebol português das décadas de 20 e 30, casos do sportinguista Soeiro, do belenense José Reis e do benfiquista Alfredo Valadas. Eles foram, e no rescaldo de uma leitura pelas quatro crónicas dos desafios, as estrelas daquela tarde histórica de 20 de janeiro de 1935. Já veremos porquê.

Dois fantasmas futebolísticos do presente esgrimam argumentos no também (hoje) fantasmagórico Estádio do Lima

A equipa do Académico do Porto
na época de estreia da 1.ª Divisão

Iniciamos esta viagem pelo primeiro dia de vida da 1.ª Divisão Nacional – hoje denominada de Liga Portugal, acrescida do nome do patrocinador, coisa que naquele tempo nem se imaginava que viesse a acontecer! – no norte do país, no Porto, onde dois emblemas cujo futebol – enquanto modalidade – já não existe nos dias de hoje, mediram forças numa das primeiras grandes catedrais do futebol português, o Estádio do Lima. No seu esplendoroso relvado evoluíram o Académico do Porto e o União de Lisboa. Os homens da capital entraram mais decididos no encontro, dispuseram de oportunidades para abrir a contagem, até que à passagem dos 20 minutos Gerardo Maia aproveita uma confusão na área academista para fazer o primeiro da tarde no Lima. A partir daqui, assiste-se a uma luta a meio campo, com os portuenses a deterem o controlo dos acontecimentos, sendo que quatro minutos volvidos dos festejos dos unionistas um cruzamento para a área lisboeta termina no golo do empate, apontado por Jordão. Ainda antes do intervalo, o árbitro Adelino Lima (de Coimbra) anula um golo ao Académico, por fora de jogo, que na opinião do jornalista que escreveu a crónica do encontro, não existiu. Na segunda metade o jogo melhorou a nível de emoção e de técnica, conforme dá nota o escriva do DL. Assistiu-se a uma toada de parada e resposta em ambas os lados: Jordão desempatou a favor do Académico, para na resposta Armando Silva fazer o 2-2. Gerardo Maia desfez o empate, mas quase em cima dos 90 minutos Fernandes fez o resultado final (3-3) de um jogo entusiasmante que o Académico merecia vencer, nas palavras do jornalista do DL, pela classe patenteada na segunda metade.

Em dose tripla, Soeiro inicia a subida ao trono de rei dos goleadores

Manuel Soeiro

Em Coimbra, no mítico Campo de Santa Cruz, assistiu-se à primeira (de muitas) demonstração de instinto felino do goleador desta edição inaugural do campeonato. Manuel Soeiro, o seu nome. Com as bancadas a abarrotar pelas costuras, o avançado nascido no Barreiro a 17 de março de 1909 ajudou o seu Sporting a derrotar a Académica por concludentes 6-0. Nessa tarde, Soeiro faria um hattrick, que o lançaria para o título de melhor marcador do campeonato, com 14 golos. Ao longo das 14 jornadas da competição o atacante que chegou ao Sporting em 1933 vindo do Luso do Barreiro só não fez o gosto ao pé em três jornadas, sendo que este jogo inaugural em Coimbra foi mesmo o seu mais produtivo em termos de golos na caminhada dos leões na 1.ª Divisão de 34/35. Soeiro foi a grande referência atacante do Sporting até à chegada do fenómeno Peyroteo ao clube em 1937, pese embora o avançado barreirense ainda tenha dividido o protagonismo com o seu colega de posto nascido em Angola até inícios da década de 40, antes do despoletar da mais famosa linha avançada leonina, os Cinco Violinos
Mas voltemos ao Campo de Santa Cruz na tarde de 20 de janeiro de 1935, para registar que antes de Vieira da Costa (do Porto) apitar para o pontapé de saída, os jogadores dos dois clubes trocaram entre si ramos de flores! Na descrição do cronista do DL, o Sporting saiu com a bola, jogando a favor do sol, num jogo que teve um início veloz e entusiasmante, embora sem jogadas de grande precisão. As bancadas manifestam-se quando o academista Rui Cunha teve duas incursões à área leonina, as quais embora não tivessem causado calafrios a Dyson, arrancaram aplausos nas hostes estudantis. 

O team da Académica de Coimbra
em 34/35
A partida era jogada a um ritmo acelerado de parte a parte. Até que ao minuto 10, Pacheco endossa o esférico a Soeiro, que no interior da área faz um chapéu a Abreu e abre assim o marcador a favor do Sporting. Após o golo os lisboetas passam a dominar a partida, dando mais trabalho ao setor recuado dos estudantes, sendo que num desses lances o guardião Abreu fez a defesa da tarde ao travar um remate venenoso de Soeiro. E seria precisamente neste período de avalanche ofensiva leonina, que Soeiro bisou no jogo, quando estavam decorridos 43 minutos. A segunda parte quase não teve história, ou melhor, a história dos segundos 45 minutos resumem-se ao largo domínio territorial dos leões, traduzido em mais quatro golos, dois de Mourão, um de Ferdinando, e outro de Soeiro, que foi assim o grande herói da partida.

Alfredo Valadas abre o marcador nas Amoreiras e entra na História da 1.ª Divisão

Alfredo Valadas
E nas Amoreiras o Benfica recebia o Vitória de Setúbal, num jogo que ficaria na história para o seu avançado Alfredo Valadas. Ainda antes do pontapé de saída deste encontro, Virgílio Paula, dirigente da Federação Portuguesa de Futebol, leu uma mensagem que o presidente daquele organismo, Cruz Filipe, havia escrito propositadamente para aquele dia histórico do futebol em Portugal, dia em que se inauguravam os campeonatos da liga, «chamando-lhes (aos atletas) a sua atenção para o que estes campeonatos representam e pedindo a sua compostura para prestígio do football português», assim dava nota do DL. O Vitória dá o pontapé de saída de um match que é jogado com entusiasmo por ambos os conjuntos, pese embora com muitas cautelas defensivas. Até que logo ao minuto 6, e de forma algo inesperada, tendo em conta que Benfica e Vitória de Setúbal até então nada tinham arriscado no plano ofensivo, Valadas inaugura o marcador a favor dos lisboetas. «Esperança atira a bola para dentro da grande área; Torres corre, e da direita centra com boa conta; a defesa do Vitória não interceta, e Valadas, com oportunidade, marca imparavelmente». Um golo histórico. O PRIMEIRO GOLO DO CAMPEONATO NACIONAL DA 1.ª DIVISÃO. Alfredo Valadas o seu autor. Alentejano, nascido em Mértola a 13 de fevereiro de 1912, Valadas iniciou a sua carreira no Luso de Beja, transferindo-se depois para a capital onde começou por defender a camisola do… Sporting. Fê-lo somente em duas temporadas, transitando, após uma breve passagem pelo Sport Lisboa e Beja, para o Sport Lisboa e Benfica, onde obteve fama e glória ao conquistar cinco campeonatos nacionais da 1.ª Divisão, um Campeonato de Portugal e três Taças de Portugal. Após o golo, o Vitória perde alguma vivacidade, permitindo ao Benfica jogar de forma tranquila e perigosa quando se acercava da área sadina. E foi nesta toada que aos 14 minutos, Valadas cobra de forma magistral um livre que leva a bola a anichar-se no fundo das redes de Crujeira. 2-0. O Benfica dominava o encontro a seu bel prazer, e os remates à baliza visitante sucedem-se de forma constante, obrigado Crujeira e a sua dupla de centrais, composta por Álvaro Cardoso e António Vieira, a trabalhos redobrados. «A linha média de Setúbal está fazendo uma exibição medíocre, salvando-se apenas, por vezes, Aníbal José. Assim, o labor do trio central do Benfica encontra-se bastante facilitado», analisava o jornalista de serviço do DL neste jogo. 

A equipa do Benfica em 34/35
Os setubalenses dão um ar de sua graça à passagem do minuto 30, mas sem causar grandes aflições ao setor recuado dos encarnados. Só por uma ocasião no decorrer da primeira parte o guarda-redes benfiquista, Manuel Serzedelo, foi chamado a intervir, fazendo-o de forma tranquila. A segunda metade inicia-se com o Benfica de novo no ataque, destacando-se neste plano o avançado interior Luís Xavier, «que peca por tentar o “shoot” de muito longe». O Benfica continua a carregar, domina, mas não consegue encontrar abertas para alvejar as redes de Crujeira. Até que o Vitória começa a ganhar alguma confiança, e na sequência de um pontapé de canto, João Cruz (que haveria de fazer furor anos mais tarde com a camisola do Sporting) obriga Serzedelo a aplicar-se e a fazer a defesa da tarde. Valadas tenta serenar os ânimos setubalenses com um remate que não leva perigo à baliza sadina quase de seguida, mas seria através de um belo pontapé do seu companheiro de equipa Torres que o Benfica faria o 3-0 que praticamente sentenciou o encontro. E este novo golo viria a refletir-se na atitude dos benfiquistas até final, visto que abrandaram o ritmo de jogo, permitindo ao Vitória algumas incursões perigosas à área encarnada. A insistência sadina seria premiada a 5 minutos do final, altura em que João Cruz encurtou distâncias no marcador: «João Cruz conduz a bola, Serzedelo a procurar arrebatar-lha, não o conseguindo», agradecendo assim o extremo setubalense para selar o marcador. Na análise final ao jogo, o jornalista do DL escreve que o Benfica ganhou com justiça, «e poderia ter conseguido um resultado mais confortável, o que não obteve pela deficiência de remate (…) enquanto que o Vitória jogou abaixo dos seus créditos».

José Reis inspirado trava o futuro campeão nacional nas Salésias 

O poster do futuro campeão
nacional: o FC Porto 
Também em Lisboa, mas no Campo das Salésias, o Belenenses recebia o FC Porto. Os nortenhos davam neste dia o primeiro passo rumo à conquista do título nacional dessa temporada de 34/35, tornando-se assim nos primeiros campeões da 1.ª Divisão Nacional, tal como hoje a conhecemos. Mas o arranque rumo ao título não foi fácil para os portistas, já que não foram além de um empate a uma bola nesta ronda inaugural, e muito por culpa do inspirado guardião belenense, José Reis, que fez uma exibição soberba. O FC Porto joga a primeira parte a favor do vento, e a sua linha ofensiva inicia o jogo com boas jogadas concluídas com remates que são travados por Reis. Aos poucos, o Belenenses serena, e passa a jogar com mais frequência no meio campo adversário «com energia e entusiasmo». Porém, era o seu guarda-redes quem mais brilhava. «As melhores jogadas do primeiro quarto pertencem a Reis, keeper do Belenenses, que se distingue e provoca aplausos», dava nota o jornalista do DL encarregue de fazer a cobertura da partida. O Belenenses cresce no jogo, e aos 20 minutos Bernardo Soares lançou em velocidade José Luís, este aguenta a carga de Avelino, e posteriormente num remate rasteiro bate o guardião portista, Soares dos Reis, abrindo assim o marcador. Os portistas reagiram, e pouco depois no seguimento de um livre apontado por Carlos Pereira, Reis volta a fazer uma grande defesa. Por esta altura o FC Porto era mais acutilante no plano ofensivo, mas a defesa local mostrava-se à altura para travar o ímpeto nortenho. «O Porto tem melhor técnica e classe, nota-se. Mas o Belenenses opõe-lhe mais entusiasmo, técnica suficiente e ligação», assim descrevia os acontecimentos o DL. Nos derradeiros 15 minutos da etapa inicial o FC Porto assume o controlo territorial do jogo, mas não tem a pontaria afinada, com os atacantes Acácio Mesquita a Pinga muito apáticos no desempenho das suas funções. No entanto, a grande figura dos primeiros 45 minutos é José Reis, «e só a ele se deve o não haver um empate»

José Reis
A segunda parte não poderia ter começado melhor para os visitantes, que chegaram ao empate por Carlos Nunes, golo esse que foi descrito da seguinte forma pelo DL: «Logo no primeiro minuto Lopes Carneiro correu pelo seu corredor direito, centrou bem, Reis defendeu a soco carregado por Acácio; Pinga com a cabeça passou a Nunes, e este, também de cabeça, atirou às redes, e fez o primeiro goal, vistoso e merecido». A partida ganhou ainda mais ânimo depois desta entrada fulgurante dos portistas. Tão animado que João Nova se entusiasmou demasiado quase de seguida e cometeu grande penalidade após ter metido mão à bola dentro da área portista. Foi então a vez do outro Reis – o Soares – brilhar. O guarda-redes nortenho defendeu o remate rasteiro de Bernardo Soares e manteve o empate. O belenense Tomaz da Silva vê aos 52 minutos um golo invalidado, por fora de jogo. O público afeto à equipa da casa protesta, ao mesmo tempo que incentiva os seus rapazes, mas até final o FC Porto é mais equipa, domina, ao passo que o Belenenses tem apenas lances de inspiração momentânea. «Na meia hora de jogo a vantagem técnica e territorial é do Porto, embora o Belenenses reaja e procure o desempate, que não merece, até agora, com justiça», analisa o escriva do DL. O FC Porto ataca, mas depara-se sempre com a grande figura do encontro, o guardião José Reis. Este homem, nascido em Loulé em 1911, e que tem o seu nome na história como o primeiro guarda-redes do Belenenses a chegar a internacional, esteve (quase) intransponível ao longo dos 90 minutos. Na reta final do encontro, os azuis da Cruz de Cristo melhoram ligeiramente o seu futebol, colocando de quando em vez em perigo as redes portistas. Porém, o marcador não se altera mais até final, «resultado que se aceita, sem incoerência, apesar de o FC Porto ter sido mais team». E foram estes os (alguns dos) incidentes de quatro desafios que deram início a uma longa maratona de desafios do escalão maior do futebol luso. 

sexta-feira, junho 09, 2023

Histórias do Futebol em Portugal (41)... Na tarde de Páscoa de 1949 o modesto Tirsense fez cair com estrondo o poderoso Sporting da Taça de Portugal

Um lance do célebre jogo entre Tirsense e Sporting


A taça nacional - seja em que país for - tem sempre mais encanto com a aparição dos chamados "tombas gigantes", por outras palavras, quando um pequeno clube de um escalão secundário afasta da prova um emblema de patamar de topo. E então se esse emblema de topo for um "gigante" a surpresa sobe de tom. A prova rainha do futebol português, vulgo a Taça de Portugal, está repleta de capítulos em que David derrotou Golias. Na verdade, desde a primeira edição em que a competição recebeu esta designação, na temporada de 1938/39 o "secundário" Carcavelinhos eliminava o primodivisionário Barreirense logo na 1.ª eliminatória. Cinco épocas mais tarde - em 1943/44 - o primeiro dos chamados "3 Grandes" do futebol luso cai com estrondo aos pés de um clube de uma divisão inferior, mais concretamente o Estoril, que nessa temporada elimina nos quartos-de-final da prova o FC Porto. Canarinhos da Linha que chegariam, aliás, à final da Taça nessa época, culminando assim uma época de glória que teve como epílogo a então inédita subida à 1.ª Divisão.

A lendária equipa do Tirsense que derrotou o Sporting dos Cinco Violinos

Mas o primeiro grande "tomba gigantes", ou por outras palavras, a primeira grande surpresa - ou escândalo, dirão outros  - da Taça de Portugal dá pelo nome de Futebol Clube Tirsense, popular clube nortenho que em 1948/49 elimina o Sporting. Não era um Sporting qualquer este que caiu com estrondo no então pelado Campo Abel Alves de Figueiredo, na tarde de 17 de abril de 1949. Este Sporting era tão somente a equipa dos famosos Cinco Violinos, a equipa que dominava o futebol português de então, o conjunto mais poderoso e mais temido da nossa nação, um combinado quase imbatível. Já o Tirsense era tão só uma modesta e quase desconhecida equipa que atuava na 3.ª Divisão nacional. Talvez por isso, a 1.ª eliminatória da Taça de 48/49 fosse encarada pelos temíveis leões como um mero passeio à terra dos famosos jesuítas produzidos na hoje centenária Confeitaria Moura. Terá assim que pensou o mestre da tática daquele Sporting, Cândido de Oliveira, que para Santo Tirso apenas levou dois dos seus Cinco Violinos, nomeadamente, Vasques e Albano, deixando na capital Peyroteo (lesionado), Jesus Correia e Travassos, sendo que estes dois últimos por motivos de fadiga física, já que o Campeonato Nacional da 1.ª Divisão havia terminado poucos dias antes, e desse modo o Mestre Cândido resolveu dar descanso a alguns dos seus mais virtuosos craques com vista à epopeia europeia que se avizinhava. Ou seja, a primeira edição da Taça Latina, que os leões ambicionavam conquistar. Sporting que ostentava nas vésperas do jogo de Santo Tirso o estatuto de... tri-campeão nacional e vencedor das três últimas edições da Taça!!!

Dos habituais titulares também Veríssimo ficava em casa a contas com problemas físicos, mas ainda assim todas estas baixas estavam longe de fazer antever o sportinguista - e não só - mais pessimista que o seu clube iria sucumbir aos pés do modesto emblema nortenho. Tirsense que tinha, talvez, como principal figura o seu treinador (!), que era nada mais nada menos do que o lendário ex-futebolista Pinga. Notabilizado no FC Porto ao longo de 16 épocas consecutivas, o internacional português nascido na Madeira vivia em Santo Tirso a sua primeira aventura enquanto treinador.

Pinga, o Mestre da Tática do célebre Tirsense

Como já foi dito antes o Sporting chegava a Santo Tirso poucos dias depois de ter carimbado o terceiro título consecutivo de campeão nacional, tendo disputado o último jogo desse campeonato em Guimarães, pelo que após o encontro com o Vitória nem sequer regressou a Lisboa, ficando a estagiar - ou terá sido a descomprimir? - em Famalicão até à mera formalidade que seria o embate com o "terciário" Tirsense para a ronda inaugural da Taça.

Jesuítas que faziam a sua estreia na prova rainha do futebol, há que dizê-lo, e como tal que melhor batismo poderiam ter ao receber no seu humilde campo o tri-campeão nacional e da Taça Portugal!. Já por si este momento era de festa na então vila de Santo Tirso, ainda por cima num domingo de Páscoa!

Para substituir o temível goleador Fernando Peyroteo, o Mestre Cândido lança às feras o estreante Sérgio Soares, então com 20 anos. Ele que era um produto da formação sportinguista, e que fora nessa temporada dos jogadores menos utilizados por Cândido de Oliveira, mas que mesmo assim vinha com a moral em alta, já que havia sido um dos autores dos golos em Guimarães com que o Sporting fechou o Nacional da 1.ª Divisão. Dele esperavam-se pois muitos golos frente ao desconhecido Tirsense, que nessa temporada havia chegado à final do Campeonato Nacional da 3.ª Divisão, uma decisão perdida frente ao Almada.

Mas eliminar o poderoso Sporting era sonhar alto demais, ou... não, de acordo com as palavras de Pinga ao jornal A Bola: «Sim, era (será) muito difícil... se os rapazes não tiverem medo... Mas os campeões também perdem». Parecia que o antigo astro do futebol lusitano estava a adivinhar o que iria acontecer.

Num campo de dimensões reduzidas e com um público em alvoroço em volta, o Tirsense mostrou de pronto as garras ao...leão, conforme deu a entender Luís Baptista, o jornalista do jornal da Travessa da Queimada encarregue de fazer a crónica. «Os dez primeiros minutos foram do Tirsense que actuou com entusiasmo». Isto, perante um Sporting descontraído e sem grandes pressas. Depois disto, o leão acordou e passou a impor algum respeito em campo. No entanto, na frente de ataque Sérgio Soares acusava a responsabilidade de estar a substituir o lendário Peyroteo, e não dava o melhor seguimento às várias e flagrantes oportunidades de golo de que dispôs. Seria, porém, o melhor leão desse encontro, Armando Ferreira, que aos 17 minutos colocou o Sporting em vantagem, mas.. foi sol de pouca dura. Entusiasmado quiçá pelo momento de gala que estava a viver, o Tirsense não se remetia à defesa - bem organizada - e segundo o escriba de A Bola muitas vezes passava o meio campo. E numas dessas incursões, Catolino fez o empate (!), num lance em que o lendário Azevedo é apanhado a dormir. Por outras palavras, não se fez à bola, que foi parar à cabeça do avançado jesuíta, rumando em seguida para o fundo das redes. Por incrível que parecesse o modesto Tirsense ia aguentando o leão, e ao intervalo o duelo estava empatado.

O Sporting procurou no reatamento resolver a contenda a seu favor, e até se queixou de uma grande penalidade não assinalada: uma carga do guardião local Daniel sobre João Martins (o tal que apontou o primeiro golo das provas da UEFA a nível de clubes). Os minutos iam passando, e o resultado não se alterava, pelo que o Tirsense ia crescendo... e acreditando. «E a oito minutos do fim, Azevedo lançou com a mão a bola fora da sua baliza. A jogada foi interceptada por um tirsense e concluída por um companheiro apanhando Azevedo ainda mal situado entre os postes. Estava feito o resultado», assim descreveu Luís Baptista o golo de Mendes, o tento que ditou a vitória tirsense por 2-1 e a consequente eliminação do Sporting!

Manchete do jornal A Bola de 18 de abril de 1949

Quiçá ainda atordoados com a pancada, os dirigentes sportinguistas chegaram a protestar o jogo, com o argumento de que o Campo Abel Alves de Figueiredo não reunia condições para acolher um desafio de futebol. Mas o que é certo é que a derrota foi mesmo uma realidade ante um Tirsense que o jornalista Luís Baptista gostou de ver jogar pela primeira vez, um conjunto em que «a defesa e a linha intermediária comportaram-se bem, chegando para quase todos os momentos». E numa análise global a alguns dos novos heróis da vila de Santo Tirso, o colaborador de A Bola escrevia que «o guarda-redes, desajeitado nas defesas não pôs as balizas em perigo de maior. Cruz, Álvaro e Prazeres jogaram bem, Chelas e Joaquim não destoaram. A linha da frente é que é bastante frágil. Apenas Falcão se salientou. (...) Mas o Interesse pela luta, o brio desportivo que os uniu fez com que o Tirsense alcançasse resultado sensacional que ao mesmo tempo nada tem de injusto».

Estava assim consumada a grande surpresa desta edição da Taça de Portugal, diríamos mesmo a primeira grande surpresa da competição, ou como Luís Baptista lhe chamou, um acidente. «Estes "acidentes" da prova servem para criar mais adeptos, maior entusiasmo, maior expansão do jogo e maior expectativa pelos encontros. Há sempre uma possibilidade... mesmo para os mais fracos. Assim aconteceu em Santo Tirso», assim rematou o escriba de A Bola.

O cartoon da Revista Stadium que evoca a grande 
surpresa ocorrida em Santo Tirso

Numa partida em que para a revista Stadium «o Tirsense, da 3.ª Divisão, treinado por esse incomparável Pinga, bateu-se como "leão" e eliminou os "leões" (...) campeões nacionais, equipa cheia de pergaminhos, com uma tática firme, vencedora...», eis a ficha que fica para a história do futebol português, e ainda mais para a do então jovem (com apenas 11 anos de existência) Futebol Clube Tirsense: Árbitro: Augusto Pacheco (Aveiro). Tirsense - Daniel, Joaquim, Chelas, Cruz, Álvaro, Prazeres, Zeca, Falcão, Mendes, Catolino e Mota. Treinador: Artur Sousa “Pinga”. Sporting - João Azevedo, Octávio Barrosa, Juvenal, Canário, Manecas, Mateus, Armando Ferreira, Vasques, Sérgio Soares, João Martins e Albano. Treinador: Cândido de Oliveira.

quinta-feira, março 17, 2022

Histórias do Futebol em Portugal (34)... A estreia do Salgueiros na alta roda do futebol nacional

A equipa do Salgueiros que se estreou 
na 1.ª Divisão em 43/44
Com 110 anos de história, o Sport Comércio e Salgueiros procura hoje regressar a um lugar que por direito é seu: o patamar mais alto do futebol nacional, isto é, a 1.ª Liga. Com 24 presenças entre a elite do futebol luso, o clube portuense encontra-se entre os 20 primeiros do ranking de clubes com mais participações no escalão maior de Portugal.

A velha Europa procurava ainda sair do conflito bélico de proporções catastróficas que constituiu a 2.ª Guerra Mundial (1939-1945) quando o popular Salgueiral subiu pela primeira vez ao palco principal do futebol português. Facto ocorrido na temporada de 1943/44, altura que se jogou a 10,ª edição do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão, e onde o Sporting - que ainda só tinha três dos seus Cinco Violinos - procurava destronar o Benfica de Guilherme Espírito Santo e de Julinho do trono do desporto rei nacional, e em que o FC Porto de Pinga e Correia Dias procurava sob a batuta do húngaro Lippo Hertzka, ex-treinador de Benfica e Real Madrid, recuperar um título que lhe fugia há três anos para os rivais da capital. Mas havia outros emblemas históricos que procuravam um lugar ao sol neste Nacional de 43/44, casos do Belenenses, da Académica, do Olhanense, do Atlético, ou dos dois Vitórias (o de Guimarães e o de Setúbal). E no meio da nata do futebol lusitano surgia um caloiro, o Salgueiros, emblema que surpreendeu o país futebolístico ao classificar-se em 2.º lugar no Campeonato Regional do Porto dessa temporada - e que antecedia o Nacional da 1.ª Divisão -, atrás do FC Porto, clube que dominava o futebol nortenho de então, mas à frente de clubes que haviam já pisado o palco do escalão maior de Portugal, casos do Leixões, do Académico do Porto, do Boavista e do próprio Leça.

Eng. Vidal Pinheiro
A boa campanha efetuada no Regional portuense trazia otimismo às hostes salgueiristas na antecâmara da 1.ª Divisão Nacional, conforme é possível comprovar numa entrevista concedida pelo então dirigente encarnado Vidal Pinheiro à revista "Stadium" - publicação que nos ajuda a escrever esta efeméride em torno da estreia do Salgueiros no escalão maior e cujas imagens ajudam a ilustrar esta viagem ao passado. Nessa conversa conduzida pelo jornalista Mário Afonso, o histórico Engenheiro Vidal Pinheiro, então presidente da chamada Comissão de Melhoramentos do clube, afirmava que o Salgueiros estava na 1.ª Divisão Nacional por mérito próprio, e não porque devesse essa subida a favores de qualquer espécie. «Depois do F. C. do Porto, o Salgueiros foi o clube mais regular. As suas únicas derrotas foram infligidas pelo campeão; os restantes vencemo-los com resultados mais ao menos volumosos», dizia o dirigente.  Quando questionado mais adiante sobre as possibilidades do clube nesta participação então inédita na 1.ª Divisão, o Eng. Vidal Pinheiro respondia que «haverá, certamente. um certo "tatear" nos primeiros jogos, mas, depois, haveremos de fazer algo de jeito. Boa posição na escalão (tabela)? Não sei.... tudo depende. Mas o que lhe posso afirmar é que nem deixaremos mal colocado o nosso nome e o brio da cidade que representamos de parceria com o F. C. do Porto, nem seremos um "mau amigo" do nosso campeão», vaticinava.

Questionado ainda se havia boa disposição no plantel, Vidal Pinheiro era perentório em dizer que ânimo, coragem e fé não faltava num grupo em que ele confiava em pleno para uma boa campanha. Quanto a moral, resistência.... «Sim, devem tê-la em grau superlativo. Recordemos, por momentos que só este ano após tanta vicissitude conseguimos atingir o fim almejado: entrar no Campeonato Nacional da 1.ª Divisão. Portanto, creio que não poderão ter mais moral do que nesta época. Quanto à resistência, eu lhe explico: deve ter notado que o grupo, ao concluir qualquer encontro, não dava, este ano, aquela exteriorização de fadiga, como em anos transatos. Sabe porquê? Pela simples razão de todos os jogadores terem sido obrigados a seguir, durante o defeso, um curso de gimnástica e preparação atlética, de forma que ao iniciar-se o campeonato regional, todos estivessem em boas condições físicas».

Vidal Pinheiro estava certo de que esta subida à 1.ª Divisão Nacional iria dar muito mais visibilidade a um clube que... não era só futebol. «Uma coisa lhe quero dizer. Para já, conseguimos isto: que se falasse, durante todo um ano no nome do meu clube. Já não é como outrora, em que, após a época do futebol, o Salgueiros desaparecia das gazetas, esquecido até ao ano seguinte. Agora não. Falou-se nele constantemente: a propósito da natação, do atletismo, do basquetebol, do andebol, do ciclismo, etc». Era o este o Salgueiros que Vidal Pinheiro e seus pares vinham trabalhando afincadamente naqueles anos, um clube eclético que pretendia chamar a atenção do público do desporto português. E conseguiu-o.

Dores de crescimento fizeram-se sentir no início

Atlético - Salgueiros
Tal como o Eng. Vidal Pinheiro previu na antevisão deste Nacional da 1.ª Divisão de 43/44, o Salgueiros acusou inicialmente alguma inexperiência na alta roda do futebol português. Algum desconhecimento até, face aos grupos do sul, com quem não estaria habituado a medir forças, acabando por pagar essa fatura sobretudo na primeira volta do campeonato. De facto, o Salgueiros surgiu muito tímido nos campos de batalha do futebol luso, e mais do que averbar derrotas mostrou muitas fragilidades ao nível do seu jogo. Porém, com o avançar da época a equipa foi ganhando outra alma, outro ânimo, mostrando que afinal também tinha valor e bom futebol para figurar entre a elite portuguesa. Mas vamos ao filme da primeira passagem do Salgueiral pelo palco maior do nosso futebol. O pontapé de saída aconteceu na Tapadinha, mítica casa do Atlético, onde as coisas não correram de feição aos encarnados, a julgar não pelo desaire por 4-0, mas de igual modo pelo conceituado jornalista da "Stadium", Tavares da Silva, que foi duro nas palavras na apreciação ao jogo dos salgueiristas: «O sub-campeão do Porto - segundo opinião unânime - traz para a prova pouco valor. Se isso não importa, de momento, interesso no futuro, porque o grupo representa a 2.ª região futebolística do país. Da má exibição - é possível que o bloco se ajeite melhor em futuras digressões - nada ficou senão a afirmação de um guarda-redes de razoável categoria (Peixoto). Pouco mais do que isto o Salgueiros deixou na sua primeira visita, podendo no entanto citar-se alguns dos seus lances na organização da defesa - porque o ataque quase não existiu».

Na ronda seguinte a tarefa do Salgueiros em apagar a má exibição da estreia era uma missão quase impossível, ou não tivesse pela frente o campeão nacional em título, o Benfica. Os lisboetas, orientados pelo antigo guarda-redes de Académico do Porto e Boavista, Janos Biri, surgiram no Campo Augusto Leça, o reduto dos salgueiristas, com uma linha de ataque de respeito, formada por Julinho, Rogério Pipi e Alfredo Valadas. No entanto, e de acordo com a pena de Tavares da Silva, o Benfica não esteve nos seus melhores dias nesta visita ao Porto, jogando no aproveitamento do erro do adversário. Erros que ao que tudo indica terão sido muitos para os encarnados do Norte. Para o consagrado jornalista, o Salgueiros voltou a mostrar sinais de muita fragilidade, tendo a equipa sido sempre dominada pelos campeões nacionais, que acabariam por vencer por claros 6-1. Contudo, apesar de dominados, os portuenses quando atacavam conseguiam provocar algum desentendimento entre a defesa benfiquista, uma nota que Tavares da Silva fez sobressair na sua crónica e que considerou um aviso a ter em conta aos lisboetas para quando defrontassem equipas que estivessem mais ao seu (alto) nível. Outra nota a realçar é o golo salgueirista, o primeiro na alta roda do futebol nacional, tendo o seu autor sido o médio Viana, um nome que ficará assim na história deste clube.

FC Porto - Salgueiros
A grande sala de visitas do futebol portuense daquela altura, o mesmo será dizer o Estádio do Lima, foi a paragem seguinte do Salgueiros, que na 3.ª ronda enfrentava o vizinho e campeão regional FC Porto. E quem pensava um novo massacre enganou-se redondamente, pois o Salgueiral não só vendeu cara a derrota (3-1) ante os azuis-e-brancos como também fez uma agradável exibição, facto que mereceu destaque no relato do jornalista portuense Mário Afonso para a "Stadium". Para este homem das letras o Salgueiros tinha feito a sua melhor exibição até então neste campeonato, e o facto de ter sido ante um dos candidatos ao título era ainda mais digno de registo. Mas para Mário Afonso esta boa exibição aconteceu porque há equipas que se transcendem quando atuam perante outros conjuntos, e neste caso puxou da rivalidade que existia entre os dois emblemas para justificar esta boa exibição dos encarnados de Paranhos. «Quando joga contra o F. C. Porto, o Salgueiros parece outro. Vale muito mais. Quase não se acreditava que estivesse no Lima o mesmo grupo que jogou contra o Benfica! O Salgueiros, animado pela rivalidade que mantém com o campeão, e costumado ao ambiente, conseguiu praticar um futebol de conjunto, vivo, enérgico e com certa ligação. Daí, equilíbrio, jogo repartido pelas duas metades da relva do Lima. Porque não pode dizer-se que o Porto tenha jogado mal, e só ainda faz brilhar um pouco mais o seu adversário. (...) O elemento mais destacado do Salgueiros continua a ser o guarda-redes Peixoto. Um nome a apontar e a ver em exibições futuras: Oliveira, o avançado-centro». E foi precisamente de Oliveira o único golo do Salgueiros nesta derrota com... algum sabor a vitória pela boa exibição conseguida.

Estudantes testemunham uma vitória histórica!

Salgueiros - Académica
Apesar de novato nestas andanças e de nas primeiras duas jornadas ter mostrado um nível abaixo do que era exibido na alta roda do futebol português, não foi preciso esperar muito para que as hostes salgueiristas festejassem a primeira vitória no campeonato nacional. A primeira da sua história, visto desde os dias de hoje. Facto ocorrido na 4.ª jornada, no Campo Augusto Leça, diante da Académica de Coimbra. Um triunfo, por 3-1, que para o jornalista Tavares da Silva devia ser levado em conta, desde logo pelo fraco nível exibicional que os portuenses haviam mostrado nos primeiros jogos, pense embora na sua opinião este triunfo não se tenha devido tanto a uma grande exibição do Salgueiral. Na sua visão esta vitória teve como base o fator aproveitamento de três jogadores que atuavam nos setores recuados e intermédios do terreno: em primeiro lugar o guarda-redes Peixoto, o qual esteve magistral na 2.ª parte; o esforçado defesa João (Santos); e o médio centro Sousa, que imprimiu à equipa a necessária ligação tornando possível a realização dos golos. E se os estudantes estiveram bem no primeiro tempo, após o golo do empate baixaram de rendimento, facto aproveitado pelo Salgueiros para conquistar os primeiros pontos nesta prova.

Sporting - Salgueiros
A este triunfo seguiu-se a derrota mais pesada do grupo neste Nacional de 43/44, facto que aconteceu na visita ao reduto do poderoso Sporting, orientado por Joseph Szabo, e cuja força residia em jogadores como Fernando Peyroteo, Albano, Mourão, Cruz, entre tantos outros. 10-0 foi o pesado resultado final de um encontro onde o Salgueiros, de acordo com Tavares da Silva, chegou em alguns momentos a dar «agradável impressão da sua movimentação geral, nada há mais a dizer senão salientar a má tarde do seu guarda-redes, embora multo desprotegido».

Salgueiros - Belenenses
O oponente seguinte foi outro histórico do futebol luso, no caso o Belenenses, que na 6.ª jornada visitou o Campo Augusto Leça. Para este encontro os azuis de Belém apresentaram no seu "onze" um novo guarda-redes, que dava pelo nome de Capela, e que iria dali em diante marcar uma era no emblema da Cruz de Cristo. Segundo a crónica de Tavares da Silva na "Stadium", o estreante guardião cumpriu a sua missão, pese embora não tenha tido pela frente uma linha avançada que lhe causasse muito trabalho. Mas nas poucas vezes que foi chamado a intervir, fê-lo com segurança e classe. O Belenenses na opinião do jornalista não fez uma exibição de grande brilho, chegou para as encomendas, e quando garantiu a vitória atuou mais em ritmo de treino, acabando a partida por perder algum interesse. E mesmo a expulsão do belenense Mário Coelho, no final da primeira parte, não pôs em causa a supremacia do combinado orientado pelo húngaro Sándor Peics. Quanto ao Salgueiros, esse quase todo esteve mal, na visão de Tavares da Silva, «até a defesa, que costuma comportar-se menos mal. Só se salvou o médio centro Coura, rapaz com merecimento activo e com boa posição em campo, e um pouco Augusto, o interior direito. O ataque do Salgueiros quase não existiu, devendo anotar-se simplesmente sua reação no começo do jogo, no pôs intervalo. O que não quer dizer que o team não tenha posto na luta, em todos os momentos, uma bela energia». 6-1 foi o resultado final para o Belenenses, cabendo a Silva marcar o tento de honra dos salgueiristas.

Salgueiros - Olhanense
Seguiram-se mais dois jogos em casa, o primeiro deles ante os antigos campeões de Portugal, dez anos antes, o Olhanense. Nova derrota para o Salgueiral, desta feita por 2-5. Um resultado que para Tavares da Silva borrava o quadro da classificação geral, já que segundo aquele jornalista enquanto todas as outras equipas davam sinais de progressão, sendo que o Salgueiros não acompanhava essa tendência. E mesmo o setor defensivo, que até então era o que se exibia em melhor forma no campo em encontros anteriores, neste jogo abriu brechas por todo o lado. Apesar de evidenciar dificuldades, o conjunto de Paranhos continuava a dar sinais de querer contrariar a tendência de que era uma equipa ainda inexperiente nestas andanças, como comprovam as palavras do jornalista da "Stadium": «Não quer isto significar que os "salgueiros" não tenham dado um ar de graça, no passado domingo. Pelo contrário, durante certo período da segunda parte o ataque realizou coisas de bom jeito, mas depois perdeu o norte, reduzindo-se a uma ou outro tentativa, feita de quando em vez. Não fôra, mais uma vez, o médio Coura, e a coisa ainda seria pior. O Salgueiros estreou dois jogadores: Renato, a interior-direito e depois avançado-centro, e Faria, interior-esquerdo. Esta orientação, tirar dois interiores e pôr lá outros dois de uma só vazada, mostra claramente as dificuldades que o agrupamento atravessa, e os trabalhos de cabeça que os dirigentes se dão para modificar um estado de coisas que já não tem modificação possível, pelos vistos. Os estreantes revelaram alguma habilidade. Já não é mau de todo». Mas o cenário haveria de mudar, como veremos mais à frente. Ante os olhanenses os golos salgueiristas foram apontados pelo estreante Renato e por Silva.

O jogo seguinte mostrou, ainda que ao de leve, essa subida de forma, já que na receção ao Vitória Sport Clube (de Guimarães) a turma portuense conquistou mais um ponto, fruto de um empate a duas bolas. Sobre o jogo não há muitos relatos na "Stadium", que ressalva apenas que o Salgueiros lutou com entusiasmo. Coura e Silva apontaram os tentos dos salgueiristas.

O outro Vitória a competir nesta 1.ª Divisão de 43/44, neste caso o de Setúbal, foi o oponente seguinte. 2-1 a favor dos sadinos, foi o resultado final de uma partida que segundo Tavares da Silva teve um rol de oportunidades desperdiçadas, tantas foram as vezes que os avançados estiveram cara a cara com os guarda-redes e não os conseguiram bater. Os portuenses continuavam a dar indícios de crescimento no campeonato a julgar pelas palavras do jornalista: «o Salgueiros foi mais ameaçador do que o Vitória. Inesperadamente ameaçador, pois ao conseguir um goal, este teve o efeito de despertar as energias do adversário. Só quando começou a perder é que o Vitória se lembrou que tinha de ganhar...». O goleador Silva foi mais uma vez o artilheiro de serviço dos encarnados neste encontro.

Segunda volta mostra um Salgueiros diferente... para melhor

Salgueiros - Atlético
Em janeiro de 1944 arrancou a segunda volta do Nacional da 1.ª Divisão, tendo o Salgueiros retribuído a visita à Tapadinha em novembro do ano anterior. O Atlético era por esta altura uma das boas equipas do campeonato, ocupando os lugares da frente do pelotão, fruto da bela campanha que vinha fazendo. E Tavares da Silva na sua crónica habitual na "Stadium" frisou precisamente isso para justificar o triunfo dos lisboetas no Campo Augusto Leça por 3-0. No entanto, o Salgueiros continuava a dar sinais de crescimento... «O Salgueiros forçou a marche do encontro de modo a dominar durante largos períodos do jogo, instalando-se na grande área dos lisboetas. Mas estes nunca perderam o sangue frio, e aqueles nunca o encontraram em frente das redes para fazer aquilo que parece mais fácil mas que é o mais difícil: goal. A serenidade com que o Atlético suportou a tempestade, defendendo uma vitória preciosa que - certo, certo - nunca esteve praticamente ameaçada, diz-nos, além de tudo, que o grupo está a adquirir a categoria dos grandes teams». E a prova disso foi que os lisboetas acabariam este campeonato em 3.º lugar, à frente de clubes de maior poderio, como o FC Porto, ou o Belenenses.

De Lisboa era também o adversário seguinte dos encarnados do Porto, mas este de maior peso, já que lutava com o eterno rival Sporting pelo título de campeão nacional.

Benfica - Salgueiros
Numa altura da temporada em que os clubes já levavam muitos jogos nas pernas, o Benfica optou na receção ao Salgueiros por fazer descansar alguns dos seus titulares, substituídos por nomes menos conhecidos, como Cerqueira, Carvalho e Teixeira II, facto que terá, quiçá, pesado no facto de os benfiquistas terem feito uma exibição algo "cinzenta", pouco condizente com um candidato ao título. Valeu a inspiração de uma das suas maiores estrelas, Julinho, autor de quatro dos seis golos com que os comandados de Janos Biri bateram os salgueiristas por 6-1. Sobre estes últimos Tavares da Silva trazia boas novas: «É de notar também que o Salgueiros apresenta progressos nos esquemas do seu jogo - sinal evidente de que a permanência na competição de honra lhe tem feito bem». Renato foi o marcador do único tento do Salgueiral no Campo Grande.

De regresso à Cidade Invicta na jornada que se seguiu para defrontar o vizinho FC Porto, que estava longe de convencer neste campeonato. Foi uma partida que para o principal redator da "Stadium" teve duas partes distintas, uma pautada pelo equilíbrio e outra pelo... desequilíbrio. A primeira muito por culpa do facto de a equipa na teoria mais fraca, o Salgueiros, ter querido impor-se, de jogar de igual para o com o seu velho rival. A outra, quando essa mesma equipa de nível inferior perdeu o fôlego e começou a desaparecer do encontro, aspeto aproveitado para os portistas abrirem o marcador e chegarem à goleada final de 5-0. «Foi assim mesmo. Belo jogo, na primeira parte, com os grupos em acentuado equilíbrio, e porventura o Salgueiros, mais perigoso. Depois, no segundo tempo, o Salgueiros deixou-se dominar pela resistência e melhor técnica do adversário, que pôs a bola rente ao terreno para o passe da precisão, utilizando os extremos. Porque o mérito do Salgueiros está na luta que deu. Depois de sofrer o quinto goal - ainda quis espreguiçar-se, verdade seja. Era tarde!», assim resumiu Tavares da Silva o jogo.

Na ronda seguinte o Salgueiros sentiu o amargo sabor da vingança dos estudantes de Coimbra, que na primeira volta haviam sido batidos no Campo Augusto Leça. Frente a frente estavam as duas últimas equipas da classificação geral, pelo que só a vitória servia a cada uma delas para largar a "lanterna vermelha". Foi mais feliz a Académica, que no Campo de Santa Cruz entrou determinada não só a fugir ao último posto, mas de igual forma a vingar a tal derrota no Porto. Foi uma Briosa de ataque, conforme disse Tavares da Silva na sua crónica, e a comprovar isso foi o resultado de 9-4 a favor dos locais. Renato, Toninho, Oliveira e Alfredo foram os artilheiros do Salgueiros, que neste encontro marcou o maior número de golos, quatro, num só encontro desta época de estreia no escalão maior.

Salgueiros - Sporting
Após esta pesada derrota o Campo Augusto Leça engalanou-se para receber uma das mais fortes equipas daqueles anos, o Sporting, liderado por um Peyroteo letal! Com muito menos armas que o poderoso adversário, o Salgueiros deu luta, aliás, esta era uma postura que vinha patenteado de há uns jogos a esta parte, sinal de que começava a ambientar-se a estes palcos grandes. Porém, e segundo as palavras de Tavares da Silva, faltavam elementos condizentes com a elite do futebol português, isto é, jogadores de 1.ª Divisão ao Salgueiros. Facto que provocava nas suas palavras alguns momentos de desorganização na equipa nortenha. «Por tudo quanto ficou dito, deve já destacar-se o comportamento do Salgueiros na primeira parte, equilibrando a partida em termos de ver-se, mesmo com um pouco de emoção. Que, aquilo que sucedeu no segundo tempo, não deve causar a mais leve estranheza. A experiência, o fôlego, a melhor técnica, e ainda, por cima de tudo, a robustez do Sporting, impuseram-se de tal modo que o guarda-redes do Salgueiros não pode sossegar um simples minuto, pois a bola raramente saiu da sua órbita. Nessa altura, o Sporting impôs-se de alto a baixo, não estando em causa a classificação do jogo produzido e o resultado não podia ser outro, a não ser uma vitória mais volumosa». Pois é, 5-1 a favor dos sportinguistas, que haveriam de vencer esta edição do Campeonato Nacional, sendo que neste encontro Fernando Peyroteo apontou quatro dos cinco golos da sua equipa, ao passo que Coura fez o gosto ao pé para os nortenhos.

Belenenses - Salgueiros
Igual resultado, o mesmo será dizer uma derrota com números semelhantes, aconteceu na jornada seguinte em nova visita do Salgueiros à capital, desta feita para defrontar o Belenenses. Nas Salésias os azuis de Belém não sentiram dificuldades em bater os portuenses, pese embora tenham demorado a encontrar o caminho da baliza de Peixoto, algo que de acordo com Tavares da Silva terá apimentado o encontro na sua fase inicial. Quanto à performance dos nortenhos no Estádio das Salésias, o jornalista disse que «o simpático grupo do Salgueiros mostrou-se animoso, como sempre, mas o seu quadro, como já temos dito, não está ainda à altura da prova. Só nos jogos em casa pode oferecer realmente dificuldades aos adversários». Renato apontou o tento dos encarnados de Paranhos neste jogo.

Como não há duas sem três, a visita a Olhão cifrou-se numa nova de derrota também por 5-1. Um futebol rápido e ofensivo ajuda a justificar este triunfo do Olhanense. Contudo, não se julgue que o Salgueiros foi "bombo da festa", já que na crónica do encontro, a equipa portuense foi ofensiva, batalhadora, «chegando, mesmo, a desenvolver esquemas de jogo que lembraram à defesa algarvia a necessidade de se conservar alerta. Isto confirma aquilo que temos dito sobre o Salgueiros, isto é, que a prova só lhe tem feito bem - além de dar aos seus dirigentes preciosas indicações relativamente ao futuro», assim escrevia Tavares da Silva. Alfredo apontou o golo do Salgueiros no Algarve.

Salgueiros - Vitória de Setúbal
O Campo de Benlhevai, em Guimarães, foi a derradeira saída do Salgueiral neste Nacional. Pela frente tinha um Vitória que esteve longe de fazer uma boa prova, muito pelo contrário. Nesta jornada, a penúltima, o Sporting consagrava-se campeão nacional, ao passo que o Salgueiros com a derrota pela margem mínima (1-2) no Minho assegurava... a "lanterna vermelha" da prova. Em Guimarães os locais atacaram desde início e chegaram ao intervalo a vencer por 2-0. No reatamento, os portuenses reagiram, dando algum trabalho à defesa vitoriana, embora somente por uma ocasião tenham tido êxito, por intermédio de Ribeiro.

E eis que chegávamos à última jornada deste Campeonato Nacional, sendo que no Porto o Salgueiros encerrava a sua estreia entre os maiores do futebol nacional com uma receção ao Vitória de Setúbal. Já com a classificação definida, o Salgueiros perdeu por 3-5 um encontro onde o seu jogador Renato brilhou ao apontar os três golos dos encarnados. Falando de contas, o emblema de Paranhos ficou na última posição, com três pontos somados, 23 golos marcados e 84 sofridos, números que à primeira vista são maus, mas que se olharmos ao "resto da história" significaram só o início de uma caminhada entre a elite do futebol português, o lugar que este histórico clube conquistou nas décadas seguintes e que como tal é seu por mérito próprio.

terça-feira, junho 08, 2021

Histórias do Futebol em Portugal (31)... Ainda antes dos Cinco Violinos brilharem já os Cinco Torpedos encantavam vestindo a pele do leão

Os Cinco Torpedos
Os Cinco Violinos foram com toda a certeza não só o quinteto ofensivo mais virtuoso da história do futebol português como também uma das linhas avançadas mais célebres e poderosas do futebol internacional da década de 40 do século passado.

Defendendo as cores do Sporting Clube de Portugal, Fernando Peyroteo, Vasques, Albano, Jesus Correia e José Travassos são os cinco famosos violinistas dessa memorável orquestra que entre 1946 e 1949 tornou o leão num animal impossível de domar. Porém, muitos antes deste quinteto dar nas vistas um outro núcleo de cinco jogadores brilhou com o manto sagrado do Sporting vestido. Um quinteto de despoletou nos primórdios do clube fundado por José Holtreman Roquette (Alvalade), em 1906, e que pelo seu talento escreveu uma página digna de registo na extensa e gloriosa história do emblema leonino. Ainda que pouco conhecido por parte do grande público afeto ao Belo Jogo se comparado com os Cinco Violinos, este quinteto marcou os primeiro anos de vida do Sporting numa época em que as competições futebolísticas a nível nacional eram ainda muito escassas. Sem mais demoras vamos embarcar na Máquina do Tempo para conhecer os Cinco Torpedos.

E para isso viajemos até à década de 10 dos século XX, altura em que o epicentro do futebol em Portugal estava na capital, que vivia então o fervor dos primeiros campeonatos de Lisboa, que faziam desenvolver a modalidade não só na região mas também no resto do país. O Sporting era então um jovem clube, rico, é certo, já que detinha as melhores condições do futebol lisboeta, fazendo assim jus ao objetivo do seu criador, José de Alvalade, aquando da fundação: fazer do Sporting Clube de Portugal "um grande clube tão grande como os maiores…”.

O país de então vivia a febre do futebol, cujo aumento da popularidade era um facto indesmentível, sendo que os matches atraíam a si assistências bastante consideráveis. O panorama futebolístico da capital era dominado então pelos ingleses do Carcavelos, que haviam vencido as três primeiras edições do Campeonato de Lisboa. Apesar de não lograr alcançar qualquer título até então, o Sporting era uma das equipas mais fortes e virtuosas do futebol daqueles anos, um team muito  respeitado pelos adversários, graças a um conjunto de grandes jogadores. Muitos destes atletas deram início a uma rivalidade que ainda hoje se mantém com os vizinhos do Sport Lisboa (hoje Benfica), e que teve início em 1907 quando oito jogadores dos encarnados resolvem mudar-se para o clube de José de Alvalade, o qual oferecia banhos quentes e demais privilégios aos atletas, então coisa rara no futebol. Entre esses desertores estavam os irmãos Catatau, mais precisamente Cândido Rosa Rodrigues e António Rosa Rodrigues. A estes, já no final da primeira década do século XX, junta-se no Sporting outra dupla de irmãos, os Stromp, nomeadamente Francisco Stromp e António Stromp.

As condições de excelência do Sporting atraíam como já dissemos os melhores jogadores do futebol lisboeta daquele tempo, sendo que outro dos craques de então era o virtuoso avançado João Bentes, que rapidamente se tornou num dos atletas mais importantes do clube, sendo que na passagem para a década de 10 seria eleito o capitão de equipa. Ora, estes cinco nomes que acabamos de mencionar formaram aquela que foi rotulada na altura como a linha avançada mais poderosa e virtuosa do futebol lisboeta daqueles anos, e que ficaria conhecida como os Cinco Torpedos.

Juntos, é certo, que não arrecadaram nenhum título para o Sporting, embora naquele tempo a única competição que existia fosse o Campeonato de Lisboa, mas lograram alcançar exibições fantásticas que ficaram eternizadas nos jornais da época. Atuaram juntos durante quatro temporadas, mais concretamente em 1909/19, 1910/11, 1911/12 e 1912/13. A melhor classificação obtida pelos Cinco Torpedos foi precisamente na última época em que jogaram juntos, tendo o Sporting ficado em 2.º lugar no Campeonato de Lisboa, a quatro pontos do campeão Benfica.  

O 11 da seleção de Lisboa vestindo à Sporting que foi a Huelva bater o Recreativo

Quatro dos Cinco Torpedos entraram em 1910 para a história não só do Sporting como do próprio futebol luso pelo facto de terem participado no primeiro jogo internacional daquela que pode ser considerada a primeira seleção portuguesa a atuar no estrangeiro. Foi a 27 de agosto de 1910, data que um misto de jogadores de três equipas de Lisboa, nomeadamente o Sporting, o Benfica e o Sport União Belenese, se deslocou a Espanha para jogar com o Recreativo de Huelva. Atuando com o equipamento do Sporting a seleção lisboeta, ou o Sporting reforçado com três jogadores do Benfica - entre os quais pontificava Cosme Damião - e um do Sport União Belenese - segundo muitos historiadores, venceu por 4-0 os espanhóis. Como já vimos, este misto foi integrado por quatro dos Cinco Torpedos, nomeadamente António Stromp, António Rosa Rodrigues, Francisco Stromp e João Bentes, sendo que este último foi o capitão desta equipa que fez a longa viagem desde Lisboa até Huelva de comboio, isto é, os jogadores apanharam o comboio no Barreiro, no dia 25 às 18H30 e chegaram à cidade espanhola no dia seguinte quando já passava das 20H00. Os golos foram marcados pelo benfiquista Luís Vieira e pelos torpedos António Rosa Rodrigues e Francisco Stromp, sendo que este último fez o gosto ao pé em duas ocasiões. De acordo com os jornais da época terão assistido ao encontro cerca de oito mil espectadores e a Banda Municipal de Huelva tocou os hinos português e espanhol, sendo que à noite houve um banquete de confraternização.

Quem eram os Cinco Torpedos?

João Bentes
Como já vimos os Cinco Torpedos eram constituídos por uma mão cheia de virtuosos avançados, comandados pelo capitão de equipa João Bentes. Nascido em Lisboa, Bentes integrou ainda muito jovem as equipas do Sporting, clube do qual se fez associado apenas um ano após a fundação do clube. Subiu à primeira categoria em 1910. Alinhava como extremo-esquerdo, assumindo a titularidade precisamente na temporada de 1909/10. Destacava-se por ser um atleta polivalente, diz-se que jogava em qualquer posição do terreno, exceto na de guarda-redes. Diz-se que foi ele o encarregado por Eduardo Pinto Basto, capitão do CIF, de escolher a equipa que no tal ano de 1910 foi a Huelva disputar com o Recreativo local o tal jogo internacional que acima recordarmos, isto porque o CIF, já tinha disputado um desafio em Madrid em 1907, tendo sido três anos mais tarde convidado para jogar em Huelva. No entanto, Eduardo Pinto Basto achou que o seu clube não tinha condições para isso e propôs o Sporting para ir em seu lugar. João Bentes, o capitão leonino, encarregou-se a pedido de Pinto Basto de organizar uma equipa para viajar até Espanha, tendo então convidado Cosme Damião, Luís Vieira e António Costa, todos do Benfica, e Francisco Bellas, do Sport União Belenense, para se juntarem aos jogadores do Sporting. No total, Bentes atuou durante 9 temporadas na equipa principal do Sporting, tendo sido uma das figuras destacadas nos primeiros anos de vida do clube, sendo-lhe reconhecida a mentalidade de um líder e de alguém que estava sempre disposto a tudo para triunfar. O seu momento de glória de verde-e-branco equipado terá sido na temporada de 1914/15, altura em que os leões venceram o seu primeiro Campeonato de Lisboa.

Os irmãos Catatau,
Cândido e António Rosa Rodrigues
Cândido Rosa Rodrigues, um dos irmãos Catatau que na boca dos benfiquistas foi um dos traidores que em 1907 trocou o Sport Lisboa pelo Sporting em busca de melhores condições de treino. Nasceu em Lisboa, pela uma da manhã, no primeiro andar do número 144 da rua direita de Belém, e os amigos chamava-lhe Candinho, e juntamente com os seus irmãos António, José e Jorge ficou conhecido por fazer parte dos irmãos Catatau. Em 1904 ele foi um dos 24 fundadores do Grupo Sport Lisboa onde esteve durante três temporadas. Vivendo em Belém ele era um dos principais dinamizadores no início do clube, sendo dos mais assíduos nos treinos. No verão de 1907 ele e mais sete jogadores do Sport Lisboa decidiram então rumar ao recém fundado Sporting Clube de Portugal, atraído pelas melhores condições proporcionadas pelo clube leonino. Cândido rapidamente deu nas vistas no Sporting, jogando a interior-direito. Ele entrou na história do clube leonino por ter sido o autor do primeiro golo da história dos dérbis da capital, isto é, entre sportinguistas e benfiquistas, facto ocorrido a 1 de dezembro de 1907, data em que se disputou o primeiro Derbi Eterno. Jogou no Sporting durante sete temporadas, e dos Cinco Torpedos foi o único que não conquistou qualquer título ao serviço dos leões, retirando-se do clube precisamente na época anterior à conquista do primeiro Campeonato de Lisboa. Foi ainda dirigente do Sporting quando fez parte da segunda Direcção de Caetano Pereira durante a Gerência 1912/13.

António Rosa Rodrigues, também conhecido por Neco, era outro dos irmãos Catatau que em 1907 trocou o Sport Lisboa pelo Sporting. Considerado um dos melhores avançados da sua época esteve 10 temporadas no Sporting, tendo feito parte da equipa que ganhou o primeiro Campeonato de Lisboa da história do clube. Foi um dos sete jogadores do Sporting que integraram a seleção de Lisboa que em 1910 se deslocou a Huelva para defrontar e vencer o Recreativo. Atuando como extremo-direito, na maior parte da sua carreira, viveu outros momentos de grande glamour com a camisola verde-e-branca, sendo de recordar entre muitos exemplos o facto de em 1914 ter vencido o primeiro título de âmbito mais nacional pelo Sporting, os Jogos Olímpicos Nacionais, após ter vencido na final o Império por 5-1. Atuou durante 9 temporadas no Sporting, tendo realizado mais de 60 jogos de leão ao peito.

Francisco Stromp
Verdadeiros ícones da história do Sporting foram os irmãos Stromp. Francisco nasceu no dia 21 de maio de 1892, em Lisboa, e foi um dos primeiros grandes símbolos do clube. Com apenas 16 anos estreou-se na equipa principal do Sporting, emblema cujo manto sagrado defendeu entre 1908 e 1924. Disputou mais de 100 jogos com a camisola verde-e-branca tendo sido por quatro ocasiões campeão de Lisboa (14/15, 18/19, 21/22 e 22/23). Seria aliás na temporada de 22/23 que conquistaria o seu título mais importante durante a passagem pelo clube, o Campeonato de Portugal. Capitaneou a equipa vários anos, sendo que em 1922/23, depois de Augusto Sabbo se ter demitido de treinador, coube-lhe assumir a função de timoneiro, isto é, de treinador, sendo desta forma a sua importância ainda maior na conquista da 2.ª edição do Campeonato de Portugal. Dentro de campo ocupou as posições de médio-direito e avançado-centro, destacando-se pela sua entrega. Para além do futebol, Francisco foi ainda campeão no lançamento de Disco e na estafeta dos 3x100m, tendo também praticado ténis, cricket e rugby. Desempenhou várias funções na qualidade de dirigente leonino, desde funções na Mesa da Assembleia Geral presidida pelo Visconde de Alvalade, até à passagem pelas Gerências de Queirós dos Santos e da Direção de Soares Júnior na Gerência de 1918, chegando a ocupar a vice-presidência da Direção, entre 19 de fevereiro de 1925 e 23 de fevereiro de 1926. Francisco Stromp amava o Sporting, viveu toda a vida para o clube, e a prova disso é que escolheu a data da sua morte no dia em que os leões festejavam o seu 24.º aniversário. A sífilis, doença de que padecia, seria a causa da sua morte, isto porque no dia 1 de julho de 1930 decidiu pôr termo à vida, atirando-se para a frente de um comboio na Estação de Sete-Rios. O seu nome é hoje em dia associado ao mais alto galardão atribuído pelo Sporting, os prémios Stromp, que distinguem entre outros o melhor atleta, treinador, dirigente e futebolista.

António Stromp
Francisco não era tão eclético quando o seu irmão António, um autêntico atleta multifacetado. Nascido em Lisboa em dia de Santo António (13 de junho de 1894), António contava apenas 15 anos quando em 1909 alinhou na 1.ª equipa de futebol do Sporting, ocupando a posição de extremo, preferencialmente à direita. Era dotado de estupendas qualidades físicas que aliadas à técnica fizeram dele não só um grande futebolista como também um virtuoso praticante de ténis, esgrima e cricket. Em 1913, numa viagem ao Brasil ao serviço da seleção de Lisboa, destacou-se de tal maneira que foi alvo de várias condecorações, as quais foram por ele recusadas, prova da sua humildade. Foi uma das peças preponderantes na conquista do primeiro título de campeão de Lisboa por parte do Sporting, tendo marcado um golo na vitória que conferiu o título aos leões no encontro ante o eterno rival Benfica. 

Mas seria no atletismo que a estrela de António iria brilhar mais alto. Em 1910 participou nos Jogos Olímpicos Nacionais, tendo sido um dos grandes destaques da competição ao vencer a prova de salto à vara. Um ano mais tarde venceu a prova dos 100m com um impressionante registo de 12 segundos, registando desta forma um novo recorde nacional naquela categoria. Mas 1912 seria um ano memorável para António no âmbito do atletismo. Para além de ter vencido os 100m e os 200m metros a nível nacional, foi um dos seis atletas que integrou a primeira comitiva portuguesa a marcar presença nos Jogos Olímpicos. Em Estocolmo, porém, António não fez jus às suas qualidades de velocista, não passando das eliminatórias da  prova dos 100m. No ano seguinte voltaria a triunfar nas pistas, sagrando-se campeão nacional dos 100m. Tal como seu irmão Francisco teve o infortúnio de lhe ser diagnosticada sífilis, terrível doença que o fez deixar o desporto e o levaria à morte a 6 de julho de 1921.