Mostrando postagens com marcador Manuel Fernandes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Manuel Fernandes. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, abril 16, 2025

Jogos Memoráveis (10)... Southampton - Sporting (Taça UEFA 1981/82)


A primeira vez é sempre inesquecível, e então se acontecer num lugar especial ainda mais inolvidável se torna. É desta forma que podemos olhar para a vitória do Sporting em casa do Southampton na temporada de 81/82 em jogo a contar para a 1.ª mão da 2.ª eliminatória da Taça UEFA, por concludentes 4-2. E o que tem esta vitória de tão especial assim, perguntar-se-ão os visitantes do Museu. Simples, tratou-se do primeiro triunfo de uma equipa portuguesa em solo britânico a contar para as competições europeias de clubes. Em solo britânico, isto é, na terra dos inventores do futebol moderno, os mestres ingleses, há que sublinhá-lo, visto que não era qualquer equipa que ousava chegar a Inglaterra e vencer um cavaleiro dali oriundo. Mas aquela era, e é, talvez uma das equipas mais lendárias da história do Sporting, a equipa que nessa temporada venceu tudo a nível nacional através de um futebol encantador edificado por artistas de enorme qualidade em todos os setores do terreno. 


Havia, porém, uma zona do retângulo de jogo onde essa mestria se fazia notar ainda mais: o ataque. Setor este onde pontificava um dos tridentes mais cintilantes da história do futebol luso, um trio de artistas notáveis que muito contribuiu para que aquela fosse uma das melhores temporadas de sempre do Sporting. Falamos, claro, de António Oliveira, Rui Jordão e Manuel Fernandes. Pedra fundamental para que esta fosse uma das melhores épocas de sempre do Sporting foi o então seu lendário presidente, João Rocha, que após uma temporada (80/81) de insucesso desportivo começou por tomar a decisão de contratar um treinador que fizesse regressar a Alvalade a estrela das vitórias e mais do que isso, dos títulos. Depois de falhar a contratação de José Maria Pedroto e de John Mortimore, que tantas glórias haviam dado aos grandes rivais internos dos leões nos anos anteriores, respetivamente, FC Porto e Benfica, eis que a escolha recai noutro inglês, Malcolm Allison. Big Mal, como era conhecido no seu país, logo implementou um futebol de ataque no Sporting, assente na tal mestria e criatividade letal do trio Oliveira, Jordão e Manuel Fernandes, o qual era auxiliado por um meio campo operário, onde pontificavam nomes como Nogueira, Carlos Xavier, Ademar, Francisco Barão, ou Mário Jorge; uma defesa de betão, formada por figuras como Eurico, Inácio, ou Virgílio; e um guarda-redes ultra seguro, de seu nome Ferenc Mészáros. O guardião internacional húngaro foi a par de Oliveira a contratação mais sonante para aquela temporada de glória dos leões
Um "onze" do Sporting numa época (81/82) maravilhosa

E bem se pode dizer que o encantamento por aquele Sporting não só da parte dos adeptos leoninos como de todos aqueles que gostam de bom futebol, começou precisamente na noite de 21 de outubro de 1981, data em que o Southampton recebia o conjunto português. Atenção, este não era um Southampton qualquer, mas sim uma equipa recheada de talentos, sendo o maior deles aquele que provavelmente era o melhor futebolista inglês de então, Kevin Keegan. Vencedor por duas ocasiões (1978 e 1979) da Bola de Ouro, o famoso futebolista era a principal referência do Southampton, onde ingressara em 80/81 após três temporadas de sucesso ao serviço dos alemães do Hamburgo. Confiantes de que a sua estrela-mor iria abater os leões portugueses, os adeptos ingleses lotaram por completo o velhinho The Dell, mítico estádio do Southampton, mas o que viram, na realidade, foi uma exibição categórica e de autor do Sporting concluída com um histórico triunfo por 4-2. O primeiro de sempre, como já vimos, de equipas lusas em Terras de Sua Majestade a contar para as provas uefeiras. 

O Southampton onde pontificava o lendário Kevin Keegan

Abra-se aqui um parêntese, para recordar que antes deste jogo, os conjuntos portugueses haviam disputado 19 partidas europeias em solo da Velha Albion, por intermédio do Benfica, do FC Porto, do Belenenses, do Braga, do Vitória de Setúbal, do Vitória de Guimarães e do próprio Sporting, sendo que nesses 19 encontros anteriores ali disputados por estas equipas foram contabilizadas… 19 derrotas!

Mas o Sporting de Big Mal mudou esse paradigma naquela noite no relvado do The Dell. «O triunfo do Sporting frente a uma equipa onde joga o famoso Kevin Keegan, pode ser considerado uma proeza para o futebol português», assim escrevia o Diário de Lisboa na sua edição do dia seguinte a um jogo onde o Southampton cedo foi surpreendido com um futebol veloz e de ataque do Sporting, não sendo de admirar que logo aos 2 minutos Jordão, de cabeça, desse o melhor seguimento a uma jogada magistral de Oliveira, a qual foi construída pelo flanco direito do seu ataque. Aliás, ninguém esperava ver Oliveira nesse jogo a… defesa direito. A decisão de Allison deixou a todos perplexos, desde logo os seus próprios conterrâneos, e o que se passou foi que Oli – assim tratava Bil Mal o genial Oliveira – foi um verdadeiro diabo à solta no The Dell.

O majestoso tridente ofensivo dos leões: Jordão, Manuel Fernandes e Oliveira
O golo acordou os ingleses, que passaram a pressionar em zona alta os portugueses, mas a defesa leonina «susteve o ímpeto contrário e o meio campo e o ataque do Sporting trocavam a bola e lançavam perigosos contra-ataques que perturbavam a defesa inglesa», analisava o Diário de Lisboa. E seria num desses contragolpes venenosos que a sorte bafejou os portugueses e o azar bateu à porta dos britânicos. Estavam decorridos 20 minutos quando, pelo lado esquerdo, Freire rompeu com a bola pela área inglesa e pela frente encontrou Nick Holmes, que ao tentar roubar o esférico ao português traiu o seu guarda-redes e ampliou a vantagem dos visitantes. Apesar de atordoado com a postura inesperada dos portugueses, o Southampton não desistiu de atacar a baliza de Mészáros, «mas a defesa do Sporting, vigiando bem Keegan e atuando num sistema de dobras e apoios constantes (a que se associavam o meio campo e também Freire e Manuel Fernandes) foi-se opondo com êxito». Por seu turno, o Sporting continuava a dar azo a rápidos contra-ataques, e foi, uma vez mais, num desses lances que a três minutos do intervalo as bancadas do The Dell voltaram a estremecer com um novo golo lusitano. Oliveira, sempre ele, pelo flanco direito, lançou Manuel Fernandes, que ao superar a oposição da defesa local atirou para o fundo das redes de Peter Wells pela terceira vez naquela noite. Quem diria que ao intervalo o Sporting estaria a bater o Southampton em sua casa por 3-0! 

Keegan foi sempre muito bem vigiado pelos leões no The Dell
Na segunda parte houve sofrimento por parte dos leões, já que o Southampton, ferido no orgulho, apostou as fichas todas para inverter o rumo dos acontecimentos. O primeiro sinal de aviso foi dado por Mick Channon, aos 49 minutos, com um potente remate aos ferros da baliza de Mészáros. Persentindo, quiçá, o que seriam aqueles segundos 45 minutos, Malcolm Allison refresca e reforça o seu setor defensivo, tirando um homem de meio campo (Nogueira) e colocando em seu lugar um defesa (Virgílio). E quando não eram os homens do setor recuado leonino a dar conta do recado, lá estava Ferenc Mészáros a mostrar os seus dotes de guardião de craveira mundial. «Aos 56 minutos, Mészáros fez a defesa da noite: um “chapéu” de Moran apanhou-o adiantado e, quando o estádio aplaudia o golo, o guardião húngaro, em golpe de rins, desviou a bola para canto», contava a crónica do jogo escrita no Diário de Lisboa. À passagem da hora de jogo, George Lawrence reforçou o ataque inglês, e avalanche ofensiva dos anfitriões deu os seus frutos quando aos 68 minutos o central Eurico derrubou dentro de área o astro Kevin Keegan, não restando ao árbitro sueco, Erik Fredriksson, dúvidas quanto à marcação de grande penalidade a favor do Southampton. O mesmo Keegan bateu Mészáros e relançou a partida. O golo conferiu uma vitamina extra aos ingleses, que três minutos volvidos voltaram a marcar, desta feita Mick Channon, após assistência de Keegan. O Sporting passou a sofrer ainda mais a partir deste momento, com os ingleses a sufocarem ofensivamente os portugueses até final na expectativa de uma reviravolta. Valeu aos sportinguistas terem cabeça fria e muita concentração na hora em que o Southampton atacava. Até que a dois minutos dos 90 o sofrimento leonino terminou. Freire numa rápida incursão cruzou para o interior da área onde Manuel Fernandes não teve quaisquer dificuldades em fazer o 4-2 final a favor do Sporting. «A vitória do Sporting é indiscutível, sobretudo pela atuação da sua defesa, muito coesa, vibrante, corajosa e agressiva na marcação impiedosa que moveu aos jogadores contrários. O meio campo ajudou sempre que pôde e lançou o ataque em rápidos contra-ataques que desbarataram por completo a defesa inglesa, impotente face ao talento de Freire, Jordão Oliveira e Manuel Fernandes», concluiu o Diário de Lisboa. No jogo da 2.ª mão houve empate a zero bolas, o que permitiu ao Sporting avançar na prova, vindo a cair na ronda seguinte aos pés do Neuchâtel Xamax. 

Aqui fica a constituição das duas equipas nessa célebre noite europeia para o futebol português:

Southampton - Peter Wells, Chris Nicholl, Ivan Golac, Mark Whitlock (George Lawrence, 62), David Armstrong, Nick Holmes, Steve Williams, Alan Ball, Steve Moran, Mick Channon, e Kevin Keegan. Treinador: Lawrie McMenemy.

Sporting: Ferenc Mészáros, Eurico, Inácio, Zezinho (Francisco Barão, 79), Carlos Xavier, António Oliveira, Nogueira (Virgílio, 55), Ademar, Rui Jordão, Manuel Fernandes, e Freire. Treinador: Malcolm Allison.

Vídeo: Resumo da célebre partida disputada no The Dell

quinta-feira, novembro 16, 2023

Jogos Memoráveis (6)... Racing White - CUF (Taça UEFA 1972/73)

Equipa da CUF que fez história na Taça UEFA de 72/73

O Barreiro figura na história do futebol português como um alfobre de largas dezenas de notáveis futebolistas. Durante anos a fio esta cidade industrial de referência foi um dos maiores, senão mesmo o maior, fornecedor de jogadores para os grandes clubes de Lisboa (sobretudo) e por consequência para a seleção nacional. Enumerá-los merecia só por si um artigo específico sobre a condição do Barreiro enquanto berço de génios da bola, artigo esse que fica para outras núpcias. Mas não só de virtuosos futebolistas reza a história desta terra localizada na margem sul do estuário do Tejo. Grandes e míticas equipas dali oriundas levaram o nome do Barreiro longe, tanto no plano nacional como internacional. Durante anos a fio a CUF e o Barreirense, os dois míticos emblemas ali nascidos, foram os máximos representantes da vila operária no mais alto escalão do futebol luso. E com resultados/classificações histórico(a)s! E como consequência dessas excelentes performances ambos os clubes têm o seu nome inscrito na história das provas da UEFA, vulgo, as competições europeias. Sobre a aventura do Barreirense já aqui falámos noutras viagens ao passado, enquanto que da CUF vamos recordar hoje o encontro histórico que permitiu ao mítico "clube-fábrica" superar pela primeira vez uma barreira uefeira, isto é, eliminar um adversário europeu. Aconteceu na época de 72/73, na recém-criada Taça UEFA, onde a CUF mediu forças com os belgas do Racing White (Molenbeek). Antes de recordarmos este encontro, há que referir que o emblema da Companhia União Fabril - fundada pelo grande e visionário empresário, Alfredo da Silva, nos inícios do século XX - não era propriamente um estreante em matérias de competições internacionais. Esta era na verdade a terceira presença dos cufistas na alta roda do futebol europeu. A primeira havia sido na extinta Taça das Cidades com Feira, na temporada de 65/66, altura em que a CUF surpreendeu ao Europa ao obrigar o poderoso Milan a um terceiro e decisivo jogo de desempate; e em 67/68, na mesma competição, quando caiu aos pés dos jugoslavos do Vojvodina na ronda inaugural.

E em 72/73 o clube do Barreiro chegava novamente ao palco europeu, fruto de um brilhante 4.º lugar no Campeonato Nacional da época anterior, em que ficou à frente do FC Porto, por exemplo.

Belgas sobranceiros caíram na ratoeira dos mind games

Quis o sorteio que a terceira presença da CUF nas competições europeias tivesse início em Bruxelas, onde à sua espera tinha o Racing White. Apesar de bem orientados por Fernando Caiado, que durante largos anos bebeu - enquanto adjunto - da sabedoria de ilustres técnicos que conduziram o Benfica a finais europeias na década de 60, os cufistas não reuniam à sua volta grande expectativas por parte dos opinadores do futebol português quanto a uma passagem de eliminatória. Pelo menos era esta a ideia que o célebre jornalista Cruz dos Santos passou no início da sua análise ao jogo realizado no Estádio Fallon a 20 de setembro de 1972. E de acordo com as palavras iniciais do jornalista d' A Bola esta descrença era mais pelas debilidades da equipa barreirense do que pelo poderio do adversário, poderio esse de que nunca se tinha ouvido falar! Para Cruz dos Santos o Racing era somente uma equipa jeitosa, com três ou quatro jogadores de boa craveira técnica, mas não mais do que isso. «Todas as desconfianças que se alimentavam a propósito das possibilidades de qualificação da equipa portuguesa repousavam na própria CUF, que se sabe ser capaz de uma superação na hora exacta (tem-no provado tanta vez em Portugal) mas que é urna equipa com muitas limitações, capaz de "encalhar" quando depara com um adversário mais experimentado e habituado a estas andanças», escrevia o jornalista que mais adiante recordava que a turma do Lavradio havia alcançado «resultados espetaculares» diante de equipas como o Benfica, Sporting, ou Vitória de Setúbal, mas que nesse cenário interno contava e muito o facto de os cufistas conhecerem de gingeira a forma de jogar desses clubes, o que não era tudo mas ajudava e de que maneira. 

A turma do Racing White que defrontou os cufistas

No confronto europeu isso não acontecia, nem o Racing White conhecia tão bem a CUF, nem esta o emblema belga, e nesse sentido dois estranhos iriam medir forças num encontro em que apontar um vencedor era um autêntico tiro no escuro. E a equipa portuguesa arriscou, foi feliz, mas com um certo ambiente de mind games à mistura que acabou por ludibriar os belgas, conforme se pode depreender das palavras de Cruz dosSantos. «E os responsáveis da CUF (...) chegaram, foram instados a botar palavra pelos jornalistas, e muito amáveis, muito simpáticos, foram dizendo que Bruxelas é uma linda cidade, que o clima é maravilhoso, que o Racing é uma equipa de categoria, uma equipa poderosa, que a CUF, enfim, vai ter muita honra em recebê-lo no Lavradio (...) mas que, enfim, quanto a uma hipotética qualificação não alimentavam grandes ilusões, até porque de um lado iriam estar profissionais da bola enquanto do outro jogariam operários de uma fábrica do Barreiro, que fazem futebol nas horas vagas... Este tom aparentemente realista com que os homens da CUF mostraram encarar o jogo, para além do rasto de simpatia que lhes valeu (quem não gosta de ouvir elogiar os seus...) ajudou a criar ainda um clima de facilidades que realmente (provou o jogo depois) não tinha razões para existir. E de tudo se beneficiou a CUF».

E foi com a ideia de que a eliminatória seriam favas contadas que os poucos espectadores (cerca de 6000) que se deslocaram ao Estádio Fallon encararam a partida. Mas os rapazes da CUF tinham a lição bem estudada, e «com uma defesa atenta com Fernando, vigilante, entre os quatro homens de trás e os três do meio do campo (Arnaldo, Monteiro e Vítor Gomes) e finalmente Manuel Fernandes e Juvenal, lá na frente, jogando muito abertos, nitidamente, com a preocupação de travarem o avanço dos defesas-laterais. Com este dispositivo Caiado garantia a defesa da sua área, assegurava o domínio do meio do campo e depois, só com dois homens na frente, manietava toda defesa belga, pois Manuel Fernandes e Juvenal barravam o caminho aos defesas-laterais, apenas deixando soltos os "centrais", e sabe-se bem que os "centrais" nunca descem no terreno. (...) Com a vitória deste sistema a CUF não apenas travou o ímpeto do Racing como assegurou próprio domínio do jogo». 

Um duelo no jogo de Bruxelas

Os belgas não encontravam o caminho da baliza de Conhé, não conseguindo assim resolver o quebra-cabeças montado por Fernando Caiado. Com isto o tempo foi passando, e Cruz dos Santos escrevia que não se via a teórica supremacia atribuída ao Racing White na antecâmara do jogo. Com isto a CUF foi ganhando confiança e passou ao ataque à baliza de Nico de Bree, que via os seus companheiros atarantados com o ímpeto cufista tendo para isso que recorrer muitas vezes a entradas maldosas. «Por volta da meia hora já não havia Racing — era quase tudo CUF. CUF que moralizada, estimulada pelo acerto da exibição vinha produzindo, crescia, crescia a ponto de se superiorizar por completo ao adversário». Na reta final da primeira metade os belgas ainda esboçam uma reação no sentido de intimidar os portugueses, mas sem grande sucesso. O máximo que conseguiram foi desferir dois remates tímidos à baliza barreirense que foram travados com atenção por Conhé, que seria um dos heróis deste encontro. Já antes disto a CUF havia colocado em sentido Nico de Bree, sobretudo ao minuto 15, quando o experiente avançado José Monteiro (que havia passado pelo Sporting) entra de rompante na área e com um remate venenoso obrigou o guardião holandês ao serviço do emblema belga a defesa espetacular. Os jogadores do Racing White mostravam-se nervosos, e a prova disso é que no regresso às cabines para o descanso Teugels atirou maldosamente a bola à cara de Manuel Rodrigues, o que lhe valeu de pronto o cartão amarelo exibido pelo árbitro inglês David Smith.

Conhé, lenda da CUF
Conhé veste a capa de herói

Na segunda metade os belgas voltaram com os ânimos mais calmos e acima de tudo intencionados em marcar, e desse modo os primeiros 10 minutos desta etapa colocaram Conhé e a sua muralha defensiva em alerta máximo. E foi precisamente neste período de maior intensidade do Racing White que aconteceu a grande oportunidade do conjunto da casa. O holandês Wietse Veenstra é derrubado dentro de área por dois defesas cufistas, Manuel Rodrigues e José António, lance que não deixou o árbitro com qualquer dúvida em assinalar o castigo máximo. Encarregue da marcação ficou a estrela da equipa, Henri Depireux, esse mesmo, o tal que cerca de 15 anos mais tarde treinaria o Belenenses. Porém, Conhé foi herói e parou o potente remate do médio belga. «A equipa da CUF em peso caía sobre o seu guarda-redes, enquanto o desânimo tombava sobre o Estádio Fallon!», escreveu A Bola. Este lance deu ainda mais moral ao conjunto português. Cruz dos Santos escrevia então que «a surpresa da exibição da CUF já não vinha só do facto de suportar o zero-zero durante primeira hora de jogo; muito para além disso a equipa portuguesa estava a jogar em grande, (...) congelando o esférico no seu meio do campo para quebrar o ímpeto do adversário, mas isso sem nunca abdicar da ideia de progredir no terreno, de construir com cada passe o lance de contra-ataque, de pôr à prova em cada jogada a coesão e a mobilidade da defesa belga».

Depireux, aqui como treinador do 
Belenenses falhou penalty
Auto-golo trouxe justiça ao jogo

Por esta altura Conhé mostrava que a defesa da grande penalidade não tinha sido obra do acaso. Aquele era mesmo um dia em que estava inspirado, como comprovam mais duas grandes defesas aos 67 e 69 minutos. E quando não era o guardião luso a travar a bola era a barra, como aconteceu à passagem da meia hora desta 2.ª parte. Os belgas desesperavam, com a aproximação do final do encontro carregavam com mais intensidade, estavam completamente balanceados no terreno, facto aproveitado e de que maneira pela CUF. Num lance de puro contra-ataque, quando o relógio marcava 84 minutos, «Juvenal corre com a bola pelo seu flanco, Vanderborght  tenta travá-lo, o jogador português prefere experimentar o centro, que Ihe sai em jeito de remate. Vanderborght, sempre atento, mete a cabeça a tentar o corte, mas a intervenção resulta infeliz, levando o esférico a ganhar altura e a escapar-se a De Bree que, entretanto, abandonava a baliza para tentar a intercepção, para ir, finalmente, alojar-se bem no fundo das balizas belgas». Estava feito o golo da vitória dos portugueses. Um auto-golo que premiou a equipa mais coesa e mais feliz, conforme titulava A Bola. Os belgas ainda tentaram evitar o escândalo, e estiveram muito perto quando Bjerre atirou de novo à barra. O resultado não se alterou e a CUF ganhou o seu primeiro jogo internacional fora de portas, o qual lhe haveria de abrir... a porta da eliminatória seguinte desta edição da Taça UEFA. Em jeito de balanço, Cruz dos Santos escrevia que  o «Racing, pelo que jogou e pelo que deixou adivinhar que habitualmente joga, não só não foi hoje como não é nunca, pelo menos no momento presente, mais equipa do que a CUF». Muitos elogios para os jogadores portugueses, especialmente para Conhé, «a grande sensação do jogo», e um tal de Manuel Fernandes, jovem avançado de 20 anos que fazia a sua estreia em jogos europeus. Manuel Fernandes, esse mesmo, que viria a ser lenda no Sporting e na seleção nacional. Sobre ele, Cruz dos Santos escreveu o seguinte: «Vinte anos e velocidade estonteante. Com esta juventude e com esta rapidez estava talhado para ser o homem que rompesse de surpresa pelo campo dos belgas. E fê-lo de maneira entusiástica. Em vaivéns arrasastes. Criou perigo sempre, mas quase nunca se lembrou de tentar o remate».

Manchete d' A Bola que exalta o feito da CUF

Cufistas pedem autógrafos a um desportista de dimensão mundial

Após o encontro Fernando Caiado era naturalmente um homem feliz. À reportagem d' A Bola diria que «estou encantado com a forma como os meus jogadores se bateram e jogaram. Foram muito inteligentes e portaram-se como veteranos em provas europeias. Embora fosse o adversário a marcar o nosso tento, nós, também, tivemos oportunidades. — Quanto ao futuro?  Agora, parece mais fácil, ainda que, no Barreiro seja tão difícil como antes de a eliminatória começar». Também Conhé estava radiante com a vitória e com a sua exibição. «Estou muito contente comigo e com os meus companheiros. Com humildade, mostrámos que a nossa equipa se pode bater com eles, de igual para igual. Não somos inferiores. Para a segunda mão vamos ter dificuldades, mas acredito na passagem à eliminatória seguinte. (Sobre o) "penalty"? Bem, não é o primeiro que defendo! Já tenho, até, defendido vários, mas este é especial, porque tem sabor a vitória».

Do outro lado havia naturalmente tristeza. O treinador Félix Week não se conformava: «Quinze cantos, três bolas na trave... e somos nós a marcar o golo do nosso adversário!», dando assim a entender que a sua equipa fez de tudo para ganhar o encontro. Quanto ao encontro da segunda mão: «Vamos trabalhar para podermos apresentar em Portugal um futebol do mesmo nível . E parabéns aos portugueses». Desportivismo acima de tudo. Inconformado mas esperançado com vista a uma reviravolta da eliminatória no Lavradio estava o guarda-redes Nico de Bree. «Não há dúvida que o encontro foi bastante agradável para os espectadores, embora eu considere que tivesse sido um jogo em que a sorte ditou leis . E a sorte foi para os portugueses. (...) Não me considero culpado no golo que sofri. O tento resultou de uma mistura de azar nosso e mérito dos portugueses. Mas enquanto há vida, há esperança, e esperemos agora que o nosso contra-ataque resulte em Portugal».

Este Racing White tinha como sócio de mérito um dos grandes nomes do ciclismo mundial daquele... e todos os tempos. Eddy Merckx. Esteve no estádio onde assistiu ao jogo, e antes do pontapé de saída esteve no balneário dos portugueses a dar autógrafos! Os dirigentes da CUF de pronto lhe fizeram o convite para assistir ao jogo da 2.ª mão em Portugal, todavia tal não seria possível já que o grande campeão belga tinha dois compromissos desportivos por alturas do confronto do Lavradio.

Para a eternidade aqui fica a ficha da primeira vitória internacional da CUF do Barreiro fora do seu estádio e que lhe haveria de abrir as portas da 2.ª eliminatória, já que no Lavradio se seguiu uma nova vitória sobre os belgas, desta feita por 2-0, com dois golos de Eduardo. A aventura europeia dos cufistas iria terminar às mãos dos alemães do Kaiserslautern na ronda seguinte.

Arbitro: David Smith (Grã-Bretanha), auxiliado por George Hartley e por George Byng.

Racing White: De Bree; Vercammen, Tuyaersts, Desanghere Vanderborght; Crombez, Bjerre e Depireux (Bergholtz, 60); Koens, Tengels e Veenstza.

CUF: Conhé; José António, Rodrigues, Castro e Esteves; Arnaldo, Fernando e Vítor Gomes, Manuel Fernandes, Monteiro (Capitão Mor, 75) e Juvenal.

ENTREVISTA COM JOÃO CASTRO

«...TÍNHAMOS UMA EQUIPA DE JOGADORES VALIOSOS E MUITO RAÇUDOS. NÃO TÍNHAMOS MEDO!»

Ele foi um dos homens que nesse dia em Bruxelas ajudou a fechar a porta da baliza de Conhé. Com ele trocámos breves palavras no sentido de recordar um pouco este jogo histórico da CUF. Ele foi titular em três dos quatro jogos europeus que os cufistas realizaram nesta época, assumindo-se como um dos jogadores mais experientes do plantel às ordens de Fernando Caiado. Estamos a falar de João Castro, mais um "produto" do Barreiro que brilhou quer com a camisola da CUF, quer (mais tarde) com a do Barreirense.

Museu Virtual do Futebol (MVF): Jogar uma eliminatória da UEFA é sempre um aliciante para qualquer clube ou jogador. Como é que o balneário da CUF viveu o início da aventura europeia de 72/73?

João Castro (JC): Lógico que se viveu com uma certa expectativa o jogo, mas devo dizer que também tínhamos uma excelente equipa e fomos para a Bélgica à vontade!

MVF: Hoje em dia com a tecnologia cada vez mais avançada é fácil conhecer ao pormenor cada adversário. Mas antigamente não era assim. Vocês sabiam alguma coisa do Racing White?

JC: Não, desconhecíamos por completo o valor do adversário! Mas nós fomos para lá todos contentes para esta nova aventura a nível internacional da CUF.

MVF: A experiência de Fernando Caiado, que enquanto treinador adjunto, viveu muitos jogos internacionais foi importante para aquilo que viria a ser o desfecho quer deste jogo quer da eliminatória?

JC: Sem dúvida que a experiência do Sr. Caiado teve muita importância neste jogo, porque como disse ele era muito conhecedor do futebol a nível internacional e isso ajudou muito.

MVF: E quando lá chegados, como é que sentiram que os belgas olharam para vocês? As crónicas desse jogo dizem que eles vos olharam de sobranceira, que achavam que vencer a CUF seria tarefa fácil. Isto é verdade?

JC: Não me lembro muito bem, mas acredito que se calhar eles olharam-nos com uma certa sobranceria, com a ideia de que o jogo já estava ganho. Mas o que é certo é que não se passou nada daquilo que eles pensavam, de que nós seriamos uma equipa fácil. Não foi nada disso o que se passou em campo.

MVF: Conta-se que em certos momentos os belgas usaram e abusaram a dureza em algumas jogadas e também pelo facto de não estarem a conseguir ultrapassar a muralha cufista, é verdade?

JC: Não acho que isso tenha sido verdade, pois até nesse aspeto eles nunca levaram vantagem porque nós tínhamos uma equipa também de jogadores valiosos e muito raçudos. Não tínhamos medo!

MVF: Em que momento do jogo é que vocês sentiram que iriam sair dali com a vitória, ou que podiam ganhar ao Racing White

JC: Quando fizemos o golo! Isto numa numa altura em que  eles já não entravam na nossa área. Embora, no final eu lembro-me que eles nos obrigaram a ter muito trabalho! Mas ganhámos.

MVF: Para terminar. Conta-se que antes do jogo do famoso ciclista Eddy Merckx esteve no balneário da CUF a distribuir autógrafos...

JC: Sim, é verdade, no final do jogo ele esteve nossa cabine a dar-nos os parabéns e nós aproveitámos para lhe pedir autógrafos.