terça-feira, dezembro 29, 2020

Efemérides do Futebol (44)...

O dia em que o Brasil fintou a FIFA e usou publicidade nas suas camisolas

Contrariamente ao que acontece noutras modalidades, as seleções nacionais de futebol estão impedidas pelas altas instâncias da bola de usar nos seus "mantos sagrados" qualquer alusão a uma marca ligada a uma qualquer empresa. Por outras palavras, não podem estampar publicidade nas suas camisolas, com exceção das marcas alusivas aos equipamentos que envergam, claro está. Mas nem sempre foi assim. Por uma ocasião o "manto sagrado" de um combinado nacional usou publicidade, mesmo não sendo num jogo de caráter oficial, mas antes num amigável. Estávamos a 9 de dezembro de 1987 e a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tentou ludibriar esta proibição da FIFA e num particular disputado em Uberlândia entre a seleção brasileira e a sua congénere chilena a mítica camisola canarinha exibiu o patrocínio da Coca-Cola. Quando o escreto entrou no relvado do Estádio Parque do Sabiá a surpresa tomou conta das bancadas, já que a camisola amarela do Brasil trazia um grande retângulo vermelho ao centro, com o logotipo da Coca-Cola estampado, algo que não era comum em nenhuma parte do Mundo. A partida terminou com o triunfo do Brasil por 2-1, mas nesse dia o futebol jogado ficou para segundo plano, pois a novidade  foi mesmo o facto de a marca da Coca-Cola ter sido estampada na camisa da seleção.
Esta ação conferiu à CBF cerca de 40.000 dólares de receita, mas deixou profundamente irritados a FIFA, que de pronto avisou o organismo que tutela o futebol brasileiro que se voltasse a repetir a graça seria multado.
                                          
Para a história fica a alinhação da canarinha nesse encontro: Gilmar, Zé Teodoro, Batista (Ricardo Gomes), Luisinho, Nelsinho (Eduardo), Douglas, Raí (Milton), Pita, Valdo, Sérgio Araújo e Renato Frederico. Treinador: Carlos Alberto Silva.

sábado, dezembro 05, 2020

Dérbis citadinos - Juventude e Lusitano dividem o coração da princesa do Alentejo: Évora

 

Uma imagem de um dos muitos dérbis de Évora
O coração bate mais com mais força à medida em que o dia do jogo se aproxima; as conversas à volta da mesa de café centram-se quase exclusivamente no duelo que dali a dias vai fazer parar uma qualquer cidade, vila, ou aldeia do Planeta da Bola; os segundos, minutos e horas passam e as atenções focam-se nos dois filhos nascidos numa qualquer urbe planetária que vão medir forças no retângulo de jogo. Não importa a posição que dite a tabela classificativa, não importa como nasceram ou como vivem, pois o que importa é vencer... o dérbi! É pois de dérbis que o Museu Virtual do Futebol vai falar hoje, recordar as grandes batalhas travadas por emblemas que nasceram na mesma localidade e que dividem entre si as paixões das gentes dessa cidade, vila ou aldeia. Um dérbi é muito mais do que um jogo de futebol. Por trás de um dérbi há cultura, há religião, há política, há tradição, é uma qualquer localidade do globo que durante 90 minutos se divide a meio para vibrar com um dos emblemas que esse mesmo local serviu de berço. Lazio - Roma, Inter - Milan, Everton - Liverpool, Boca - River, Flamengo - Fluminense, Celtic - Rangers, ou Sporting - Benfica, são alguns dos míticos e lendários dérbis citadinos que ao longo de décadas a fio escreveram capítulos empolgantes e inesquecíveis em torno de uma bola de futebol. Dérbis que tornaram Roma, Milão, Liverpool, Buenos Aires, Rio de Janeiro, Glasgow, ou Lisboa em verdadeiras capitais do Belo Jogo que em dia de dérbi param simplesmente para verem os seus filhos da bola lutarem entre si pela vitória.

Por tudo isto e por muito mais, jogar um dérbi é sempre especial para qualquer artista da bola, e mais especial se torna quando esse artista tenha já estado dos dois lados da barricada! Este facto faz-nos viajar até Évora, capital do Alto Alentejo, e berço de dois históricos do futebol português, o Lusitano e o Juventude. Clubes que dividem a Cidade a meio no que a paixões futebolísticas toca. Lusitano e Juventude são hoje dois clubes centenários, detentores de uma história repleta de grandes acontecimentos que enobreceram o futebol alentejano. O Lusitano Ginásio Clube é, por exemplo, o clube do Alentejo com mais presenças na 1.ª Divisão Nacional. Pelo mítico Campo da Estrela - casa do popular emblema - passaram entre 1952 e 1966 nomes como Eusébio, Coluna, ou Simões que ali tiveram de suar para levar de vencidos os bravos rapazes que nesses anos envergavam com orgulho e raça a camisola verde-e-branca (listada) do Lusitano.

Tal como Liverpool, Évora tem a particularidade de ver as casas, vulgo estádios, dos seus dois emblemas separados por escassos metros. De um estádio vê-se o seu homólogo da Cidade. Aliás, o parque de estacionamento do Campo da Estrela é um camarote privilegiado para o Estádio Sanches Miranda, a mítica casa do Juventude Sport Cube, emblema que apesar de nunca ter pisado palcos de primeira (divisão) trouxe para Évora em 1951 um título de campeão nacional da 3.ª Divisão.

Os mantos sagrados
de Lusitano e Juventude

Juventude e Lusitano já se defrontaram em acalorados (quase sempre) dérbis por centenas de vezes, sendo que o primeiro duelo teve lugar em 1918, em plena gripe pneumónica, e que terminou com uma goleada do Lusitano por 9-0.

Mas para falar das emoções à volta dos dérbis nada melhor do que ouvir quem os viveu por dentro, seja na condição de adeptos ou de jogador, ou neste caso dos dois, já que o nosso convidado além de ter tido a honra de vestir as duas camisolas é um filho de Évora. Sem mais demoras passemos a palavra a Joaquim Macarrão, defesa que nos anos 80 brilhou com as cores do Lusitano e do Juventude e que nesta visita ao Museu desfiou algumas memórias sobre o dérbi eborense.  

Joaquim Macarrão
Museu Virtual do Futebol (MVF): O seu coração bate por que cor? Azul do Juventude ou verde do Lusitano?

Joaquim Macarrão (JM): Sou do Lusitano, mas o Juventude marcou-me muito! Tinha um tio que era todo lusitanista e os meus colegas que tal como eu moravam no (bairro) Frei Aleixo também eram. Foi assim que começou a paixão pelo Lusitano ainda em pequeno. Comecei o meu trajeto no futebol nas camadas jovens do Lusitano ainda muito novo, aliás, fiz a minha carreira toda no Lusitano desde os iniciados até à entrada nos seniores.

MVF: Por norma os dérbis, sejam de que cidade forem, são sempre escaldantes, vividos intensamente pelos adeptos. E em Évora, como eram vividos os dérbis?

JM: Os dérbis eram muito marcantes, muito intensos, e falo quer como ex-jogador, quer como adepto. As pessoas passavam por nós (jogadores) e diziam-nos que tínhamos que ganhar o dérbi. Era um ambiente mesmo muito emotivo. Eram jogos diferentes onde a emoção era muito grande. Nós quando entrávamos para o campo este estava repleto de gente e a emoção era muito forte.

Um plantel do Lusitano na década de 80 onde estava incluído Macarrão

MVF: Inicia a sua carreira sénior a meio dos anos 80, com as cores do Lusitano, clube em que fez a formação, como disse. Nesse ano de 84/85 o Lusitano estava na 2.ª divisão ao passo que o vizinho e rival Juventude estava um escalão abaixo. Foi lançado por Carlos Alhinho, nome sonante do futebol português dos anos 70...

JM: Para mim o Carlos Alhinho foi como um pai! Foi um treinador que me marcou muito. Se não fosse ele tinha sido dispensado (assim que chegou a sénior). Por isso ele teve um papel muito importante na minha carreira, porque se calhar ao ser dispensado tinha ficado por aí na minha carreira de futebolista. Ele deu-me muita confiança.

Macarrão (na fila de baixo ao meio) com as cores do Juventude
MVF: Em 1987 atravessa a rua e vai para o Juventude, que na altura estava na 3.ª divisão, como é que acontece essa traição?

JM: O Juventude fez-me uma proposta muito interessante tanto a nível profissional como financeira.

MVF: … E quando decidiu trocar de clube na cidade, o seu coração de lusitanista não pesou na decisão, não pensou duas vezes? Ou seja, não pensou que estava a trair o seu clube do coração?

JM: Um bocadinho, mas precisava de mudar. Porquê? Porque as pessoas acabam por não nos dar valor, acabamos por ser apenas mais um. Senti que no Lusitano não me estavam a dar o devido valor, e no Juventude foi muito bom. No Juventude tínhamos uma equipa muito boa, tanto a nível profissional como ao nível de camaradagem entre colegas e foram anos muito bons que lá passei. Na altura foi uma decisão difícil a de trocar o Lusitano para o Juventude, mas acho que foi acertada. Acho que na vida há alturas em que temos de arriscar.

MVF: Depois disso viajou para o norte onde representou durante 6 épocas o Vizela mas na parte final da carreira voltou a Évora para o Juventude. Olhando para trás, qual o clube que mais o marcou, o Juventude ou o Lusitano e porquê?

JM: O Juventude. Passei lá anos muito bons, tínhamos uma equipa muito boa, as pessoas trataram-me muito bem, tanto os adeptos como a direção.

MVF: O que significava, ou significa, para um jogador do Lusitano, ou do Juventude, ganhar ao vizinho e rival?

JM: É a melhor coisa para quem é de Évora, tem um sabor especial.

MVF: Tem alguma história curiosa de um dérbi que queria partilhar connosco?

JM: Lembro-me de uma história, mas foi num jogo com o Reguengos, na altura em que jogava no Juventude, em que o jogo estava a acabar e alguém da bancada apitou, eu pensei que foi o árbitro a fazê-lo, agarrei a bola na mão e fiz penalty (risos). Empatámos esse jogo 2-2.

MVF: Há alguns anos que o futebol alentejano está afastado dos grandes palcos. Na sua opinião o que faz falta para que o Alentejo volte a ter o seu nome na elite do nosso futebol?

JM: Mais apoios. No norte as pessoas, os empresários, as câmaras, apoiam muito o futebol. Aliás, quando cheguei ao norte uma das coisas que senti muito em relação a Évora é que no norte as pessoas vivem muito o futebol e no Alentejo na minha opinião não é assim. As pessoas no norte são muito fanáticas pelo futebol.