quinta-feira, fevereiro 28, 2019

Histórias do Futebol em Portugal (25)... A geração de ouro do futebol português nasceu há 30 anos (2.ª parte)


O primeiro onze nacional em Riade
O avião da KLM que transportava oito das 16 seleções participantes – entre as quais Portugal – no Campeonato do Mundo de Sub-20 de 1989 chega a Dahran no dia 13 de fevereiro. As várias delegações foram recebidas em ambiente de festa e debaixo de uma temperatura incómoda de 17 graus. Porém, os flashes e as objetivas das máquinas fotográficas estavam centradas em duas ou três seleções: Nigéria, União Soviética e Brasil, os principais favoritos na bolsa de apostas a vencer prova.
Os próprios jogadores portugueses não eram unânimes na crença de ver Portugal chegar ao título! Só o guarda-redes Fernando Brassard arriscava em colocar a seleção lusa no lugar mais alto do pódio. Premunição? Viria a acertar em cheio!
Dez dos restantes jogadores portugueses colocava Portugal na final com... o Brasil! Era, de facto a final sonhada pela quase totalidade dos atletas, enquanto que cinco deles previam um duelo final entre portugueses e soviéticos, quiçá espreitando uma possível vingança da final do Euro de sub-19 perdida um ano antes. Nesta sondagem aos 18 selecionados portugueses apenas Hélio, Tozé e Xavier se inclinavam para uma final entre Brasil e União Soviética.  
Após a calorosa receção em Dahran a seleção portuguesa seguiu de autocarro até Riade, onde iria integrar juntamente com a seleção da casa, a Nigéria e a Checoslováquia o Grupo A da competição.

Dupla suspeita no arranque da competição

Os "elefantes" nigerianos em Riade
Ainda antes do arranque da competição, no dia 17, a polémica instalou-se em torno dos nigerianos, grandes favoritos à vitória no campeonato. E tudo por causa das idades dos seus atletas.
Suspeitas levantaram-se quanto à verdadeira idade dos africanos, na casa entre os 16 e os 19 anos, mas que na verdade... pareciam ter bem mais do que isso! Inclusive os nigerianos haviam inscrito um atleta, Peter Ogaba, que no Bilhete de Identidade dizia ter 14 anos (!), mas cuja aparência robusta indicava ter no mínimo o dobro!
Na tentativa de retirar os holofotes da suspeita da sua seleção, o treinador nigeriano, Olatunde Disu, questionou os jornalistas da seguinte forma: «Vocês já os viram (aos jogadores nigerianos) comer? São uns elefantes, comem comem, comem e estão sempre cheios de fome!».

Estádio King Fahd
Com a “pulga atrás da orelha” estavam também os portugueses relativamente ao árbitro brasileiro José Wright. Com fama de durão este professor do Rio de Janeiro havia sido nomeado pela FIFA para dirigir dois encontros (!) de Portugal nesta fase de grupos. Estaria o organismo máximo a preparar um cozinhado para afastar os portugueses da fase seguinte? A suspeita pairou no ar... mas não se veio a confirmar, como veremos mais à frente.
Mas nem tudo eram espinhos neste pontapé de saída do Mundial. As delegações que marcaram presença na Arábia ficaram desde logo deslumbradas com a imponência e beleza do Estádio King Fahd, em Riade, um recinto de fascinante arquitetura, inaugurado um ano antes e que se assemelhava... a um oásis no meio do deserto!
E eis que chega a hora de a seleção nacional pisar oficialmente o relvado desta maravilha arquitetónica perante a Checoslováquia.

Serviços mínimos chegaram para vencer na estreia

Talvez afetados pelo peso da responsabilidade da estreia na competição, Portugal e Checoslováquia não ofereceram um bom espetáculo ao público saudita. A juntar a esse nervosismo típico dos jogos de estreia em fases finais, os portugueses viram-se a braços com o azar, que lhes bateu à porta logo ao sexto minuto da partida, quando Jorge Couto é obrigado a sair do campo por lesão.
Depois deste infortúnio a seleção nacional levou tempo a soltar-se e a mostrar o seu real valor e a vitória só seria conquistada a dois minutos do fim graças a um soberbo golo de Paulo Alves. A Bola escrevia que «com alguns portugueses na bancada que juntamente com os sauditas apoiaram a seleção, esta foi em suma uma partida tática e conservadora que só conheceu fases de interesse na segunda parte».

Entrada com o pé direito festejada efusivamente
Na crónica de um jogo que teve muitas paragens, o enviado especial do jornal da Travessa da Queimada escrevia que «aos dois minutos Filipe teve a oportunidade de abrir o marcador, mas usou o pé frouxo, o direito. Estava dado o mote para o que seria a exibição portuguesa, marcada pelo fatalismo. Aos seis minutos lesão de Jorge Couto, facto que destabilizou um pouco a equipa (…) sobretudo em termos ofensivos. Numa primeira parte frouxa, Portugal viveu muito encolhido no seu meio campo (…) faltava quem explodisse e desse mais profundidade ao meio campo (…) Também a Checoslováquia arriscou muito pouco (…) tiveram muito respeito pelos portugueses, que tinham visto no ano transato no seu país (no âmbito do Campeonato da Europa de sub-19).
O facto de os checoslovacos terem jogado com cautelas serviu os interesses de Portugal. Queiroz percebe que não pode continuar no impasse. Portugal era uma equipa compacta mas pouco explosiva. Faz entrar João Pinto e o jogo mudou. Entrou para a posição intermédia, entre o meio campo e o ataque, e a equipa portuguesa ganhou maior mobilidade. Portugal passava a atacar com mais unidades: João Pinto, Sousa, Resende e Paulo Alves.
A seleção passou a jogar com mais uma unidade na frente o que fez aumentar consideravelmente a sua sedução pelo ataque. Os portugueses começavam a soltar-se e a dar uma ideia mais aproximada do seu valor. (Por sua vez) Os checoslovacos contra-atacavam com algum perigo mas sempre com pouca audácia. Os últimos 20 minutos dos portugueses foram muito aceitáveis (…) e veio o golão de Paulo Alves e a certeza de que Portugal mesmo sem ter feito uma exibição bonita acabou por cumprir a sua função.
O árbitro brasileiro Wright também a cumpriu: foi imparcial».

Quanto ao árbitro estavam, aparentemente dissipadas as suspeitas iniciais dos portugueses, que neste primeiro jogo se puderam dar por mais felizes com o resultado do que com a exibição.
Para recordar (eternamente) também o golaço milagroso de Paulo Alves: numa jogada desenvolvida no lado direito e protagonizada por Abel Silva em que este conseguiu, já numa zona já adiantada do terreno, vencer a oposição de um adversário, cruzando depois para o interior da área contrária, onde apareceu Paulo Alves que saltando muito bem arrancou um “tiro” de cabeça para o fundo da baliza de Juraka.
Para Carlos Queiroz, «as duas equipas devem sentir-se orgulhosas porque lutaram muito, com imensa coragem. Devo reconhecer que Portugal não jogou bem na 1.ª parte, não jogou um futebol bonito, mais de acordo com aquilo que lhe é habitual. No segundo tempo a equipa pôde jogar muito melhor», disse o técnico que não escondeu a felicidade de ver a sua equipa entrar com o pé direito no Mundial.
No plano individual, Bizarro fez esquecer Vítor Baía e Paulo Madeira esteve imperial na defesa. Notas soltas de uma exibição... assim assim.
Neste primeiro jogo a equipa lusa alinhou com: (12) Bizarro; (2) Abel Silva, (10) Paulo Madeira, (15) Valido e (5) Morgado; (7) Tozé (c), (8) Hélio e (11) Filipe ( (14) João Pinto, ao intervalo); (6) Jorge Couto ( (4) Paulo Sousa, aos 7m), (3) Paulo Alves e (13) Resende.

Magia de João Pinto eclipsou arrogância nigeriana

O onze inicial que venceu categoricamente a Nigéria
Três dias depois Portugal volta a entrar em ação neste Mundial de 89, desta feita ante a super favorita ao trono do futebol de formação, a Nigéria.
Vindos igualmente de uma vitória mínima (2-1) no jogo de estreia ante os anfitriões da Arábia Saudita, os nigerianos continuavam a espalhar excesso de... confiança de que o título mundial dificilmente lhes iria escapar.
Esta atitude, de certa maneira arrogante, acabou por beneficiar Portugal, que neste jogo realizou a melhor exibição na 1.ª fase. Enquanto os nigerianos desfilavam nas areias do deserto como se fossem as maiores estrelas deste Mundial, Carlos Queiroz preparava uma revolução tática na seleção nacional que... trocou às voltas aos africanos.
Desde logo alterou o esquema tático, passado do habitual 4-3-3 para um 4-4-2. Para fazer companhia a Paulo Alves na frente de ataque luso, Queiroz lançou João Pinto, uma aposta que se viria a revelar mais do que acertada! Mas as mexidas no tabuleiro nacional não se ficaram por aqui. Paulo Madeira foi colocado a lateral direito, Fernando Couto entrou para o eixo da defesa, Abel Silva passou para médio direito e Xavier entrou para a meia esquerda.
«Com isto, Portugal reforçou a sua capacidade defensiva e o seu poder de resistência ao choque», disse o jornalista Rui Santos na análise ao que seria a segunda vitória lusa no torneio.  

João Pinto prisioneiro de dois árabes
Mais do que o triunfo e o consequente apuramento para os quartos-de-final este jogo deu a Portugal uma estrela! João Pinto – ou João Viera Pinto, como viria a ser diferenciado anos mais tarde para não ser confundido com outros “joões pintos” desta vida.
Para A Bola, o jovem astro do Boavista «abria uma nova era no futebol português, através do seu futebol de grande qualidade que se plasma dentro e fora das grandes áreas». Estava encontrado o sucessor de Paulo Futre no trono de rei do futebol lusitano.
Na crónica do jogo, A Bola escrevia que «ao atirar para o campo uma formação robusta para poder suportar o primeiro impacto ditado pelos nigerianos, Queiroz e Vingada acertaram no 20,como se costuma dizer.
Bela lição de estratégia que deram. E não se ficou por aqui. Quando Paulo Alves se lesionou nos lances iniciais da partida, pensou-se que Portugal pudesse perder sedução pela finalização. Os professores tornearam a questão de forma inteligente, fazendo adiantar Xavier, jogador de grande porte, para a zona dos centrais contrários. Cumprida a missão de suster o impacto inicial dos africanos a missão de Portugal mudou no segundo tempo. Xavier recuou para o meio campo e Folha entrou para o ataque. A ideia era esta: já levaram com uma dose de músculo, agora levem com uma dose de imaginação. Folha foi a inteligência dinâmica dos portugueses. Ficou percetível que o futebol força dos africanos foi insuficiente perante a sólida estrutura de Portugal e do seu futebol imaginativo. E com as expulsões de dois nigerianos tudo ficou mais fácil (…) O caminho da vitória foi desbravado com muita inteligência».

Mas a nota artística foi mesmo para João Pinto, cuja mágica criatividade derrubou os nigerianos à passagem do minuto 80. Na sequência de um centro de Morgado, no lado esquerdo, Hélio cabeceou na direção do novo menino de ouro do futebol português, que por sua vez dominou o esférico com o peito e na sua trajetória descendente aplicou-lhe um pontapé forte e certeiro para o fundo da rede de Ikeji.
Portugal jogou com: (12) Bizarro; (15) Valido), (10) Paulo Madeira), (16) Fernando Couto e (5) Morgado; (7) Tozé (c), (8) Hélio, (2) Abel Silva ( (17) Folha, ao intervalo) e (9) Xavier; (14) João Pinto e (3) Paulo Alves ( (11) Filipe, aos 25m).    

Descontração geral acabou em goleada

João Pinto, Abel e Bizarro
Com o apuramento no bolso a seleção nacional entrou no relvado do King Fahd Stadium sem a pressão de ter de pontuar no derradeiro jogo do grupo, diante da frágil Arábia Saudita, que somava duas derrotas e já estava matematicamente eliminada.
Frágil nas aparências, porque na realidade a equipa orientada pelo brasileiro José Roberto Ávila foi um osso duro de roer para os pupilos de Queiroz. E assim o foi muito por culpa da postura demasiado desinibida dos tugas... e das areias do deserto que pairavam sobre o relvado. Uma forte rajada de vento que se fez sentir na hora do encontro, levou uma nuvem de areia do deserto para o interior do estádio, facto de que se queixaram os portugueses. Mas, na verdade, o que lhes atirou o maior volume de areia para os olhos foi mesmo a seleção local, conforme explicou o jornalista Rui Santos. «A equipa portuguesa convenceu-se de que após bater a Checoslováquia e a Nigéria tinha direito a um dia de folga (…) Os jogadores portugueses nem sequer tentaram resolvera a partida nos minutos iniciais para depois gerirem a vantagem (…) muita lentidão caraterizou toda a primeira parte, mas a equipa portuguesa podia ser lenta e ao mesmo tempo rigorosa, mas não foi. Durante muito tempo Portugal lá foi empastelando o jogo até ao meio campo, mas a partir daí parece que a equipa estava condenada a perder a bola.

A falta de rigor no passe foi quase escandalosa. Passes errados atrás de passes errados numa desafinação completa. Sousa esteve infeliz, quando tentava transportar a bola perdia-a sistematicamente para os adversários. Lenta e sem rigor no passe a equipa nacional foi perdendo o controlo do jogo. As areias do deserto parecem ter cegado a equipa que nunca fez uma jogada com cabeça, tronco e membros. Houve uma desertificação do conjunto nacional. Poucas bolas divididas foram ganhas, não houve um pique nem uma bola colocada nas costas da defesa saudita (…) Surgiu o primeiro golo, o jogador recebeu a bola na direita, disparou forte e também para o lado direito de bizarro que se encontrava mal posicionado entre os potes.
Portugal não tinha razões nenhumas para se queixar. Consentiu o agigantamento da Arábia. Queiroz decide colocar Folha na direita e o portista através do seu atrevimento transmitiu uma centelha de atrevimento ao futebol da equipa portuguesa. Até João Pinto não atinava. (…) Acontece então o segundo golo e Portugal revela-se impotente para reagir. (...) Em resumo, Portugal disse ontem um redondo não ao bom futebol depois de uma exibição inteligente e eloquente ante a Nigéria».

Nem João Pinto valeu a Portugal
diante dos árabes
No final da partida, em que a Arábia Saudita venceu por 3-0, Carlos Queiroz reconheceu que «entrámos a pensar que éramos os reis disto. A minha equipa não produziu um bom jogo, perdeu o controlo da partida na primeira parte, pareceu sempre cansada e perdeu mobilidade no ataque. Foi um dia negro para a nossa equipa mas experimentem respirar durante10 minutos aquela areia e verão (…) os meus jogadores não conseguiam respirar (…). Que esta derrota seja uma lição para os nossos jogadores».
Para o guarda-redes Bizarro, a seleção concedeu muitos espaços aos sauditas, ao passo que para Valido a culpa da derrota «foi de todos». Por seu turno, Folha queixou-se do vento forte que se fez sentir.
Como consequência da derrota, Portugal continuou instalado em Riade, já que no outro jogo do grupo o empate dos nigerianos a 18 minutos do fim ditou que os africanos iriam fazer as malas para Damman, onde iriam defrontar a União Soviética. Do mal o menos para o conjunto português, até porque Riade seria cidade talismã.
Ante a Arábia Saudita, os portugueses jogaram com: (12) Bizarro; (15) Valido), (10) Paulo Madeira), (16) Fernando Couto e (5) Morgado; (7) Tozé (c), (8) Hélio, (9) Xavier, (4) Paulo Sousa ( (17) Folha, aos 54m) e (13) Resende ( (3) Paulo Alves, ao intervalo); (14) João Pinto.

(continua)

Vídeos:


PORTUGAL - CHECOSLOVÁQUIA: 1-0


PORTUGAL - NIGÉRIA: 1-0


PORTUGAL - ARÁBIA SAUDITA: 0-3

Histórias do Futebol em Portugal (24)... A geração de ouro do futebol português nasceu há 30 anos (1.ª parte)


O primeiro capítulo da história da Geração de Ouro

Há precisamente 30 anos o sol irrompeu pelo então cinzento futebol português. As nuvens dissiparam-se e os raios (de sol) iluminaram um caminho que viria a conduzir a nação lusa ao sucesso global no que ao Belo Jogo concerne.
Não se pense, porém, que a ascensão de Portugal à condição de potência futebolística planetária se terá ficado a dever a um esporádico fenómeno natural, mas antes à ação direta de um punhado de futebolistas de invulgar qualidade. Foram eles que há três décadas atrás iniciaram esse trajeto de glória do nosso futebol, eles que "contra tudo e contra todos" fizeram jus à tradição de aventureiros e destemidos navegadores portugueses e zarparam por "mares nunca dantes navegados" à conquista do Mundo!
Mais do que bravos e talentosos conquistadores eles foram o primeiro "vestígio de ouro" encontrado - e acima de tudo lapidado como até então ninguém tinha feito - no rico território nacional no que ao futebol de formação diz respeito.
Pelas portas que abriram há 30 anos atrás, eles são hoje descritos por muitos especialistas do desporto - e não só - como a melhor geração de sempre do futebol nacional. Eles são a geração de ouro do futebol português.

Há 30 anos escrevia-se nas areias do deserto das arábias o primeiro capítulo de uma história que enche de orgulho o povo português, uma história inacabada que perdura até aos dias de hoje, e que dá conta do esplendor vitorioso do futebol lusitano a nível planetário. Essa história, essa geração dourada, mostrou ao Mundo que Portugal também é gente no futebol, e mais do que tudo… gente ilustre.
Esta longa introdução guia-nos à primeira de quatro partes da viagem à conquista de Riade, culminada no dia 3 de março de 1989, há, portanto, 30 anos.

Três décadas que assinalam a vitória da seleção nacional de sub-20 na 7.ª edição do Campeonato do Mundo da categoria, realizado na Arábia Saudita.  Mais do que ter então alcançado o maior sucesso futebolístico internacional ao nível de seleções, aquele jovem e talentoso grupo de futebolistas - e treinadores - apresentou Portugal... ao Mundo.
É sobre esta epopeia das arábias que vamos dedicar as próximas linhas nesta incursão à História.

O despertar da formação

O futebol português dos finais dos anos 80 do século passado vivia ainda longe do fulgor dos dias de hoje. O tumulto de Saltillo (1986) e as sucessivas incursões falhadas às fases finais do Euro 88 e do Mundial de 90 não traziam otimismo à nação no que ao futuro da nossa seleção (principal) dizia respeito. Na Praça da Alegria – o mesmo será dizer a sede da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) – viviam-se ainda tempos de alguma amadora desorganização, por assim dizer, e de excessiva submissão ao poder dos clubes.
Apesar desta imagem menos positiva, a FPF dava passos – tímidos, é certo – no que à política de aposta no futebol de formação.
No período imediato ao 25 de Abril de 1974 aquele organismo lançou à terra as primeiras sementes nesse sentido, depositando a tarefa de “produzir” os craques do futuro na dupla de treinadores composta por Jesualdo Ferreira e José Moniz, sob o comando do selecionador nacional das camadas jovens, David Sequerra. Esta mesma figura que em 1961 com a ajuda de José Maria Pedroto havia conduzido Portugal ao seu primeiro título internacional, na sequência da conquista do Torneio Internacional de Juniores da UEFA (nota: eferméride já abordada no Museu Virtual do Futebol noutras viagens ao passado).

Os primeiros sinais desse trabalho foram vistos, ainda que ao de leve, em 1979, quando a seleção nacional de juniores viajou ao Japão para participar na segunda edição do Campeonato do Mundo da categoria. A equipa nacional, então comandada por Peres Bandeira, teve uma prestação mediana, se atendermos a que muito caminho havia então por desbravar na formação.
Em terras nipónicas Portugal caiu aos pés do Uruguai nos quartos-de-final de um Mundial que haveria de ser ganho pela Argentina de… Maradona. 
Porém, uma maior profundidade no trabalho de formação deu-se com a chegada à FPF no início dos anos 80 do ex-magriço José Augusto, figura que haveria de ter um papel preponderante na criação da geração de ouro. Foi ele que na primeira metade da referida década chama para trabalhar na Praça da Alegria uma dupla que haveria de revolucionar – no bom sentido da palavra – o futebol português. Carlos Queiroz e Nelo Vingada. Foram estes homens os pais da geração de ouro, foram eles os autores de um processo de transformação e reformulação do futebol jovem que até hoje continua a dar frutos.

A dupla que revolucionou
o futebol nacional
A dupla chegou à FPF em 1984 e logo iniciou um trabalho intenso e meticuloso que dali a cinco anos iria conhecer o primeiro grande momento de euforia: o título mundial de Riade.
Queiroz e Vingada traçaram as linhas mestras que (re)organizaram o departamento de futebol juvenil da FPF, levando o Desporto Rei luso para patamares de excelência nunca dantes vistos.
1989 é de facto o ano do boom do futebol de formação português. Ao título mundial de sub-20, alcançado a 3 de março, Portugal junta em maio seguinte o título de campeão da Europa de sub-16, após bater na final a República Democrática da Alemanha por claros 4-1.
Era de facto a confirmação do excelente trabalho de Queiroz e do seu fiel escudeiro Vingada. Na verdade, a primeira coroa de glória da dupla estivera quase para ser conquistada um ano antes, na Checoslováquia, na fase final do Euro de Sub-19, onde os lusos só claudicaram (no prolongamento) na final diante da então potência continental União Soviética, por 3-1.
A presença portuguesa na fase final deste Europeu garantiu de pronto o passaporte para a Arábia Saudita, onde no ano seguinte teria lugar o Mundial de sub-20 da FIFA.

Contra tudo e contra todos” rumo às arábias

Realizado entre 16 de fevereiro e 3 de março de 1989, o 7.º Campeonato do Mundo de Sub-20 estava pré-destinado a um restrito lote de combinados nacionais de que Portugal não fazia categoricamente parte. Nem para a crítica internacional, nem para a nacional!
Para muitos jornalistas portugueses (de então) a viagem às arábias não seria mais do que uma mera excursão onde um grupo de miúdos iria fazer três jogos e voltava a casa com honra…mas sem glória. As evidências na FPF assim faziam crer. A federação continuava na sua génese a ser uma entidade amorfa, prisioneira dos interesses dos clubes – como se iria perceber na antecâmara deste Mundial com o caso Vítor Baía –, e os miúdos (jogadores) estavam praticamente entregues à sua sorte no embarque para Riade.
O então jornalista de A Bola, Rui Santos, acompanhou todos os passos do trajeto dos portugueses numa epopeia que começou com alguns defeitos típicos da cultura futebolística lusa daquele tempo.

No dia (11 de fevereiro) da partida para Amesterdão, onde uma comitiva de 25 pessoas, dos quais 18 eram jogadores, iria pernoitar antes de rumar à Arábia, o jornalista dava conta dos contratempos que à boa moda portuguesa atingiram o grupo nacional. Desde logo a «ridícula preparação» a que a equipa nacional havia sido submetida, ao que se junto ou «aviltante caso Vítor Baía», mas apesar de «todas a contradições emanantes do tecido futebolístico português, Portugal pode contar com a força extraordinária de dois excelentes treinadores (Carlos Queiroz e Nelo Vingada) e de um excelente conjunto de 18 jogadores», escrevia o jornalista.
Relativamente à preparação para este Mundial, Rui Santos redigia que «a seleção foi deixada sem qualquer tipo de proteção nas mãos dos treinadores e jogadores e só eles podem na verdade através da superação constante das suas potencialidades (que são enormes) atenuar os efeitos de uma preparação ridícula, inconsistente, própria de uma “banda nacional” e não de uma seleção nacional, ainda por cima fautora de êxitos desportivos, perante aquele que foi arrancado na Checoslováquia (no ano anterior). (…) Esta seleção nacional que merecia estar colocada numa redoma de vidro até aos Jogos Olímpicos de 1992, numa altura em que estes jogadores terão 22 anos, parte hoje (dia 11) de Lisboa sem que tivesse beneficiado de um esquema de preparação minimamente consistente e a verdade nua e crua é que os técnicos nacionais só puderam contar com os definitivos 18 jogadores ontem (dia 10) e em tão escasso período de preparação não é possível fazer-se coisa nenhuma, nem em termos puramente técnico-táticos nem no plano afetivo, digamos assim, porque nestas competições que duram dias a fio a manutenção de um forte espírito de grupo constituem polos de primacial importância.
Não houve tempo para nada (…) mas na verdade neste contexto o que pode salvar a seleção de uma presença triste e apagada é por assim dizer o seu passado, a sua tendência evolutiva que começou para muitos jogadores em novembro de 1985 e irá terminar no fim deste Campeonato do Mundo (…)
Com efeito, o grande capital desta seleção é o seu passado, as competições que ficaram para trás, os estágios, as incontornáveis horas de treino. A maior parte destes futebolistas já disputaram duas fases finais de campeonatos da Europa (nas categorias de sub-16 e sub-18), não se encontraram agora, fortuitamente, para ir fazer três jogos à Arabia, como acontece à miúde com a seleção de Esperanças, que promove um encontro a uma esquina da velha Lisboa um ou dois dias antes de uma competição internacional.
Estes jogadores seguiram intervaladamente durante mais de três anos os métodos e a “ciência” de Carlos Queiroz, e nestes três anos porque o selecionador tem sido um homem de ideias fixas, jogaram praticamente sobre o mesmo sistema, pelo que apesar das contradições do presente não irão para a Arábia com os olhos completamente fechados», escrevia o jornalista na edição desse dia de A Bola.

Baía passa testemunho a Bizarro
Outro caso que marcou a partida para Riade foi o de Vítor Baía. Titular absoluto desta seleção, o nome do então promissor guarda-redes do FC Porto foi riscado à última da hora do lote de 18 jogadores. O atleta havia jogado pelo seu clube um dia antes da concentração final da seleção mundialista, sem dar… cavaco a ninguém. O FC Porto não comunicou, como devia, a razão da ausência do jogador da concentração.
Factos como a lesão do polaco Mlynarczick e a «não muito convincente» - aos olhos de Rui Santos – indisposição do suplente portista Zé Beto depois de uma desastrada exibição em Portimão dias antes, desviarem Baía de Riade. Perante esta polémica de última hora com o titular da baliza nacional de sub-20, Rui Santos aguçou a pena para criticar os responsáveis federativos:
«Total dependência das seleções nacionais face aos clubes, que fazem e desfazem como bem entendem, sem dar cavaco a ninguém. Os dirigentes (federativos) sofrem de um terrível defeito: para além de estarem ao lado dos clubes que lhes arranjam assento na Praça da Alegria, julgam que os treinadores são todos inventores e que o trabalho realizado no campo constitui enorme desperdício. Julgam que tudo se resolve na hora e meia de cada jogo por artes mágica. Deixam tudo nas mãos de Deus e quando Deus falha… que se lixe. Isto serve para explicar o caso Baía. (…) Queiroz e Vingada têm feito tudo para ultrapassar os mais difíceis obstáculos a derrubar (…) face à inaceitável fraqueza dos dirigentes da FPF. Os seus dirigentes a aceitar sem espernear as deliberações (unilaterais) dos clubes».
Não havia Vítor Baía, mas continuava a haver seleção. E sobretudo havia Bizarro, que apesar da pouca utilização partia com a motivação de defender a baliza nacional.

Juntamente com o então jovem guardião do Benfica partiram do Aeroporto da Portela, pelas 17h30, daquele dia 11 de fevereiro de 1989 rumo à Arábia Saudita (via Amesterdão) os seguintes jogadores: Bizarro (Benfica), Abel Silva (Benfica), Paulo Alves (Gil Vicente), Paulo Sousa (Benfica), Morgado (Feirense), Jorge Couto (Gil Vicente), Tozé (Leixões), Hélio (Vitória de Setúbal), Xavier (Estoril), Paulo Madeira (Benfica), Filipe (Torreense), Resende (Feirense), João Pinto (Boavista), Valido (Estoril), Fernando Couto (Famalicão), Folha (FC Porto) e Amaral (Académico de Viseu). «É pois contra tudo e contra todos que esta seleção parte para Amesterdão. A ridícula preparação desta seleção seria logicamente compatível com o 16.º e ultimo lugar deste Mundial, mas nós confiamos nestes treinadores e 18 jogadores», escrevia o enviado especial de A Bola.
O grupo que iria conquistar... o Mundo em 1989

Peripécias em Amesterdão

A comitiva nacional de 25 elementos – aos quais se juntariam mais tarde o vice-presidente da FPF, Pais do Amaral, o massagista chefe das seleções nacionais, João Silva, e o selecionador nacional Juca, que iria a Riade na condição de observador – pernoitou em Amesterdão antes de embarcar num voo de sete horas rumo à Arábia.
Contudo, a noite passada no Hotel Barbizon foi tudo menos pacífica. Quando os jogadores lusos chegaram aos quartos do hotel deram de caras com os amigos – ou inimigos? – soviéticos deitados nas camas que supostamente lhe estavam destinadas. Soviéticos que um ano antes os haviam derrotado na final do Euro de Sub-19! Instalou-se a confusão, com Queiroz e o selecionador da União Soviética, Boris Iganitiev, a trocaram alguns “mimos”, quiçá ainda resquícios da final do ano transato.
Para resolver este equívoco a direção do hotel teve de colocar quatro pessoas por quarto!

Mas a surpresa ganhou contornos de maior dimensão quando na manhã do embarque os portugueses deram de caras no hall do hotel com os vizinhos espanhóis, que também iam a Riade participar no Mundial. Ao que parece também os selecionados de Jesús Pereda haviam dormido no Hotel Barbizon sem que ninguém tivesse dado por eles! É caso para dizer onde cabem dois, cabem três!
Já no aeroporto de Amesterdão rumo à Arábia uma nova surpresa bateu à porta da seleção nacional. Afinal de contas, não iria fazer a longa viagem até Dahran (Arábia Saudita) sozinha a bordo da aeronave da KLM. No mesmo avião seguiam as delegações de Espanha, União Soviética, Estados Unidos da América, Brasil, Nigéria, Colômbia e Mali! Ou seja, no mesmo voo seguiam metade das seleções que estariam presentes no Mundial realizado no Golfo Pérsico! Uns mais favoritos do que outros, é certo. Uns mais crentes na vitória final do que outros, caso dos tetra-campeões de África, a Nigéria, para quem o Mundial “estava no papo”. Quase que acertavam, não fossem uns tais portugueses estragarem-lhes os prognósticos.
Apesar de pouco cotada na bolsa de apostas a seleção nacional foi informada na partida para as arábias dos prémios que a FPF iria atribuir a cada jogador no âmbito desta presença mundialista: Se Portugal não passar da 1.ª fase cada jogador recebe 25 contos. Se a seleção conseguir o 4.º lugar recebe 125 contos, o 3.º posto dá direito a 150 contos; o 2.º 175 contos, e se Portugal for campeão do Mundo há direito a um prémio de 200 contos.
Poucos acreditariam nesta hipótese.

(continua)