terça-feira, junho 16, 2020

Arquivos do Futebol Português (10)...


A norte enquanto que o Football Club do Porto estava em estado de hibernação – recorde-se que o clube havia sido fundado em 1893 por António Nicolau d’ Almeida, tendo entre 1896 e 1906 conhecido um período de letargia de 12 anos, sendo refundado, digamos assim, por José Monteiro da Costa – nasce a 1 de agosto de 1903 o Boavista Foot-Ballers. E nasce pela mão de dois entusiastas da bola, os impulsionadores do nascimento do clube, pois era deles o esférico que começou a saltitar pela primeira vez (dizem) ali na zona da Boavista. Harry e Dick Lowe foram presenteados pelo seu pai com uma bola de futebol vinda propositadamente de Inglaterra para a Cidade Invicta.
Moravam na Rua Fonte Arcada, onde nas imediações existia um terreno baldio, tendo ali agregado um grupo de amigos que juntamente com empregados e técnicos ingleses da Fábrica de Têxteis Graham começaram a dar um chutos na redondinha. Estava dado o pontapé de saída de um novo clube.
Mudam-se mais tarde para uns terrenos no Bessa, e oficialmente numa casa da Rua do Pinheiro Manso é formada por ingleses e dois portugueses – Pedro Brito e Maximiano Pereira – o The Boavista Foot-Ballers. O resto…é história.
O clube começa a partir dai a entrar em campo para defrontar grupos vizinhos, sobretudo o grande emblema tripeiro de então, os ingleses do Oporto Cricket Club. Harry Lowe, Joaquim Ferreira, Andersen, Dick Lowe, Stuary Owen,Richard Lowe, Ângelo Seixas, John Jones, Manuel Ribeiro da Silva, Francisco Bastos e Percy são os primeiros nomes que defendem o símbolo que haveria de tornar-se num dos maiores clubes do futebol nacional décadas mais tarde.

Porém, a harmonia entre britânicos e lusos no seio do novo clube durou apenas seis anos, pois em 1909 uma questão religiosa esteve na origem da “separação de águas”. Isto é, os ingleses da Fábrica Graham recusavam-se a jogar ao domingo por respeito às “regras” da Igreja Anglicana, contrariamente aos portugueses, para quem o domingo era o único dia em que estariam livres para correr atrás da bola nos retângulos do Belo Jogo. Reuniram-se os associados, e o braço de ferro foi ganho pelos portugueses, tendo os ingleses abandonado o grupo e assim entregue os destinos do clube aos lusos.
Muitas alterações foram realizadas de lá para cá, desde logo a designação do clube que passou a chamar-se Boavista Football Club e mais tarde Boavista Futebol Clube.
Outra data que poderemos destacar nesta nossa breve resenha remonta a 1933, ano em que surgem as famosas camisolas axadrezadas com as cores preto e branco. O “culpado” das hoje conhecidas internacionalmente camisolas axadrezadas do Boavista é Artur Oliveira Valença, um entusiasta pelo fenómeno desportivo que ao assumir a presidência do clube implementou a camisola de xadrez preto e branco, um modelo que havia visto numa viagem a França. Taças de Portugal, Supertaças de Portugal, um título de campeão nacional da I Liga, dezenas de presenças nas competições europeias constituíram de lá para cá a gloriosa história deste enorme clube português.
Mas voltando atrás, a 1903, importa sublinhar que por esta altura continuavam a ser os mestres ingleses a dominar o panorama futebolístico em Portugal.
E se no Porto, como já vimos, o Oporto Cricket era o emblema a abater, na capital o Carcavellos Football Club, ou o Lisbon Cricket Club dominavam o jogo da bola. Mas os tempos haveriam de mudar num ápice…

Arquivos do Futebol Português (9)...


Fernando e Eduardo Luís Pinto Basto,
dois dos fundadores do CIF
Em 1902 é lançada a “semente” daquele que viria a ser o primeiro grande clube português de football, o Clube Internacional de Futebol, popularmente designado por CIF. Estávamos em 8 de dezembro do citado ano quando numa sala do Clube Naval Madeirense e por influência da família Pinto Basto nasce o clube que venceu a maior parte dos grandes confrontos futebolísticos da primeira década do século XX. E nasceu a 8 de dezembro porque esse era o dia de Nossa Senhora da Conceição, a Padroeira de Portugal.
No capítulo da fundação é ainda de realçar que Fernando e Luís Pinto Basto foram dos elementos que mais trabalharam para a criação do clube, tendo, inclusive, o primeiro deles sido um dos jogadores mais destacados do emblema, na condição de capitão de equipa e temível – para os adversários – avançado-centro.
Abra-se ainda aqui um parêntese para explicar que a designação oficial do clube, ou seja, CIF, só começa a aparecer em 1905, sendo que antes a coletividade competia sob a designação de Grupo dos Irmãos Pinto Basto, ou Football Club Swifts. É por isso que o nome CIF só começa a figurar nas páginas dos jornais da época por volta de finais de 1905 em diante.
Além dos irmãos Pinto Basto outro nome incontornável do início da História do futebol português ficou ligado à fundação do clube: Carlos Villar, que foi mesmo o primeiro presidente do clube. Também Plácido Duro e Paulo de Almeida Eça contribuíram para o nascimento do emblema lisboeta.

Uma das primeiras equipas do CIF nos anos 10
A História diz-nos ainda que o clube foi renomeado para Clube Internacional de Futebol pelo facto de que atendendo à diversidade de nacionalidades dos seus integrantes – havia muitos estrangeiros, sobretudo ingleses nas suas fileiras – seria mais propício colocar a palavra Internacional na nova designação do clube. Reza a ainda a História que os primeiros desafios do CIF, quando ainda não o era, aconteceram logo após a sua fundação em 1902. E todos eles de caráter amigável, contra grupos lisboetas vizinhos, como os ingleses do Carcavelos Club e do Lisbon Cricket Club.
O primeiro grande rival do CIF foi o Sport Lisboa – o futuro Sport Lisboa e Benfica – cujo primeiro desafio entre os dois emblemas acontece em março de 1904, com a vitória a pertencer ao grupo do Sport Lisboa por 1-0. A partir daqui nasce uma intensa rivalidade entre os dois clubes.
O CIF fez parte dos primeiros grandes torneios/competições do futebol nacional, ou do futebol jogado na capital, pois foi ali que foram disputadas as primeiras grandes provas futebolísticas. 1910 é o ano da fundação da Associação de Futebol de Lisboa e com ela nasce o primeiro campeonato oficial de Lisboa, com sete clubes inscritos, nomeadamente o Benfica, o Sporting, o Campo de Ourique, o Império, o Lisboa Football Club, o União Belenense e o CIF, último clube este que viria a sagra-se no primeiro campeão do primeiro Campeonato de Lisboa oficial. Um marco para a história de um clube que se desligou do futebol – de alta competição – em 1924 “para preservar o ideal olímpico e a defesa do desporto amador que presidira à sua fundação”, assim reza a História de um clube que hoje é um dos mais ecléticos do país mas sob o signo do amadorismo.

Símbolo do Sport Clube de Belas
E já que no início deste breve apontamento falamos em “sementes”, não podemos deixar de evocar que 1902 é o ano que marca o nascimento do Sport Clube de Belas, nada mais nada menos do que o primeiro antepassado do Sporting Clube de Portugal. Estávamos no verão de 1902 quando os irmãos Gavazzo (Francisco e José), acérrimos amantes do football, fundam em Sintra o Sport Clube de Belas, com a ajuda de alguns amigos pertencentes à família Pinto Basto. A estreia do novo clube teve batismo real, isto é, contou com a presença de Suas Majestades o Rei D. Carlos I e a Rainha D. Amélia, que se faziam acompanhar do (filho) Infante D. Manuel (que seria o último rei de Portugal). Estávamos a 26 de agosto de 1902, por alturas das Festas de Nossa Senhora do Cabo, tendo o Belas vencido por 3-0 uma equipa (de nome desconhecido) local. Francisco Gavazzo, Eduardo Luiz Pinto Basto, Alves Bernaut, José Gavazzo, Pedro Joyce, Bello, Guilherme Machado, Alberto Machado, Fernando Pinto Basto, António Joyce e António Bibiano, foram os primeiros homens que envergaram nesse dia histórico o manto sagrado do Belas pela primeira vez na história do clube.

Os irmãos Gavazzo
entre amigos
A história do Belas durou, porém, muito pouco tempo, quase como um amor de verão, passageiro, já que no final desse verão quando regressaram a Lisboa os irmãos Gavazzo decidiram criar outro clube sediado na zona onde habitavam, o Campo Grande. E assim nascia o Campo Grande Football Club, que só veria oficialmente a luz do dia dois anos mais tarde.

No plano individual importa ressalvar neste ano a importância de um dos principais nomes que gravitavam em torno do futebol português: Pedro del Negro. Um verdadeiro desportista multifacetado que praticou remo, equitação, ténis, ciclismo, ginástica, futebol, luta greco romana, ou luta de tração, e que por estes dias colocava em prática os seus conhecimentos futebolísticos ao serviço do Football Club Campo de Ourique, um dos mais fortes clubes da época. A sua dedicação ao desporto não se ficou contudo pela prática das modalidades, na condição de atleta ou de treinador, mas também na condição de dinamizador (da modalidade), árbitro e dirigente. Em 1914 foi um dos fundadores da União Portuguesa de Futebol antecessora da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e em 1910 participou na fundação da Associação de Futebol de Lisboa. Fez parte do grupo de selecionadores nacionais nomeados em 1921 pela FPF para escolher a primeira equipa portuguesa que participou oficialmente num jogo internacional em Madrid, contra a Espanha. Como futebolista teve o primeiro contacto com o Belo Jogo no Colégio Arriaga, onde foi aluno interno, tendo posteriormente rumado ao Campo de Ourique onde foi jogador e treinador.

 Vídeo: Um pouco de História do CIF e do primeiro troféu disputado em Portugal, a Taça Rei D. Carlos I, que hoje se encontra na posse do célebre clube lisboeta