A equipa do Salgueiros que se estreou na 1.ª Divisão em 43/44 |
A
velha Europa procurava ainda sair do conflito bélico de proporções
catastróficas que constituiu a 2.ª Guerra Mundial (1939-1945) quando o popular Salgueiral subiu pela primeira vez ao
palco principal do futebol português. Facto ocorrido na temporada de 1943/44, altura
que se jogou a 10,ª edição do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão, e onde o
Sporting - que ainda só tinha três dos seus Cinco Violinos - procurava destronar
o Benfica de Guilherme Espírito Santo e de Julinho do trono do desporto rei nacional, e em que o FC
Porto de Pinga e Correia Dias procurava sob a batuta do húngaro Lippo Hertzka,
ex-treinador de Benfica e Real Madrid, recuperar um título que lhe fugia há
três anos para os rivais da capital. Mas havia outros emblemas históricos que
procuravam um lugar ao sol neste Nacional de 43/44, casos do Belenenses, da
Académica, do Olhanense, do Atlético, ou dos dois Vitórias (o de Guimarães e o
de Setúbal). E no meio da nata do futebol lusitano surgia um caloiro, o
Salgueiros, emblema que surpreendeu o país futebolístico ao classificar-se em
2.º lugar no Campeonato Regional do Porto dessa temporada - e que antecedia o
Nacional da 1.ª Divisão -, atrás do FC Porto, clube que dominava o futebol
nortenho de então, mas à frente de clubes que haviam já pisado o palco do
escalão maior de Portugal, casos do Leixões, do Académico do Porto, do Boavista
e do próprio Leça.
Eng. Vidal Pinheiro |
Questionado
ainda se havia boa disposição no plantel, Vidal Pinheiro era perentório em dizer
que ânimo, coragem e fé não faltava num grupo em que ele confiava em pleno para
uma boa campanha. Quanto a moral, resistência.... «Sim, devem tê-la em grau superlativo. Recordemos, por momentos que só
este ano após tanta vicissitude conseguimos atingir o fim almejado: entrar no
Campeonato Nacional da 1.ª Divisão. Portanto, creio que não poderão ter mais
moral do que nesta época. Quanto à resistência, eu lhe explico: deve ter notado
que o grupo, ao concluir qualquer encontro, não dava, este ano, aquela
exteriorização de fadiga, como em anos transatos. Sabe porquê? Pela simples
razão de todos os jogadores terem sido obrigados a seguir, durante o defeso, um
curso de gimnástica e preparação atlética, de forma que ao iniciar-se o
campeonato regional, todos estivessem em boas condições físicas».
Vidal
Pinheiro estava certo de que esta subida à 1.ª Divisão Nacional iria dar muito
mais visibilidade a um clube que... não era só futebol. «Uma coisa lhe quero dizer. Para já, conseguimos isto: que se falasse,
durante todo um ano no nome do meu clube. Já não é como outrora, em que, após a
época do futebol, o Salgueiros desaparecia das gazetas, esquecido até ao ano
seguinte. Agora não. Falou-se nele constantemente: a propósito da natação, do
atletismo, do basquetebol, do andebol, do ciclismo, etc». Era o este o
Salgueiros que Vidal Pinheiro e seus pares vinham trabalhando afincadamente naqueles
anos, um clube eclético que pretendia chamar a atenção do público do desporto
português. E conseguiu-o.
Dores de crescimento fizeram-se sentir no início
Atlético - Salgueiros |
Na
ronda seguinte a tarefa do Salgueiros em apagar a má exibição da estreia era
uma missão quase impossível, ou não tivesse pela frente o campeão nacional em
título, o Benfica. Os lisboetas, orientados pelo antigo guarda-redes de
Académico do Porto e Boavista, Janos Biri, surgiram no Campo Augusto Leça, o
reduto dos salgueiristas, com uma linha de ataque de respeito, formada por
Julinho, Rogério Pipi e Alfredo Valadas. No entanto, e de acordo com a pena de
Tavares da Silva, o Benfica não esteve nos seus melhores dias nesta visita ao
Porto, jogando no aproveitamento do erro do adversário. Erros que ao que tudo indica
terão sido muitos para os encarnados do Norte. Para o consagrado jornalista, o Salgueiros voltou a mostrar
sinais de muita fragilidade, tendo a equipa sido sempre dominada pelos campeões
nacionais, que acabariam por vencer por claros 6-1. Contudo, apesar de
dominados, os portuenses quando atacavam conseguiam provocar algum
desentendimento entre a defesa benfiquista, uma nota que Tavares da Silva fez
sobressair na sua crónica e que considerou um aviso a ter em conta aos
lisboetas para quando defrontassem equipas que estivessem mais ao seu (alto)
nível. Outra nota a realçar é o golo salgueirista, o primeiro na alta roda do
futebol nacional, tendo o seu autor sido o médio Viana, um nome que ficará
assim na história deste clube.
FC Porto - Salgueiros |
Estudantes testemunham uma vitória histórica!
Salgueiros - Académica |
Sporting - Salgueiros |
Salgueiros - Belenenses |
Salgueiros - Olhanense |
O
jogo seguinte mostrou, ainda que ao de leve, essa subida de forma, já que na receção ao Vitória
Sport Clube (de Guimarães) a turma portuense conquistou mais um ponto, fruto de
um empate a duas bolas. Sobre o jogo não há muitos relatos na
"Stadium", que ressalva apenas que o Salgueiros lutou com entusiasmo.
Coura e Silva apontaram os tentos dos salgueiristas.
O
outro Vitória a competir nesta 1.ª Divisão de 43/44, neste caso o de Setúbal,
foi o oponente seguinte. 2-1 a favor dos sadinos, foi o resultado final de uma
partida que segundo Tavares da Silva teve um rol de oportunidades
desperdiçadas, tantas foram as vezes que os avançados estiveram cara a cara com
os guarda-redes e não os conseguiram bater. Os portuenses continuavam a dar
indícios de crescimento no campeonato a julgar pelas palavras do jornalista: «o Salgueiros foi mais ameaçador do que o Vitória.
Inesperadamente ameaçador, pois ao conseguir um goal, este teve o efeito de
despertar as energias do adversário. Só quando começou a perder é que o Vitória
se lembrou que tinha de ganhar...». O goleador Silva foi mais uma vez o
artilheiro de serviço dos encarnados neste encontro.
Segunda volta mostra um Salgueiros diferente... para melhor
Salgueiros - Atlético |
De
Lisboa era também o adversário seguinte dos encarnados do Porto, mas este de
maior peso, já que lutava com o eterno rival Sporting pelo título de campeão
nacional.
Benfica - Salgueiros |
De regresso à Cidade Invicta na jornada que se seguiu para defrontar o vizinho FC Porto, que estava longe de convencer neste campeonato. Foi uma partida que para o principal redator da "Stadium" teve duas partes distintas, uma pautada pelo equilíbrio e outra pelo... desequilíbrio. A primeira muito por culpa do facto de a equipa na teoria mais fraca, o Salgueiros, ter querido impor-se, de jogar de igual para o com o seu velho rival. A outra, quando essa mesma equipa de nível inferior perdeu o fôlego e começou a desaparecer do encontro, aspeto aproveitado para os portistas abrirem o marcador e chegarem à goleada final de 5-0. «Foi assim mesmo. Belo jogo, na primeira parte, com os grupos em acentuado equilíbrio, e porventura o Salgueiros, mais perigoso. Depois, no segundo tempo, o Salgueiros deixou-se dominar pela resistência e melhor técnica do adversário, que pôs a bola rente ao terreno para o passe da precisão, utilizando os extremos. Porque o mérito do Salgueiros está na luta que deu. Depois de sofrer o quinto goal - ainda quis espreguiçar-se, verdade seja. Era tarde!», assim resumiu Tavares da Silva o jogo.
Na
ronda seguinte o Salgueiros sentiu o amargo sabor da vingança dos estudantes de
Coimbra, que na primeira volta haviam sido batidos no Campo Augusto Leça.
Frente a frente estavam as duas últimas equipas da classificação geral, pelo
que só a vitória servia a cada uma delas para largar a "lanterna vermelha". Foi
mais feliz a Académica, que no Campo de Santa Cruz entrou determinada não só a
fugir ao último posto, mas de igual forma a vingar a tal derrota no Porto. Foi uma Briosa de ataque, conforme disse Tavares
da Silva na sua crónica, e a comprovar isso foi o resultado de 9-4 a favor dos
locais. Renato, Toninho, Oliveira e Alfredo foram os artilheiros do Salgueiros,
que neste encontro marcou o maior número de golos, quatro, num só encontro desta
época de estreia no escalão maior.
Salgueiros - Sporting |
Belenenses - Salgueiros |
Como
não há duas sem três, a visita a Olhão cifrou-se numa nova de derrota também
por 5-1. Um futebol rápido e ofensivo ajuda a justificar este triunfo do
Olhanense. Contudo, não se julgue que o Salgueiros foi "bombo da
festa", já que na crónica do encontro, a equipa portuense foi ofensiva, batalhadora,
«chegando, mesmo, a desenvolver esquemas
de jogo que lembraram à defesa algarvia a necessidade de se conservar alerta.
Isto confirma aquilo que temos dito sobre o Salgueiros, isto é, que a prova só
lhe tem feito bem - além de dar aos seus dirigentes preciosas indicações relativamente
ao futuro», assim escrevia Tavares da Silva. Alfredo apontou o golo do
Salgueiros no Algarve.
Salgueiros - Vitória de Setúbal |
E eis que chegávamos à última jornada deste Campeonato Nacional, sendo que no Porto o Salgueiros encerrava a sua estreia entre os maiores do futebol nacional com uma receção ao Vitória de Setúbal. Já com a classificação definida, o Salgueiros perdeu por 3-5 um encontro onde o seu jogador Renato brilhou ao apontar os três golos dos encarnados. Falando de contas, o emblema de Paranhos ficou na última posição, com três pontos somados, 23 golos marcados e 84 sofridos, números que à primeira vista são maus, mas que se olharmos ao "resto da história" significaram só o início de uma caminhada entre a elite do futebol português, o lugar que este histórico clube conquistou nas décadas seguintes e que como tal é seu por mérito próprio.