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sexta-feira, maio 07, 2021

Cidades do Futebol (3)... Turim: o berço do futebol italiano onde nasceu um gigante (Juventus) e um infeliz desta vida (Torino)

Foi em Turim que o futebol em Itália nasceu
Itália é muito provavelmente o país do Mundo onde o futebol exerce uma pressão quase asfixiante sobre os seus protagonistas, o mesmo é dizer sobre jogadores e treinadores. E não são apenas os adeptos a cobrar de forma voraz os artistas da bola quando as coisas correm menos bem, já que também a imprensa desportiva detém um papel extraordinariamente feroz na hora de analisar as exibições e comportamentos de futebolistas e treinadores. Um pouco por todo o país da bota é assim há muitas décadas a esta parte.

A popularidade do futebol em Itália excede aquilo o que se vê e sente noutros países do globo, de tal maneira é a paixão fervorosa com que o Belo Jogo é encarado. E esta paixão registou-se muito antes de o futebol moderno - nascido em Inglaterra - ter visto a luz do dia, pois contrariamente ao que acontece com a maioria dos países da Europa em terras transalpinas já existia um jogo semelhante ao futebol criado por volta do século XVI, o Calcio Florentino. Era uma mistura de futebol e rugby, a partir do qual dizem muitos historiadores que viria a desenvolver-se o futebol moderno.

Efetivamente, este último só floresce em Itália no século XIX por influência britânica, tal como na maior parte do planeta, tendo como berço a região norte do país, mais concretamente na cidade de Turim, embora em Génova e Milão muitos ingleses na última década do atrás citado século dão início ao pontapé na bola em termos mais oficiais com a criação de clubes. Mas é em Turim que o futebol nasce em Itália.

Turim era então, e continua a sê-lo nos dias de hoje, uma cidade industrial, onde predomina(va) a classe trabalhadora, com uma vontade férrea de vencer sob todos os aspetos. Em contraposto está Milão, cidade ligada à moda, que sempre levou um estilo de vida com mais glamour e mais etiqueta.

Edoardo Bosio, o pai do futebol italiano

Edoardo Bosio
Mas voltemos a Turim, onde tudo começou nos anos 80 do século XIX pela mão de Edoardo Bosio, considerado por muitos como o pai do futebol moderno em Itália. Nascido a 9 de novembro de 1864 precisamente em Turim, Edoardo tinha origem helvética, já que o seu pai era suíço de nascimento. Giacomo Bosio, o progenitor de Edoardo, foi aliás fundador da primeira cervejaria em Turim, em 1845, ficando assim claro que a veia do pioneirismo estava patente no ADN da família Bosio. Edoardo começou a trabalhar na casa dos vinte anos para uma empresa têxtil sediada em Nottingham e seria na sequência da sua permanência em Inglaterra que o jovem ítalo-suíço travou conhecimento com o football que se praticava em Terras de Sua Majestade. De volta à Itália, com uma bola debaixo do braço, ele decide fundar em 1887 um clube de futebol, nascendo assim o Torino Football and Cricket Club, o primeiro emblema do futebol moderno no país da bota.

Equipado de camisa listrada vermelha e preta, este clube além de futebol permitia aos seus integrantes praticarem críquete e o remo, outra grande paixão desportiva de Bosio. Porém, é o futebol que rapidamente começa a contagiar os habitantes de Turim, e dois anos depois, em 1889, nascia o Nobili Torino, sendo que a partir daqui a atividade futebolística da cidade orbitava em torno destes dois clubes, os dois mais antigos da Itália, disputando acérrimos encontros entre eles, pelo que podemos afirmar que o Nobili Torino - Torino FCC é o clássico, ou dérbi, mais antigo da Itália.

A camisola do
Torino FCC
Voltando ao Nobili Torino, dizer que assim se chamava porque de facto os seus jogadores eram realmente nobres e aristocráticos, sendo que à frente do clube estava um almirante, de sua graça Luigi Amedeo  di Saboia, também conhecido como Duca (duque) degli Abruzzi. Dois anos e vários duelos depois as equipas de Bosio e dos nobres fundem-se para dar vida ao Internazionale di Torino que participou nos primeiros campeonatos de futebol e cuja existência foi caracterizada pelo início da rivalidade com o Genoa, dando-se assim início às rivalidades inter-cidades, tendo em conta que é na última década do século XIX que o futebol se começa a expandir por outras regiões do norte, nomeadamente Génova e Milão.

No entanto, era em Turim que o futebol continuava a crescer a olhos vistos e em 1894 nasce o FC Torinese, ao passo que a Royal Gymnastics Society of Turin (já ativa desde 1844) cria em 1897 a secção dedicada ao jogo de futebol. No mesmo ano, um grupo de jovens alunos do colégio clássico Massimo d'Azeglio fundou o Sport-Club Juventus, escolhendo como manto sagrado um elegante uniforme rosa com gravata ou taramelo. Mal sabiam que estavam a dar o primeiro passo de um clube que com o passar das décadas se haveria não só de tornar no emblema mais popular e laureado de Itália como um dos maiores de todo o Mundo, a Vecchia Signora (a Velha Senhora), a toda poderosa Juventus.

Início da competição futebolística em Itália acontece em Turim

O Torinese em 1894
É igualmente em Turim que em 1898 acontece um facto histórico no futebol transalpino, já que este é o ano em que se realiza o primeiro campeonato italiano, organizado sob a batuta da Federação Italiana de Futebol, nascida precisamente em 1898, em Turim, sendo que um dos seus fundadores foi precisamente Edoardo Bosio. E para o primeiro grande torneio nacional quatro equipas mediram forças entre si no sentido de apurar o primeiro campeão de Itália, nomeadamente o Internazionale di Torino, o FC Torinese, o Royal Gymnastics Society of Turin e o Genoa Cricket and Football Club. Foi um torneio eliminatório envolvendo estes quatro clubes, sendo que todos os três jogos foram disputados no Velódromo Umberto I, em Turim, a 8 de maio ao longo de um só dia. O vencedor e consequentemente o primeiro campeão italiano foi o Genoa, que na final bateu o Internazionale di Torino por 2-1 após prolongamento.

Fase de um no Velódromo Umberto I
O Velódromo Umberto I tornou-se assim na primeira grande catedral do calcio italiano, um recinto com capacidade para 15.000 espectadores que havia sido construído em 1895 e destinado ao ciclismo, mas que a partir de 1898 começa a acolher jogos de futebol. Estava localizado no bairro La Crocetta de Torino, dentro do parque Corso Re Umberto, próximo ao hospital Mauriziano. Entre 1904 e 1906 torna-se no campo de ação da Juventus, tendo sido ali que em 1905 a Juve venceu o seu primeiro scudetto (campeonato de Itália). Edoardo Bosio não foi apenas o introdutor do futebol em Itália, ele também foi um dos primeiros intervenientes no retângulo de jogo, tendo participado nas três primeiras edições do campeonato italiano: em 1898 e 1899 pelo Internazionale di Torino e em 1900 pelo FC Torinese. É ele quem marca o  primeiro golo da história do campeonato italiano de futebol, um golo que permitiu ao Internazionale Torino vencer o FC Torinese por 2-1. Precisamente em 1900 o Internazionale di Torino  é absorvido pelo FC Torinese, que, por sua vez em 1906 acolheu um grupo de dissidentes que tinham deixado a Juventus para dar vida a Torino Football Club.

Equipa da Juventus que em 1905 venceu o seu primeiro scudetto

Estávamos a 3 de dezembro quando na Cervejaria Voigt, na via Pietro Micca, se estabeleceu uma aliança entre os membros do FC Torinese e alguns dissidentes da Juventus, que assim deram vida ao Torino FC. Dez dias depois, o novo clube disputa o seu primeiro jogo contra o Pro Vercelli, e o Toro vence por 3-1.

Juve mais vitoriosa mas o coração dos nativos de Turim é do Toro

Um dos primeiros dérbis de Turim
Com o passar dos anos a Juventus tornou-se no mais popular e laureado clube de Itália, como já referimos, o clube com mais seguidores em toda o país, sendo que um estudo elaborado em 2007 pelo Instituto Demos-Eurisko dava conta de que a Vecchia Signora tinha em solo italiano 16,3 milhões de adeptos, querendo isto dizer que em cada três adeptos um era da Juve. Este clube construiu um palmarés impressionante até aos dias de hoje, sendo que em todas as décadas desde os anos 20 do século passado sagrou-se campeã nacional, a título de exemplo. Apesar desta popularidade nacional e internacional, não é a Juventus a deter os corações dos verdadeiros nativos de Turim, mas antes o Torino. Tal facto não tem a ver com o número de títulos conquistados, até porque os cetros da Juve são muitos mais do que os do Toro, mas antes pelo envolvimento destes últimos com a cidade, o que lhes valeu a preferência dos adeptos locais. E este aspeto tem uma razão de ser, a qual acontece em 1905, ano em que a Juventus celebra o seu primeiro título de campeão nacional, tendo os seus dirigentes pensado na ideia de levar o clube para fora de Turim, algo que acabou por criar um mau estar não só na cidade como no seio do próprio clube, tendo alguns dos seus integrantes decidido desertar e fundar um novo clube, e assim um ano mais tarde surgia o Torino FC. Os adeptos da cidade passaram então a encarar o Toro como um clube mais envolvido com Turim, ao passo que a Juve passou a granjear o ódio em todas as esquinas da cidade mesmo com todo o sucesso que ia conquistado pelo país fora.   

Porém, o Torino também provou do sabor da glória em algumas ocasiões. o primeiro marco histórico chegou em 1927 quando venceu o primeiro scudetto, um feito repetido um ano depois.

O nascimento do Grande Torino dos anos 40

A equipa do Grande Torino

No entanto, a era dourada do Toro acontece nos anos 40, altura em que é tida não só como a melhor equipa de Itália como de toda a Europa. É a era do Grande Torino, da equipa que venceu quatro campeonatos consecutivos entre 1946 e 1949, além de praticar um futebol vistoso que lhe valeu o título de melhor equipa do Mundo por parte de adeptos, meios de comunicação social e até mesmo dos rivais.

Sob a batuta do lendário treinador Vittorio Pozzo, Il Grande Torino era liderado dentro do campo pelo carismático avançado Valentino Mazzola. Inúmeras façanhas ficam na memória de todos aqueles que viram as obras de arte do Toro na mítica década de 40, a título de exemplo os 125 golos apontados em 47/48, ou a vitória da Itália sobre a então superpotência Hungria em que a Squadra Azzurra era composta por 10 jogadores do Torino. Mas a história deste clube tem tanto de glorioso e mágico como de trágico como mais à frente iremos ver nesta visita a Turim.

Combi
No início do século XX, mais concretamente em 1902, nasce em Turim aquela que pode ser considerada como a primeira lenda, o primeiro grande futebolista a nível nacional e internacional nascido na cidade: Giampiero Combi, o primeiro grande astro das balizas do futebol italiano. Nascido a 20 de Novembro de 1902, Combi desenvolveu toda a sua carreira ao serviço da Juventus, clube por onde percorreu todos os escalões de formação até chegar à formação sénior em 1922. Aí chegado nunca mais largou a baliza da “Velha Senhora” até à data da sua retirada, tendo-se tornado num dos futebolistas de referência do gigante emblema italiano. Durante as 12 temporadas em que defendeu com brilho as cores da Juve venceu cinco scudettos, sendo que o primeiro deles surgiu na época de 1925/26. Os restantes quatro títulos nacionais seriam alcançados na sequência de um poker efetuado pela Juve entre 1930 e 1934.

Apesar de não ser um guarda-redes muito alto – media 1,71m – Combi primava por uma robustez física impressionante que aliada à sua garra e determinação em jogar futebol, por vezes nas condições mais adversas, fizeram dele um dos atletas mais venerados pelos tiffosi (adeptos) daquela altura. Recorde-se neste aspecto uma partida contra o Modena onde actuou com três costelas partidas e um outro encontro ante a Cremonese onde jogou com várias vértebras danificadas.

Possuindo na época um dos conjuntos mais fortes do calcio não era de estranhar que a Juventus fosse um dos principais fornecedores de jogadores às seleções italianas dos anos 30. Uma década de extrema glória para os azzurri que como se sabe arrecadariam dois títulos mundiais (1934 e 1938). E no primeiro deles Combi assumiu-se como um dos atores principais da épica conquista italiana. A jogar em casa a squadra azzurra do lendário treinador Pozzo foi capitaneada e comandada desde a baliza, o mesmo é dizer por Giampiero Combi que nos céus de Roma teve a honra de erguer a primeira Taça do Mundo arrecadada pela Itália. Pela azzurra actuou por 47 ocasiões, tendo-se estreado em 1924 num jogo ante a Hungria, em Budapeste. Para além do título Mundial conquistaria ainda pela equipa nacional a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1928 (Amesterdão).

Abandonou a carreira de futebolista aos 32 anos com um total de 367 jogos no currículo disputados com as cores da sua Juventus. Penduradas as chuteiras Combi continuou ao serviço da Juve por vários anos quer como olheiro quer como colaborador técnico. Morreu em 1956 devido a um enfarte, numa altura em que colaborava com o recém eleito presidente da Juve Umberto Agneli que procurava recolocar a “Velha Senhora” no caminho do sucesso depois de uma fase menos boa do nobre emblema transalpino.

Juve e Toro estabeleceram-se no sul da cidade, com os estádios separados por uma rua. E por falar em estádios não podemos deixar de falar de dois palcos que tiveram uma enorme importância no futebol não só de Turim como da própria Itália.

Communale e Filadelfia, duas catedrais míticas da cidade

Uma imagem atual do Stadio Olimpico
O primeiro viu a luz do dia em 1933, tendo sido construído para o Mundial de1934, e hoje em dia dá pelo nome de Estádio Olímpico, outrora também conhecido como Estádio Communale (municipal). Nesse Mundial de 34 era designado como Benito Mussolini, e tinha capacidade para 65.000 pessoas, tendo acolhido dois jogos do certame, o Áustria - França e o Checoslováquia - Suíça. após a II Guerra Mundial mudou de designação, passando a chamar-se apenas Stadio Communale di Torino, tendo sido na maioria das vezes a casa da Juve.

Este recinto foi palco não só de dezenas de conquistas nacionais como também das primeiras vitórias da Vecchia Signora a nível internacional, e neste aspeto podemos lembrar a primeira conquista europeia, acontecida em 1977, mais concretamente a Taça UEFA, sendo que na primeira mão, ocorrida em Turim, a Juve bateu por 1-0 ao Athletic de Bilbao, tendo perdido a segunda mão em San Mamés por 1-2, mas beneficiando do golo obtido fora de portas para levantar o primeiro caneco internacional. O Communale de Turim foi ainda palco de três encontros do Europeu de 1980, organizado pela Itália, tendo ficado lembrado pelos tristes episódios de holiganismo proporcionado pelos adeptos ingleses cujo quartel general foi instalado precisamente em Turim, onde a seleção dos Três Leões efetuou dois encontros. Com a construção do Estádio Delle Alpi e mais recentemente com a edificação do moderno Juventus Stadium o Communalle perdeu algum brilho, pese embora tenha sido recentemente modernizado para servir de casa ao Torino.

Estádio Filadelfia
Porém, a casa mais emblemática do Toro foi o Estádio Filadélfia, precisamente onde a equipa do Grande Torino encantou as multidões que ali se deslocavam na década de 40. A construção do "Fila", como era conhecido pelos adeptos do Toro, ​​remonta a 1926, a mando do Conde Enrico Marone de Cinzano, presidente do Torino. A obra é de Miro Gamba. 

É um recinto com uma arquitetura muito simples nos sistemas e estruturas, com o aparato decorativo reduzido ao mínimo e limitado ao mastro da bandeira na entrada. A inauguração ocorreu no dia 17 de outubro do mesmo ano, na presença do Príncipe Umberto, da Princesa Maria Adelaide e mais de 15.000 espectadores.

O Filadelfia está intimamente ligada à epopeia do Grande Torino, sendo que para qualquer adversário deste clube sair na década de 40 do Filadélfia invicto era considerado um verdadeiro feito. Ao longo de mais de seis anos o Toro nunca perdeu neste campo.

O desastre aéreo de Superga que acabou com Il Grande Torino

Destroços do avião que transportava 
a equipa do Toro
Esta verdadeira catedral da bola como que morreu com o trágico desaparecimento do Grande Torino no final da década de 40.

A 4 de maio de 1949 o avião Fiat G212 partiu de Lisboa levando a bordo toda a equipa desse mítico Toro. Esta tinha disputado na capital portuguesa um encontro amigável com o Benfica, em homenagem a Francisco Ferreira. O avião transportava 31 passageiros, dos quais 18 eram jogadores do Torino, havendo mais seis homens ligados ao clube e ainda três jornalistas que acompanharam a equipa a Lisboa.

Debaixo e chuva torrencial e nevoeiro cerrado o avião foi visto a sair de um banco de nuvens e a embater na Basílica de Superga, nas montanhas a leste de Turim. Não houve sobreviventes. Esta tragédia feriu o coração não só dos adeptos do Toro mas todos os que gostavam de futebol, foi na verdade um choque para toda a Itália, e a prova disso é que dois dias após o acidente realizou-se o funeral dos jogadores, no Palazzo Madama, tendo a ele assistido meio milhão de pessoas. Esta tragédia pôs fim à melhor equipa de sempre do Toro, e uma das mais brilhantes que o Belo Jogo já teve em termos planetários, tendo o clube passado as duas décadas seguintes afundado no meio da tabela classificativa. Só na década de 70, em 1976 mais concretamente, o Toro volta a dar sinais da sua vitalidade desportiva, quando se sagrou pela última vez, até à data, campeão de Itália. Aliás, a história do Torino está escrita com sangue, não só o que foi derramado em Superga mas igualmente na década de 60, quando um dos maiores símbolos do clube dentro das quatro linhas morreu ainda jovem vítima de um atropelamento rodoviário. O seu nome era Gigi Meroni, considerado então um dos maiores talentos do país.

Juve campeã da Europa em 85
Com o fim do Grande Torino a Juventus ocupou o lugar do seu rival da cidade, muito por culpa da família Agneli, donos do império FIAT. Esta família fez da Juve um colosso à escala planetária, sobretudo a partir das décadas de 70 e 80 do século passado, com contratação de alguns dos melhores futebolistas do Mundo, como Sivori, Boniek, Platini, Altafini, Scirea, ou Paolo Rossi. Na década de 80 a Juve tornou-se, a título de exemplo, na primeira equipa europeia a vencer as três competições da UEFA, isto é, a Taça dos Clubes Campeões Europeus (em 1985), a Taça das Taças (em 1984) e a Taça UEFA (que havia vencido pela primeira vez em 1977). Nos anos 90 a Juventus enriqueceu as suas vitrinas com mais uma Taça dos Campeões Europeus (em 1996), e duas Taças UEFA (em 90 e 93), graças à ajuda de lendas como Roberto Baggio, Zidane, Didier Deschamps, Paulo Sousa, Del Piero, entre outros astros que vestiram a mítica camisola bianconera (preto e branca).

Enquanto a Juventus era cada vez mais um colosso à escala mundial o Torino deambulava ora pela Série B (2.ª divisão) ora pelo meio da tabela da Série A (1.ª divisão), sendo que a última grande campanha do clube foi na temporada de 1991/92 quando chegou à final da Taça UEFA perdida às mãos do Ajax. Os reveses económicos relegaram o Toro para uma equipa ió-ió, isto é, sobe e desce entre as Séries A e B.

Stadio Delle Alpi, hoje demolido
Por esta altura ambos os clubes partilhavam a mesma casa, isto é, o Estádio Delle Alpi, construído em 1990 juntos das montanhas dos Alpes para acolher jogos do Mundial de 1990, realizado em Itália. Com capacidade para 71.000 espectadores o recinto recebeu cinco partidas desse Mundial, inclusive a célebre meia-final entre Alemanha e Inglaterra. Considerado um dos recintos mais frios do Velho Continente não só pelas baixas temperaturas que se fazem sentir naquela zona mas também porque as suas bancadas registaram quase sempre baixas assistências, mesmo nos jogos grandes da Juve, pelo que foi demolido em 2009. A Juventus comprou por 25 milhões de euros o estádio ao Município de Turim, para no lugar dele erguer em 2011 o ultramoderno Juventus Stadium, onde atualmente disputa os seus jogos. recinto este que acolheu já uma final europeia, em 2014, quando o Benfica foi ali derrotado nas grandes penalidades pelo Sevilha na Liga Europa.

Dérbi Della Mole
Juve e Toro seguiram caminhos distintos ao longo dos anos, no entanto, sempre que se encontram no chamado dérbi Della Mole a rivalidade entra em campo e atinge proporções enormes, ou não fosse este o dérbi mais antigo de Itália e considerado o de maior risco.  

quinta-feira, setembro 08, 2016

Histórias do Planeta da Bola (17)... Pro Vercelli: O berço do rei dos "capocannonieri" idealizado por um campeão olímpico de esgrima


Turim e Milão são mundialmente reconhecidos como os grandes centros do futebol italiano. As duas cidades repartem entre si a (esmagadora) maioria dos títulos nacionais e internacionais angariados pelas squadras transalpinas ao longo de mais de 100 anos de história. Porém, nem sempre as luzes da ribalta estiveram focadas nestas duas urbes do norte de Itália no que a futebol concerne. Houve um tempo - estendido ao longo de quase duas décadas - em que os olhares dos tifosi estavam cravados numa pequena localidade situada precisamente a meio caminho entre Milão e Turim. Uma localidade que mais do que revelar ao Mundo um dos primeiros gigantes do futebol italiano criou uma identidade própria que haveria de inspirar o então jovem calcio a partir rumo às conquistas que iriam ser alcançadas pelas gerações vindouras. Façamos então uma viagem até às primeiras décadas do século XX, mais concretamente até Vercelli, onde nos espera a mítica e inolvidável história della Pro. À semelhança do que aconteceu um pouco por todo o planeta o futebol (moderno) ancorou em Itália no porto de Génova, na reta final do século XIX, pela mão dos marinheiros e comerciantes ingleses que ali se deslocavam em trabalho. Naquela cidade portuária foram dados os primeiros passos do modern football nascido em Inglaterra, e foi ali que, de forma natural, acabaria por nascer em 1893 o primeiro senhor do futebol transalpino, o Genoa Cricket & Football Club. Na génese deste emblema estiveram pois cidadãos britânicos, que usavam o futebol para preencher os seus tempos livres. O Genoa 1893 - como ainda hoje é conhecido - fez uso da sua força e conhecimentos do jogo para arrecadar os primeiros títulos mais pomposos do calcio - o nome com que os italianos cedo batizaram o football, muito pelas parecenças que o jogo criado pelos ingleses tinha com o calcio fiorentino, que há muitos séculos se praticava no país da bota. Entre 1897 e 1907 o Genoa confirma o seu poderio ao conquistar seis dos seus nove títulos de campeão nacional, uma supremacia que foi ameaçada a espaços pelos também ingleses do Milan Cricket Fooball Club, a semente do Milan dos dias de hoje. Estas conquistas, quer de genoveses quer de milanistas, assentavam numa cultura muito britânica, ou seja, a filosofia de jogo interpretada por estes dois emblemas era uma fiel cópia daquela que era usada na Velha Albion, baseada no kick and rush. Itália não tinha pois uma identidade de jogo própria, algo que viria a mudar a partir de 1903 pela mão do hoje quase anónimo Pro-Vercelli.

Da ginástica ao futebol pela mão de um campeão olímpico de esgrima

Marcello Bertinetti
A Società Ginnastica Pro-Vercelli nasceu em 1892, longe de imaginar que alguma vez o recém chegado a Itália futebol pudesse catapultar a cidade para os píncaros da fama. Na génese daquele que é um dos clubes mais antigos do país da bota esteve a ginástica, como aliás, a própria designação da coletividade indicava. Domenico Luppi, um professor de ginástica, é o progenitor do clube nascido na pequena cidade - com cerca de 45.000 habitantes na atualidade - da região de Piemonte. Luppi deu vida a um clube que no seu ADN incorporava ainda a esgrima, secção que iria revelar ao Mundo alguns nomes sonantes da história da esgrima italiana, como foi o caso de Marcello Bertinetti, um cidadão nascido em Vercelli, em 1885, que atingiu a imortalidade após ter vencido duas medalhas de ouro olímpicas por equipas em 1924 (Jogos de Paris) e 1928 (Jogos de Amesterdão), isto para além de uma medalha de prata e outra de bronze - ambas na vertente coletiva - respetivamente nas Olimpíadas de Londres (1908) e Paris (1924). Bertinetti foi acima de tudo um desportista multifacetado, e para além da modalidade que o tornou célebre foi igualmente um... calciatore, traduzindo para a língua de Camões, um jogador de futebol. Desconhece-se, porém, se foi, ou não, um exímio intérprete do belo jogo, mas o que se sabe é que foi por sua influência que o futebol nasceu no seio da Pro Vercelli. Diz a história que após ter visionado in loco, em Turim, um encontro disputado pela Juventus, Marcello Bertinetti regressa à sua terra natal com a ideia de ali criar uma equipa de futebol. Nesse sentido procura os responsáveis da Società Ginnastica Pro-Vercelli para lhes apresentar a ideia, que de pronto seria aceite e oficialmente implantada em 1903, ano em que acontece a filiação do clube na Federação Italiana de Futebol. O primeiro encontro acontece a 3 de agosto desse ano no âmbito de um torneio triangular em honra de San Eusebio, o padroeiro da cidade, que juntou ainda as equipas do Forza e Costanza (de Novara) e do Audace (oriundo de Turim). A Pro saiu vencedora, dando assim o pontapé de saída rumo a duas décadas de glória.

Conquistar a Itália com a prata da casa sob uma identidade muito própria

Milano, Leone e Ara,
o trio mágico do meio campo
da Pro Vercelli
Com a entrada da Pro Vercelli no então ainda muito jovem Mundo do futebol italiano, assistiu-se à primeira grande revolução a diversos níveis no país futebolístico, digamos assim. O primeiro deles fazia alusão à então invulgar política de formação do clube. Contrariamente aos outros emblemas italianos da época, a Pro Vercelli constrói a sua equipa com base única e exclusivamente em futebolistas nascidos na cidade, em atletas da casa, identificados com a cidade e acima de tudo com o clube. A Pro Vercelli implantava assim a filosofia, passo a expressão, da formação no futebol italiano. O clube presidido pelo conceituado advogado local Luigi Bozino edifica um então inédito plano de formação que passava pela criação de equipas de base, juniores, juvenis, iniciados, etc., como hoje em dia são conhecidos, e às quais eram atraídos os rapazes da terra. Mais do que moldar futebolistas locais com vista ao sucesso futuro do clube a política de formação cria de igual modo a mística que ajudou a Pro a alcançar e a permanecer durante quase duas décadas no topo do futebol italiano. Uma mística que englobava uma combinação de amor e orgulho na defesa da camisola do clube da terra e que era incutida nos bambini (rapazes) desde o momento em que estes entravam para os escalões mais jovens. Aliado a este aspeto veio o conceito tático. Também aqui a Pro Vercelli foi pioneira na história do futebol em Itália. Como já foi referido, as grandes equipas italianas da época, nomeadamente o Genoa 1893, a Juventus e o Milan - os três clubes que até 1908 haviam vencido o título de campeão nacional - apresentavam nas suas equipas diversos jogadores ingleses, a maior parte deles chegados a Itália por motivos profissionais que nada tinham a ver com o jogo. Como bons ingleses usavam e abusavam do kick and rush, típico estilo nado e criado em Inglaterra e que assentava - ou assenta - num estilo de jogo direto e físico. Em Vercelli seria criado um estilo diferente, de certa forma mais elegante e técnico, assente na posse de bola, e que no futuro viria a contagiar não só outras equipas transalpinas como a própria squadra azzurra (seleção nacional).

Da estreia oficial à glória nacional em apenas dois anos


A equipa que venceu o primeiro dos sete scudettos da história da Pro Vercelli
Em 1906 a Pro Vercelli inicia o seu percurso oficial nos caminhos do futebol italiano. Isto é, passa a competir no segundo escalão nacional. Ali, permanece apenas um ano, alcançando a promoção ao principal escalão em 1906/07 depois de conquistar o ceptro secundário com um grupo formado exclusivamente por jogadores nascidos em Vercelli. Entre este grupo destacavam-se três futebolistas, três figuras que para os historiadores do belo jogo foram o esteio - dentro de campo - dos primeiros sucessos do clube de Piemonte. Giuseppe Milano, Pietro Leone e Guido Ara, formavam o então denominado de meio campo maravilha dos Leões de Vercelli como nos anos seguintes a mítica equipa seria conhecida em toda a Itália. Guido Ara era o capitão de equipa, e na voz de muitos historiadores é visto como o primeiro grande futebolista italiano, um tecnicista requintado que primava ainda por ser um exímio passador. Em 1907/08 a Pro faz a sua estreia no principal escalão de Itália. Uma estreia auspiciosa já que após superar a Juventus no campeonato regional de Piemonte o combinado de Vercelli é apurado para o campeonato nacional, levando a melhor sobre os campeões das regiões de Ligura (o Andrea Doria, de Génova) e da Lombardia (o Milanese). A Pro Vercelli vencia o seu primeiro scudetto (máximo título nacional). Pela primeira vez uma equipa 100 por cento de origem italiana vencia o máximo galardão do futebol italiano, e mais do que isso todos os jogadores eram filhos de Vercelli. Os seus nomes são pois eternos: Innocenti, Salvaneschi, Celoria, Ara, Milan, Leone, Romussi, Frésia, Visconti, Rampini e Bertinetti, este último o introdutor do futebol no seio da Pro Vercelli e futuro campeão olímpico de esgrima, como já referimos. A façanha seria repetida na temporada seguinte, quando depois de levar a melhor no Regional de Piemonte sobre os dois gigantes de Turim, a Juve e o Torino, a Pro derrotou na final nacional, por um total de 4-2 (numa final disputada a duas mãos), os campeões da região da Lombardia, o Milanese. Por esta altura já toda a Itália se curvava diante dos Leões de Vercelli, ou os camisas brancas, como também era conhecido o clube. Neste aspeto há um capítulo curioso que merece ser evocado. Nos primeiros anos de atividade futebolística a Pro Vercelli utilizava um equipamento em tudo idêntico à Juventus, isto é, camisola com riscas verticais pretas e brancas, calção preto e meias pretas. Porém, a lavagem constante dos equipamentos fez com as riscas pretas da camisola fossem ficando esbatidas, quase impercetíveis, pelo que os responsáveis do emblema decidem posteriormente adotar o branco como única cor da camisola. Esta história dá aso a uma outra, que refere que a seleção italiana adotou (desde 1910) o branco como cor do seu equipamento alternativo em homenagem aquela que ainda hoje é vista como a primeira grande equipa de Itália, a Pro Vercelli.

Primeiro grande escândalo do calcio impediu a Pro de chegar ao tri

Luigi Bozino,
o presidente dos grandes sucessos
Na temporada de 1909/10 a Itália assiste aquele que é considerado o primeiro escândalo do seu futebol. O primeiro de muitos, ou não fosse a Itália um país rico no que a escândalos futebolísticos diz respeito. Nessa longínqua época o campeonato italiano sofre algumas alterações de figurino, desde logo o facto de deixar de existir uma final nacional que opunha os vencedores dos regionais para passar a haver uma prova semelhante ao que acontece na atualidade, ou seja, em que as equipas jogam entre si em sistema de poule, cujo vencedor é o conjunto que soma mais pontos. Este é considerado por como o ponto de partida da atual Serie A italiana. Foram nove as equipas que integraram a competição de 09/10, tendo no final o Inter de Milão e a Pro Vercelli dividido o primeiro lugar com 25 pontos somados. Face a este empate a Federação Italiana de Futebol (Federazione Italiana Giuco Calcio) decidiu agendar um play-off entre os dois combinados, uma finalíssima que iria determinar o campeão nacional. Com diversos jogadores seus envolvidos num torneio militar em Roma, a Pro solicitou à alta instância do futebol do seu país o adiamento do play-off, ao passo que o seu adversário, o Inter, fazia pressão para que esse adiamento não acontecesse. Medo ou desrespeito por parte dos milaneses? Ou ambos? O que é certo é que a FIGC ficou do lado do Inter - há quem ainda hoje defenda que razões extra futebol estiveram na origem desta decisão federativa - e o encontro acabou por se disputar a 24 de abril de 1910, como estava inicialmente agendado. Em forma de protesto o presidente da Pro Vercelli, Luigi Bozino, decide enviar para o duelo decisivo uma equipa composta por... crianças! Nessa tarde, em Vercelli, local da partida, e diante de pouquíssimos espectadores - numa prova de que a cidade estava ao lado do seu clube neste protesto - a Pro alinha com jogadores do seu escalão mais baixo, sendo que o jogador mais velho tinha somente 15 anos! Conclusão, o Inter esmagou os Leões, ou leãozinhos, neste caso, por 10-3, e conquistou o seu primeiro título nacional. Esta atitude da Pro Vercelli valeu-lhe inicialmente um castigo severo por parte da FIGC, que decide multar e suspender o emblema de Piemonte das competições futebolísticas. A intenção é posteriormente revogada, muito por ação de Guido Ara, que recolhe uma série de assinaturas junto dos grandes clubes italianos no sentido de reverter a decisão da federação, e já com Giuseppe Milano nas funções de treinador/jogador a Pro recupera o ceptro na época seguinte ao vencer a Serie A com 27 pontos, mais cinco que o vice-campeão Milan, onde pontificava o bombardeiro belga Louis van Hege. O quarto scudetto viajou para Vercelli em 1911/12, em mais um capítulo de evidente superioridade dos Leões.

Principal fornecedor de jogadores para a Squadra Azzurra

Um jogo entre a Pro e o Genoa em 1913
1912 é ainda o ano que marca a estreia oficial da seleção italiana numa grande competição internacional, no caso o Torneio Olímpico, que na época era tão só a prova futebolística mais importante do planeta. Para as Olimpíadas que nesse ano se realizaram em Estocolmo o selecionador italiano, o então jovem (com apenas 26 anos) Vittorio Pozzo, convoca 18 jogadores, sendo que sete deles (Felice Berardo, Angelo Binaschi, Pietro Leone, Giuseppe Milano, Modesto Valle, Felice Milano e Carlo Rampini) pertencem aos quadros da Pro Vercelli, que é desta forma o emblema mais representado na Squadra Azzurra que competiu na Suécia. Em 1913 a Itália defronta (num amigável) a Bélgica com um onze em que nove jogadores são da Pro Vercelli, numa demonstração, mais uma, inequívoca do poderio do clube de Piemonte no cenário principal do calcio. A primeira parte da época dourada da Pro Vercelli é encerrada em 1912/13 com a conquista do tricampeonato, do quinto scudetto da sua jovem existência. Pouco depois estourava a I Guerra Mundial, que um pouco por toda a Europa encostaria para canto a bola de futebol. O campeonato italiano é interrompido em 1915 - após o surpreendente Casale e o Genoa 1893 terem conquistado a coroa de reis de Itália - e volta somente na temporada de 1919/20 quando a Europa lambia ainda as feridas provocadas pela Guerra. Porém, as armas não mataram a mística de Vercelli e da sua Pro, que ressurge no grande palco do calcio com uma nova geração vencedora orientada - desde o banco - pela antiga lenda Guido Ara. Jovens talentosos nascidos nas escolas da Pro que levam a melhor sobre a concorrência na temporada de 1920/21, arrecadando desta forma o sexto título nacional do clube de Piemonte. Entre estes jovens talentos encontra-se o defesa Virginio Rosetta, que em 1923 troca Vercelli por Turim, e a Pro pela Juve a troco de 50 mil liras, naquela que ainda hoje é considerada a primeira transferência (envolvendo dinheiro) do futebol italiano. Eram os primeiros sinais do profissionalismo que estava prestes a vigorar (também) em Itália. Rosetta volta a ser um dos esteios na conquista do sétimo e último scudetto pela Pro em 1921/22.

Rei dos capocannonieri nasceu em Vercelli e revelou-se ao Mundo na Pro

Silvio Piola com as cores da Pro
A 29 de setembro de 1913 já a Pro Vercelli ostentava nas suas vitrinas cinco títulos de campeão italiano. É neste dia que nasce, na pequena Vercelli, um dos cidadãos mais nobres desta cidade: Silvio Piola. Tal como tantos outros bambini Silvio desperta para o futebol no mítico clube da sua terra. O seu talento faz com que aos 16 anos seja incorporado na equipa principal da Pro! Sobre o terreno de jogo atua como avançado, e o seu faro pelo golo aliado à sua perícia técnica despertam cedo a cobiça de outros emblemas de Itália. Piola atua pela Pro Vercelli entre 1929 e 1935, envergando a camisola branca em 127 jogos, tendo apontado 51 golos. Piola detém ainda hoje uma série de recordes em Itália. Um deles reside no facto de ser o jogador mais jovem a apontar um poker (quatro golos) numa só partida, algo que aconteceu diante do Alexandria, numa altura em que este astro tinha apenas 18 anos. Já foi referido que no início dos anos 20 o profissionalismo começava a bater à porta de Itália, tendo a Pro, que apesar de desportivamente ser uma potência do país, não era de todo um clube rico, muito longe disso na verdade, sofrido na pele as consequências desse mesmo profissionalismo. A Pro era um clube que vivia da sua (rica) formação. Apenas. Assim, os clubes economicamente mais abastados, oriundos de Turim, Milão e Roma, lançavam o isco às principais pérolas dos clubes mais modestos, sob o ponto de vista económico, voltamos a repetir, como era o caso da Pro Vercelli. Rosetta foi, como já vimos, o primeiro jogador a ser transferido por uma verba monetária em Itália, sendo que Piola não demorou muito a seguir-lhe o caminho. Reza a história que a Lázio namorou o jogador vezes sem conta, e não desistiu enquanto não o levou para Roma. Perante isto, e quiçá pressentindo que sem a sua principal estrela e com o profissionalismo a tomar conta do futebol em Itália, o presidente da Pro, Luigi Bozino, disse em certa ocasião que «não vendemos Piola por nenhum dinheiro deste Mundo. Se o vendermos a Pro Vercelli vai entrar em declive». Mais do que uma promessa (aos adeptos) esta declaração seria uma espécie de premonição do que iria acontecer em 1934, ano em que a Lazio leva Piola de Vircelli para a capital do Império. Uma transferência envolta em alguma polémica, pois segundo alguns historiadores a ida de Silvio Piola para Roma resultou de uma imposição do ditador Benito Mussolini, adepto confesso dos laziale. Piola e a Pro Vercelli seguiram caminhos diferentes nos anos seguintes. O jogador iria tornar-se numa lenda do calcio, já que para além de ter sido a principal referência da Squadra Azzurra na conquista do Campeonato do Mundo de 1938 é ainda hoje o jogador com mais golos na história da Serie A: 274 golos em 537 jogos disputados no principal escalão do futebol transalpino. Quanto à Pro, foi despromovida da Serie A curiosamente na época de 1934/35, a primeira sem Piola, e nunca mais, até hoje, lá regressou. Os oitenta anos seguintes foram passados a deambular pelos escalões secundários e regionais (!) do calcio. Hoje, a Pro Vercelli milita na Serie B, onde sobrevive - quase de forma anónima - na sombra de um passado de glória hoje ignorado pela esmagadora maioria dos tifosi. Não deixa de ser no entanto curioso que ao olhar para a lista de campeões da história do calcio o nome da Pro figure atrás de Milan, Juventus, Inter e Genoa 1893, com sete títulos de campeão no seu currículo, bem à frente de algumas das atuais potências italianas, casos da Roma (3 títulos), Lazio (2), Napoli (2) ou Fiorentina (2).

terça-feira, abril 01, 2014

Histórias do Planeta da Bola (2)... O molde original da Liga das Nações

Hugo Meisl, o mentor
da Taça Internacional
Recentemente a UEFA anunciou a criação da Liga das Nações, uma competição destinada a seleções nacionais que irá entrar em ação no ano de 2018. Trata-se de uma prova que vai ser disputada nos intervalos das fases de qualificações para os campeonatos do Mundo e da Europa, e que substituirá os jogos amigáveis que por norma as seleções europeias levam a cabo sempre que não participam em partidas de caráter oficial. Será disputada entre setembro - ano par - e maio - ano ímpar - sendo que os quatro primeiros classificados terão bilhete garantido para o Campeonato da Europa seguinte.
Bom, estas são algumas das características de um modelo de competição que, na verdade, não é original! Nos anos 20 do século passado um visionário do belo jogo concebeu a ideia de criar uma grande competição continental que envolvesse algumas das melhores seleções da época. Essa ilustre figura era Hugo Meisl, que além de ser um dos mais reputados e talentosos mestres da tática da primeira metade do século XX, foi ainda um dos principais dinamizadores das competições internacionais, quer ao nível de clubes - com a criação da Taça MITROPA - quer ao nível de seleções, com a edificação desta Coupe Internationale européenne, o nome de batismo do molde original da recém criada Liga das Nações. 


A Taça
Antonín Svehla
E tal como a Liga das Nações, a Taça Internacional era jogada num sistema de poule, onde todos jogavam contra todos, sendo o vencedor a seleção que - naturalmente - somasse o maior número de pontos no final desse campeonato internacional disputado a duas voltas, com jogos em casa e fora, em tudo semelhante a um campeonato nacional.O campeão da prova recebia a vistosa Taça Antonín Svehla - elaborada em cristal -, que assim foi batizada em honra do doador do troféu, o primeiro-ministro da Checoslováquia, Antonín Svehla. Um dos aspetos negativos na curta história de uma competição que para muitos esteve ainda na génese do atual Campeonato da Europa terá sido a excessiva demora com que a mesma se desenrolava, sendo que por exemplo as duas derradeiras edições demoraram - respetivamente - cinco e seis anos a serem concluídas! De ressalvar que a Taça Internacional era integrada por um pequeno leque de seleções, alguns dos melhores combinados nacionais daquele tempo, com exceção da Inglaterra, que teimosamente continuava fechada no seu Mundo em relação ao resto do... Mundo. 

Lendária Squadra Azzurra de Pozzo inaugura a lista de campeões

Vittorio Pozzo, o arquiteto
da lendária Squadra Azzurra
da década de 30
A primeira edição arrancou a 18 de setembro de 1927, quando em Praga a Checoslováquia venceu a Áustria de Hugo Meisl por 2-1. A conclusão da edição de estreia da Coupe Internationale européenne deu-se a 11 de maio de 1930, em Budapeste, com a Itália a cilindrar a Hungria por 5-0, com um hattrick da sua estrela Giuseppe Meazza. No total foram 20 jogos, decorridos entre 1927 e 1930, consagrando uma seleção que haveria de dominar o Mundo na década seguinte, uma seleção arquitetada por uma das maiores lendas de todos os tempos no que ao treino e interpretação do jogo dizia respeito, de seu nome Vittorio Pozzo, que a par de Hugo Meisl e do inglês Herbert Chapman forma o trio de treinadores de maior talento da primeira metade do século XX. Esta primeira edição fica igualmente marcada por um certo equilíbrio na comeptição entre as melhores seleções, como facilmente se pode comprovar pela classificação final, tendo a Squadra Azzurra levado ao melhor sobre a Áustria de Hugo Meisl e a Checoslováquia por apenas um ponto, sendo por isso épico o tal último encontro em Budapeste, no qual a Hungria partia igualmente com aspirações à conquista do troféu, precisando somente de um triunfo para o conseguir. Como já vimos, tal não aconteceu, já que a Itália começava a dar mostras daquilo o que iria produzir na década seguinte. Para muitos, esta primeira vitória internacional dos italianos serviu de embalo para os triunfos da Nazionale nos campeonatos do Mundo de 1934, de 1938, e nos Jogos Olímpicos de Berlim (1936), e reza a lenda que no regresso a casa - viagem longa de comboio entre Budapeste e Roma - após a conquista da Taça Internacional Pozzo terá deixado cair o troféu, do qual terá saltado uma lasca, e sem que ninguém se apercebesse - tal era a alegria que tomava conta da delegação italiana - apanhou a dita lasca e meteu-a no bolso, confessando décadas mais tarde na sua autobiografia que tal objeto se tornou no seu amuleto dali em diante, no amuleto com que venceu os Mundiais de 34, de 38, e as Olimpíadas de 36. 
Uma última nota sobre esta edição de estreia para para falar de outra equipa maravilha dos anos 30, a Áustria, de Hugo Meisl, cujo futebol encantador granjeou precisamente o rótulo de Wunderteam... a equipa maravilha. Foi aquela inesquecível Wunderteam que aplicou à campeã Itália as suas duas únicas derrotas ao longo da prova, 1-0 em Bolonha, e 3-0 em Viena.

Classificação:

1-Itália: 11 pontos
2-Áustria: 10 pontos
3-Checoslováquia: 10 pontos
4-Hungria: 9 pontos
5-Suíça: 0 pontos

Uma Wunder... conquista

Pintura do Wunderteam de Hugo Meisl
A segunda edição da Taça Internacional foi conquistada pela tal equipa histórica austríaca, por um grupo de homens que interpretavam o jogo de uma forma sublime, transpondo para os relvados uma técnica apurada aliada a uma rapidez de movimentos estonteantes, encantando desta maneira todos aqueles que tiveram o privilégio de os ver atuar. Esse grupo de artistas ficou eternizado como a Wunderteam, a equipa maravilha, traduzindo para a língua de Camões. Edificada pelo lendário treinador Hugo Meisl - o criador desta Taça Intercontinental, recorde-se - a Wunderteam só por uma ocasião conheceu a derrota na caminhada vitoriosa nesta segunda edição da prova, logo no primeiro encontro do certame, em Milão, no dia 22 de fevereiro de 1931, diante dos campeões em título, a Itália, por 1-2. Milão, que três anos mais tarde haveria de ser novamente uma cidade de más recordações para os jogadores de Meisl, já que ali, no San Siro, seriam injustamente derrotados pela Itália de Pozzo na meia-final do Campeonato do Mundo de 34. Injustamente, porque não só foram melhores que os transalpinos - há quem defenda que a Áustria era de longe a melhor equipa desse Mundial - mas sobretudo porque uma arbitragem vergonhosa do suíço Rene Mercet - reza a lenda que a mando de Mussolini - atirou a Wunderteam para fora da competição. 

Matthias Sindelar, a estrela do Wunderteam
Mas voltando à segunda edição da Taça Internacional para referir que esta foi a edição mais curta da... curta história do evento. Teve início, como já vimos, a 22 de fevereiro de 1931, e final a 28 de outubro de 1932, dia em que a Checoslováquia derrotou em Praga a Itália por 2-1. Destaque ainda nesta edição para os primeiros pontos conquistados pelo Suíça, que na edição de estreia haviam ficado a zeros. Comandados pelos talentosos irmãos Abegglen - Max e Trello - os helvéticos somaram cinco pontos, fruto de dois triunfos - ante a Checoslováquia e a Hungria - e um empate surpreendente perante os campeões em título, a Itália.
Transalpinos que além da derrota de Praga foram vergados ao vistoso futebol austríaco em Viena, com as luzes da ribalta desse encontro - que terminou com a vitória da turma de Meisl por 2-1 - a centrarem-se na grande estrela daquela inesquecível seleção, Matthias Sindelar, o virtuoso homem de papel, sobre quem o Museu já falou noutras viagens ao passado, e que nesse encontro faria os dois golos da sua equipa. Sobre esta célebre equipa austríaca muitos historidores do belo jogo defendem ter sido a fonte de inspiração para o futebol total edificado pela Holanda na década de 70. 
O inesquecível Wunderteam da Áustria que em 1932 venceu a Taça Internacional

Classificação:

1-Áustria: 11 pontos
2-Itália: 9 pontos
3-Hungria: 8 pontos
4-Checoslováquia: 7 pontos
5-Suíça: 5 pontos

Campeões do Mundo prolongam festejos


Golos de Schiavio e Meazza deram
início à caminhada triunfal da
Squadra Azzurra na 3ª edição do torneio
Com mais ao menos polémica - por influência do ditador Benito Mussolini - a Itália havia conquistado o Mundo em 1934, isto é, o Mundial organizado pela FIFA. Este feito coincidiu no tempo com a reconquista da Taça Internacional, que com a extinção da competição, em 1960, fez da Squadra Azzurra a nação mais titulada. Na verdade, a caminhada triunfal dos pupilos de Vittorio Pozzo começou cerca de um ano antes da consagração planetária em Roma, quando a 2 de abril de 1933 a terceira edição da Coupe Internationale européenne arrancou em Genebra com uma vitória italiana sobre a Suíça por 3-0, com golos de duas das maiores estrelas da Azzurra, Angelo Schiavio (2) e Giuseppe Meazza. O derradeiro encontro do certame ocorreu mais de um ano após a conquista do Mundial de 1934, quando a 24 de novembro de 1935 os italianos empataram - em Milão - a dois golos ante a Hungria, prologando assim, de certa forma, a festa iniciada em Roma no dia 10 de junho de 34, quando um triunfo por 2-1 sobre a Checoslováquia permitiu aos italianos alcançarem o topo do Mundo pela primeira vez. A década de 30 foi, como já referimos no início desta viagem ao passado, o período dourado do calcio italiano, com o domínio absoluto em todas as competições em que a squadra edificada pelo mestre Pozzo participou. O cheiro da pólvora proveniente das armas que edificaram a II Grande Guerra Mundial fez desaparecer o perfume futebolístico daqueles mágicos anos 30. As nuvens negras do confronto bélico eclipsaram estrelas como Sindelar, Meazza, Schiavio, Hiden, Monti, Combi, Orsi, os irmãos Abegglen, ou os mestres da tática Meisl e Pozzo, que por direito próprio ganharam para sempre um lugar no Olimpo dos Deuses do desporto rei

Classificação:

1-Itália: 11 pontos
2-Áustria: 9 pontos
3-Hungria: 9 pontos
4-Checoslováquia: 8 pontos
5-Suíça: 3 pontos

Uma quarta edição da Taça Internacional arrancou a 22 de março de 1936, tendo-se realizado até abril de 1938 mais de uma dezena de encontros. Porém, a chegada da guerra (1939) aliada à anexação político-militar da Áustria por parte da Alemanha fez com que o torneio não chegasse ao fim. 

Mágicos magiares apresentam-se ao Mundo


Major Puskas parece estar a ensinar
aos seus companheiros de seleção
como se faz um golo de belo efeito
Com o desaparecimento do mapa futebolístico internacional da Áustria e da Itália abriu-se a porta da fama - e da glória - a uma outra equipa lendária do planeta da bola, a Hungria. Após mais de uma década de interrupção eis que a 21 de abril de 1948 a Taça Internacional estava de volta, e com novas figuras. Nesse dia a Hungria esmagava em Budapeste a Suíça por 7-4, com dois golos de um até então desconhecido - para o futebol internacional - Ferenc Puskas. Estava dado o primeiro passo de uma caminhada que haveria de terminar em glória...em 13 de dezembro de 1953, data do último jogo desta quinta edição. Cinco anos foram precisos para coroar a Hungria de Puskas, Czibor, Hidgkuti, ou Koczis, jogadores que sob as ordens do mestre da tática Gusztav Sebes, edificaram uma das mais belas equipas da história do jogo, um conjunto de artistas que praticou um futebol de fino recorte técnico e tático, uma seleção que na opinião de muitos historiadores foi a melhor... do Mundo da década de 50, melhor até que o Brasil de 1958, orquestrado pelas então estrelas emergentes Pelé, e Garrincha. 1953 foi um ano inolvidável para o futebol húngaro, não só porque venceu este título continental - um ano antes havia conquistado o ouro olímpico em Helsínquia - mas sobretudo porque os magiares humilharam os inventores do futebol, a Inglaterra, na sua própria casa, na catedral de Wembley, jogo esse - que terminou com uma categória vitória magiar por 6-3 - já evocado pelo Museu Virtual do Futebol noutras viagens históricas. Porém, do sonho ao pesadelo o trajeto foi curto para um um grupo de lendários intérpretes do jogo que ficaram eternizados como os Mágicos Magiares, pois no - chuvoso - verão de 54 deram de caras com o azar... na final do Campeonato do Mundo, onde uma inferior - em todos os sentidos - Alemanha protagonizou o Milagre de Berna, o milagre que impediu as estrelas húngaras de subir aos céus do planeta da bola, o mesmo será dizer, de conquistar um Mundial que lhes estava previamente destinado. 
Os Mágicos Magiares, uma das mais brilhantes equipas que o Mundo conheceu


Classificação

1-Hungria: 11 pontos
2-Checoslováquia: 9 pontos
3-Áustria: 9 pontos
4-Itália: 8 pontos
5-Suíça: 3 pontos 

Escola de Leste encerra a história da Taça Internacional


Masopust, o maior jogador checo de todos os tempos
conduz os esférico
A sexta e última edição da Taça Internacional surgiu com algumas mudanças. Desde logo o troféu seria rebatizado, passando a chamar-se Dr. Gero Cup, em memória do presidente da Federação Austríaca de Futebol, Josef Gero, que em 1954 havia falecido de forma repentina. Outra novidade era o aumento para seis equipas, juntandando-se aos cinco países fundadores a Jugoslávia - que no seu grupo contava com um jogador chamado Bora Milutinovic, que quatro décadas mais tarde haveria de entrar para a história do futebol por ser o técnico com mais presenças consecutivas em fases finais de Campeonatos do Mundo. E seria precisamente a seleção austríaca, bem longe no que a qualidade dizia respeito à Wunderteam de Meisl na década de 30, que a 27 de março de 1955 dava o pontapé de saída nesta última edição, sendo derrotada (2-3) em Brno pelos futuros campeões da competição, a Chescoslováquia. Apesar de não ser tão encantadora como a Hungria - na opinião de muitos - a seleção checa foi digamos que a última intérpreta da famosa escola do Leste europeu, uma escola que escreveu dezenas das mais brilhantes páginas da história do jogo, graças a um estilo técnico-tático muito próprio, um estilo onde o futebol espetáculo era aliado à esquemas táticos revolucionários e inovadores. A última Taça Internacional terminaria a 6 de janeiro de 1960, em Nápoles, com a Itália a bater a Suíça por 3-0, quase dois meses depois da Checoslováquia - liderada no relvado pela estrela Masopust - ter assegurado matematicamente o título graças a um trinfro sobre esta mesma Itália por 2-1. 
Quiçá inspirada na competição idealizada e criada por Hugo Meisl nos finais da década de 20, a UEFA - fundada em 1954 - lançou em 1960 o Campeonato da Europa, prova aberta a todas as nações europeias, bem diferente desta Coupe Internationale européenne, que apesar de ter tido vida curta foi disputada por alguns dos melhores jogadores, treinadores, e equipas do planeta do futebol... de todos os tempos. 
Checoslováquia, os derradeiros campeões da Coupe Internationale européenne


Classificação:

1-Checoslováquia: 16 pontos
2-Hungria: 15 pontos
3-Áustria: 11 pontos
4-Jugoslávia: 9 pontos
5-Itália: 7 pontos
6-Suíça: 2 pontos