Lance do confronto entre Barreirense e Dínamo de Zagreb |
Ataque à baliza do Dínamo |
Quis
o sorteio que o padrinho do Barreirense na alta roda do futebol internacional
ao nível de clubes fosse o Dínamo de Zagreb, tão só uma das maiores potências
da então Jugoslávia. Dínamo que ostentava já no seu palmarés um título
continental, no caso a Taça das Cidades com Feira da época de 66/67, onde na
final derrotaram os ingleses do Leeds United. Era pois um clube com pergaminhos
europeus aquele que o Barreirense tinha pela frente, colocando aos portugueses
a fasquia da dificuldade num nível alto.
Mas
futebol é futebol, e tudo é possível, como ficou provado no jogo da 1.ª mão
desta 1.ª eliminatória da TCcF. Jogo este que aconteceu no dia 16 de setembro
de 1970, tendo como palco o Estádio D. Manuel de Melo, no Barreiro, que viveu
uma autêntica tarde de festa. Disso dá conta o jornal A Bola, que no dia seguinte a este encontro trouxe uma extensa
reportagem sobre a estreia do Barreirense na Europa do futebol.
A equipa do Barreiro que participou na Taça das Cidades com Feira em 70/71 |
«Foguetes, cabeçudos, tambores e uma infindável alegria foram o "folclore" do campo do Barreirense. Os jugoslavos ficaram surpreendidos com o ar festivo que por "tabela" os acolheu», podia ler-se numa foto-legenda publicada sobre esse encontro pelo jornal da Travessa da Queimada. Não era, contudo, a primeira vez que a cidade do Barreiro se vestia a preceito para acolher um jogo alusivo às eurotaças, visto que por duas ocasiões na década de 60 também a CUF havia entrado também em ação na TCcF.
Mas
esta era a primeira vez do Barreirense, agora treinado pelo brasileiro Edsel
Fernandes, o qual não teria muita sorte nesta sua aventura em terras lusas. O
técnico, que fizera furor ao serviço América do Rio de Janeiro, saiu ao fim de
oito jornadas a contar para o Nacional da 1.ª Divisão, deixando na altura o
clube em último lugar da tabela classificativa, sendo substituído por Artur
Quaresma.
Mas
neste confronto com os jugoslavos ele estava no banco barreirense, a comandar
uma equipa que na baliza tinha já uma promessa do futebol português, e que nos
anos seguintes viria a tornar-se numa lenda. Manuel Bento, o seu nome. Então
com 23 anos, o guardião, nascido na Golegã, iniciara a sua carreira como sénior
ao serviço do Barreirense, transferindo-se para o Benfica dois anos mais tarde.
Também
oriundo do América do Rio de Janeiro tinha chegado o defesa Nelinho, que na
verdade teve uma passagem muito discreta por Portugal. Este jogador faria,
porém, furor no regresso ao Brasil, onde defendeu com arte as cores do Cruzeiro
e da seleção brasileira, que defendeu nos Mundiais de 1974 e de 1978.
Mas
voltando à festa que na tarde de 16 de outubro de 70 estoirou no Barreiro,
dizer que ela seria ainda maior no final do encontro, já que o Barreirense se
agigantou e derrotou os teoricamente favoritos do Dínamo de Zagreb por 2-0.
Manuel Bento |
Apesar
deste ímpeto inicial de querer vencer, o Barreirense acusou a estreia
internacional, facto expresso nos números aparentemente curtos do triunfo. Pois
se a tarimba internacional fosse outra, «os
jogadores do Barreiro poderiam a estar hora estar tranquilamente deitando
contas à vida adivinhando o nome do próximo adversário, se, realmente,
possuíssem a seu favor a experiência, o calo, a rotina deste tipo de jogos. É
que o triunfo, justo, justíssimo, não se alargou como devia, não criou
amplitude porque vieram ao de cima em situações importantes da partida as
inibições que adivinhamos possíveis no conjunto orientado por Edsel Fernandes»,
escrevia Homero Serpa quiçá adivinhando o vendaval que iria varrer com o
Barreirense da Europa na viagem à então Jugoslávia. Este resultado foi digamos
que lisonjeiro para um Dínamo que de
acordo com o jornalista não terá pesado bem o valor do futebol português
daquele tempo, nem mesmo o facto de o Barreirense ter na época transata
alcançado um brilhante 4.º lugar no campeonato nacional. No Barreiro, apareceu
um Dínamo «confuso, surpreendido,
indeciso, que deu a chance aos adversários, admitiu-lhes o futebol genicoso e
apenas tentou contrapor-lhe uma monótona maneira de fazer passar o tempo,
aguentando a bola ou mesmo fazendo-a passar os limites das quatro linhas».
Câmpora |
Este
golo galvanizou o Barreirense, que a partir daqui balanceou-se por completo ao
ataque, "desenhando" no relvado «jogadas
muito bem delineadas, conduzidas, por norma, pelos extremos que sempre tentaram
concluí-las, metendo a bola nos pés ou na cabeça dos companheiros da zona
frontal. Podemos dizer, sem sombra de favoritismo, aliás absolutamente
descabido, que o Barreirense foi a única equipa organizada e com poder atacante
durante todo o primeiro tempo», assim analisava Homero Serpa.
O internacional brasileiro Nelinho com o manto sagrado do Barreirense |
No
rescaldo final desta histórica vitória da equipa da margem sul, Homero Serpa
escrevia que acontecesse o que acontecesse nesta eliminatória entre o novato
Barreirense e o experiente Dínamo de Zagreb, «uma verdade já é incontestável: a turma do Barreiro fez um excelente
resultado, realizou uma bela partida e venceu com todo o merecimento. Foi uma estreia
brilhante, tão brilhante que os jugoslavos, jogadores de categoria e habituados
a competir a nível europeu, não conseguiram sequer empalidecer. Na história do
glorioso Barreirense pode acrescentar-se este capítulo inédito. (...) O
Barreirense jogou muito unido, muito apoiado, e magnificamente consciente da
utilidade de cada pedra, dando-lhe o valor e o trabalho consequentes».
Nas
cabines foram ouvidos alguns dos protagonistas deste embate, tendo Câmpora dito
que «o jogo foi difícil. Não metemos mais
golos porque também tínhamos de defender, mas lá fora os nossos golos valem
dois e não devemos ficar em branco».
Aspeto da bancada do Estádio D. Manuel Melo no dia do batismo europeu do Barreirense |
Esta
vitória fica, naturalmente, para a história, mas seria demasiado curta para que
o Barreirense prosseguisse o sonho europeu, já quem em Zagreb seria goleado por
6-1.
E
para a história fica a ficha deste jogo do Barreiro, que teve arbitragem do
francês Georges Uhlén:
Barreirense:
Manuel Bento, Artur Serra, Alfredo Bandeira, João de Almeida, Francisco
Candeias (Luís Mira, 80), José João, Valter Costa (Nelinho, 57), João Carlos,
José Carlos, Henrique Câmpora, e Serafim de Oliveira. Treinador: Edsel Fernandes.
Dínamo de Zagreb: Fahrija Dautbegovic, Zlatko Mesic, Mladen Ramljak, Branko Gracanin, Josip Lalic (Marijan Cercek, 46), Filip Blaskovic, Josip Gucmirtl, Daniel Piric, Krasnodar Rora, Josip Razic (Ivan Miljkovic, 63) e Drago Vabec. Treinador: Zlatko Čajkovski.
Vídeo: BARREIRENSE - DINAMO DE ZAGREB*
Nenhum comentário:
Postar um comentário