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terça-feira, julho 26, 2022

Arquivos do Futebol Português (25)...

Uma das primeira equipas do Belenenses

23 de setembro de 1919 é uma data história para o desporto português. Não só para o futebol, mas para todo o nosso desporto de uma forma geral. Foi nesse dia, ou melhor nessa noite de verão, que o sonho daquele que foi considerado como o primeiro grande futebolista português se tornou em realidade, e dessa realidade nasceu um dos emblemas mais ilustres do nosso desporto: o Clube de Futebol "Os Belenenses".

Como já foi referido, estávamos no verão, estávamos num período de ressaca da I Guerra Mundial, e para os lados de Belém um grupo de futebolistas oriundos daquelas paragens, e que defendiam as cores de outros emblemas lisboetas, sonharam em fundar um clube do seu bairro, do seu berço, um clube de Belém. Entre esses futebolistas encontrava-se Artur José Pereira, o tal astro do então futebol luso, o nosso primeiro grande artista da bola, dizem muitos historiadores. Ele que nasceu ali, em Belém, e que enquanto futebolista brilhou ao serviço do União Belenense, na temporada de 1907/08, do Benfica entre as épocas de 1908/09 a 1913/14 (vencendo 3 campeonatos de Lisboa), e do Sporting, entre as temporadas de 1914/15 a 1918/19 (vencendo 2 campeonatos de Lisboa e 3 Taças de Honra). Foi num banco do jardim da Praça Afonso de Albuquerque que o sonho foi tornado em realidade, tendo Artur José Pereira, então com 30 anos de idade, juntamente com o seu irmão Francisco Pereira, aos quais se juntaram nomes como Carlos Sobral, Henrique Costa, Júlio Teixeira, Joaquim Dias, Júlio Teixeira Gomes, e Manuel Veloso, idealizado o tal clube com raízes em Belém. Até que em 23 de setembro de 1919 dá-se a fundação do clube, que com o passar dos anos, das décadas, se tornou num dos (4) grandes de Portugal, conquistado títulos e prestígio a nível nacional e internacional. As primeiras coroas de glória surgiram nas décadas de 20 e 30, quando os azuis - como ficaram conhecidos devido às suas cores - venceram por três vezes o Campeonato de Lisboa (1925/26, 1928/29 e 1931/1932) e o Campeonato de Portugal (1927, 1929 e 1933). Em 1946 o clube alcança aquele que é porventura o seu maior título, o Campeonato Nacional da 1.ª Divisão. O Belenenses tem ainda uma boa tradição na Taça de Portugal, troféu que conquistou em três ocasiões, nas temporadas de 1941/42, 1959/60 e 1988/89. Mas isto só no futebol, porque se alargarmos o leque para outras modalidades a palmarés do clube é abismal.

O primeiro jogo da história do (futebol do) Belenenses acontece a 9 de novembro de 1919, no Campo Grande, frente ao Vitória de Setúbal. Na foto que podemos ver acima está uma das primeiras equipas do clube, podendo ver-se, da esquerda para a direita, os seguintes nomes: Joaquim Rio, Carlos Sobral, Francisco Pereira, Aníbal dos Santos, Manoel Veloso, Mário Duarte, Arnaldo Cruz, Alberto Rio, Edmundo Campos, Romualdo Bogalho e Artur José Pereira. Este último jogador representou o clube que ajudou a fundar de 1919 a 1922.    

A equipa do Sporting, campeão de Lisboa em 1918/19

A época de 1918/19 fica ainda marcada, no que diz respeito ao futebol da capital, por um braço de ferro entre os dois outros grandes da capital, Benfica e Sporting, pela conquista do título regional. Este Campeonato de Lisboa foi um dos mais disputados de sempre, segundo reza a história, facto que pela primeira vez obrigou a que fosse realizada uma finalíssima para se encontrar o campeão. A prova foi discutida por cinco clubes, a saber, o Sporting, o Benfica, o CIF, o Império, e o Vitória de Setúbal, último emblema este que fazia a sua estreia nas 1.ª categorias ao nível do regional lisboeta. A competição foi disputada taco a taco entre os dois rivais - que cada vez mais o eram - Benfica e Sporting, embora na primeira volta a que juntar a esta dupla o Vitória sadino, que em época de estreia não perdeu um único encontro na primeira etapa do campeonato. O setubalenses perderam gás na segunda volta, deixando o caminho aberto para que benfiquistas e sportinguistas lutassem entre si sem qualquer oposição. Os dois clubes terminaram o campeonato empatados pontualmente, tendo a Associação de Futebol de Lisboa decidido desempatar a contenda com uma finalíssima, a qual acontecia pela primeira vez na história. A 14 de julho de 1919 teve lugar a primeira mão dessa finalíssima, disputada em casa dos encarnados, tendo o Sporting vencido por 1-0, com golo de Alfredo Perdigão, tendo a curiosa particularidade de neste encontro os leões terem alinhado durante 45 minutos com 10 elementos, pois Artur José Pereira atrasou-se e só jogou a etapa complementar! A segunda mão jogou-se no dia 20, do mesmo mês, sendo que o Spoting venceu novamente, deste feita por 2–1, num encontro marcado pela violência e com três expulsões, dizendo-nos a história que este jogo terminou com agressões por parte dos adeptos do Benfica a jogadores e dirigentes do Sporting após uma invasão de campo. Os leões eram assim campeões de Lisboa pela segunda vez na sua história, e Artur José Pereira despedia-se da melhor forma do emblema verde-e-branco, pois dali partira para fundar o Belenenses. Para a eternidade ficam os nomes dos sportinguistas campeões: Francisco Quintela, Carlos Fernando Silva, Amadeu Cruz, Jorge Vieira, João Francisco, Boaventura da Silva, Artur José Pereira, Joaquim Caetano, Torres Pereira, Francisco Stromp, Jaime Gonçalves, Jusa, Alfredo Perdigão, Alberto Loureiro, Marcelino Pereira, Alberto Rio, e John Armour.

segunda-feira, junho 25, 2018

Histórias do Futebol em Portugal (21)... Memórias de uma primeira vez na alta roda do futebol internacional (3.ª parte)

Jorge Vieira e o capitão jugoslavo
antes do pontapé de saída
Com João dos Santos no lugar do castigado – pela dureza chilena – Armando Martins, Portugal voltaria a entrar em campo apenas dois dias depois do jogo de estreia. Os oponentes eram agora os jugoslavos. Equipa, cujo onze se apresentava fisicamente superior ao dos lusos, e além disso estava mais fresco, pois iria entrar em campo no torneio pela primeira vez, contrariamente aos pupilos de Cândido de Oliveira, que haviam gasto energias na pré-eliminatória ante o Chile.
No entanto, Portugal voltou a estar em grande nível, alcançando uma nova e épica vitória, tendo no plano individual o destaque ido para Augusto Silva, cuja estupenda exibição, coroada com um golo – o da vitória por 2-1 – apontado em cima dos 90 minutos lhe valeu o “título” de herói da tarde, tendo, no final, sido transportado em ombros pelos seus colegas de equipa.

Portugal ataca a baliza da Jugoslávia
Tal como ante o Chile, também Portugal esteve a perder, mas a veia goleadora de Vítor Silva esteve deste feita em evidência, com o avançado do Benfica a não se apresentar tão perdulário como no primeiro encontro e a restabelecer a igualdade ainda no decorrer da primeira parte. Pepe, Carlos Alves e Roquete foram igualmente endeusados pela imprensa portuguesa no final do embate com os jugoslavos, graças às suas brilhantes performances. Carlos Alves, o luvas pretas (avó de João Alves), esteve sempre muito seguro na defesa, afastando com classe por diversas vezes o perigo da sua área; enquanto que Pepe esteve em todo o lado, à direita, na esquerda, sempre farejando a bola na tentativa de causar pânico na baliza de Siflis (considerado então um dos melhores guarda-redes da Europa); ao passo que Roquete voltou a ser decisivo em inúmeras ocasiões a negar o golo aos possantes avançados dos balcãs. O aspeto negativo desta partida residiu na expulsão de Valdemar Mota, na sequência de uma carga sobre o guardião contrário quando este já estava no chão com a bola em seu poder. O juíz alemão Birlem não teve complacência e ordenou que o jogador do FC Porto abandonasse o terreno. Mas o mais importante de tudo é que Portugal já ia segunda vitória e os quartos-de-final eram agora uma realidade. Nada mau mesmo para uma estreia deste gabarito internacional.

Quartos-de-final onde figuravam os grandes favoritas à conquista do ouro olímpico, ou o mesmo será dizer, do título de campeão mundial. Argentina, Uruguai, Espanha, Itália e Bélgica (campeã olímpica em 1920) estavam todos na luta. Quis, no entanto, a sorte – ou o azar como mais tarde se viria a revelar – que o adversário dos portugueses no caminho para chegar às meias-finais fosse o aparentemente desconhecido Egito. O nosso país estava num estado de euforia total, e ninguém esperava que depois de eliminar os bravos e agressivos chilenos, e os técnica e fisicamente apurados jugoslavos, o Egito pudesse pôr cobro a esta aventura olímpica. De tal maneira que muita gente já pensava no confronto com a poderosa Argentina do temível avançado Tarasconi (que viria a sagrar-se o melhor marcador deste torneio olímpico), que com um poker (quatro golos) havia contribuído – e muito – para afastar a Bélgica nestes quartos-de-final.

Sfilis, o poderoso guardião dos balcãs
No dia 4 de junho, cerca de 3,500 espetadores assistem no Olímpico de Amesterdão ao último duelo desta ronda eliminar, entre portugueses e egípcios. Roquete, Carlos Alves, Jorge Vieira (capitão), Raul Tamanqueiro, Augusto Silva, César de Matos, Valdemar Mota, Pepe, Vítor Silva, Armando Martins e José Manuel Martins, constituem o “onze” que exibiu orgulhosamente a camisola vermelha da seleção nacional (o resto da indumentária era constituída por calções azuis e meias brancas com nuances de verde e vermelho).
Extremamente velozes e perigosos no ataque, os egípcios criaram dificuldades aos lusos que apesar de tudo exerceram o domínio em vários períodos do jogo. Durante o primeiro tempo, os avançados de Portugal deram que fazer ao último reduto dos africanos, com remates de todas as formas e feitios que obrigavam o guardião Handi e a sua defesa a trabalhos redobrados. Uma bola perdida por parte de Carlos Alves esteve na origem do primeiro golo do encontro, aos 15 minutos, tendo Mokhtar batido o desamparado Roquete.

Posto isto, o equilíbrio imperou até final do primeiro tempo, sem que tenham surgido grandes ocasiões de golos para qualquer das partes. Porém, logo a abrir a segunda parte, Portugal sofre um novo golpe. Augusto Silva é driblado por um egípcio (Riad, no caso) no meio campo, o qual, depois desta maldade ao médio do Belenenses, sai disparado em direção à baliza de Roquete, apanhando desprevenida a retaguarda composta por Carlos Alves e Jorge Vieira, e quando chega próximo do guarda-redes do Casa Pia mais não faz do que um brilhante chapéu que aninhou a bola nas redes lusas. 2-0.

Os lusos esmoreceram um pouco após este novo golpe, mas até final chamaram a si o domínio dos acontecimentos, rematando vezes sem conta à baliza africana na tentativa de minorar os estragos e reentrar na luta pelo resultado. Até que numa dessas incursões, Valdemar Mota – que apesar de expulso na partida anterior pôde estar em campo nesta nova batalha – cruza a bola para Vítor Silva, que a atira para a baliza. Sobre a linha de golo o guardião Handi tenta a defesa, sacudindo a bola já para lá da linha fatal, mas... o árbitro italiano Mauro faz vista grossa e não valida o tento a Portugal, de nada valendo os assobios do público holandês que se mostrava afeto à nossa seleção. Curioso, é que o fiscal de linha – também ele holandês – afirmou ter sido golo, mas Mouro mostrou quem mandava, e categoricamente respondeu aos vivos protestos portugueses com um: não! Não foi golo!

Lance da final Olímpica de 1928
Abalados por esta decisão, os portugueses continuaram, no entanto, a carregar e quando faltavam 14 minutos para o fim Vítor Silva reduziu a desvantagem. Até ao fim, Roquete foi um mero espetador a ver jogar os seus companheiros da frente, os quais lutaram até à exaustão pelo golo que valesse o empate e quiçá levar o tira-teimas para um novo jogo (na época não havia prolongamento, muito menos o desempate por grandes penalidades). A cinco minutos dos 90, Valdemar Mota inicia mais um ataque à baliza africana, fez um centro perfeito para a área, mas não havia ninguém para dar o melhor seguimento ao esférico. E assim se gastava o último cartucho luso no jogo. O sonho chegava ao fim. Portugal estava ingloriamente fora do torneio que haveria de ser (re)conquistado pelos magos do Uruguai numa frenética finalíssima diante dos vizinhos e velhos inimigos do outro lado do Rio da Prata – a Argentina. A Federação Portuguesa de Futebol ainda protestou o jogo, pelo erro do italiano Mauro, que anulou um golo limpo aos nossos rapazes, mas em vão, o Egito seguia em frente.

Apesar de tudo, a imprensa mundial rendeu-se aos portugueses no cair do pano do torneio olímpico de 1928. O jornal parisiense L' Auto escrevia que «Os chilenos chegaram a Amesterdão com a esperança de fazer tanto quanto tinham feito os uruguaios há quatro anos em Paris. Infelizmente para eles, a sorte opôs-lhes, logo no primeiro dia, uma das melhores equipas da Europa». O mesmo jornal escrevia após o desaire da seleção nacional perante o Egito o seguinte: «O onze português é sem dúvida o melhor dos todos os grupos apresentados pelos latinos da Europa».
Augusto Silva, Valdemar Mota e Raul “Tamanqueiro” Figueiredo foram escolhidos pelos jornalistas presentes como dos melhores jogadores revelação do torneio, a par de Monti (Argentina), Rivolta (Itália), Gestido (Uruguai), ou Evaristo (Argentina).
O jornal Echo des Sports, também de Paris, escrevia que «a equipa portuguesa foi uma das mais completas do torneio. Pela sua partida contra o Egito, Portugal merecia não só figurar na meia-final como também na final».

No futebol não existem vitórias morais, é certo, mas não é menos certo que estas são palavras que encheram de orgulho a nação lusa nesta sua primeira aventura (oficial) internacional, como ficou comprovado na receção apoteótica que a comitiva portuguesa teve no Rossio, quando do regresso a casa.
Estava dado o primeiro passo da caminhada que conduziu Portugal à glória e fama internacional dos dias de hoje.

terça-feira, junho 19, 2018

Histórias do Futebol em Portugal (20)... Memórias de uma primeira vez na alta roda do futebol internacional (2.ª parte)


Cândido de Oliveira,
o Timoneiro
Esperança, vontade de aprender e orgulho em servir a pátria no palco mais importante do futebol mundial “invadia” o grupo português que partiu para Amesterdão no dia 22 de maio de 1928. Holanda, França, Luxemburgo, Argentina, Estónia, Egito, Bélgica, Turquia, Estados Unidos da América, Espanha, Uruguai, Alemanha, Chile, Suíça, México, Jugoslávia e Portugal, eis os integrantes do cartaz do torneio olímpico de 1928. Uns mais favoritos do que outros, naturalmente. Jornalistas de todo o Mundo rumaram a Amesterdão para acompanhar os JO, sendo que grande parte deles o fez pelo futebol, a modalidade que movia uma crescente massa adepta no globo terrestre. Alemanha apresentava o maior número de jornalistas presentes nos Jogos, com 54, ao passo que Portugal enviava somente oito, entre outros António Ferro (Diário de Notícias), Adelino Mendes (O Século), Salazar Correia (Ilustração), Ribeiro dos Reis (Os Sports) e Cândido de Oliveira (Diário de Lisboa). Esta última figura viajava para a Holanda com uma dupla função, não só com a responsabilidade de transformar – brilhantemente, como era seu apanágio – em notícia os acontecimentos de Amesterdão, mas sobretudo o de liderar sob o ponto de vista técnico o combinado nacional. Cândido Fernandes Plácido de Oliveira (nasceu a 24 de Setembro de 1896), é uma das figuras mais marcantes da história do futebol em Portugal. Mestre Cândido – como era conhecido – foi o primeiro grande estudioso do futebol em Portugal, responsável maior pelo aparecimento da seleção nacional, trabalhador incansável no sentido de que o futebol português se colocasse ao nível do que acontecia nos outros países da Europa, sobretudo nas suas vertentes organizativas. 

A comitiva nacional antes
partida para Amesterdão
Como já referimos, a comitiva nacional embarcou no Sud Express (comboio) rumo a Amesterdão no dia 22 de maio de 1928. Largas centenas de pessoas foram à gare do Rossio saudar e endereçar votos de “boa sorte” aos “embaixadores” do futebol nacional. A partida foi entusiástica, calorosa e vibrante. Os aplausos da multidão só pararam de se ouvir quando o comboio desapareceu de vista na escuridão do túnel do Rossio. O país – ainda que representado por algumas largas dezenas de entusiastas que marcaram presença no momento do embarque – depositava uma entusiasmante esperança em António Roquete (Casa Pia), Carlos Alves (Carcavelinhos), Jorge Vieira (Sporting), Raul “Tamanqueiro” Figueiredo (Benfica), Augusto Silva (Belenenses), César de Matos (Belenenses), José Manuel Soares “Pepe” (Belenenses), Vítor Silva (Benfica), José Manuel Martins (Sporting), Cipriano dos Santos (Sporting), Jorge Tavares (Benfica), Liberto dos Santos (União de Lisboa), Alfredo Ramos (Belenenses), Armando Martins (Vitória de Setúbal), João dos Santos (Vitória de Setúbal), Aníbal José (Vitória de Setúbal), Óscar de Carvalho (Boavista) e Valdemar Mota (FC Porto). Estes eram os heróis nacionais do povo português, os jogadores que iriam defender a pátria no então palco principal do futebol mundial. Com estes seguiam Salazar Correia, Ribeiros dos Reis e Cândido de Oliveira, que além de jornalistas integravam igualmente os quadros da Federação Portuguesa de Futebol, aos quais se haveria de juntar, em Paris, o tenente-coronel Manuel Latino, membro do Comité Olímpico de Portugal. 

A viagem até Amesterdão durou 40 horas (!), tendo pelo meio a comitiva lusa feito uma escala em Paris, onde pernoitou antes de assentar arraiais na Holanda. Chegados ao país da Tulipas – cerca das 22H00 do dia 24 de maio – ecos de descontentamento desde logo se fizeram ouvir pelos jogadores lusos em consequência da verdadeira espelunca em que foram despejados. As dormidas eram no Holland Hotel, ao passo que as refeições eram servidas no Hotel Suisse. Quartos pequenos e comida má, eram queixas recorrentes dos guerreiros lusos. O primeiro treino da seleção em solo holandês ocorreu – no dia seguinte – no campo do Ajax, clube este cujo massagista foi contratado pela nossa federação para tratar da saúde física dos nossos rapazes. Ainda no dia 24 a FIFA realiza em Amesterdão um congresso, tendo o seu mítico presidente, Jules Rimet, recebido das mãos da rainha Guilhermina (da Holanda) uma condecoração na sequência dos serviços prestados em prol da dinamização do futebol planetário. Rimet agradeceu, cumprimentou todas as delegações presentes e falou na união de todas as nações através do desporto e do futebol em particular. Estavam lançadas as sementes do que viria a ser uma realidade dois anos depois: o nascimento do Campeonato do Mundo da FIFA. O sonho de Jules Rimet estava a caminho. 

Fase do duro
duelo com o Chile
O sorteio do torneio olímpico ditou que o estreante Portugal teria de enfrentar outra seleção nova nestas andanças internacionais: o Chile, numa pré-eliminatória. Feita à adaptação ao “excelente relvado” - segundo nota dos responsáveis técnicos lusos – do Olímpico de Amesterdão, a seleção entrou em ação no dia 27. Sob arbitragem do egípcio Mohamed, Portugal alinhou com: Roquete, Carlos Alves, Jorge Vieira (capitão de equipa), Raul Tamanqueiro, Augusto Silva, César de Matos, Valdemar Mota, Pepe, Vítor Silva, Armando Martins, e José Manuel Martins.
No caminho para o estádio o entusiasmo reinava entre os portugueses. Ainda no hotel, antes da entrada no autocarro que os iria conduzir ao Olímpico de Amesterdão, a comitiva entuou a “Portuguesa”, um ato sentimental e de profunda emoção conforme foi descrito pelos presentes  como um sinal de união e determinação em defender de forma briosa a pátria. O pontapé de saída do encontro ante os chilenos foi dado às 15H00, e desde cedo os sul-americanos atacaram energicamente a baliza de Roquete, sendo que logo ao minuto três abriram o marcador. 

O genial Pepe
Os portugueses pareciam nervosos, cometendo vários erros, e apercebendo-se desse facto aliado à vantagem que tinham no marcador, os chilenos continuariam a carregar no acelerador e aos 14 minutos ampliam a vantagem. Depois disto, abrandaram o ritmo e Portugal acordou! O génio de Pepe começou a aparecer pela ala esquerda. Os lusos começaram a atacar com mais perigo, tendo construído e perdido algumas ocasiões flagrantes de golo. Vítor Silva é um dos perdulários. Os centro campistas chilenos usaram e abusaram da dureza, tendo Armando Martins por duas ocasiões sido vítima da extrema agressividade dos sul-americanos, tendo numa delas tido sido transportado em braços para fora do terreno de jogo. Reduzidos momentaneamente a dez elementos os portugueses não tremem, mas numa perigosa investida chilena valeu a atenção e mestria – na tarefa de bem defender a baliza – de Roquete com um espetacular mergulho a evitar o terceiro. E eis que já com Armando Martins em campo, o até então desinspirado avançado Vítor Silva começa a redimir-se e na sequência de um magistral cruzamento de Pepe reduz, aos 38 minutos, a desvantagem lusitana.
O golo animou as hostes portuguesas e dois minutos volvidos Pepe dá o melhor seguimento a um cruzamento de César de Matos e restabelece a igualdade com que se atingiu o intervalo. 

A segunda parte foi inteiramente dominada pelos portugueses. Na sequência de um canto, a bola é aliviada para longe da zona de perigo, mas José Manuel Martins recupera o esférico a favor dos lusitanos, cruzando em seguida para a cabeça de Pepe endereçar o esférico para o interior da baliza à guarda de Ibacache. 3-2 e pela primeira vez Portugal estava na frente do marcador. O Chile corre então atrás do prejuízo, mas sem sucesso dada muralha que se ergueu no meio campo português. Aos 63 minutos um magnífico passe do belenense Pepe para o portista Valdemar Mota resultou no quarto golo da nossa seleção. Após driblar três chilenos Mota fuzila a baliza contrária. Já sem forças, os sul-americanos ainda esboçam uma ténue intenção de voltar a violar a baliza de Roquete, mas tal intenção não chegou a constituir perigo para o nosso onze, que defendeu com “unhas e dentes” o seu goal . E assim chegava o final, com 4-2 a favor dos nossos rapazes, que desta forma avançavam no torneio, enviando os chilenos para o torneio de consolação (uma espécie de competição destinada às seleções derrotadas na pré-eliminatória e na 1ª eliminatória.  

Mais um lance de perigo no jogo de estreia dos lusos
A imprensa destaca o magnífico António Roquete, que salvou a baliza lusa em várias ocasiões; o formidável Raul Tamanqueiro, cujos dribles diabólicos fizeram as delícias dos cerca de 2,300 espetadores presentes; e o brilhante Pepe, o melhor entre os homens mais avançados da seleção. Na bancada estava presente um dos mais brilhantes pensadores (táticos) do futebol mundial daqueles anos, o austríaco Hugo Meisl, o criador do Wunderteam (equipa maravilha) da Áustria dos anos 20, e que impressionado com a qualidade dos portugueses neste jogo tratou de oficializar um convite para que Portugal visitasse a sua nação logo após o torneio olímpico para um match amigável. Nessa mesma noite o cônsul de Portugal em Amesterdão, Barjona de Freitas, organizava uma pequena festa em honra da equipa nacional, que tão orgulhosa deixara a nação após este épico triunfo. Cá pelo burgo, eram muitos os portugueses que se juntavam junto às redações dos principais jornais (em Lisboa os principais locais de afluência eram o Rossio e a Praça do Comércio) para saber novidades de Amesterdão. Numa época em que as transmissões/relatos de jogos de futebol tanto na televisão como na rádio eram ainda uma miragem, os jornais iam dando as informações – que lhes chegavam por telégrafo – do que ia acontecendo no Estádio Olímpico de Amesterdão através de placards gigantes. E assim que foi dada a informação do resultado final, a multidão explodiu de alegria. Melhor estreia na alta-roda internacional, Portugal não poderia ter tido.
(continua)

quarta-feira, maio 22, 2013

Histórias do Futebol em Portugal (13)... Nau de Belém chega à terra prometida

Depois de em 1926 ter estado muito perto de lá atracar, a nau de Belém alcançou um ano mais tarde a terra prometida do futebol português. Fundado precisamente oito anos antes (1919) por Artur José Pereira o Belenenses conquistava em 1927 o primeiro grande título de uma história que nas décadas seguintes haveria de ter (outros) inúmeros momentos de glória, os quais haveriam de fazer deste um dos mais populares e laureados emblemas de Portugal. Clube de Futebol "Os Belenenses" que levou então para casa o título de campeão de Portugal num ano (1927) em que aquela que já era a mais importante e querida competição lusitana conheceu profundas remodelações. O certame foi avolumado, isto é, alargado a mais clubes que não os campeões regionais. Inspirados no sucesso da FA Cup inglesa um trio de ilustres figuras do futebol (e do jornalismo desportivo) português daquele tempo, nomeadamente Ribeiro dos Reis, Ricardo Ornelas, e Cândido de Oliveira, propuseram então que mais clubes pudessem competir no Campeonato de Portugal, constituindo para isso uma comissão que traçou o novo regulamento da prova. Regulamento esse que propunha a edificação de um Torneio de Classificação a anteceder o campeonato, torneio esse dividido em 14 grupos espalhados um pouco por todo o país, sendo que os vencedores desses grupos iriam juntar-se a 15 clubes isentos - isenção que era concedida em face da classificação obtida por esses clubes no seio das respetivas associações distritais - e com lugar desde logo garantido na 6ª edição do Campeonato de Portugal. Nestes moldes um dado estava desde logo garantido: a prova nacional iria ter mais jogos, mais cidades envolvidas, e desde logo mais emoção. E assim foi.
A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) - que assim passou a chamar-se desde 28 de maio de 1926, deixando para trás a designação de União Portuguesa de Futebol - deu luz verde à ideia dos três jornalistas/dirigentes desportivos e o campeonato arrancou a 6 de março de 1927.
Porém, falar do certame ganho pelo Belenenses obriga também a evocar a palavra polémica. Mais uma vez assistiu-se a uma dura batalha da guerra norte-sul... como iremos recordar lá mais para a frente desta viagem ao passado.

Sob a arbitragem de José Simões, os lisboetas do Império - estreantes na competição, fruto de terem sido um dos 14 vencedores dos grupos do Torneio de Classificação - esmagaram diante do seu público os alentejanos do Luso Beja, por 4-0. Este encontro foi disputado no Campo da Palhavã, recinto que neste mesmo dia assistiu a uma segunda partida da 1ª eliminatória do Campeonato de Portugal de 1927, entre o estreante Barreirense e o campeão de Portugal de 1924, o Olhanense. Barreirenses que foram uma das grandes surpresas do certame, ao apresentarem um futebol alegre e vistoso ministrado por um mestre da tática que havia feito furor num passado recente nos então retângulos lusos de terra batida. Augusto Sabbo, engenheiro luso-alemão profundo entendido dos meandros do belo jogo que em 1923 havia conduzido o Sporting à vitória final do Campeonato de Portugal, mas que problemas financeiros leoninos desviaram em meados de 1926 para o Barreiro, onde reunindo um grupo de operários construiu uma das mais belas equipas da história do emblema da margem sul do Tejo.

Voltando ao duelo entre Barreirense e Olhanense o que se assistiu na Palhavã foi um verdadeiro espetáculo de futebol ofensivo, de parte a parte, com os pupilos de Sabbo a levarem a melhor por 9-4! No plano individual deste hino de ataque às balizas destaque para o olhanense José Belo - um dos artistas do título nacional de 24 - que à sua conta apontou os quatro tentos da sua equipa, e para os operários do Barreiro José Correia, e João Pireza, respetivamente autores de quatro e três dos nove tentos barreirenses.
Mais a norte, em Viana do Castelo, o Campo de Monserrate chorou ao ver os portuenses do Progresso saírem da Princesa do Lima com um magro triunfo de 1-0 no bolso sobre o combinado local, o experiente - nestas andanças - Vianense.
Em Braga, no Campo do Raio, dois estreantes mediram forças, o Boavista e o Clube Galitos (de Aveiro). Fizeram a festa os portuenses graças a um triunfo por três golos sem resposta, com José Rodrigues Chelas a vestir o fato de herói após apontar dois tentos.
Outro histórico emblema da cidade do Porto participou pela primeira vez na mais popular competição nacional, de seu nome Sport Comércio e Salgueiros. A jogar em casa (Campo do Covelo) os salgueiristas golearam o representante da Associação de Vila Real, o Sport Clube Vila Real, por 4-0. Arbitrado pelo guarda-redes do Boavista (!), Manuel Sousa, conhecido no planeta da bola por Casoto, o Salgueiros entrou praticamente a vencer no encontro, quando à passagem do minuto três Fontes deu colorido ao marcador. Na segunda parte brilhou a grande altura Reis, autor dos restantes três golos da tarde (aos 55, 60, e 90m).
No Campo da Quinta Agrícola, em Coimbra, a Briosa - popular alcunha pela qual é conhecida a Académica coimbrã - despachou o Sporting de Espinho por 3-1, com a particularidade de dois dos três tentos academistas terem sido apontados por Albano Paulo, o homem que em 1939 iria conduzir - na condição de treinador - a Académica à vitória na edição de estreia da prova sucessora deste Campeonato de Portugal, a Taça de Portugal.

Pior sorte teve a outra equipa de Coimbra, o União, que em Lisboa saiu da prova vergado a uma pesada derrota aos pés do Casa Pia, por 5-0, tendo Gustavo Teixeira apontado quatro golos! E no Porto o popular Leixões também dava os primeiros passos no Campeonato de Portugal. No (campo do) Covelo os matosinhenses enfrentavam o Sporting de Braga, um habitual combatente nestas frentes, conjunto que levaria para a capital minhota um saboroso triunfo por 3-0, construido durante a etapa inicial, com golos de Cruz (aos cinco minutos) e Gumercindo (aos 20 e aos 42m). E por falar nas cidades de Braga e do Porto dois outros combinados oriundos destas urbes mediram forças entre si nesta ronda inicial. FC Porto e Estrela de Braga, assim se chamavam, tendo os portistas vencido com naturalidade os bracarenses por 11-0! Naturalidade porque a diferença - a diversos níveis - entre ambos os conjuntos era abismal.

No entanto a goleada mais dilatada desta 1ª eliminatória foi alcançada por outra das equipas sensação da prova, o Vitória de Setúbal, o surpreendente campeão regional de Lisboa (!) deste ano de 1927. No Campo dos Arcos (em Setúbal) os sadinos afastaram o Despertar Sport Clube de Beja por expressivos 12-0 (!), sim, uma dúzia de golos, cinco deles apontados por uma das estrelas do combinado orientado pelo inglês Arthur John, de sua graça Octávio Cambalacho.
E em Portalegre entrava em campo um leão financeiramente... moribundo. O gigante Sporting Clube de Portugal passava por uma crise financeira aguda, que - entre outros aspetos - levou à saída do treinador campeão Augusto Sabbo rumo ao Barreirense. A razão desta surpreendente dispensa alude ao elevado ordenado que Sabbo usufruia em Lisboa, 12 contos, que segundo a Direção leonina era incompatível com as finanças de um clube cujo orçamento era de 29 contos. Mesmo debilitado financeiramente o leão - agora treinado pelo seu carismático capitão Jorge Vieira - era ainda aguerrido no plano desportivo, conforme explica o resultado de 7-1 a seu favor sobre o SC Portalegre.
No derradeiro encontro desta eliminatória o futuro campeão entrou em campo. E fê-lo em Santarém, diante dos Leões locais, que por sua vez não tiveram armas para contrariar a superioridade da equipa-maravilha criada por Artur José Pereira, o fundador do clube e agora seu treinador, e onde pontificavam lendas como Eduardo Azevedo, César Matos, Augusto Silva, e um tal de Pepe. No Campo de São Lázaro um festival de futebol de ataque originou um triunfo merecido dos rapazes de Belém, por 9-1. Estava dado o primeiro passo de uma caminhada que iria ser triunfal.

Estreia do Benfica

Concluída a 1ª eliminatória a prova rumou aos oitavos-de-final, que tiveram a sua entrada em cena a 3 de abril. Dia em que entrou em ação o popular Benfica, um dos clubes mais afamados da capital, que fazia a sua estreia na competição. Treinados pelo lendário Ribeiro dos Reis - homem dos 7 ofícios dentro do futebol - os benfiquistas reuniram um bom grupo para atacar o campeonato, e levar o troféu de campeão para o... Montepio Geral! É verdade. Não tendo ainda um espaço para guardar os troféus conquistados os benfiquistas guardavam as suas relíquias no banco Montepio Geral! Outros tempos. No que concerne a nomes sonantes o Benfica de 1927 tinha vários, desde Mário Carvalho, passando por Ralph Bailão, até Raul Tamanqueiro, a grande estrela do Olhanense campeão de Portugal em 1924. No Campo do Raio, em Braga, o Benfica de Tamanqueiro e companhia sofreu a bom sofrer para vencer o Sporting local por 4-3, com os tentos benfiquistas a pertencerem a Pereira Nunes, António Gonçalves, Vítor Hugo, e José Simões.

E foi precisamente nos oitavos-de-final que a polémica vistou o Campeonato de Portugal, envolvendo, curiosamente, dois clubes da cidade do Porto. O primeiro caso aconteceu no Covelo, onde o Salgueiros bateu com a porta após graves erros do árbitro Ramon Folch (de Viana do Castelo) no encontro diante do Vitória de Setúbal. O duelo terminou com o triunfo sadino por 2-0 - golos de Octávio Cambalacho e Soares - mas iria ser mandado repetir após ter-se concluído que o árbitro prejudicou seriamente os salgueiristas. Estes, em forma de protesto, decidiram não comparecer no segundo encontro, pelo que a FPF não teve outro remédio senão atribuir a passagem de eliminatória ao Vitória. A guerra norte-sul, que havia despoletado logo na primeira edição da prova, conhecia aqui mais uma ardente batalha, com os nortenhos a queixarem-se de descriminação em relação aos sulistas.
Mas os combates entre o norte e o sul não se resumiram ao Salgueiros - Vitória de Setúbal. Muito longe disso. A grande polémica do campeonato envolveu o FC Porto e o Belenenses, equipas que se defrontaram no Campo da Palhavã nesta eliminatória, um jogo que para muitos era digno de uma final antecipada. Arbitrado pelo juíz da Associação de Futebol de Beja Doroteo Flecha Rodrigues, o jogo começou de feição aos portistas, que sem se deixarem impressionar pelo ambiente - mais uma vez - hostil que encontraram na capital rapidamente chegaram ao 2-0, com golos de Acácio Mesquita e de um tal de Fridolf Resberg. Último jogador este de nacionalidade norueguesa, e que viera para Portugal para abraçar a carreira de diplomata no Consulado da Noruega no Porto. Reza a lenda que Resberg certo dia passou pelo Campo da Constituição, apresentou-se ao treinador Akos Teszler e pediu para treinar com o clube. Pedido aceite Resberg convenceu os responsáveis azuis-e-brancos, que rapidamente o colocaram na frente de ataque da sua equipa principal, onde fez furor durante algum tempo, até ser chamado de volta para a sua longínqua e gélida Noruega.


Mas voltando aos (tristes) acontecimentos da Palhavã o diabólico Pepe pôs a cabeça em água aos defesas portistas, ao fazer dois golos. Um deles deu mesmo o triunfo ao Belenenses (3-2), uma vitória muito protestada pelos portistas que se queixaram da atuação tendenciosa do árbitro alentejano. Triunfo belenense que só foi alcançado no prolongamento depois de um 2-2 no final do tempo regulamentar. Tento do empate dos rapazes de Belém que surgiu em cima do minuto 90... em claro fora de jogo. Assim evocaram os responsáveis do FC Porto. O árbitro fez vista grossa e surgiu a necessidade de mais 30 minutos de batalha. Não satisfeito com esta pequena ajuda - na voz dos portistas - o árbitro decidiu aplicar o mesmo critério no golo da vitória lisboeta, apontado por Pepe... mais uma vez em nítido fora de jogo. Doroteo Flecha Rodrigues admitiu no final da partida ter errado a favor dos azuis de Belém no que diz respeito a este último tento!
Porém, em resposta às críticas do Porto as gentes de Lisboa - com FPF à cabeça - acusaram o clube nortenho de não cumprir os regulamentos, já que se havia apresentado em campo com três atletas estrangeiros (Mihaly Siska, Norman Hall, e Fridolf Resberg) quando a lei dizia que apenas podiam ser utilizados dois.

Os portistas não calaram a sua revolta e logo após a eliminação tornavam pública carta feroz, a qual dizia o seguinte: «Este campeonato serviu apenas para demonstrar as competências tacanhas a quem o futebol português está entregue. Segundo o seu regulamento nenhum grupo pode alinhar com mais de dois jogadores estrangeiros, mas como entendêssemos que o senhor Norman Hall é moralmente um jogador português, fizemos por intermédio da nossa associação uma exposição à FPF, citando que Norman Hall há 15 anos vem disputando pelo nosso clube os campeonatos do norte e tem sido incluído no grupo representativo da cidade desde 1918, isto é, muito antes da formação da FPF, acrescendo ainda a circunstância de residir em Portugal desde a idade de oito anos. Esta exposição, apreciada e discutida numa reunião do Comité Executivo do Campeonato de Portugal, teve resolução favorável, sendo qualificado o referido senhor Norman Hall como jogador português. Depois de termos jogado e vencido o Estrela de Braga, fomos indicados adversários do Belenenses, para os oitavos-de-final, a realizar em Lisboa. Alinhámos com Norman Hall e depois de uma exibição superior ao nosso adversário e em que o resultado deveria ser de dois golos a um, a nosso favor, o árbitro. senhor Flecha, de Beja, conseguiu, no final do tempo regulamentar, um empate a 2-2. Jogada a meia hora do desempate, fomos mais uma vez prejudicados com uma bola "off-side", que deu o resultado de 3-2 a favor do Belenenses. A arbitragem deste desafio levou-nos a um protesto junto da FPF, protesto que foi acompanhado de 500 escudos e sobre o qual a mesma federação até hoje nenhuma resposta deu, parecendo-nos que nenhuma resolução tomou, visto reconhecer que teria de anular o jogo, em face das declarações do árbitro, que involuntariamente nos tinha tirado uma vitória bem justa». 
Da FPF veio resposta a dizer simplesmente que o FC Porto não havia cumprido a lei ao alinhar com três estrangeiros. Sobre os 500 escudos nem uma palavra!!! E ponto final.

Alguns quarteirões mais à frente, isto é, no Campo Grande, o Sporting Clube de Portugal, do jogador/treinador Jorge Vieira, humilhava a Académica de Coimbra por 9-1, com destaque para os cinco golos de Filipe dos Santos. Mais a norte, no Porto, o Barreirense de Augusto Sabbo continuava a sua caminhada triunfal, sendo que desta feita a vítima deu pelo nome de Boavista Futebol Clube, clube este que no seu reduto - Campo do Bessa - perdeu por 0-2.
A 24 de abril disputou-se no Campo Grande o derradeiro desafio destes oitavos-de-final, o qual colocou frente a frente o Carcavelinhos ao Casa Pia, tendo vencido os primeiros por 3-1. Isento desta eliminatória ficou o detentor do título de campeão de Portugal e crónico campeão da Madeira, o Clube Sport Marítimo.

Campeões em título provam do próprio veneno


E por falar em Marítimo quis o destino que a defesa do título tivesse início com uma reedição da final do ano anterior, ante o Belenenses, que recorde-se, havia sido derrotado pelos madeirenses no Campo do Ameal por 0-2. Este reencontro foi digamos que uma vingança dos pupilos de Artur José Pereira, que diante do seu público, que lotou por completo o Campo do Lumiar, esmagou os campeões da Madeira e de Portugal por claros 8-1! Deram cor à goleada azul Silva Marques (3 golos), Pepe (2), Alfredo Ramos (2), e Augusto Silva. Este jogo fez ainda com que o Marítimo provasse do próprio veneno dado ao FC Porto um ano antes, quando nas meias-finais humilhou os portistas por 7-1. Desta feita foram os madeirenses a saborear uma amarga e pesada derrota!
Nas Amoreiras o Vitória de Setúbal ultrapassava mais um duro obstáculo rumo à final que iria alcançar muito justamente. O Sporting foi um osso duro de roer, mas Octávio Cambalacho, mais uma vez, fez estoirar a festa à beira do (rio) Sado graças a um único golo que derrotou os aparentemente falidos mas aguerridos leões.
Quanto ao eterno rival do Sporting, o Benfica, beneficiou de uma tarde verdadeiramente inspirada do seu avançado Jorge Tavares, autor de três dos cinco golos com que os pupilos de Ribeiro dos Reis afastaram os operários do Carcavelinhos. Por último, o Barreirense, que afastou o Império por 3-1.


Nova polémica nas meias-finais!

Como não há duas sem três polémica voltou a gritar-se a viva voz nas meias-finais do campeonato, disputadas no dia 15 de maio. Ambos os jogos realizaram-se no Campo do Lumiar, em Lisboa, sendo que no primeiro confronto o Vitória de Setubal garantiu o passaporte para a final num encontro que só durou 44 minutos! Aníbal José fez o único golo do jogo a favor dos sadinos, que na voz do treinador barreirense, Augusto Sabbo, usaram e abusaram das entradas duras. Comportamento violento a juntar ao aparente golo irregular dos setubalenses ao cair do pano sobre a primeira parte que fez com que Sabbo ao minuto 44 ordenasse que os seus pupilos abandonassem o terreno de jogo em sinal de protesto, pelo que o árbitro lisboeta Ilídio Nogueira não teve outra hipótese senão dar por terminada a partida nomear os sadinos como os primeiros finalistas do campeonato. Horas mais tarde foi a vez do Belenenses assegurar a presença no jogo mais desejado do ano. No entanto, para o conseguir os pupilos de Artur José Pereira tiveram de sofrer a bom sofrer para eliminar um combativo Benfica. Com uma igualdade a zero golos no final dos 90 minutos o árbitro Silvestre Rosmaninho viu-se na necessidade de indicar mais 30 minutos de prolongamento, sendo que aqui, os azuis de Belém levariam a melhor, com golos de Silva Marques (minuto 102) e Pepe (minuto 115). 

Belenenses é o novo rei do futebol português em véspera de Santo António!


E foi precisamente no Lumiar que praticamente um mês depois foi disputada a grande final. Jogo decisivo que foi realizado a 12 de junho, a véspera da mais importante festa popular da capital portuguesa, Santo António, a quem - por certo - ambos os intervenientes terão solicitado ajuda divina na entrada para o retângulo de jogo. Tarde ventosa brindava a capital em dia de festa, e seria precisamente o vento um aliado - e um inimigo também - para os dois conjuntos envolvidos na final. Durante o primeiro tempo foi o Vitória de Setúbal a beneficiar da ajuda do vento, embora sem tirar proveito desse fator. Com um futebol apoiado, de passes curtos e desmarcações rápidas, os sadinos foram uma dor de cabeça para o guarda-redes belenense Francisco Assis na etapa inicial. João Santos foi o principal protagonista dos assaltos à baliza azul, desperdiçando de forma incrível - dizem as crónicas da época - um golo feito aos 27 minutos. E como quem não marca por norma sofre o Belenenses - agora jogando com o vento a seu favor - dominou por completo a segunda parte, domínio esse traduzido em golos. O primeiro surgiu por Augusto Silva, aos 63 minutos, a aproveitar da melhor maneira um cruzamento de César Matos, sendo que a machadada final foi dada na entrada para os derradeiros cinco minutos da contenda, graças a um bis de Silva Marques (aos 86 e aos 89 minutos).
O futebol cintilante do Belenenses era assim premiado com o ambicionado título de campeão de Portugal. Era caso para dizer que essa noite de Santo António iria ser duplamente festejada pelos apaixonados adeptos belenenses que na tarde de 12 de junho de 1927 lotaram por completo o Lumiar.

A figura: Pepe


Se tivessemos de escolher os 10 melhores futebolistas portugueses da primeira metade do século XX o seu nome inevitavelmente estaria lá. José Manuel Soares, eternizado no planeta da bola como Pepe, foi a grande figura do Campeonato de Portugal de 1927. A sua genialidade criativa e técnica ficaram bem patentes na caminhada triunfal do Belenenses. Sobre ele já traçámos noutras viagens ao passado longas linhas, e a sua memória repousa na vitrina das lendas deste Museu Virtual do Futebol. Aproveitando a vitória do Clube de Futebol "Os Belenenses" na principal prova portuguesa repescamos para este texto algumas das linhas biográficas por nós desenhadas aquando dessa visita a um menino que morreu cedo demais!
Ele foi um dos primeiros génios do futebol português como consequência natural da sua veia artística com a bola. Cedo se tornou num ídolo para a massa adepta lusitana que ia tendo o primeiro contacto com o belo jogo. Com dribles diabolicamente desconcertantes, com passes magistrais, ou com golos inimagináveis ele ganhou por direito próprio um lugar no Olimpo dos Deuses do futebol. A 30 de janeiro de 1908 no seio de uma família pobre de Belém (Lisboa) nasce aquele que viria a ser um dos maiores ídolos do futebol português na década de 20 do século passado.

A infância de José Manuel Soares foi pois de profunda miséria, sendo que a única alegria dos meninos daquele tempo era única e simplesmente a bola de futebol. E foi a jogar futebol na rua com uma bola de trapos que Pepe – alcunha que surgiu numa época em que a sua condição no desporto rei era já a de um talento confirmado – descobriu a sua vocação. Como tal ainda com tenra idade ingressa no clube da sua zona, o Belenenses, o emblema gravado no seu coração, sendo que com apenas 15 anos (!) é inscrito no Campeonato de Lisboa.
Não demoraria muito a sua ascensão até à equipa principal, a qual se daria um ano depois (1926) num confronto ante o Benfica no Campo das Amoreiras, duelo que terminaria 5-4 a favor do Belenenses, tendo Pepe apontado o golo do triunfo do seu clube. A sua exímia técnica aliada à sua velocidade estonteante e ao seu poderoso remate patenteados dali em diante fizeram com que fosse aclamado como o rei do futebol português.

De um dia para o outro Pepe tornou-se na alegria do povo. Em Belém, a zona onde continuava a residir numa pobre casa situada na Rua do Embaixador, não havia um único dia em que o seu nome fosse pronunciado com entusismo e vaidade. Mesmo sendo por aquela altura o habitante mais famoso de Belém o menino Pepe continuava humilde e... pobre, sim, porque o futebol não passava de uma brincadeira. Para ajudar a sua família foi trabalhar ainda moço para uma oficina de torneiro, para mais tarde passar a laborar no Centro de Aviação Naval. De aspecto franzino o menino que todos os dias levava para o emprego um triste caldo para retemperar forças fazia magia nos campos de futebol em cada fim-de-semana com as cores do seu Belenenses. Carregou os azuis de Lisboa às costas nas conquistas dos campeonatos de Portugal de 1927 e 1929, bem como noutros tantos campeonatos de Lisboa. Entre 1928 e 1931 sagra-se naturalmente o melhor marcador do campeonato lisboeta, sendo que na temporada de 30/31 estabelece um recorde de 36 golos apontados em 14 encontros disputados! Para a história, nessa mesma época, faz 10 dos 12 golos com que o Belenenses bate o Bom Sucesso.



Ele foi um dos notáveis que integrou o selecionado português na primeira grande aparição deste numa competição à escala mundial: os Jogos Olímpicos. 1928 é o ano que assinala esse feito, ano em que Portugal fica às portas de uma medalha nas Olímpiadas de Amesterdão.
Mas nem só o Belenenses tirou partido do génio de Pepe, a própria seleção nacional também lhe fica a dever muitas vitórias e momentos inolvidáveis. Por 12 ocasiões ele vestiu a camisola das quinas, tendo com ela apontado sete golos.

Consagrado a nível nacional e internacional a estrela de Pepe deixou de brilhar cedo, cedo demais, diria mesmo. Num dia como tantos outros o astro de Belém carrega na fria manhã de 24 de outubro de 1931 o almoço preparado por sua mãe. Almoço é maneira de dizer, pois no bolso levava somente uma triste sande de chouriço que tinha sobrado do jantar da véspera. Chegada a pausa para o repasto Pepe leva o alimento à boca e horas depois é dado como morto no Hospital da Marinha, local para onde foi transportado assim que começou a sentir violentas dores abdominais e a ter hemorragias. Morreria às 10h30 da manhã, com apenas 23 anos... e um futuro – com toda a certeza – risonho ficou por percorrer.

As causas da morte muita tinta fizeram correr nos dias seguintes. Houve quem tivesse apontado ao assassinato... por invejosos do seu valor e popularidade. O envenenamento contudo não ficou senão a dever-se a um lapso – fatal – de sua mãe, a qual em vez de colocar bicarbonato de sódio na refeição colocou potassa, substância que iria destruir por completo o estômago do atleta. Mãe e irmãs de Pepe que também haviam ingerido igual refeição, no entanto conseguiram escapar com vida, aparentemente por terem ingerido uma menor quantidade.
Pepe morreu e o país chorou dias a fio. O seu funeral foi uma prova colossal do carinho que o povo tinha por ele... 30.000 pessoas prestare-lhe uma última homenagem.

Nomes e números do Campeonato de Portugal de 1927

1ª eliminatória

Império - Luso Beja: 4-0

Vianense - Progresso: 0-1

Barreirense - Olhanense: 9-4

Boavista - Galitos: 3-0

Salgueiros - Vila Real: 4-0

Vitória de Setúbal - Despertar: 12-0

Académica - Sp. Espinho: 3-1

SC Portalegre - Sporting: 1-7

Leixões - Braga: 0-3

Casa Pia - União de Coimbra: 5-0

Leões de Santarém - Belenenses: 1-9

Estrela de Braga - FC Porto: 0-11

Oitavos-de-final

Império - Progresso: 7-0

Boavista - Barreirense: 0-2

Salgueiros - Vitória de Setúbal: 0-2

Sporting - Académica: 9-1

Braga - Benfica: 3-4

Carcavelinhos - Casa Pia: 3-1

Belenenses - FC Porto: 3-2

Quartos-de-final

Barreirense - Império: 3-1

Vitória de Setúbal - Sporting: 1-0

Benfica - Carcavelinhos: 5-0

Belenenses - Marítimo: 8-1

Meias-finais

Vitória de Setúbal - Barreirense: 1-0

Belenenses - Benfica: 2-0

Final

Belenenses - Vitória de Setúbal: 3-0

Data: 12 de junho de 1927

Estádio: Campo do Lumiar, em Lisboa

Árbitro: João dos Santos Júnior (lLisboa)

Belenenses: Assis, Eduardo Azevedo, Júlio Marques, Joaquim Almeida, Augusto Silva, César Matos, Fernando António, Alfredo Ramos, Silva Marques, Pepe, e José Luís. Treinador: Artur José Pereira

Vitória de Setúbal: Artur Augusto, Francisco Silva, Isidoro Rufino, Augusto José, Aníbal José, Matias Carlos, Eduardo Augusto, João dos Santos, Octávio Cambalacho, Armando Martins, e Nazaré. Treinador: Arthur John

Golos: 1-0 (Augusto Silva, aos 63m), 2-0 (Silva Marques, aos 86m), 3-0 (Silva Marques, aos 89m)

Legenda das fotografias:
1-Belenenses, o campeão de Portugal em 1927
2-Lance do jogo entre Barreirense e Olhanense
3-João Pireza, uma das estrelas do Barreiro
4-Sporting de Braga
5-Octávio Cambalacho, o goleador do Vitória de Setúbal em 1927
6-Equipa do Benfica, que fez a estreia no Campeonato de Portugal
7-O norueguês do FC Porto, Fridolf Resberg
8-Pepe tenta bater o guarda-redes portista Siska
9-Norman Hall, o seu nome haveria de causar polémica neste campeonato
10-O treinador Augusto Sabbo
11-Fase do jogo entre Vitória de Setúbal e Sporting
12-Artur José Pereira
13-Primeira página do Eco dos Sports a noticiar o triunfo belenense na final
14-Pepe, a estrela de Belém...
15-...em ação...
16... e levado em ombros pela multidão