terça-feira, abril 01, 2014

Histórias do Planeta da Bola (2)... O molde original da Liga das Nações

Hugo Meisl, o mentor
da Taça Internacional
Recentemente a UEFA anunciou a criação da Liga das Nações, uma competição destinada a seleções nacionais que irá entrar em ação no ano de 2018. Trata-se de uma prova que vai ser disputada nos intervalos das fases de qualificações para os campeonatos do Mundo e da Europa, e que substituirá os jogos amigáveis que por norma as seleções europeias levam a cabo sempre que não participam em partidas de caráter oficial. Será disputada entre setembro - ano par - e maio - ano ímpar - sendo que os quatro primeiros classificados terão bilhete garantido para o Campeonato da Europa seguinte.
Bom, estas são algumas das características de um modelo de competição que, na verdade, não é original! Nos anos 20 do século passado um visionário do belo jogo concebeu a ideia de criar uma grande competição continental que envolvesse algumas das melhores seleções da época. Essa ilustre figura era Hugo Meisl, que além de ser um dos mais reputados e talentosos mestres da tática da primeira metade do século XX, foi ainda um dos principais dinamizadores das competições internacionais, quer ao nível de clubes - com a criação da Taça MITROPA - quer ao nível de seleções, com a edificação desta Coupe Internationale européenne, o nome de batismo do molde original da recém criada Liga das Nações. 


A Taça
Antonín Svehla
E tal como a Liga das Nações, a Taça Internacional era jogada num sistema de poule, onde todos jogavam contra todos, sendo o vencedor a seleção que - naturalmente - somasse o maior número de pontos no final desse campeonato internacional disputado a duas voltas, com jogos em casa e fora, em tudo semelhante a um campeonato nacional.O campeão da prova recebia a vistosa Taça Antonín Svehla - elaborada em cristal -, que assim foi batizada em honra do doador do troféu, o primeiro-ministro da Checoslováquia, Antonín Svehla. Um dos aspetos negativos na curta história de uma competição que para muitos esteve ainda na génese do atual Campeonato da Europa terá sido a excessiva demora com que a mesma se desenrolava, sendo que por exemplo as duas derradeiras edições demoraram - respetivamente - cinco e seis anos a serem concluídas! De ressalvar que a Taça Internacional era integrada por um pequeno leque de seleções, alguns dos melhores combinados nacionais daquele tempo, com exceção da Inglaterra, que teimosamente continuava fechada no seu Mundo em relação ao resto do... Mundo. 

Lendária Squadra Azzurra de Pozzo inaugura a lista de campeões

Vittorio Pozzo, o arquiteto
da lendária Squadra Azzurra
da década de 30
A primeira edição arrancou a 18 de setembro de 1927, quando em Praga a Checoslováquia venceu a Áustria de Hugo Meisl por 2-1. A conclusão da edição de estreia da Coupe Internationale européenne deu-se a 11 de maio de 1930, em Budapeste, com a Itália a cilindrar a Hungria por 5-0, com um hattrick da sua estrela Giuseppe Meazza. No total foram 20 jogos, decorridos entre 1927 e 1930, consagrando uma seleção que haveria de dominar o Mundo na década seguinte, uma seleção arquitetada por uma das maiores lendas de todos os tempos no que ao treino e interpretação do jogo dizia respeito, de seu nome Vittorio Pozzo, que a par de Hugo Meisl e do inglês Herbert Chapman forma o trio de treinadores de maior talento da primeira metade do século XX. Esta primeira edição fica igualmente marcada por um certo equilíbrio na comeptição entre as melhores seleções, como facilmente se pode comprovar pela classificação final, tendo a Squadra Azzurra levado ao melhor sobre a Áustria de Hugo Meisl e a Checoslováquia por apenas um ponto, sendo por isso épico o tal último encontro em Budapeste, no qual a Hungria partia igualmente com aspirações à conquista do troféu, precisando somente de um triunfo para o conseguir. Como já vimos, tal não aconteceu, já que a Itália começava a dar mostras daquilo o que iria produzir na década seguinte. Para muitos, esta primeira vitória internacional dos italianos serviu de embalo para os triunfos da Nazionale nos campeonatos do Mundo de 1934, de 1938, e nos Jogos Olímpicos de Berlim (1936), e reza a lenda que no regresso a casa - viagem longa de comboio entre Budapeste e Roma - após a conquista da Taça Internacional Pozzo terá deixado cair o troféu, do qual terá saltado uma lasca, e sem que ninguém se apercebesse - tal era a alegria que tomava conta da delegação italiana - apanhou a dita lasca e meteu-a no bolso, confessando décadas mais tarde na sua autobiografia que tal objeto se tornou no seu amuleto dali em diante, no amuleto com que venceu os Mundiais de 34, de 38, e as Olimpíadas de 36. 
Uma última nota sobre esta edição de estreia para para falar de outra equipa maravilha dos anos 30, a Áustria, de Hugo Meisl, cujo futebol encantador granjeou precisamente o rótulo de Wunderteam... a equipa maravilha. Foi aquela inesquecível Wunderteam que aplicou à campeã Itália as suas duas únicas derrotas ao longo da prova, 1-0 em Bolonha, e 3-0 em Viena.

Classificação:

1-Itália: 11 pontos
2-Áustria: 10 pontos
3-Checoslováquia: 10 pontos
4-Hungria: 9 pontos
5-Suíça: 0 pontos

Uma Wunder... conquista

Pintura do Wunderteam de Hugo Meisl
A segunda edição da Taça Internacional foi conquistada pela tal equipa histórica austríaca, por um grupo de homens que interpretavam o jogo de uma forma sublime, transpondo para os relvados uma técnica apurada aliada a uma rapidez de movimentos estonteantes, encantando desta maneira todos aqueles que tiveram o privilégio de os ver atuar. Esse grupo de artistas ficou eternizado como a Wunderteam, a equipa maravilha, traduzindo para a língua de Camões. Edificada pelo lendário treinador Hugo Meisl - o criador desta Taça Intercontinental, recorde-se - a Wunderteam só por uma ocasião conheceu a derrota na caminhada vitoriosa nesta segunda edição da prova, logo no primeiro encontro do certame, em Milão, no dia 22 de fevereiro de 1931, diante dos campeões em título, a Itália, por 1-2. Milão, que três anos mais tarde haveria de ser novamente uma cidade de más recordações para os jogadores de Meisl, já que ali, no San Siro, seriam injustamente derrotados pela Itália de Pozzo na meia-final do Campeonato do Mundo de 34. Injustamente, porque não só foram melhores que os transalpinos - há quem defenda que a Áustria era de longe a melhor equipa desse Mundial - mas sobretudo porque uma arbitragem vergonhosa do suíço Rene Mercet - reza a lenda que a mando de Mussolini - atirou a Wunderteam para fora da competição. 

Matthias Sindelar, a estrela do Wunderteam
Mas voltando à segunda edição da Taça Internacional para referir que esta foi a edição mais curta da... curta história do evento. Teve início, como já vimos, a 22 de fevereiro de 1931, e final a 28 de outubro de 1932, dia em que a Checoslováquia derrotou em Praga a Itália por 2-1. Destaque ainda nesta edição para os primeiros pontos conquistados pelo Suíça, que na edição de estreia haviam ficado a zeros. Comandados pelos talentosos irmãos Abegglen - Max e Trello - os helvéticos somaram cinco pontos, fruto de dois triunfos - ante a Checoslováquia e a Hungria - e um empate surpreendente perante os campeões em título, a Itália.
Transalpinos que além da derrota de Praga foram vergados ao vistoso futebol austríaco em Viena, com as luzes da ribalta desse encontro - que terminou com a vitória da turma de Meisl por 2-1 - a centrarem-se na grande estrela daquela inesquecível seleção, Matthias Sindelar, o virtuoso homem de papel, sobre quem o Museu já falou noutras viagens ao passado, e que nesse encontro faria os dois golos da sua equipa. Sobre esta célebre equipa austríaca muitos historidores do belo jogo defendem ter sido a fonte de inspiração para o futebol total edificado pela Holanda na década de 70. 
O inesquecível Wunderteam da Áustria que em 1932 venceu a Taça Internacional

Classificação:

1-Áustria: 11 pontos
2-Itália: 9 pontos
3-Hungria: 8 pontos
4-Checoslováquia: 7 pontos
5-Suíça: 5 pontos

Campeões do Mundo prolongam festejos


Golos de Schiavio e Meazza deram
início à caminhada triunfal da
Squadra Azzurra na 3ª edição do torneio
Com mais ao menos polémica - por influência do ditador Benito Mussolini - a Itália havia conquistado o Mundo em 1934, isto é, o Mundial organizado pela FIFA. Este feito coincidiu no tempo com a reconquista da Taça Internacional, que com a extinção da competição, em 1960, fez da Squadra Azzurra a nação mais titulada. Na verdade, a caminhada triunfal dos pupilos de Vittorio Pozzo começou cerca de um ano antes da consagração planetária em Roma, quando a 2 de abril de 1933 a terceira edição da Coupe Internationale européenne arrancou em Genebra com uma vitória italiana sobre a Suíça por 3-0, com golos de duas das maiores estrelas da Azzurra, Angelo Schiavio (2) e Giuseppe Meazza. O derradeiro encontro do certame ocorreu mais de um ano após a conquista do Mundial de 1934, quando a 24 de novembro de 1935 os italianos empataram - em Milão - a dois golos ante a Hungria, prologando assim, de certa forma, a festa iniciada em Roma no dia 10 de junho de 34, quando um triunfo por 2-1 sobre a Checoslováquia permitiu aos italianos alcançarem o topo do Mundo pela primeira vez. A década de 30 foi, como já referimos no início desta viagem ao passado, o período dourado do calcio italiano, com o domínio absoluto em todas as competições em que a squadra edificada pelo mestre Pozzo participou. O cheiro da pólvora proveniente das armas que edificaram a II Grande Guerra Mundial fez desaparecer o perfume futebolístico daqueles mágicos anos 30. As nuvens negras do confronto bélico eclipsaram estrelas como Sindelar, Meazza, Schiavio, Hiden, Monti, Combi, Orsi, os irmãos Abegglen, ou os mestres da tática Meisl e Pozzo, que por direito próprio ganharam para sempre um lugar no Olimpo dos Deuses do desporto rei

Classificação:

1-Itália: 11 pontos
2-Áustria: 9 pontos
3-Hungria: 9 pontos
4-Checoslováquia: 8 pontos
5-Suíça: 3 pontos

Uma quarta edição da Taça Internacional arrancou a 22 de março de 1936, tendo-se realizado até abril de 1938 mais de uma dezena de encontros. Porém, a chegada da guerra (1939) aliada à anexação político-militar da Áustria por parte da Alemanha fez com que o torneio não chegasse ao fim. 

Mágicos magiares apresentam-se ao Mundo


Major Puskas parece estar a ensinar
aos seus companheiros de seleção
como se faz um golo de belo efeito
Com o desaparecimento do mapa futebolístico internacional da Áustria e da Itália abriu-se a porta da fama - e da glória - a uma outra equipa lendária do planeta da bola, a Hungria. Após mais de uma década de interrupção eis que a 21 de abril de 1948 a Taça Internacional estava de volta, e com novas figuras. Nesse dia a Hungria esmagava em Budapeste a Suíça por 7-4, com dois golos de um até então desconhecido - para o futebol internacional - Ferenc Puskas. Estava dado o primeiro passo de uma caminhada que haveria de terminar em glória...em 13 de dezembro de 1953, data do último jogo desta quinta edição. Cinco anos foram precisos para coroar a Hungria de Puskas, Czibor, Hidgkuti, ou Koczis, jogadores que sob as ordens do mestre da tática Gusztav Sebes, edificaram uma das mais belas equipas da história do jogo, um conjunto de artistas que praticou um futebol de fino recorte técnico e tático, uma seleção que na opinião de muitos historiadores foi a melhor... do Mundo da década de 50, melhor até que o Brasil de 1958, orquestrado pelas então estrelas emergentes Pelé, e Garrincha. 1953 foi um ano inolvidável para o futebol húngaro, não só porque venceu este título continental - um ano antes havia conquistado o ouro olímpico em Helsínquia - mas sobretudo porque os magiares humilharam os inventores do futebol, a Inglaterra, na sua própria casa, na catedral de Wembley, jogo esse - que terminou com uma categória vitória magiar por 6-3 - já evocado pelo Museu Virtual do Futebol noutras viagens históricas. Porém, do sonho ao pesadelo o trajeto foi curto para um um grupo de lendários intérpretes do jogo que ficaram eternizados como os Mágicos Magiares, pois no - chuvoso - verão de 54 deram de caras com o azar... na final do Campeonato do Mundo, onde uma inferior - em todos os sentidos - Alemanha protagonizou o Milagre de Berna, o milagre que impediu as estrelas húngaras de subir aos céus do planeta da bola, o mesmo será dizer, de conquistar um Mundial que lhes estava previamente destinado. 
Os Mágicos Magiares, uma das mais brilhantes equipas que o Mundo conheceu


Classificação

1-Hungria: 11 pontos
2-Checoslováquia: 9 pontos
3-Áustria: 9 pontos
4-Itália: 8 pontos
5-Suíça: 3 pontos 

Escola de Leste encerra a história da Taça Internacional


Masopust, o maior jogador checo de todos os tempos
conduz os esférico
A sexta e última edição da Taça Internacional surgiu com algumas mudanças. Desde logo o troféu seria rebatizado, passando a chamar-se Dr. Gero Cup, em memória do presidente da Federação Austríaca de Futebol, Josef Gero, que em 1954 havia falecido de forma repentina. Outra novidade era o aumento para seis equipas, juntandando-se aos cinco países fundadores a Jugoslávia - que no seu grupo contava com um jogador chamado Bora Milutinovic, que quatro décadas mais tarde haveria de entrar para a história do futebol por ser o técnico com mais presenças consecutivas em fases finais de Campeonatos do Mundo. E seria precisamente a seleção austríaca, bem longe no que a qualidade dizia respeito à Wunderteam de Meisl na década de 30, que a 27 de março de 1955 dava o pontapé de saída nesta última edição, sendo derrotada (2-3) em Brno pelos futuros campeões da competição, a Chescoslováquia. Apesar de não ser tão encantadora como a Hungria - na opinião de muitos - a seleção checa foi digamos que a última intérpreta da famosa escola do Leste europeu, uma escola que escreveu dezenas das mais brilhantes páginas da história do jogo, graças a um estilo técnico-tático muito próprio, um estilo onde o futebol espetáculo era aliado à esquemas táticos revolucionários e inovadores. A última Taça Internacional terminaria a 6 de janeiro de 1960, em Nápoles, com a Itália a bater a Suíça por 3-0, quase dois meses depois da Checoslováquia - liderada no relvado pela estrela Masopust - ter assegurado matematicamente o título graças a um trinfro sobre esta mesma Itália por 2-1. 
Quiçá inspirada na competição idealizada e criada por Hugo Meisl nos finais da década de 20, a UEFA - fundada em 1954 - lançou em 1960 o Campeonato da Europa, prova aberta a todas as nações europeias, bem diferente desta Coupe Internationale européenne, que apesar de ter tido vida curta foi disputada por alguns dos melhores jogadores, treinadores, e equipas do planeta do futebol... de todos os tempos. 
Checoslováquia, os derradeiros campeões da Coupe Internationale européenne


Classificação:

1-Checoslováquia: 16 pontos
2-Hungria: 15 pontos
3-Áustria: 11 pontos
4-Jugoslávia: 9 pontos
5-Itália: 7 pontos
6-Suíça: 2 pontos 

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