Barrar a convocatória de um futebolista para uma qualquer equipa devido à cor da sua pele é aos olhos da atualidade um ato criminoso e acima de tudo vergonhoso. Mas há precisamente 100 anos atrás nem toda a gente pensava desta forma, ou pelo menos julga-se que assim era quando recordamos o caso de Jack Leslie, o primeiro negro a ser convocado e ao mesmo tempo desconvocado para a seleção inglesa. Nascido no bairro londrino de Canning Town, no dia 17 de agosto de 1901, Jack era filho de pai jamaicano e mãe inglesa. Ao serviço do Barking Town, modesto emblema de outro bairro da capital inglesa, Leslie cedo começou a dar nas vistas pela sua veia goleadora. Conta-se que terá marcado ao serviço deste emblema mais de 250 golos nos primeiros anos de carreira, tendo tido um contributo preponderante para a conquistas da Taça Sénior Essex, em 1920; da London League Premier Division, no ano seguinte. Os feitos de Leslie começaram a ultrapassar as fronteiras de Londres, e em 1921 é contratado pelo Plymouth Argyle, clube do sudeste de Inglaterra, onde se tornaria uma verdadeira lenda nos 14 anos seguintes. Nos 400 encontros realizados com o clube apontou um total de 137 golos, fazendo uma dupla mortífera com outro ícone do clube, Sammy Black, uma parceria que ao longo de todos estes anos rendeu mais de 300 golos aos Pilgrims, a alcunha pelo qual é conhecido este emblema. E seria precisamente no auge da sua carreira, que em 1925 Leslie recebe da boca do seu treinador, Bob Jack, a notícia de que estava convocado para jogar pela seleção inglesa num jogo contra a Irlanda. A boa nova, para Leslie, foi divulgada pela imprensa, tendo o Birmingham Gazette e o Liverpool Echo feito eco da notícia. Porém, e para espanto de todos, quando a convocatória oficial saiu o nome de Jack Leslie não estava mencionado (!), sem qualquer explicação posterior dada pela Football Association (FA). De pronto, surgiram teorias de que Leslie tinha sido riscado da convocatória final devido à cor da sua pele, já que quando os responsáveis pela seleção se aperceberam que o jogador era negro simplesmente voltaram atrás na decisão de o convocar. Anos mais tarde, a FA admitiu que os seus dirigentes não sabiam inicialmente que Leslie era negro, e quando descobriram… já se sabe o resto da história. Em 1978, Leslie deu uma entrevista ao jornal Daily Mail em que disse que quando a FA descobriu que ele era negro julgaram que seria estrangeiro e como tal foi descartado da convocatória. Em 2022, ano em que Jack Leslie havia já deixado o mundo dos vivos (faleceu em 1988), a FA admitiu o erro que cometeu em 1925 e chamou os descendentes do jogador ao Estádio de Wembley, tendo-lhes entregue um boné! Sim, um boné que simbolizava a internacionalização que deveria ter acontecido quase (e então) 100 anos antes. Uma espécie de pedido de desculpas que, quiçá, terá chegado tarde demais, e que veio fazer justiça a um jogador que após pendurar as chuteiras passou o restos dos seus dias a limpar… chuteiras. Sim, nas décadas de 60 e 70 Leslie seria funcionário do West Ham United, onde se ocupava de tratar/limpar das botas/chuteiras dos futebolistas dos Hammers, entre outros de lendas como Bobby Moore, Geoff Hurst, e Martin Peters, três campeões do Mundo ao serviço da Inglaterra, em 1966. Seleção inglesa que apenas em 1978 veria um jogador negro vestir a sua camisola: Viv Anderson, o seu nome.
quinta-feira, fevereiro 06, 2025
Histórias do Planeta da Bola (34)... Há 100 anos a Inglaterra testemunhou o primeiro preconceito racial na sua seleção
Barrar a convocatória de um futebolista para uma qualquer equipa devido à cor da sua pele é aos olhos da atualidade um ato criminoso e acima de tudo vergonhoso. Mas há precisamente 100 anos atrás nem toda a gente pensava desta forma, ou pelo menos julga-se que assim era quando recordamos o caso de Jack Leslie, o primeiro negro a ser convocado e ao mesmo tempo desconvocado para a seleção inglesa. Nascido no bairro londrino de Canning Town, no dia 17 de agosto de 1901, Jack era filho de pai jamaicano e mãe inglesa. Ao serviço do Barking Town, modesto emblema de outro bairro da capital inglesa, Leslie cedo começou a dar nas vistas pela sua veia goleadora. Conta-se que terá marcado ao serviço deste emblema mais de 250 golos nos primeiros anos de carreira, tendo tido um contributo preponderante para a conquistas da Taça Sénior Essex, em 1920; da London League Premier Division, no ano seguinte. Os feitos de Leslie começaram a ultrapassar as fronteiras de Londres, e em 1921 é contratado pelo Plymouth Argyle, clube do sudeste de Inglaterra, onde se tornaria uma verdadeira lenda nos 14 anos seguintes. Nos 400 encontros realizados com o clube apontou um total de 137 golos, fazendo uma dupla mortífera com outro ícone do clube, Sammy Black, uma parceria que ao longo de todos estes anos rendeu mais de 300 golos aos Pilgrims, a alcunha pelo qual é conhecido este emblema. E seria precisamente no auge da sua carreira, que em 1925 Leslie recebe da boca do seu treinador, Bob Jack, a notícia de que estava convocado para jogar pela seleção inglesa num jogo contra a Irlanda. A boa nova, para Leslie, foi divulgada pela imprensa, tendo o Birmingham Gazette e o Liverpool Echo feito eco da notícia. Porém, e para espanto de todos, quando a convocatória oficial saiu o nome de Jack Leslie não estava mencionado (!), sem qualquer explicação posterior dada pela Football Association (FA). De pronto, surgiram teorias de que Leslie tinha sido riscado da convocatória final devido à cor da sua pele, já que quando os responsáveis pela seleção se aperceberam que o jogador era negro simplesmente voltaram atrás na decisão de o convocar. Anos mais tarde, a FA admitiu que os seus dirigentes não sabiam inicialmente que Leslie era negro, e quando descobriram… já se sabe o resto da história. Em 1978, Leslie deu uma entrevista ao jornal Daily Mail em que disse que quando a FA descobriu que ele era negro julgaram que seria estrangeiro e como tal foi descartado da convocatória. Em 2022, ano em que Jack Leslie havia já deixado o mundo dos vivos (faleceu em 1988), a FA admitiu o erro que cometeu em 1925 e chamou os descendentes do jogador ao Estádio de Wembley, tendo-lhes entregue um boné! Sim, um boné que simbolizava a internacionalização que deveria ter acontecido quase (e então) 100 anos antes. Uma espécie de pedido de desculpas que, quiçá, terá chegado tarde demais, e que veio fazer justiça a um jogador que após pendurar as chuteiras passou o restos dos seus dias a limpar… chuteiras. Sim, nas décadas de 60 e 70 Leslie seria funcionário do West Ham United, onde se ocupava de tratar/limpar das botas/chuteiras dos futebolistas dos Hammers, entre outros de lendas como Bobby Moore, Geoff Hurst, e Martin Peters, três campeões do Mundo ao serviço da Inglaterra, em 1966. Seleção inglesa que apenas em 1978 veria um jogador negro vestir a sua camisola: Viv Anderson, o seu nome.
terça-feira, outubro 15, 2024
Histórias do Planeta da Bola (33)... A (única) aventura de uma equipa B no palco da Europa do futebol
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O Castilla europeu |
Os regulamentos – ditados por quem tutela o futebol a nível interno e externo – definem que qualquer equipa B de um clube não pode competir oficialmente com a “casa mãe”, ou seja, a equipa A, nem tão pouco jogar uma competição europeia, mas… houve em tempos uma exceção. E para conhecer esta curiosa história recuámos até à temporada de 1980/81, quando o Real Madrid B, ou Castilla, como era denominada essa célebre equipa secundária merengue, disputou a Taça das Taças. E como é que lá chegou? Sobre esta epopeia curiosa dos putos merengues já traçámos umas linhas numa outra viagem ao passado, relembrando apenas que tal aconteceu pelo facto do Real Madrid B/Castilla ter chegado na época de 1979/80 à final da Copa del Rey, onde perdeu com… o Real Madrid (A)! A brincadeira dos meninos da cantera madrilista, o mesmo será dizer da equipa B, na taça de Espanha fez vítimas como o Atlético de Bilbao, o Hércules, a Real Sociedad, ou o Sporting de Gijón, equipas que nessa temporada militavam no principal escalão espanhol. Claro, que o pagode dos miúdos do Castilla acabou na final – disputada em pleno Santiago Bernabéu – ante os graúdos da equipa principal do Real Madrid. Doutra forma não podia (?) ser, claro. Mas na retina ficou essa façanha inédita no Planeta da Bola protagonizada por miúdos como Agustín, Chendo, Gordillo. Pineda, entre outros que fariam carreira no plano internacional com as cores quer do Real Madrid (A), quer com o manto sagrado da seleção espanhola.
Ora, e voltando ao início da nossa história, esse feito assegurou-lhes o bilhete para a edição da época seguinte da Taça das Taças, pelo facto de a “casa mãe”, isto é, o Real Madrid A, ter sido também campeão nacional e como consequência tido o direito de disputar a Taça dos Campeões Europeus (TCE).
O adversário? Um cavaleiro inglês que vivia dias de penúria!
E quis o destino que na sua aventura europeia o Castilla se cruzasse com um cavaleiro do futebol inglês a viver então na penumbra, o West Ham United. O popular emblema londrino atuava há três temporadas consecutivas na 2.ª Divisão inglesa, e esta sua aparição nas provas uefeiras devia-se ao facto de contra todas as previsões ter vencido em 79/80 a Taça de Inglaterra às custas do vizinho Arsenal. Apesar de militarem no segundo escalão inglês, os Hammers tinham um plantel recheado de bons valores e com vasta experiência nos retângulos de jogo, casos do histórico capitão Billy Bonds, de Frank Lampard (pai), ou de Trevor Brooking. Do outro lado estava um Castilla muito jovem, ou não fossem as equipas B o espaço ideal para os jovens que saem da formação dos clubes darem os primeiros passos no futebol sénior. Mesmo assim havia muita qualidade num plantel treinador por Juanjo Garcia, o homem que tinha encabeçado na época anterior o feito de atingir a final da Copa del Rey. Mas este foi apenas um dos méritos deste treinador, como veremos mais adiante. E a prova de que o Real Madrid/Castilla tinha de facto qualidade ficou bem patente na 1.ª mão da 1.ª eliminatória com o West Ham, disputada no Santiago Bernabéu perante 40.000 pessoas. Números impensáveis hoje em dia quando falamos de um jogo de uma equipa B. 3-1, venceu o Castilla, com golos de Paco, Balín e Cidón, num jogo de dupla má memória para os ingleses. Por outras palavras, não só perderam este primeiro encontro, como viram os seus adeptos que viajaram para Madrid fazerem uma figura triste na sequência de violentos confrontos com a polícia e adeptos locais (dentro e fora do estádio), entre outras cenas lamentáveis, como arrancar e arremessar as cadeiras das bancadas, ou urinar em praça pública. Era esta a pobre imagem que o futebol inglês dava no exterior no que a adeptos dizia respeito, e que viria a ter consequências mais graves quatro anos volvidos numa fatídica tarde em Bruxelas – na célebre final da TCE de 85.
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Como
consequência destes atos de vandalismo, a UEFA decretou que o jogo da 2.ª mão
em Londres seria disputado à porta fechada. Foi a primeira vez na história que
o organismo que tutela o futebol europeu castigou desta forma um clube em face
do comportamento dos seus adeptos. Ora, com uma vantagem de dois golos na
bagagem, e sem os sempre frenéticos e ruidosos adeptos ingleses contra, a
tarefa do Castilla em passar a eliminatória parecia assim facilitada. Mas não
foi bem assim. Num Upton Park às moscas – onde apenas se ouviam as instruções
dos treinadores e o barulho da bola a ser pontapeada pelos jogadores –, o West
Ham United foi muito superior no primeiro tempo, e como consequência saiu para
o intervalo a vencer por 3-0 e com a eliminatória na mão perante um Castilla
muito nervoso no futebol jogado. No descanso, Juanjo puxou as orelhas aos seus
meninos, que no segundo tempo melhoraram a sua performance e reduziram para
1-3, obrigando a que se disputassem mais 30 minutos de futebol suplementar. O nervosismo
voltou a tomar conta dos jovens merengues neste que seria rotulado para sempre
como o Ghost Match (jogo fantasma) por toda a situação envolvente atrás
descrita. Nervosismo que seria aproveitado pelo emblema londrino para fazer
mais dois golos, de nada valendo o facto de o Castilla a determinada altura do
prolongamento ter arriscado jogar com três avançados em cunha, de modo a tentar
desmoronar a veterana defesa inglesa. A juntar ao nervosismo, alguma falta de
sorte também se apoderou dos jovens madrilenos, que construíram diversas
oportunidades para sair do Upton Park com outro resultado que não a derrota por
5-1 e a consequente eliminação.
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Uma imagem do Ghost Match |
Valeu, contudo, esta experiência inédita no futebol global. Quanto ao futuro do Castilla, este continuou a deslumbrar internamente os adeptos do Belo Jogo, tendo pouco tempo depois o técnico Juanjo formado outra notável geração de futebolistas que viria a servir com êxito o Real Madrid nos finais da década de 80 e toda a década de 90. Uma geração que ficaria eternamente conhecida como a Quinta del Buitre, e que era composta por lendas como Butragueño, Michel, Martín Vásquez, e Pardeza.
sexta-feira, junho 07, 2024
Histórias do Planeta da Bola (32)... UEFA Regions Cup – 25 anos do esplendor inocente do futebol amador europeu (parte III)
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Entrada para a final de Dublin |
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Kenneth Hoey |
Vingança croata serviu-se na Turquia
Em 2017 Portugal volta a participar na fase final da Taça das Regiões da UEFA, desta feita pela Associação de Futebol de Lisboa, que assim se torna na terceira associação a representar a nação lusa na fase decisiva da competição. Depois de um ano antes se ter sagrado campeã nacional da Taça das Regiões, a seleção lisboeta superou uma fase intermédia realizada na Polónia, na cidade de Legnica, em setembro de 2016, garantindo desta forma a qualificação para a fase final, um feito que não passou despercebido à Câmara Municipal de Lisboa, que homenageou a comitiva no regresso do leste da Europa. A fase final da UEFA Regions Cup de 2017 aconteceu em Istambul, na Turquia, tendo a turma lisboeta sentido o profissionalismo que a UEFA aplica nesta competição de futebol não profissional, e a prova disso é que a comitiva lusa ficou hospedada no moderno Complexo Desportivo da Federação Turca de Futebol. A competição em si não correu de feição à seleção regional portuguesa, comandada por Marco Guerreiro, já que não foi além de um 3.º lugar no Grupo A, fruto de três empates, um dos quais contra os futuros campeões do torneio, a seleção regional de Zagreb. As exibições da seleção da Associação de Futebol de Lisboa na fase final mereceram, porém, alguns elogios por parte da imprensa local e dos seus adversários diretos. E seria então no Complexo Desportivo da Federação Turca de Futebol que se realizou a final da 10.ª edição da competição, um jogo cujo desfecho soube a… vingança. Ou seja, a seleção de Zagreb vingou a derrota na edição anterior ante a seleção irlandesa da Eastern Region contra a… seleção irlandesa da Munster/Connacht. O momento chave da final aconteceu ao minuto 26, quando Toni Adzic fez o único tento do jogo que assegurou a vitória final à seleção croata. Zagreb tornou-se assim na primeira equipa da Croácia a vencer esta competição.
Polacos do Dolny Slask bisam na final dos cinco penáltis
Depois de Veneto, em 2013, foi a vez da seleção regional polaca de Dolny Slask vencer a competição pela segunda vez na história. Corria o ano de 2019, quando a região da Baviera, na Alemanha, acolheu a fase final da prova. A seleção da casa chegou à final, o que desde logo se constituiu como um feito histórico, já que até então nenhuma seleção regional germânica o havia conseguido, mas os polacos estragaram a festa numa final insólita. E porquê assim o foi? Porque todos os cinco golos do jogo que iria definir o campeão da 11.ª edição da competição foram apontados da marca de grande penalidade! Não há memória de uma final europeia assim, de facto. O primeiro golo foi para a turma da casa, por intermédio de Ugur Turk, aos 35 minutos. A seleção de Dolny Slask correu então atrás do prejuízo, e o empate chegou em cima do intervalo, novamente na cobrança de um castigo máximo. O primeiro remate de Mateusz Jaros foi defendido pelo guardião da casa, mas na recarga o polaco atirou a contar. Ainda antes do intervalo o guarda-redes da casa fez uma defesa espetacular que evitou novo tento dos forasteiros, mas aos 47 minutos da segunda metade nada pôde fazer quando o árbitro romeno Sebastian Coltescu assinalou o terceiro penálti da tarde no relvado da Wacker-Arena, em Burghausen. Kornel Traczyk não perdoou e fez o 2-1 para a seleção polaca, de nada valendo a estirada do guardião alemão, que adivinhou o lado para onde foi a bola. A tarefa dos alemães, que até começaram esta final por cima, fruto de uma maior iniciativa ofensiva, ficou mais complicada à passagem do minuto 70, quando Michael Kraus viu o segundo cartão amarelo e foi expulso. Com mais um jogador em campo, os polacos deram a machadada final aos 80 minutos, altura em que Bohdanowicz fez o 3-1. Os donos da casa lutaram com todas as suas armas para chegar de novo ao golo, tendo sido premiados em cima dos 90 minutos com um novo penálti, o qual seria convertido por Lukas Igrund. De nada valeu este golo, já que pela segunda vez na história a seleção de Dolny Slask levava para casa a taça.
Euforia nas Rias Baixas galegas
2020 fica para a história como o ano em que o Mundo foi assombrado por uma pandemia: a Covid-19. Em poucos meses, o vírus espalhou-se por todo o planeta, infetou mais de 75 milhões de pessoas e causou impactos negativos em todos os setores. Naturalmente que o desporto também foi e muito afetado pelo efeito da Covid-19. Foram vários os grandes eventos desportivos cancelados, ou adiados, um pouco por todo o Mundo devido ao surto do novo coronavírus. Também a Taça das Regiões da UEFA foi vítima do novo coronavírus, tendo a sua edição de 2021 sido cancelada por força da pandemia. Desta forma, só em 2023 o certame voltou à ribalta, desta feita na região da Galiza, em Espanha. E pela sexta ocasião em 25 anos de história da competição, a taça voltava a ficar em casa, isto é, conquistada pela seleção anfitriã. O título coroou uma seleção que irá, por certo, ficar na história do futebol desta região do norte de Espanha, já que a equipa orientada por Iván Cancela concluiu em Vilagarcía de Arousa, localidade que acolheu a final, um trajeto 100 por centro vitorioso de… quatro anos. Por outras palavras, a turma galega não conheceu a derrota ao longo de quatro anos consecutivos. A fase final da 12.ª edição do certame foi a todos os níveis espetacular, desde o futebol desenvolvido pelas oito seleções presentes, como de igual modo pela excelente organização.
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Golo da Galiza contra a equipa bósnia |
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Álex Rey festeja com os adeptos na final |
E assim chega ao fim esta nossa viagem pela história desta competição.
quinta-feira, junho 06, 2024
Histórias do Planeta da Bola (31)... UEFA Regions Cup – 25 anos do esplendor inocente do futebol amador europeu (parte II)
Esta foi na verdade uma das finais mais dramáticas e ao mesmo tempo emotivas destes 25 anos de história da competição. Quando o público da casa já festejava nas bancadas a vitória da seleção da região Sudoeste-Sofia, eis que um balde de água fria caiu sobre eles a sensivelmente 10 minutos do fim.
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Arkadiusz Piech |
A fase final desta edição da Taça das Regiões seria então considerada pela UEFA como a melhor de sempre, até então, a julgar pelas palavras de Jim Boyce, o então vice-presidente da UEFA para o futebol juvenil e amador. Já aqui frisamos que esta competição é disputada por futebolistas não profissionais, ou que sejam semi-profissionais, mas isso não quer dizer que muitos deles não alcancem no futuro a profissionalização no futebol. E a seleção regional Dolny Slask é um bom exemplo disso, já que dois dos jogadores que venceram esta Taça das Regiões lograriam chegar à seleção principal do seu país e a jogar na 1.ª divisão da Polónia. Foram os casos de Arkadiusz Piech e Janusz Gol, que também se aventuraram no futebol internacional, ao competirem ao mais alto nível nos campeonatos da Turquia, do Chipre – no caso de Piech – e da Rússia – no que diz respeito a Gol.
Castilla e León resgata a taça para Espanha
Berço de notáveis futebolistas/treinadores espanhóis, casos Paco Llorente, Vicente Del Bosque, Juan Mata, entre outros profissionais de relevo, a região de Castilla e León levou em 2009 para Espanha pela segunda vez o título de campeão da Europa de futebol amador. Feito alcançado debaixo do sol tórrido da Croácia, mais concretamente na região de Zagreb. No entanto, a seleção regional da casa esteve muito longe de colocar a mão na taça, já que não foi além do 3.º lugar do Grupo A da fase final, ficando a 3 pontos do vencedor do grupo, os romenos da região de Oltenia. Em termos mais precisos, a seleção regional da Roménia derrotou a seleção de Privolzhie (Rússia) por 2-0, com golos de Mirel Sârbu e Adrian Marinescu, e a região de Bratislava (Eslováquia) pelo mesmo resultado, com golos de Bogdan Preda e Mirel Sarbu. No último jogo, os romenos empataram com a equipa da casa a uma bola, sendo que o tento da região de Oltenia foi apontado por Alin Vacaru. Por seu turno, a seleção de Castilla e León teve uma fase de grupos imaculada, isto é, só com vitórias, sobre os representantes da Bósnia (Gradiaka), da República da Irlanda (Region I) e da Bélgica (Kempen). Neste trajeto invicto os espanhóis apenas sofreram um golo, apontado pela equipa belga, e marcaram sete tentos. Chegados à final, realizada no Estádio do NK Inter de Zapresic, os dois combinados realizaram uma primeira parte onde imperou o futebol rápido e vertical praticado por ambos os lados. Nota de rodapé para dizer que após uma fase de grupos disputada sob intenso calor, a final foi realizada debaixo de pequenos chuviscos! Mas voltando ao encontro, seria no seguimento de uma bola dividida que aos 18 minutos António Ramirez apontou o primeiro tento dos espanhóis, após boa jogada de entendimento com o seu companheiro Alonso. Empolgada pelo golo, a seleção de Castiila e León assumiu as despesas do jogo e partiu para cima do adversário em busca de mais. Porém, aos 25 minutos, Adrian Sirbu, repôs a igualdade na sequência de um cabeceamento que apanhou desprevenido o guardião Álex. A seleção regional espanhola continuou num registo sólido na segunda metade, período este onde as duas equipas foram em busca de um novo golo de forma persistentes. Neste aspeto, foi mais eficaz a seleção de Castilla e León que aos 80 minutos chegou ao 2-1, na marcação de um livre apontado por Mato, tendo na sequência do lance Mirel Adrian Sirbu rematado com êxito para o fundo das redes de Alexandra Popescu.De Braga a Barcelos se fez o trajeto da glória portuguesa
O futebol português também guarda boas recordações da Taça das Regiões da UEFA. Corria o ano de 2011 quando a região do Minho acolhe a fase final da 7.ª edição do certame, fruto da qualificação da Associação de Futebol de Braga para a ronda final. E foi a jogar em casa, na sua região, que a seleção distrital bracarense alcançou a glória, o título de campeão, o único até à data do futebol luso no âmbito das Bodas de Prata da competição uefeira. Sobre esta conquista já traçámos noutras viagens ao passado longas linhas, pelo que aqui vamos recordar somente as incidências finais desta caminhada de glória de uma seleção que era orientada sob o ponto de vista técnico pelo malogrado Dito. Integrada no Grupo A da fase final a turma bracarense teve um trajeto imaculado, isto é, 100 por cento vitorioso, que começou com um triunfo por 3-1 no Estádio 1.º de Maio (em Braga) sobre os checos do Zlin por 3-1, com golos de Hugo Veiga, Diogo Leite e João Silva.
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Imagens da final, em Barcelos |
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Bracarenses fazem a festa |
Veneto bisa na casa de partida
Em 2013 a Taça das Regiões da UEFA voltou à sua casa de partida: a região de Veneto. E tal como em 1999, aquando da primeira edição, tudo terminou da mesma forma, isto é, com a seleção regional de Veneto a ficar com a taça na sua posse, entrando desde logo para a história da competição pelo facto de pela primeira vez uma seleção distrital ter-se sagrado campeã da Europa de futebol amador pela segunda ocasião. Depois de vencer o Grupo A da fase final de forma invicta, a seleção regional transalpina avançou para a final, onde tal como em 99 a esperava uma equipa vinda de Espanha, neste caso a seleção da Catalunha. Disputada tal como na primeira edição no Stadio Comunale delle Terme, em Abano, a final, com arbitragem portuguesa, a cargo de Artur Soares Dias, seria decidida nas grandes penalidades, após um nulo no final dos 120 minutos. Em termos mais precisos, assistiu-se a uma primeira parte marcada pelo equilíbrio entre duas seleções que apresentaram em campo o mesmo esquema tático: 4-3-3. A jogar em casa o conjunto italiano entrou melhor no que toca à ambição de chegar ao golo, já que logo no primeiro minuto Gasparato errou o alvo por pouco. Aos 7 minutos os catalães apareceram pela primeira vez com algum perigo junto da baliza à guarda de De Carli, com Cornella a falhar o golo na cobrança de uma falta. À passagem do quarto de hora os donos da casa fazem uma nova incursão perigosa no ataque, mas o remate de Meda é travado com atenção pelo guarda-redes Carlos Miguel. A seleção catalã só consegue colocar em sentido a defesa transalpina através de lances de bola parada, sendo que numa dessas ocasiões Cornella volta a colocar à prova De Carli, corria o minuto 29. O equilíbrio foi de novo a nota dominante na maioria da segunda parte. Aos 48 minutos, De Carli foi o primeiro guarda-redes chamado a intervir, após um belo remate do catalão Garros. Pouco depois, o Veneto cria aquela que pode ser considerada a primeira grande oportunidade do encontro, quando Furlan rematou à trave da baliza catalã. A equipa orientada pelo técnico Toniutto cresceu no jogo, e aos 53 minutos uma nova tentativa de Furlan é travada desta feita pelo guardião Carlos Miguel. Três minutos volvidos é a vez da Catalunha responder, com Pol a obrigar De Carli a defesa apertada. O jogo entrou num ritmo de parada e resposta, com mais um par oportunidades claras até final dos 90 minutos a surgirem de um lado e do outro. No prolongamento assiste-se a um jogo morno, um pouco desinteressante, sem lances de maior emoção. A única nota de relevo deu-se aos 106 minutos, altura em que o italiano Mantovani recebe ordem de expulsão de Artur Soares Dias. E com 0-0 no marcador a decisão foi para penaltis. E na marca dos 11 metros a seleção de Veneto foi mais competente e venceu por 5-4 - Lorenzatti, Vettoretto, Polonese, Gasparato e Gagno marcaram para os italianos, e Vivo falhou a grande penalidade decisiva para os catalães, depois dos seus colegas de equipa, Gallego, Puerto, Puigoriol e Munta, terem convertido com êxito os seus remates.(continua)
Histórias do Planeta da Bola (30)... UEFA Regions Cup – 25 anos do esplendor inocente do futebol amador europeu (parte I)
Porém, o facto de grande parte dos jogadores filiados nas 54 federações que são membros da UEFA serem amadores, ou semi-profissionais, o organismo que tutela o futebol europeu reativou a competição, sob outra designação, já na reta final do século XX, permitindo que personagens do mundo do futebol não profissional vivam o sonho de competir a nível internacional como se estivessem a viver a fazer final de um Campeonato da Europa ou de uma Liga dos Campeões. «Estes são os rapazes que fazem isto por nada, apenas pelo amor ao jogo», disse em 2015 o treinador da equipa irlandesa da Eastern Region, que venceu a Taça das Regiões desse ano e que de certa forma ajuda a explicar a essência da competição, ou seja, a de que a maioria dos futebolistas tem as suas atividades profissionais – nas mais diversas áreas, e que muitas delas nada têm a ver com o futebol – e que encaram a modalidade apenas por mero divertimento.
Há que ter um certo cuidado, no entanto, quando rotulamos esta competição de amadora, pois na verdade, a sua organização é encarada de forma tão profissional como a fase final de um Europeu, proporcionando desta forma aos futebolistas uma experiência única de competição internacional organizada pela UEFA, com tudo o que de melhor essa prova tem direito. E é preciso igualmente um certo cuidado quando nos aludimos a estes futebolistas como amadores, já que apesar de não viverem exclusivamente do futebol, não quer dizer que o tratem, ou encarem, de forma amadora, perdendo dessa maneira o Belo Jogo o seu encanto, muito pelo contrário.
Em Roma sê Romano, ou neste caso, em Veneto ganham os que lá estão
Viajando agora pela história da Taça das Regiões da UEFA, percebemos que ela é disputada pelas regiões/associações de cada país da Europa que vencem as respetivas competições internas. Para exemplificar, no caso português, é disputada de dois em dois anos a Taça das Regiões/Fase Nacional pelas 22 associações de futebol que existem em Portugal – uma por cada distrito –, sendo que o campeão nacional, digamos, se apura para a Taça das Regiões da UEFA a realizar no ano seguinte.![]() |
Italianos e espanhóis posam para a foto antes da primeira final |
Há 25 anos, em 1999, portanto, deu-se o pontapé de saída da UEFA Regions Cup, tendo a região de Veneto, em Itália, acolhido a primeira edição do certame. Realizada no espaço de uma semana apenas (entre 31 de outubro e 6 de novembro desse ano) a prova foi ganha pela equipa da casa, Veneto, que até nem começou da melhor forma a caminhada de glória, já que na estreia empatou a uma bola com o representante de Israel. A performance foi melhorada nos dois jogos seguinte do Grupo B, com duas vitórias – ante os ucranianos da região de Kyiv Oblast e os georgianos da região de Tbilisi – que asseguraram o primeiro lugar e a consequente passagem à final. A seleção da região de Madrid foi o opositor dos transalpinos, que no Stadio Comunale delle Terme, em Abano, obrigaram os anfitriões a horas extras para erguer o troféu. Após uma igualdade a duas bolas no final dos 90 minutos teve de se jogar um prolongamento. Aí, Michele De Toni foi o herói ao apontar o golo da vitória em cima do minuto 120. Tudo isto perante o olhar de 700 espetadores. Para o herói dessa primeira final aquele golo foi o melhor momento da sua relação com o futebol. «Foi incrível, chorei de felicidade. É a melhor recordação da minha carreira desportiva», confidenciou De Toni ao site da UEFA em 2013.
A.F. Braga passou muito perto de uma glória que viria a alcançar
Dois anos volvidos, e já no novo milénio, a seleção distrital portuguesa mais bem sucedida ao longo destes 25 anos de história tem o seu primeiro grande momento. A seleção da Associação de Futebol de Braga alcança não só a fase final do torneio, como chega ao jogo decisivo, depois de superar no Grupo A as seleções de Madrid, da Dalmatia (Croácia) e da Vojvodina (da então Sérvia e Montenegro). Fase final que tem lugar na República Checa, na região da Moravia. Pela segunda edição consecutiva a seleção anfitriã alcançava a final, mas desta vez a seleção da Moravia beneficiou de alguma sorte para levar de vencida a turma portuguesa no encontro decisivo disputado no Estádio Letná, em Zlin. Mais de 2000 pessoas assistiram à final, onde na qual a equipa da casa criou a primeira situação de perigo, aos 7 minutos, quando Michal Svach obrigou o defesa bracarense Alberto Oliveira a sacudir para canto, com alguma dificuldade, a bola. O aviso estava dado, mas a seleção de Braga mostrou não ter medo e após os 12 primeiros minutos Nuno Mendes e Lourenço Almeida já tinham dado que fazer ao guarda-redes Petr Macala. Porém, a festa do golo foi primeiramente feita pela turma da Moravia, quando o mesmo Macala lançou da sua baliza um contra-ataque ainda antes do primeiro quarto de hora. O esférico chegou a Gabriel David, que depois de se desenvencilhar de dois defesas portugueses bateu o guardião Marco Gonçalves, apontando assim o seu quinto tento no torneio. Antes do intervalo, a Associação de Futebol de Braga esteve muito perto do empate, quando um passe errado de Kroca para o seu guarda-redes foi intercetado por José Gonçalves, que depois de contornar Macala atirou escandalosamente por cima da baliza. Este lance afetou o defesa Kroca, que pouco depois da meia hora cometeu outro deslize: fez penalti sobre Vítor Ferreira. Porém, Petr Macala vestiu a capa de herói e defendeu para canto a bola rematada por António Ferreira. O lance não afetou os portugueses, pelo contrário, que voltaram do intervalo dispostos a alterar o rumo dos acontecimentos. E aos 55 minutos uma bela jogada de combinação entre Jorge Pires e Vítor Ferreira permitiu a este último restabelecer o empate aos 55 minutos.
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Petr Macala |
Título regressa a Itália
40 seleções regionais participaram na terceira edição da Taça das Regiões da UEFA, um sinal claro da crescente popularidade do torneio. No entanto, só oito alcançaram a fase final, que desta feita teve como palco a região alemã de Wurttemberg. Um verdadeiro forno, diz quem lá esteve no mês de junho de 2003, altura em que decorreu a competição debaixo de… calor intenso. Nos Grupo A os italianos da região de Piedmont–Aosta Valley não entraram bem no torneio ao empatarem a uma bola com a seleção das Astúrias (Espanha), ao passo que a seleção anfitriã derrotou a seleção helvética de Ticino por claros 4-0. A vitória do combinado transalpino por 3-0 sobre Ticino e o empate (1-1) dos alemães com as Astúrias na 2.ª ronda, adiaram a decisão sobre quem passava à final para a derradeira jornada. E perante uma razoável moldura humana no Estádio do Carl-Zeiss, em Oberkochen, o Wurttemberg perdeu por 1-3 diante dos italianos, que assim asseguraram a passagem ao jogo mais desejado. E pela frente a turma do Piedmont–Aosta Valley teve a seleção da Ligue du Maine, de França, que venceu o Grupo B graças à regra de desempate por confronto direto, já que no final das contas terminou com os mesmos pontos (6) que a seleção húngara de Szabolcs Gabona. No entanto, o facto de na 1.ª jornada ter despachado os magiares por expressivos 8-3 – que até hoje constitui o resultado mais dilatado numa fase final da competição – garantiu a qualificação aos pupilos do técnico René Logie.![]() |
O atacante francês Anthony Guyard |
Orgulho na identidade basca fez-se sentir na Polónia
Regionalistas convictos, e por consequência defensores acérrimos das suas raízes, os bascos vivenciaram em 2005 a primeira grande conquista internacional do seu futebol no âmbito da Taça das Regiões da UEFA. Facto ocorrido na Polónia, mais precisamente em Proszowice, local onde a seleção de Euskadi, ou País Basco na nossa língua, derrotou a seleção da região Sudoeste-Sofia (Polónia), por 1-0 na final, e conquistou o primeiro troféu para Espanha. Os bascos terminaram o Grupo B com os mesmos pontos (6) que os ucranianos do KZESO Kakhovka, mas levaram a melhor no confronto direto – fruto de um triunfo por 4-1 na 1.ª jornada – o que lhe permitiu jogar a final com a seleção campeã da Bulgária. Esta última equipa atingiu o jogo decisivo de forma dramática, isto é, nos minutos finais da 3.ª jornada da fase de grupos, altura em que a seleção da Eslováquia Central vencia por 2-1 a turma búlgara e estava a somente 5 minutos de atingir a final. Foi nesta altura que um cabeceamento pleno de êxito de Ivan Todorov bateu o guardião Peter Pernis – considerado um dos melhores desta edição da prova – e levou os búlgaros para o jogo decisivo. E seria numa tarde chuvosa que que bascos e búlgaros evoluíram no relvado do Estádio de Proszowice perante os olhares de cerca de 350 espetadores. A final ficaria decidida por apenas um golo a favor dos bascos, e que golo esse! Um golaço, melhor dizendo, apontado por Alain Arroyo à passagem dos 33 minutos da primeira metade.![]() |
A seleção de Euskadi campeã em 2005 |
Na sequência de uma bela incursão de ataque por Jon Unai Martínez, pelo flanco esquerdo, Arroyo controlou a bola com o peito e de primeira atirou forte para o fundo da baliza búlgara. Na primeira parte os bascos poderiam até ter feito mais golos, dado que não só dominaram os acontecimentos, como também dispuseram de variadas oportunidades para voltar a bater o guarda-redes Giorev. A segunda metade teve início na mesma toada que a primeira, ou seja, com os bascos por cima e determinados em voltar a fazer estragos na área contrária. Porém, a expulsão do seu capitão de equipa, Fernando Véliz, ao minuto 54, alterou o rumo dos acontecimentos, e a seleção de Euskadi passou do ataque à… defesa. E neste plano brilhou a grande altura o guarda-redes José Carlos González, que fez defesas importantes e algumas de grande espetáculo, como foi o caso de um potente remate de fora de área que levava selo de golo e que foi travado de forma espetacular pelo guardião basco que dessa forma segurou o magro triunfo e o consequente título europeu. Uma nota curiosa para dizer que o marcador do único golo desta final foi o mesmo que oito anos volvidos desta conquista apontou o último golo no mítico Estádio San Mamés, lendário recinto do Athletic de Bilbao que então foi demolido para dar lugar ao moderno Nuevo San Mamés.
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Alain Arroyo |
(continua)
quinta-feira, setembro 07, 2023
Histórias do Planeta da Bola (29)... Irene González: A pioneira do profissionalismo no futebol feminino
A
polémica e o "ruído" que têm rodeado o beijo do presidente da Real
Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, à jogadora Jenni Hermoso têm
tirado o foco à maior conquista da história do futebol feminino castelhano: o
Mundial. Facto ocorrido no hemisfério sul do planeta, mais concretamente na
Austrália e Nova Zelândia, no verão de 2023, e que foi o culminar do grande
trabalho que a Espanha vem fazendo ao nível da dinamização e desenvolvimento do
futebol feminino. A materialização da ascensão espanhola no Desporto Rei praticado por senhoras pode
ser explicado por diversos títulos internacionais (só) ao longo dos últimos cinco anos,
quer a nível de seleções, quer a nível de clubes. Vejamos, Espanha venceu um
Europeu de sub-17, três Europeus de sub-19, dois Mundiais de sub-17, um Mundial de sub-20, e viu ainda o FC Barcelona vencer por duas ocasiões a maior prova de
clubes do Mundo, a Liga dos Campeões Europeus. Factos que atestam o crescimento
que a nação ibérica tem tido ao longo do passado recente e que fazem dela já
uma das maiores potências planetárias.
A
paixão e - sobretudo - aptidão das espanholas pelo futebol não é, contudo, algo
que surgiu nos tempos modernos, longe disso. No início do século XX a mulher
castelhana já demonstrava encanto pela prática do futebol. Já aqui evocámos a
história de Nita Carmona, uma malaguenha que nos anos 20 foi
"obrigada" a passar-se por homem para contornar o preconceito então
existente de ver uma mulher num campo de futebol. E se Nita teve de esconder a
sua identidade de uma sociedade machista e retrógrada que então vigorava para dar
azo à sua paixão pelo Belo Jogo,
outra conterrânea sua foi ainda mais longe, e sem esconder quem era provou que a
mulher tem tanto direito - como talento - quanto o homem para correr atrás de uma
bola.
Essa mulher chama-se Irene González, uma galega que muitos apontam como a pioneira do futebol feminino em Espanha. Ela foi a primeira mulher a jogar ao lado de homens e contra homens aos olhos de todos! E mais, foi a primeira mulher a ter a sua própria equipa a competir num campo de futebol em Espanha. Tudo isto aconteceu também nos anos 20 do século passado, na Galiza, mais concretamente, a região de onde Irene González Basante nasceu a 26 de março de 1909. A Corunha foi o berço desta mulher que estava adiantada no tempo. Oriunda de família humilde, a sua mãe era doméstica e o seu pai um guarda do porto daquela cidade galega, Irene cedo deu a conhecer o sonho de ser futebolista, apesar de ter pela frente o obstáculo que era o seu progenitor, que a arrastava furiosamente sempre que a jovem corria atrás de uma bola no meio da rapaziada no campo de A Estrada. Irene foi persistente e aos 15 anos já atuava nos escalões de formação do Racing-Athletic, partilhando o terreno de jogo com homens que haveriam de seguir carreiras em clubes como Atlético de Madrid, Real Madrid, ou o Deportivo da Corunha. Irene começou a sua carreira como avançada, mas a sua paixão era a baliza, já que tinha como ídolo o lendário Ricardo Zamora, e rapidamente passa a competir com Rodrigo García Vizoso que anos mais tarde viria a defender as balizas do Deportivo e do Real Madrid. Nessa equipa atuava ainda Eduardo González Valiño, mais conhecido por Chacho no Planeta da Bola, e que é lendário por ainda hoje deter o recorde de golos ao serviço da seleção espanhola num só jogo: fez seis remates certeiros à baliza da Bulgária em 1933. Para Irene o futebol não era uma mera brincadeira e a prova é que em 1924 decide fundar o seu próprio clube: o Irene Fútbol Club. Por esta altura era já uma atração nos campos galegos, e indiferente aos comentários machistas da época funda, dirige, treina e joga - na condição de capitã de equipa e marcadora oficial de grandes penalidades sempre que necessário - no seu próprio clube, que aliás é inscrito na Real Federação Espanhola de Futebol. O Irene FC era uma atração em toda a Galiza, enchendo todos os recintos onde atuava, sendo convidado inclusive para festas um pouco por toda a região. Irene González aproveita esta fama para começar a cobrar dinheiro por estas aparições, ou por estes jogos amigáveis, fazendo com que seja hoje olhada como a primeira mulher futebolista profissional não só de Espanha como do resto do Mundo! Irene de pronto se tornou num mito, um mito que desapareceu da vida terrestre demasiado cedo, em 1928, com apenas 19 anos de idade, vítima de tuberculose.
sexta-feira, janeiro 06, 2023
Histórias do Planeta da Bola (28)... Com batota ou não, futebol da Arábia Saudita já viveu um momento de (maior?) glamour antes da chegada de Cristiano Ronaldo
Com
a chegada de super-estrelas como Cristiano Ronaldo à Superliga saudita poderá a
Arábia Saudita sonhar em chegar à final de um Campeonato do Mundo, por exemplo,
daqui a 40 ou 50 anos? Nunca se sabe, pode acontecer, tal como poderá não
acontecer. Temos o exemplo dos Estados Unidos da América (EUA) que nos finais
dos anos 60 criaram uma verdadeira liga galática de futebol - ou soccer, como é
lá conhecido -, contratando estrelas da altura, como Pelé, Eusébio, Cruyff, George Best, Gerd
Muller, Teófilo Cubillas, entre tantos outros craques, no sentido de enraizar e
desenvolver o jogo naquela nação. O que é certo é que não conseguiram, e a North American Soccer League, o tal
campeonato galático, acabou por ser extinto em 1984, já numa fase decrescente
em termos de popularidade e órfão das super-estrelas europeias e sul
americanas. O Campeonato do Mundo de 1994 foi uma nova tentativa de os EUA
fomentaram o Desporto Rei - como é visto na esmagadora maioria dos países do
planeta - naquelas bandas, e quiçá, como chegou a ser equacionado por
"alguém", ser o ponto de partida para dali a 50 anos vermos a seleção
nacional norte-americana vencer um Mundial de seniores! Certo que ainda só
passaram 28 anos dessa espécie de profecia, mas a seleção yankee ainda está muito longe, a anos luz, diria, de atingir essa
glória, tanto a nível de futebol sénior, como de futebol de formação. Os EUA
são apenas um exemplo desta tentativa de países com poder económico acima da
média - ou ilimitado, em alguns casos - de pretenderem fazer crescer o seu
futebol com a contratação das tais super-estrelas europeias e sul-americanas, mesmo
que em fim de carreira. Poderíamos ainda falar do Japão, que no início dos anos
90 do século passado criou a mediática J-League, ou até da China, que no princípio do novo milénio fundou a Superliga Chinesa, que tem atraído grandes estrelas do
futebol. O que é certo é que estes países ainda não colheram os devidos frutos
deste investimento, quiçá o farão daqui a 50, ou 100 anos? O futuro o dirá.
Jovens (adultos?) sauditas vencem título mundial polémico...
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A seleção saudita que venceu o Mundial de sub-16 |
Esta visão, digamos, serve de atalho à nossa história de hoje, a história que atesta que ainda longe do mediatismo atual a Arábia Saudita já subiu ao topo do Mundo no que a futebol diz respeito, ainda que de forma polémica.
Para
isso é preciso recuarmos até 1989, altura em que a Escócia foi palco da
terceira edição do Campeonato do Mundo de sub-16 - o qual a partir de 1991 passou
a ser denominado de Campeonato do Mundo de sub-17. Os sauditas participavam
pela terceira vez no torneio, e à partida para as Terras Altas da Escócia não
eram tidos como grandes favoritos a fazer fosse o que fosse. Passar a fase de
grupos - tal como havia sucedido na primeira edição do Mundial deste escalão,
em 1985, na China - seria visto pelos teóricos do futebol como um feito digno
de registo. Mas chegar à final seria impensável, quando em ação havia seleções
como o Brasil, ou Argentina. Vencer o Mundial então era motivo de uma boa risada,
mas quem se riu mesmo foram os sauditas, que saíram da Escócia com a coroa de
campeões do Mundo!
É
verdade, ninguém os conhecia, mas depois do dia 24 de junho de 1989 o Mundo -
ou uma boa parte dele - passou a olhar com outros olhos para estes miúdos, ou devemos dizer
homens de barba rija com passaportes de jovens de 15 e 16 anos? E é aqui que
ainda hoje reside a polémica do título mundial conquistado pelos sauditas neste
escalão: a verdadeira idade dos seus jogadores.
Na
verdade, é que neste escalão de sub-17 - ou anteriormente designado de sub-16 -
8 dos 18 torneios disputados - até à data - foram vencidos por países de África e do Médio
Oriente, sendo que muitos europeus e sul americanos analisam este facto pelo
facto - e passe a redundância - de os jovens futebolistas africanos e asiáticos
que competem neste tipo de torneios não terem na realidade a idade que consta
no passaporte. Este, na verdade, tem sido um problema que a FIFA tem
dificuldades em contornar: provar que os jovens africanos e asiáticos estão
dentro da faixa etária equivalente a este escalão. E vários fatores têm
impedido a dissipação desta controvérsia constante em Mundiais de sub-17 sempre
que um país de África ou do Médio Oriente brilha com mais intensidade, desde
logo, a documentação, ou perceber se um jovem de 15 ou 16 anos foi registado à
nascença e não 5 ou 6 anos depois, ou até mesmo a questão genética, tendo em
conta que o desenvolvimento físico de uma criança em África não será a mesma que na
Europa, por exemplo.
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A seleção escocesa na grande final |
Para
chegar ao cetro a Arábia Saudita ficou em 2.º lugar de um grupo que foi ganho
por Portugal. Carlos Queirós era o selecionador nacional e dava então os
primeiros passos na criação da Geração de Ouro do futebol luso, e que nesse ano
de 89 seria tão feliz no escalão de sub-20, como tão bem sabemos. Os sauditas
não perderam um único jogo na fase de grupos - empataram a dois com os
portugueses no Tynecastle, em Edimburgo; voltaram a empatar no jogo seguinte
com a Guiné Conacri; e venceram a
Colômbia no derradeiro encontro, carimbando assim o passaporte para os
quartos-de-final. Aqui, despacharam o primeiro campeão do Mundo da história
deste escalão, a Nigéria, nas grandes penalidades (2-0), após um empate a zero
bolas nos final do prolongamento, numa partida disputada no Dens Park, em
Dundee. A epopeia saudita continuou no
Fir Park, de Motherwell, com Al Romaihi a fazer o único golo do jogo com o Barém e
a catapultar o seu país para a grande final do Hampden Park, de Glasgow. Pela
frente a seleção do Médio Oriente iria ter a equipa da casa, a Escócia, que era
apoiada entusiasticamente por toda a nação. Os putos escoceses eram tratados
como heróis por todo um país que futebolisticamente nunca havia chegado tão
longe num Mundial, fosse em que escalão fosse. Havia um encanto, quer do
público, quer dos jogadores escoceses pelo trajeto que estavam a fazer e pelos
holofotes do Planeta estarem centrados naquele torneio e em quem a ele estava ligado. «Conhecer
Pelé antes do primeiro jogo que fizemos em Hampden Park foi único, poder
apertar a mão do grande homem», lembrou em 2022, ao site da BBC Sport - Andy McLaren,
um dos jogadores selecionados pelo histórico técnico escocês Craig Brown para esse Mundial de 89. Os
jogos da Escócia registavam casas cheias, como foi o caso da histórica meia
final diante de Portugal, realizada no lotado (29.000 espectadores) Tynecastle
de Edimburgo. Brian O´Neill marcou o único golo deste encontro, respondendo da
melhor forma a um canto de Lindsay. Portugal tinha uma equipa de enorme
talento, como se viria a comprovar anos mais tarde, com jogadores como Figo,
Gil, Abel Xavier, Emílio Peixe, Miguel Simão, Bino, Tulipa, ou Geani. Mas
naquela noite as gaitas de fole escocesas soaram mais alto que a guitarra
lusitana. «Eles (portugueses) eram os favoritos para vencer o torneio, mas nós
naquela noite jogámos muito, mas muito bem», disse também ao site da
BBC Sport o autor do golo dessa meia-final.
E
na final o Hampden Park acolheu 58.000 pessoas que ali estavam na espectativa de
ver o capítulo final do trajeto glorioso até então. A Escócia em peso estava ao
lado destes miúdos que nunca haviam vivido algo semelhante, sendo que para
muitos deles este foi mesmo o único minuto de fama vivido no futebol. «A
maioria de nós andava na escola e, de repente, éramos a coisa mais importante
na Escócia!. Estávamos nas páginas dos jornais e em todos os outros lugares»,
recorda 33 anos mais tarde Andy McLaren. Também à BBC Sport, Brian O´Neill
relembra a estranha sensação de «andarmos na rua e todas as pessoas nos
reconhecerem», ou de «aparecermos em programas de televisão».
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Lance da final |
«Parecia
que já éramos campeões do Mundo», afirmou Dickov à reportagem da BBC Sport no
ano passado, mas do parecer ao ser a distância é longa. Na segunda parte a
Arábia Saudita empatou o encontro e obrigou os escoceses a um prolongamento onde
nada de se decidiu. A exaustão tomava conta dos pupilos de Craig Brown. Ao contrário dos sauditas, que apesar de menos talentosos que os europeus estavam
mais frescos e tiveram forças para levar a decisão para as grandes penalidades.
Aí, foram mais felizes e venceram por 5-4, vencendo desta forma o título
internacional mais prestigiante da sua modesta história futebolística.
Claro
que toda a Escócia ainda hoje tem essa espinha atravessada na garganta: perder
em casa contra uma seleção desconhecida.
Andy
McLaren diz que este torneio ainda hoje é recordado pelo facto de os sauditas «terem feito batota» - na questão das idades - lembrando que na altura tinha
acabado de completar 16 anos, «mas esses meninos sauditas tinham barba
crescida. Foi muito ridículo. As pessoas que os viram jogar no torneio disseram
que eles pareciam ter 20 anos».
Também
em 2009, numa entrevista ao jornal escocês Daily Record, aquando do 20.º
aniversário do Campeonato do Mundo de sub-16 de 1989, o ex-dirigente da Scottish
Football Association, Ernie Walker, recordou com alguma revolta a questão - ou
escândalo, como lhe chamou - das idades dos jogadores sauditas.
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Sauditas festejam título impensável! |
O que é certo é que a Arábia Saudita ostenta no seu currículo um título de campeã mundial, quiçá o seu maior feito, superando inclusive a brilhante campanha do Mundial (de seniores) de 94. Nesta competição, realizada nos EUA, os sauditas atingiram os oitavos-de-final, mas deixaram muitos fãs em Terras do Tio Sam, muito devido à fantasia de jogadores como Sami Al-Jaber, Said Al-Owairan - o craque do golo à Maradona -, ou Mohammed Al-Deayea, esse mesmo, o guardião que defendeu a baliza da seleção árabe nesse mítico Mundial de 1989, e que é hoje a par de Al-Jaber o futebolista saudita com mais presenças em fases finais de campeonatos do Mundo (seniores): quatro.