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quinta-feira, fevereiro 06, 2025

Histórias do Planeta da Bola (34)... Há 100 anos a Inglaterra testemunhou o primeiro preconceito racial na sua seleção


Barrar a convocatória de um futebolista para uma qualquer equipa devido à cor da sua pele é aos olhos da atualidade um ato criminoso e acima de tudo vergonhoso. Mas há precisamente 100 anos atrás nem toda a gente pensava desta forma, ou pelo menos julga-se que assim era quando recordamos o caso de Jack Leslie, o primeiro negro a ser convocado e ao mesmo tempo desconvocado para a seleção inglesa. Nascido no bairro londrino de Canning Town, no dia 17 de agosto de 1901, Jack era filho de pai jamaicano e mãe inglesa. Ao serviço do Barking Town, modesto emblema de outro bairro da capital inglesa, Leslie cedo começou a dar nas vistas pela sua veia goleadora. Conta-se que terá marcado ao serviço deste emblema mais de 250 golos nos primeiros anos de carreira, tendo tido um contributo preponderante para a conquistas da Taça Sénior Essex, em 1920; da London League Premier Division, no ano seguinte. Os feitos de Leslie começaram a ultrapassar as fronteiras de Londres, e em 1921 é contratado pelo Plymouth Argyle, clube do sudeste de Inglaterra, onde se tornaria uma verdadeira lenda nos 14 anos seguintes. Nos 400 encontros realizados com o clube apontou um total de 137 golos, fazendo uma dupla mortífera com outro ícone do clube, Sammy Black, uma parceria que ao longo de todos estes anos rendeu mais de 300 golos aos Pilgrims, a alcunha pelo qual é conhecido este emblema. E seria precisamente no auge da sua carreira, que em 1925 Leslie recebe da boca do seu treinador, Bob Jack, a notícia de que estava convocado para jogar pela seleção inglesa num jogo contra a Irlanda. A boa nova, para Leslie, foi divulgada pela imprensa, tendo o Birmingham Gazette e o Liverpool Echo feito eco da notícia. Porém, e para espanto de todos, quando a convocatória oficial saiu o nome de Jack Leslie não estava mencionado (!), sem qualquer explicação posterior dada pela Football Association (FA). De pronto, surgiram teorias de que Leslie tinha sido riscado da convocatória final devido à cor da sua pele, já que quando os responsáveis pela seleção se aperceberam que o jogador era negro simplesmente voltaram atrás na decisão de o convocar. Anos mais tarde, a FA admitiu que os seus dirigentes não sabiam inicialmente que Leslie era negro, e quando descobriram… já se sabe o resto da história. Em 1978, Leslie deu uma entrevista ao jornal Daily Mail em que disse que quando a FA descobriu que ele era negro julgaram que seria estrangeiro e como tal foi descartado da convocatória. Em 2022, ano em que Jack Leslie havia já deixado o mundo dos vivos (faleceu em 1988), a FA admitiu o erro que cometeu em 1925 e chamou os descendentes do jogador ao Estádio de Wembley, tendo-lhes entregue um boné! Sim, um boné que simbolizava a internacionalização que deveria ter acontecido quase (e então) 100 anos antes. Uma espécie de pedido de desculpas que, quiçá, terá chegado tarde demais, e que veio fazer justiça a um jogador que após pendurar as chuteiras  passou o restos dos seus dias a limpar… chuteiras. Sim, nas décadas de 60 e 70 Leslie seria funcionário do West Ham United, onde se ocupava de tratar/limpar das botas/chuteiras dos futebolistas dos Hammers, entre outros de lendas como Bobby Moore, Geoff Hurst, e Martin Peters, três campeões do Mundo ao serviço da Inglaterra, em 1966. Seleção inglesa que apenas em 1978 veria um jogador negro vestir a sua camisola: Viv Anderson, o seu nome.

 

terça-feira, outubro 15, 2024

Histórias do Planeta da Bola (33)... A (única) aventura de uma equipa B no palco da Europa do futebol

O Castilla europeu

Os regulamentos – ditados por quem tutela o futebol a nível interno e externo – definem que qualquer equipa B de um clube não pode competir oficialmente com a “casa mãe”, ou seja, a equipa A, nem tão pouco jogar uma competição europeia, mas… houve em tempos uma exceção. E para conhecer esta curiosa história recuámos até à temporada de 1980/81, quando o Real Madrid B, ou Castilla, como era denominada essa célebre equipa secundária merengue, disputou a Taça das Taças. E como é que lá chegou? Sobre esta epopeia curiosa dos putos merengues já traçámos umas linhas numa outra viagem ao passado, relembrando apenas que tal aconteceu pelo facto do Real Madrid B/Castilla ter chegado na época de 1979/80 à final da Copa del Rey, onde perdeu com… o Real Madrid (A)! A brincadeira dos meninos da cantera madrilista, o mesmo será dizer da equipa B, na taça de Espanha fez vítimas como o Atlético de Bilbao, o Hércules, a Real Sociedad, ou o Sporting de Gijón, equipas que nessa temporada militavam no principal escalão espanhol. Claro, que o pagode dos miúdos do Castilla acabou na final – disputada em pleno Santiago Bernabéu – ante os graúdos da equipa principal do Real Madrid. Doutra forma não podia (?) ser, claro. Mas na retina ficou essa façanha inédita no Planeta da Bola protagonizada por miúdos como Agustín, Chendo, Gordillo. Pineda, entre outros que fariam carreira no plano internacional com as cores quer do Real Madrid (A), quer com o manto sagrado da seleção espanhola.

Ora, e voltando ao início da nossa história, esse feito assegurou-lhes o bilhete para a edição da época seguinte da Taça das Taças, pelo facto de a “casa mãe”, isto é, o Real Madrid A, ter sido também campeão nacional e como consequência tido o direito de disputar a Taça dos Campeões Europeus (TCE).

O adversário? Um cavaleiro inglês que vivia dias de penúria!

E quis o destino que na sua aventura europeia o Castilla se cruzasse com um cavaleiro do futebol inglês a viver então na penumbra, o West Ham United. O popular emblema londrino atuava há três temporadas consecutivas na 2.ª Divisão inglesa, e esta sua aparição nas provas uefeiras devia-se ao facto de contra todas as previsões ter vencido em 79/80 a Taça de Inglaterra às custas do vizinho Arsenal. Apesar de militarem no segundo escalão inglês, os Hammers tinham um plantel recheado de bons valores e com vasta experiência nos retângulos de jogo, casos do histórico capitão Billy Bonds, de Frank Lampard (pai), ou de Trevor Brooking. Do outro lado estava um Castilla muito jovem, ou não fossem as equipas B o espaço ideal para os jovens que saem da formação dos clubes darem os primeiros passos no futebol sénior. Mesmo assim havia muita qualidade num plantel treinador por Juanjo Garcia, o homem que tinha encabeçado na época anterior o feito de atingir a final da Copa del Rey. Mas este foi apenas um dos méritos deste treinador, como veremos mais adiante. E a prova de que o Real Madrid/Castilla tinha de facto qualidade ficou bem patente na 1.ª mão da 1.ª eliminatória com o West Ham, disputada no Santiago Bernabéu perante 40.000 pessoas. Números impensáveis hoje em dia quando falamos de um jogo de uma equipa B. 3-1, venceu o Castilla, com golos de Paco, Balín e Cidón, num jogo de dupla má memória para os ingleses. Por outras palavras, não só perderam este primeiro encontro, como viram os seus adeptos que viajaram para Madrid fazerem uma figura triste na sequência de violentos confrontos com a polícia e adeptos locais (dentro e fora do estádio), entre outras cenas lamentáveis, como arrancar e arremessar as cadeiras das bancadas, ou urinar em praça pública. Era esta a pobre imagem que o futebol inglês dava no exterior no que a adeptos dizia respeito, e que viria a ter consequências mais graves quatro anos volvidos numa fatídica tarde em Bruxelas – na célebre final da TCE de 85. 


Epopeia dos jovens merengues acaba no Ghost Match

Como consequência destes atos de vandalismo, a UEFA decretou que o jogo da 2.ª mão em Londres seria disputado à porta fechada. Foi a primeira vez na história que o organismo que tutela o futebol europeu castigou desta forma um clube em face do comportamento dos seus adeptos. Ora, com uma vantagem de dois golos na bagagem, e sem os sempre frenéticos e ruidosos adeptos ingleses contra, a tarefa do Castilla em passar a eliminatória parecia assim facilitada. Mas não foi bem assim. Num Upton Park às moscas – onde apenas se ouviam as instruções dos treinadores e o barulho da bola a ser pontapeada pelos jogadores –, o West Ham United foi muito superior no primeiro tempo, e como consequência saiu para o intervalo a vencer por 3-0 e com a eliminatória na mão perante um Castilla muito nervoso no futebol jogado. No descanso, Juanjo puxou as orelhas aos seus meninos, que no segundo tempo melhoraram a sua performance e reduziram para 1-3, obrigando a que se disputassem mais 30 minutos de futebol suplementar. O nervosismo voltou a tomar conta dos jovens merengues neste que seria rotulado para sempre como o Ghost Match (jogo fantasma) por toda a situação envolvente atrás descrita. Nervosismo que seria aproveitado pelo emblema londrino para fazer mais dois golos, de nada valendo o facto de o Castilla a determinada altura do prolongamento ter arriscado jogar com três avançados em cunha, de modo a tentar desmoronar a veterana defesa inglesa. A juntar ao nervosismo, alguma falta de sorte também se apoderou dos jovens madrilenos, que construíram diversas oportunidades para sair do Upton Park com outro resultado que não a derrota por 5-1 e a consequente eliminação.

Uma imagem do Ghost Match

Valeu, contudo, esta experiência inédita no futebol global. Quanto ao futuro do Castilla, este continuou a deslumbrar internamente os adeptos do Belo Jogo, tendo pouco tempo depois o técnico Juanjo formado outra notável geração de futebolistas que viria a servir com êxito o Real Madrid nos finais da década de 80 e toda a década de 90. Uma geração que ficaria eternamente conhecida como a Quinta del Buitre, e que era composta por lendas como Butragueño, Michel, Martín Vásquez, e Pardeza.

sexta-feira, junho 07, 2024

Histórias do Planeta da Bola (32)... UEFA Regions Cup – 25 anos do esplendor inocente do futebol amador europeu (parte III)

O conto de fadas do futebol da República da Irlanda no plano internacional aconteceu no âmbito da Taça das Regiões da UEFA. Estávamos em 2015 quando a cidade de Dublin foi palco da 9.ª edição do certame, a qual coroou uma caminhada inolvidável da seleção regional da Eastern Region, que começou na fase intermédia (de qualificação para a fase final) e acabou na final realizada no Estádio Tallaght, na capital irlandesa. Ao longo deste trajeto a equipa da Irlanda somente conheceu o doce sabor da vitória, sete triunfos no total – quatro deles na fase final –, apontando 18 golos e sofrendo apenas 3, números que fazem desta uma das epopeias mais empolgantes destes 25 anos de história da prova uefeira. Após terem perdido a final de 2011 para a Associação de Futebol de Braga, os irlandeses queriam desta feita chegar mais longe, de tal modo que a seleção regional irlandesa realizou desde então um trabalho árduo para erguer o troféu no futuro imediato, como contou o treinador Gerry Smith no rescaldo desta conquista. E para atingir a grande final a seleção da Eastern Region levou a melhor sobre os combinados de Ankara (Turquia), de South Moravia (República Checa) e de Tuzla (Bósnia). No encontro decisivo o opositor dos pupilos de Smith foi a seleção regional de Zagreb, da Croácia, que se apresentava no Tallaght Stadium sem o seu principal jogador, Bozidar Karamatic, que começou a partida no banco, aparentemente por não se encontrar nas melhores condições físicas. No entanto, os rapazes de verde (os irlandeses) entraram no relvado cheios de confiança, não só porque jogavam diante do seu público, mas acima de tudo pelo trajeto imaculado que tinham feito até ali. Só a vitória estava no seu pensamento. 

Entrada para a final de Dublin
Porém, foi com algum nervosismo que a turma de Eastern Region começou o encontro, e logo aos 3 minutos apanhou um valente susto quando o croata Nikica Brujic disparou um míssil que levou a bola a não passar muito longe da baliza à guarda de Brendan O'Connell. Com o passar do tempo os irlandeses foram acalmando o seu jogo, foram tendo a posse de bola, ante uma seleção de Zagreb que apresentava um futebol muito físico. E foi neste cenário que aos 9 minutos o Estádio Tallaght explodiu de alegria, quando James Lee fez um cruzamento do lado direito do seu ataque para o coração da área, onde apareceu David Lacey a mergulhar de cabeça e a fazer um golo muito vistoso, um golo que fez lembrar o que o neerlandês Van Persie havia marcado no Mundial de 2014 ante a Espanha. Empolgados pelo tento, os irlandeses dispuseram de mais chances para marcar nos minutos seguintes, tendo James Lee desperdiçado uma oportunidade soberana ainda antes do intervalo. Os croatas vieram com outra atitude para a segunda metade, muito devido a decisão do selecionador Sreten Cuk em fazer entrar – ao minuto 57 – a principal estrela da seleção, o organizador de jogo Bozidar Karamatic. A sua influência no futebol dos croatas fez-se notar de imediato. Porém, Zagreb não conseguia criar situações de maior perigo junto da baliza de O´Connell, e muito devido à excelente prestação do setor mais recuado dos anfitriões. Na verdade, foram estes últimos que dispuseram das melhores ocasiões para marcar nos segundos 45 minutos. Thomas Dunne, James Carr, Lar Dunne foram os irlandeses que tiveram nos pés claras chances para acabar com as esperanças dos croatas em dar a volta aos acontecimentos. Apoiada fortemente pelo público, a equipa de Gerry Smith ganhou ainda mais força à medida que o tempo passava, força e certeza de que dificilmente aquele título lhe escaparia. E assim foi. Quando apito do helvético Nikolaj Hanni soou pela última vez naquela tarde 4 de julho em Dublin, estava escrito o momento de glória do futebol da República da Irlanda no capítulo internacional. 

Kenneth Hoey
Para o técnico Gerry Smith esta havia sido a «a melhor semana da minha vida futebolística. Esta vitória é para todos os envolvidos (nesta caminhada). Os jogadores, os dirigentes das equipas de todo o país, as pessoas que marcam os campos e que penduram as redes das balizas, as pessoas que apoiam as suas equipas locais, isto é para eles, e estou emocionado por todos aqueles que estiveram envolvidos nesta caminhada e que podem festejar este sucesso»Na hora de comemorar também o defesa Noel Murray não escondeu a sua emoção por esta importante conquista: «Inacreditável, simplesmente inacreditável! Foi um trabalho muito duro realizado durante toda a semana (da fase final), foi um grande esforço dos jogadores e isso faz com que tudo valha a pena», disse o futebolista. Também o capitão desta seleção regional viveu um momento ímpar na sua carreira. Para Kenneth Hoey este foi «um resultado brilhante, o melhor que já alcancei. É uma honra ser capitão desta equipa, mas há muitos capitães naquele balneário», disse logo após erguer o primeiro troféu do futebol irlandês, ele que em 2011 havia sentido em Barcelos o amargo de perder a final da UEFA Regions Cup.

Vingança croata serviu-se na Turquia

Em 2017 Portugal volta a participar na fase final da Taça das Regiões da UEFA, desta feita pela Associação de Futebol de Lisboa, que assim se torna na terceira associação a representar a nação lusa na fase decisiva da competição. Depois de um ano antes se ter sagrado campeã nacional da Taça das Regiões, a seleção lisboeta superou uma fase intermédia realizada na Polónia, na cidade de Legnica, em setembro de 2016, garantindo desta forma a qualificação para a fase final, um feito que não passou despercebido à Câmara Municipal de Lisboa, que homenageou a comitiva no regresso do leste da Europa. A fase final da UEFA Regions Cup de 2017 aconteceu em Istambul, na Turquia, tendo a turma lisboeta sentido o profissionalismo que a UEFA aplica nesta competição de futebol não profissional, e a prova disso é que a comitiva lusa ficou hospedada no moderno Complexo Desportivo da Federação Turca de Futebol. A competição em si não correu de feição à seleção regional portuguesa, comandada por Marco Guerreiro, já que não foi além de um 3.º lugar no Grupo A, fruto de três empates, um dos quais contra os futuros campeões do torneio, a seleção regional de Zagreb. As exibições da seleção da Associação de Futebol de Lisboa na fase final mereceram, porém, alguns elogios por parte da imprensa local e dos seus adversários diretos. E seria então no Complexo Desportivo da Federação Turca de Futebol que se realizou a final da 10.ª edição da competição, um jogo cujo desfecho soube a… vingança. Ou seja, a seleção de Zagreb vingou a derrota na edição anterior ante a seleção irlandesa da Eastern Region contra a… seleção irlandesa da Munster/Connacht. O momento chave da final aconteceu ao minuto 26, quando Toni Adzic fez o único tento do jogo que assegurou a vitória final à seleção croata. Zagreb tornou-se assim na primeira equipa da Croácia a vencer esta competição.

Polacos do Dolny Slask bisam na final dos cinco penáltis

Depois de Veneto, em 2013, foi a vez da seleção regional polaca de Dolny Slask vencer a competição pela segunda vez na história. Corria o ano de 2019, quando a região da Baviera, na Alemanha, acolheu a fase final da prova. A seleção da casa chegou à final, o que desde logo se constituiu como um feito histórico, já que até então nenhuma seleção regional germânica o havia conseguido, mas os polacos estragaram a festa numa final insólita. E porquê assim o foi? Porque todos os cinco golos do jogo que iria definir o campeão da 11.ª edição da competição foram apontados da marca de grande penalidade! Não há memória de uma final europeia assim, de facto. O primeiro golo foi para a turma da casa, por intermédio de Ugur Turk, aos 35 minutos. A seleção de Dolny Slask correu então atrás do prejuízo, e o empate chegou em cima do intervalo, novamente na cobrança de um castigo máximo. O primeiro remate de Mateusz Jaros foi defendido pelo guardião da casa, mas na recarga o polaco atirou a contar. Ainda antes do intervalo o guarda-redes da casa fez uma defesa espetacular que evitou novo tento dos forasteiros, mas aos 47 minutos da segunda metade nada pôde fazer quando o árbitro romeno Sebastian Coltescu assinalou o terceiro penálti da tarde no relvado da Wacker-Arena, em Burghausen. Kornel Traczyk não perdoou e fez o 2-1 para a seleção polaca, de nada valendo a estirada do guardião alemão, que adivinhou o lado para onde foi a bola. A tarefa dos alemães, que até começaram esta final por cima, fruto de uma maior iniciativa ofensiva, ficou mais complicada à passagem do minuto 70, quando Michael Kraus viu o segundo cartão amarelo e foi expulso. Com mais um jogador em campo, os polacos deram a machadada final aos 80 minutos, altura em que Bohdanowicz fez o 3-1. Os donos da casa lutaram com todas as suas armas para chegar de novo ao golo, tendo sido premiados em cima dos 90 minutos com um novo penálti, o qual seria convertido por Lukas Igrund. De nada valeu este golo, já que pela segunda vez na história a seleção de Dolny Slask levava para casa a taça.

Euforia nas Rias Baixas galegas

2020 fica para a história como o ano em que o Mundo foi assombrado por uma pandemia: a Covid-19. Em poucos meses, o vírus espalhou-se por todo o planeta, infetou mais de 75 milhões de pessoas e causou impactos negativos em todos os setores. Naturalmente que o desporto também foi e muito afetado pelo efeito da Covid-19. Foram vários os grandes eventos desportivos cancelados, ou adiados, um pouco por todo o Mundo devido ao surto do novo coronavírus. Também a Taça das Regiões da UEFA foi vítima do novo coronavírus, tendo a sua edição de 2021 sido cancelada por força da pandemia. Desta forma, só em 2023 o certame voltou à ribalta, desta feita na região da Galiza, em Espanha. E pela sexta ocasião em 25 anos de história da competição, a taça voltava a ficar em casa, isto é, conquistada pela seleção anfitriã. O título coroou uma seleção que irá, por certo, ficar na história do futebol desta região do norte de Espanha, já que a equipa orientada por Iván Cancela concluiu em Vilagarcía de Arousa, localidade que acolheu a final, um trajeto 100 por centro vitorioso de… quatro anos. Por outras palavras, a turma galega não conheceu a derrota ao longo de quatro anos consecutivos. A fase final da 12.ª edição do certame foi a todos os níveis espetacular, desde o futebol desenvolvido pelas oito seleções presentes, como de igual modo pela excelente organização. 

Golo da Galiza contra a equipa bósnia
A seleção da Galiza integrou o Grupo A, tendo no primeiro encontro, realizado em Cambados, derrotado os seus congéneres dos Irlandeses Amadores por 2-0. Aos 9 minutos Iñaki Martínez marcou o primeiro golo da tarde, sendo que em cima do minuto 90 Joni Magisano selou o marcador. Na 2.ª jornada da fase de grupos apareceu aquele que foi um dos grandes destaques da seleção galega na competição, Álex Rey. Ante os bósnios da região de Zenica-Doboj, num encontro ocorrido no Campo de Baltar, em Sanxenxo, Rey fez o primeiro golo da sua seleção aos 24 minutos, após um cruzamento vindo do lado direito dos pés de Félix Rial. Na segunda metade, ao minuto 50, foi a vez de Rey devolver a gentileza, e também ele efetuar uma assistência para o seu colega de equipa, Adrián Otero, de cabeça, fazer o 2-0. Aos 69 minutos, Subasic reduziu desvantagens no marcador, na sequência de um golo olímpico (!) que fechava o marcador em 2-1 a favor dos galegos. E na derradeira ronda da fase de grupos assistiu-se no Campo Municipal de A Lomba, em Vilagarcía de Arousa, a uma autêntica final entre Galiza e os alemães da Baviera, que também haviam triunfado nas duas primeiras jornadas. Quem vencesse passaria à final. Assistiu-se a um jogo de nervos, angustiante, entre duas equipas que provaram que mereciam estar no encontro decisivo. Foi mais feliz, ou eficaz, a equipa da casa, que embalada pela pressão inicial que fez sobre o combinado germânico chegou ao golo. E por intermédio de quem? Álex Rey, pois claro. Uma falta no interior da área da seleção da Baviera não deixou dúvidas ao árbitro finlandês, Antti Munukka, que de pronto assinalou o castigo máximo. Estavam apenas decorridos 7 minutos, e na conversão Rey atirou forte e rasteiro , fazendo um golo que seria decisivo nas contas finais do grupo. Tudo porque os galegos seguraram a magra vantagem até final, e asseguraram dessa forma a passagem ao encontro final da competição, onde iriam ter pela frente a surpreendente seleção de Belgrado. O conjunto sérvio não era tido como favorito à passagem à final, já que esteve integrado num grupo (B) que tinha as fortes seleções da Associação de Futebol de Lisboa e os campeões em título, os polacos do Dolny Slask. O próprio selecionador sérvio, Goran Jankovic, afirmou na antecâmara da final que «se antes do torneio alguém nos dissesse que iríamos jogar a final ficaríamos satisfeitos. Mas… agora queremos mais». Pois é, já que contra os prognósticos iniciais ali estavam, porque não levar o troféu para casa? Porém, os sérvios estavam conscientes das dificuldades que iriam encontrar, a julgar pelas palavras do seu treinador: «Sabemos que os galegos são muito bons. Jogaram o melhor futebol da fase de grupos, pelo que a final vai ser um jogo muito duro para nós»

Álex Rey festeja com os adeptos na final
E no dia 17 de junho o Campo Municipal de A Lomba registou uma boa afluência para presenciar um capítulo histórico para o futebol galego. Aliás, desde logo a assistência da final entrou para a história da UEFA Regions Cup, já que com 4085 espetadores nas bancadas esta foi a final com maior número de público presente. Público que do princípio ao fim não se poupou a esforços no apoio à seleção galega. Assistiu-se a uma final intensa, com a Galiza a entrar a todo o gás e logo ao minuto 9 um passe longo desde o meio campo efetuado por Iñaki Martínez foi parar aos pés de Félix Rial, que solto de marcação só teve de contornar o guarda-redes sérvio e fazer o primeiro tento da tarde. Aos 40 minutos, Álex Rey dispara um forte remate de fora de área, tendo a bola sido travada por Krstovic com a mão. Grande penalidade assinalada e cartão vermelho para o jogador sérvio. Na conversão, Rey, que então representava o Rápido de Bouzas, atirou a bola para o lado contrário do guarda-redes, ampliando a vantagem com que se atingiu o intervalo. Belgrado esteve longe de se dar por vencido, e a prova disso foi a forma astuta com que entrou na segunda metade da final. Aos 57 minutos, uma jogada iniciada no guarda-redes forasteiro foi concluída por Kolarevic, que no interior da área tirou dois defesas galegos do caminho para fazer o 2-1 que relançou a partida. Até que aos 74 minutos uma bela jogada de combinação do ataque galego permitiu a Lorenzo tirar um cruzamento tenso do lado direito do seu ataque para o poste mais distante da baliza sérvia. Ali, estava solto de marcação Iñaki Martínez, que com um remate cruzado fez o 3-1 final e assegurou a conquista da terceira Taça das Regiões da UEFA para o futebol espanhol.

E assim chega ao fim esta nossa viagem pela história desta competição. 

quinta-feira, junho 06, 2024

Histórias do Planeta da Bola (31)... UEFA Regions Cup – 25 anos do esplendor inocente do futebol amador europeu (parte II)

Em 2007 a seleção da região Sudoeste-Sofia tornou-se na primeira e única equipa até à data a perder duas finais consecutivas da Taça das Regiões da UEFA. Desta feita, o combinado búlgaro sucumbiu diante do seu público, em Sliven Kolyo Milev, cujo presidente da câmara era uma das maiores lendas do futebol da Bulgária: Yordan Letchkov. Esse mesmo, o médio calvo que integrou aquela que para muitos é a melhor seleção de sempre daquele país, a equipa que espantou o Mundo ao conquistar o 4.º lugar no Campeonato do Mundo de 1994. E em Sliven Kolyo Milev quem faria a festa seria a seleção regional de Dolny Slask, o representante da Polónia nesta 5.ª edição da fase final da UEFA Regions Cup, onde pela segunda vez participava uma equipa portuguesa, no caso a seleção da Associação de Futebol de Aveiro. Integrada no Grupo B a turma lusa só seria batida pelos futuros campeões, o Dolny Slask, que somente perdeu pontos ante os portugueses. E na grande final, realizada no Estádio Hadzhi Dimitar, diante de 3500 espetadores, número recorde até então no que diz respeito a uma final da prova, os búlgaros foram ao delírio quando Plamen Stoyanov colocou a seleção da casa em vantagem aos 66 minutos. 

Esta foi na verdade uma das finais mais dramáticas e ao mesmo tempo emotivas destes 25 anos de história da competição. Quando o público da casa já festejava nas bancadas a vitória da seleção da região Sudoeste-Sofia, eis que um balde de água fria caiu sobre eles a sensivelmente 10 minutos do fim.

Arkadiusz Piech
Altura em que na conversão de um livre apontado a uma distância considerável da baliza, Michal Sudol empata a partida para desespero dos búlgaros. Foi então necessário jogar-se mais 30 minutos de futebol extra, e a 6 minutos dos 120 novo balde de água gelada sobre os anfitriões, quando Szymon Jaskulowski, um estudante de 22 anos, que havia começado o encontro no banco, marcou o tento da vitória e do título.

A fase final desta edição da Taça das Regiões seria então considerada pela UEFA como a melhor de sempre, até então, a julgar pelas palavras de Jim Boyce, o então vice-presidente da UEFA para o futebol juvenil e amador. Já aqui frisamos que esta competição é disputada por futebolistas não profissionais, ou que sejam semi-profissionais, mas isso não quer dizer que muitos deles não alcancem no futuro a profissionalização no futebol. E a seleção regional Dolny Slask é um bom exemplo disso, já que dois dos jogadores que venceram esta Taça das Regiões lograriam chegar à seleção principal do seu país e a jogar na 1.ª divisão da Polónia. Foram os casos de Arkadiusz Piech e Janusz Gol, que também se aventuraram no futebol internacional, ao competirem ao mais alto nível nos campeonatos da Turquia, do Chipre – no caso de Piech – e da Rússia – no que diz respeito a Gol.

Castilla e León resgata a taça para Espanha

Berço de notáveis futebolistas/treinadores espanhóis, casos Paco Llorente, Vicente Del Bosque, Juan Mata, entre outros profissionais de relevo, a região de Castilla e León levou em 2009 para Espanha pela segunda vez o título de campeão da Europa de futebol amador. Feito alcançado debaixo do sol tórrido da Croácia, mais concretamente na região de Zagreb. No entanto, a seleção regional da casa esteve muito longe de colocar a mão na taça, já que não foi além do 3.º lugar do Grupo A da fase final, ficando a 3 pontos do vencedor do grupo, os romenos da região de Oltenia. Em termos mais precisos, a seleção regional da Roménia derrotou a seleção de Privolzhie (Rússia) por 2-0, com golos de Mirel Sârbu e Adrian Marinescu, e a região de Bratislava (Eslováquia) pelo mesmo resultado, com golos de Bogdan Preda e Mirel Sarbu. No último jogo, os romenos empataram com a equipa da casa a uma bola, sendo que o tento da região de Oltenia foi apontado por Alin Vacaru. Por seu turno, a seleção de Castilla e León teve uma fase de grupos imaculada, isto é, só com vitórias, sobre os representantes da Bósnia (Gradiaka), da República da Irlanda (Region I) e da Bélgica (Kempen). Neste trajeto invicto os espanhóis apenas sofreram um golo, apontado pela equipa belga, e marcaram sete tentos. Chegados à final, realizada no Estádio do NK Inter de Zapresic, os dois combinados realizaram uma primeira parte onde imperou o futebol rápido e vertical praticado por ambos os lados. Nota de rodapé para dizer que após uma fase de grupos disputada sob intenso calor, a final foi realizada debaixo de pequenos chuviscos! Mas voltando ao encontro, seria no seguimento de uma bola dividida que aos 18 minutos António Ramirez apontou o primeiro tento dos espanhóis, após boa jogada de entendimento com o seu companheiro Alonso. Empolgada pelo golo, a seleção de Castiila e León assumiu as despesas do jogo e partiu para cima do adversário em busca de mais. Porém, aos 25 minutos, Adrian Sirbu, repôs a igualdade na sequência de um cabeceamento que apanhou desprevenido o guardião Álex. A seleção regional espanhola continuou num registo sólido na segunda metade, período este onde as duas equipas foram em busca de um novo golo de forma persistentes. Neste aspeto, foi mais eficaz a seleção de Castilla e León que aos 80 minutos chegou ao 2-1, na marcação de um livre apontado por Mato, tendo na sequência do lance Mirel Adrian Sirbu rematado com êxito para o fundo das redes de Alexandra Popescu.

De Braga a Barcelos se fez o trajeto da glória portuguesa


O futebol português também guarda boas recordações da Taça das Regiões da UEFA. Corria o ano de 2011 quando a região do Minho acolhe a fase final da 7.ª edição do certame, fruto da qualificação da Associação de Futebol de Braga para a ronda final. E foi a jogar em casa, na sua região, que a seleção distrital bracarense alcançou a glória, o título de campeão, o único até à data do futebol luso no âmbito das Bodas de Prata da competição uefeira. Sobre esta conquista já traçámos noutras viagens ao passado longas linhas, pelo que aqui vamos recordar somente as incidências finais desta caminhada de glória de uma seleção que era orientada sob o ponto de vista técnico pelo malogrado Dito. 
Integrada no Grupo A da fase final a turma bracarense teve um trajeto imaculado, isto é, 100 por cento vitorioso, que começou com um triunfo por 3-1 no Estádio 1.º de Maio (em Braga) sobre os checos do Zlin por 3-1, com golos de Hugo Veiga, Diogo Leite e João Silva.

Imagens da final, em Barcelos
O passo seguinte rumo à desejada final foi dado em Barcelos, altura em que os portugueses derrubaram a muralha ucraniana do Yednyst Plysky. A seleção da Associação de Futebol de Braga ainda apanhou um susto, quando logo aos 10 minutos os homens de leste colocaram-se em vantagem por intermédio de Babor. Contudo, a veia goleadora de José Ferreira (22 minutos) e Daniel Simões (59 minutos) e a inspiração do guarda-redes Simão Barbosa (defendeu uma grande penalidade) operaram a reviravolta no marcador e asseguraram mais um triunfo aos pupilos de Dito. E seria em Vila Verde que a seleção bracarense iria assegurar matematicamente a passagem à final na sequência de uma nova e concludente vitória por 3-1 sobre a seleção distrital de Wurttemberg (Alemanha), com o destaque individual a ir para José Ferreira, autor de dois golos (37 e 88 minutos), cabendo a Pedro Nobre (no período de compensação da primeira parte) apontar o outro tento luso. E assim estava alcançada a final. Jogo decisivo onde os bracarenses iriam ter pela frente o vencedor do Grupo B, os irlandeses da região de Leinster & Munster, que haviam levado a melhor sobre a concorrência composta pelos combinados distritais de Belgrado (Sérvia), Ankara (Turquia) e Região Sul da Rússia. Os dois vencedores da fase de grupos encontraram-se no Estádio Cidade de Barcelos, ao final da tarde de 28 de junho, tendo disputado um jogo intenso que terminou com o triunfo português por 2-1. No entanto, a seleção da Associação de Futebol de Braga teve de sofrer para colocar as mãos na taça. Os irlandeses até criaram o primeiro lance digno de registo na partida, quando logo aos 3 minutos Laurence Dunne enviou uma bola à trave da baliza de Rui Vieira. Após este susto inicial, os portugueses equilibraram um encontro onde o nervosismo (muitos passes errados de parte a parte) imperou na primeira meia hora. A Associação de Futebol de Braga teve a sua primeira oportunidade golo somente ao minuto 33, quando uma bela incursão pelo flanco direito do lateral João Silva só foi travada por uma magnífica defesa do guarda-redes Brendan O'Connell. Este lance animou o combinado luso, que até ao intervalo voltaria a ter uma nova e flagrante oportunidade de golo por intermédio de Luís Ribeiro. Valeram mais uma vez os excelentes reflexos de O'Connell. A segunda parte iniciou-se tal como a primeira, ou seja, com a equipa de Leinster & Munster a levar perigo à baliza bracarense na sequência de um perigoso cabeceamento de

Bracarenses fazem a festa
David Lacey, tendo o golo sido evitado graças a uma magnífica intervenção de Rui Vieira. Era agora a vez do guardião luso mostrar os seus atributos. Entretanto, Dito mexe no seu xadrez, colocando em campo Renato Reis (no lugar de Luís Ribeiro) e eis que à passagem do minuto 62 a (maior) qualidade técnica dos portugueses veio ao de cima com um grande golo de Pedro Nobre. O avançado captou a bola na entrada da área irlandesa, dominou-a com arte e engenho e dali mesmo, de fora de área, encheu o pé (direito) para enviar o esférico direitinho para o fundo das redes de O'Connell, que mais não fez do que assistir impotente ao grande golo bracarense. Por norma, os irlandeses são um povo que dificilmente atiram a toalha ao chão perante o primeiro obstáculo encontrado e em Barcelos a garra irlandesa veio ao de cima praticamente logo a seguir ao golo português. Uma defesa incompleta de Rui Vieira (a remate de Ray Whelehan) permitiu a David O'Sullivan fazer a recarga vitoriosa e restabelecer assim a igualdade. A partida estava frenética. As equipas aumentaram a intensidade do seu futebol em busca do golo da vitória. E eis que numa altura em que já cheirava a prolongamento (corria o minuto 84) um golpe de sorte (ou não) protagonizado por José Fortunato deu a vitória e o inédito título à seleção de Braga... e ao futebol português. Fortunato cruzou a bola na direita do seu ataque... diretamente para o fundo da baliza, fazendo o 2-1 final. A festa, naturalmente, que invadiu o relvado do Estádio Cidade de Barcelos assim que o norueguês Ken Henry Johnson apitou pela última vez naquela tarde de glória do futebol nacional.

Veneto bisa na casa de partida

Em 2013 a Taça das Regiões da UEFA voltou à sua casa de partida: a região de Veneto. E tal como em 1999, aquando da primeira edição, tudo terminou da mesma forma, isto é, com a seleção regional de Veneto a ficar com a taça na sua posse, entrando desde logo para a história da competição pelo facto de pela primeira vez uma seleção distrital ter-se sagrado campeã da Europa de futebol amador pela segunda ocasião. Depois de vencer o Grupo A da fase final de forma invicta, a seleção regional transalpina avançou para a final, onde tal como em 99 a esperava uma equipa vinda de Espanha, neste caso a seleção da Catalunha. Disputada tal como na primeira edição no Stadio Comunale delle Terme, em Abano, a final, com arbitragem portuguesa, a cargo de Artur Soares Dias, seria decidida nas grandes penalidades, após um nulo no final dos 120 minutos. Em termos mais precisos, assistiu-se a uma primeira parte marcada pelo equilíbrio entre duas seleções que apresentaram em campo o mesmo esquema tático: 4-3-3. A jogar em casa o conjunto italiano entrou melhor no que toca à ambição de chegar ao golo, já que logo no primeiro minuto Gasparato errou o alvo por pouco. Aos 7 minutos os catalães apareceram pela primeira vez com algum perigo junto da baliza à guarda de De Carli, com Cornella a falhar o golo na cobrança de uma falta. À passagem do quarto de hora os donos da casa fazem uma nova incursão perigosa no ataque, mas o remate de Meda é travado com atenção pelo guarda-redes Carlos Miguel. A seleção catalã só consegue colocar em sentido a defesa transalpina através de lances de bola parada, sendo que numa dessas ocasiões Cornella volta a colocar à prova De Carli, corria o minuto 29. O equilíbrio foi de novo a nota dominante na maioria da segunda parte. Aos 48 minutos, De Carli foi o primeiro guarda-redes chamado a intervir, após um belo remate do catalão Garros. Pouco depois, o Veneto cria aquela que pode ser considerada a primeira grande oportunidade do encontro, quando Furlan rematou à trave da baliza catalã. A equipa orientada pelo técnico Toniutto cresceu no jogo, e aos 53 minutos uma nova tentativa de Furlan é travada desta feita pelo guardião Carlos Miguel. Três minutos volvidos é a vez da Catalunha responder, com Pol a obrigar De Carli a defesa apertada. O jogo entrou num ritmo de parada e resposta, com mais um par oportunidades claras até final dos 90 minutos a surgirem de um lado e do outro. No prolongamento assiste-se a um jogo morno, um pouco desinteressante, sem lances de maior emoção. A única nota de relevo deu-se aos 106 minutos, altura em que o italiano Mantovani recebe ordem de expulsão de Artur Soares Dias. E com 0-0 no marcador a decisão foi para penaltis. E na marca dos 11 metros a seleção de Veneto foi mais competente e venceu por 5-4 - Lorenzatti, Vettoretto, Polonese, Gasparato e Gagno marcaram para os italianos, e Vivo falhou a grande penalidade decisiva para os catalães, depois dos seus colegas de equipa, Gallego, Puerto, Puigoriol e Munta, terem convertido com êxito os seus remates.

(continua)

Histórias do Planeta da Bola (30)... UEFA Regions Cup – 25 anos do esplendor inocente do futebol amador europeu (parte I)

Cada remate, cada golo e cada comemoração são vivenciados de forma apaixonada e pura, desinteressada sob o ponto de vista material, fazendo com que a essência do Belo Jogo seja vincada sem os vícios do profissionalismo explorador. É um pouco esta a imagem que temos da forma como o futebol amador é vivido em todo o Planeta da Bola, onde apenas a paixão, ou o amor, pelo jogo entram em campo, o que faz com que muitas vezes jogadores, treinadores, ou dirigentes coloquem em segundo plano as suas vidas pessoais e profissionais para viver de graça, sem contrapartidas financeiras chorudas, este amor pelo futebol. Vem isto a propósito da efeméride que se assinala neste ano de 2024, a qual desde 1991 até à presente data exulta a magia inocente do futebol não profissional. Fazemos alusão aos 25 anos de existência da UEFA Regions Cup, ou Taça das Regiões da UEFA, no nosso idioma, o certame que de dois em dois anos reúne as melhores seleções regionais amadoras dos países do Velho Continente. A ideia para criar um torneio continental para equipas amadoras surgiu em meados dos anos 60 do século passado, quando a UEFA criou a Taça Amadora, disputada somente por equipas. Teve, porém, uma duração efémera e despercebida, surgindo em 1967 e desaparecendo em 1978, conhecendo ao longo deste período somente quatro edições. Falta de interesse de equipas e do público foram os argumentos principais que levaram à extinção da prova uefeira.

Porém, o facto de grande parte dos jogadores filiados nas 54 federações que são membros da UEFA serem amadores, ou semi-profissionais, o organismo que tutela o futebol europeu reativou a competição, sob outra designação, já na reta final do século XX, permitindo que personagens do mundo do futebol não profissional vivam o sonho de competir a nível internacional como se estivessem a viver a fazer final de um Campeonato da Europa ou de uma Liga dos Campeões. «Estes são os rapazes que fazem isto por nada, apenas pelo amor ao jogo», disse em 2015 o treinador da equipa irlandesa da Eastern Region, que venceu a Taça das Regiões desse ano e que de certa forma ajuda a explicar a essência da competição, ou seja, a de que a maioria dos futebolistas tem as suas atividades profissionais – nas mais diversas áreas, e que muitas delas nada têm a ver com o futebol – e que encaram a modalidade apenas por mero divertimento.

Há que ter um certo cuidado, no entanto, quando rotulamos esta competição de amadora, pois na verdade, a sua organização é encarada de forma tão profissional como a fase final de um Europeu, proporcionando desta forma aos futebolistas uma experiência única de competição internacional organizada pela UEFA, com tudo o que de melhor essa prova tem direito. E é preciso igualmente um certo cuidado quando nos aludimos a estes futebolistas como amadores, já que apesar de não viverem exclusivamente do futebol, não quer dizer que o tratem, ou encarem, de forma amadora, perdendo dessa maneira o Belo Jogo o seu encanto, muito pelo contrário.

Em Roma sê Romano, ou neste caso, em Veneto ganham os que lá estão

Viajando agora pela história da Taça das Regiões da UEFA, percebemos que ela é disputada pelas regiões/associações de cada país da Europa que vencem as respetivas competições internas. Para exemplificar, no caso português, é disputada de dois em dois anos a Taça das Regiões/Fase Nacional pelas 22 associações de futebol que existem em Portugal – uma por cada distrito –, sendo que o campeão nacional, digamos, se apura para a Taça das Regiões da UEFA a realizar no ano seguinte.

A competição conhece uma fase pré-eliminar, que é disputada pelas 12 seleções regionais com a classificação mais baixa no ranking da UEFA, e que são divididas em três grupos de quatro equipes, sendo que os três primeiros classificados avançam para a fase intermédia, a qual é composta por 32 participantes distribuídos por oito grupos de quatro equipas. Os vencedores de cada grupo avançam para a fase final da prova, cuja sede é atribuída a um dos oito finalistas.

Italianos e espanhóis posam para a foto antes da primeira final

Há 25 anos, em 1999, portanto, deu-se o pontapé de saída da UEFA Regions Cup, tendo a região de Veneto, em Itália, acolhido a primeira edição do certame. Realizada no espaço de uma semana apenas (entre 31 de outubro e 6 de novembro desse ano) a prova foi ganha pela equipa da casa, Veneto, que até nem começou da melhor forma a caminhada de glória, já que na estreia empatou a uma bola com o representante de Israel. A performance foi melhorada nos dois jogos seguinte do Grupo B, com duas vitórias – ante os ucranianos da região de Kyiv Oblast e os georgianos da região de Tbilisi – que asseguraram o primeiro lugar e a consequente passagem à final. A seleção da região de Madrid foi o opositor dos transalpinos, que no Stadio Comunale delle Terme, em Abano, obrigaram os anfitriões a horas extras para erguer o troféu. Após uma igualdade a duas bolas no final dos 90 minutos teve de se jogar um prolongamento. Aí, Michele De Toni foi o herói ao apontar o golo da vitória em cima do minuto 120. Tudo isto perante o olhar de 700 espetadores. Para o herói dessa primeira final aquele golo foi o melhor momento da sua relação com o futebol. «Foi incrível, chorei de felicidade. É a melhor recordação da minha carreira desportiva», confidenciou De Toni ao site da UEFA em 2013. 

Sobre as incidências do encontro, o jogador transalpino lembrou que «foi um jogo difícil contra a equipa espanhola, mas a poucos segundos do apito final do prolongamento fizemos um último ataque para marcar. Quando me virei, todos no estádio estavam aos saltos e os jogadores no banco correram na minha direção para comemorar». Mais do que um mero torneio internacional que coroa uma região/associação de um país como campeão da Europa de futebol não profissional, a UEFA Regions Cup é acima de tudo um meio de convivência, de partilha de experiências, entre futebolistas de vários pontos do Velho Continente, como aliás, ficou vincado nesta primeira edição, a julgar pelas palavras do treinador campeão, Loris Bodo. «A atmosfera era incrível! A parte da competição começou com o pontapé de saída e terminou com o apito final, o resto… foram boas conversas, trocas culturais e também uma troca de itens pessoais, ou seja, do género, “eu dou-te a minha camisola e tu dás-me as tuas chuteiras”. Este é o tipo de relação que está no centro do torneio», lembrou também em 2013 ao site da UEFA o primeiro treinador campeão.

A.F. Braga passou muito perto de uma glória que viria a alcançar


Dois anos volvidos, e já no novo milénio, a seleção distrital portuguesa mais bem sucedida ao longo destes 25 anos de história tem o seu primeiro grande momento. A seleção da Associação de Futebol de Braga alcança não só a fase final do torneio, como chega ao jogo decisivo, depois de superar no Grupo A as seleções de Madrid, da Dalmatia (Croácia) e da Vojvodina (da então Sérvia e Montenegro). Fase final que tem lugar na República Checa, na região da Moravia. Pela segunda edição consecutiva a seleção anfitriã alcançava a final, mas desta vez a seleção da Moravia beneficiou de alguma sorte para levar de vencida a turma portuguesa no encontro decisivo disputado no Estádio Letná, em Zlin. Mais de 2000 pessoas assistiram à final, onde na qual a equipa da casa criou a primeira situação de perigo, aos 7 minutos, quando Michal Svach obrigou o defesa bracarense Alberto Oliveira a sacudir para canto, com alguma dificuldade, a bola. O aviso estava dado, mas a seleção de Braga mostrou não ter medo e após os 12 primeiros minutos Nuno Mendes e Lourenço Almeida já tinham dado que fazer ao guarda-redes Petr Macala. Porém, a festa do golo foi primeiramente feita pela turma da Moravia, quando o mesmo Macala lançou da sua baliza um contra-ataque ainda antes do primeiro quarto de hora. O esférico chegou a Gabriel David, que depois de se desenvencilhar de dois defesas portugueses bateu o guardião Marco Gonçalves, apontando assim o seu quinto tento no torneio. Antes do intervalo, a Associação de Futebol de Braga esteve muito perto do empate, quando um passe errado de Kroca para o seu guarda-redes foi intercetado por José Gonçalves, que depois de contornar Macala atirou escandalosamente por cima da baliza. Este lance afetou o defesa Kroca, que pouco depois da meia hora cometeu outro deslize: fez penalti sobre Vítor Ferreira. Porém, Petr Macala vestiu a capa de herói e defendeu para canto a bola rematada por António Ferreira. O lance não afetou os portugueses, pelo contrário, que voltaram do intervalo dispostos a alterar o rumo dos acontecimentos. E aos 55 minutos uma bela jogada de combinação entre Jorge Pires e Vítor Ferreira permitiu a este último restabelecer o empate aos 55 minutos.

Petr Macala
Depois disto as defesas de ambas as equipas passaram a sobressair no jogo. Atentas e eficientes na forma como sacudiram a pressão dos setores atacantes, até que a 6 minutos do fim Maurício Freitas colocou os lusos em vantagem pela primeira vez. A seleção da Moravia teve sangue frio, e nos minutos que restavam lutou para ser feliz. O prémio chegou no período de compensação, altura em que um remate de Svach foi travado com a mão em cima da linha de golo por Leonel Fernandes, tendo o árbitro francês Tony Chapron não tido qualquer dúvida em assinalar grande penalidade e dado ordem de expulsão ao jogador português. O mesmo Svach converteu o castigo, restabeleceu a igualdade, e levou o jogo para prolongamento. No prolongamento as contas ficariam equilibradas, quando Miroslav Hubacek viu o segundo cartão amarelo no jogo e foi também tomar banho mais cedo. No capitulo das intensões em chegar ao golo, a Moravia esteve por cima, tendo o lance mais perigoso acontecido aos 10 minutos, quando Petr Simcik rematou a bola à trave após um cruzamento de Svach. Com o empate a prevalecer no final do tempo extra foi necessário recorrer-se ao desempate através de grandes penalidades, e aí Petr Macala provou que era mesmo um especialista neste tipo de lances. O guardião checo defendeu os remates de Nuno Mendes e Marco Alves, ao passo que ele próprio e os seus companheiros Svach, Alois Lachlik e Libor Pumprla não desperdiçaram as respetivas oportunidades para marcar e garantir a vitória por 4-2 nos penaltis e acima de tudo o título de campeões da Taça das Regiões da UEFA, que pela segunda edição consecutiva ficava na posse da seleção anfitriã.

Título regressa a Itália

40 seleções regionais participaram na terceira edição da Taça das Regiões da UEFA, um sinal claro da crescente popularidade do torneio. No entanto, só oito alcançaram a fase final, que desta feita teve como palco a região alemã de Wurttemberg. Um verdadeiro forno, diz quem lá esteve no mês de junho de 2003, altura em que decorreu a competição debaixo de… calor intenso. Nos Grupo A os italianos da região de Piedmont–Aosta Valley não entraram bem no torneio ao empatarem a uma bola com a seleção das Astúrias (Espanha), ao passo que a seleção anfitriã derrotou a seleção helvética de Ticino por claros 4-0. A vitória do combinado transalpino por 3-0 sobre Ticino e o empate (1-1) dos alemães com as Astúrias na 2.ª ronda, adiaram a decisão sobre quem passava à final para a derradeira jornada. E perante uma razoável moldura humana no Estádio do Carl-Zeiss, em Oberkochen, o Wurttemberg perdeu por 1-3 diante dos italianos, que assim asseguraram a passagem ao jogo mais desejado. E pela frente a turma do Piedmont–Aosta Valley teve a seleção da Ligue du Maine, de França, que venceu o Grupo B graças à regra de desempate por confronto direto, já que no final das contas terminou com os mesmos pontos (6) que a seleção húngara de Szabolcs Gabona. No entanto, o facto de na 1.ª jornada ter despachado os magiares por expressivos 8-3 – que até hoje constitui o resultado mais dilatado numa fase final da competição – garantiu a qualificação aos pupilos do técnico René Logie.

O atacante francês Anthony Guyard
No dia 28 de junho cerca de 1000 espetadores deslocaram-se ao Albstadion, em Heidenheim, para assistir a um jogo onde a seleção da Ligue du Maine depositava grandes esperanças na sua dupla de atacantes constituída por Anthony Guyard e Jonas Missaye, em grande parte responsáveis pelos 12 golos que a equipa tinha apontado na fase de grupos. Porém, sob o ponto de vista tático os italianos foram mais equilibrados, o que acabou ser a chave de um triunfo por 2-1 do conjunto do Piedmont–Aosta Valley. O herói da final foi alguém que só tinha chegado ao local da final na… véspera do encontro decisivo! Paolo Borgna, o seu nome, o autor dos dois golos apontados ainda antes dos 30 minutos da primeira parte de um jogo onde até final a turma transalpina controlou as investidas dos franceses, de nada valendo o tento de Farid Kharraz aos 83 minutos. Desta forma, e pela segunda vez, uma equipa italiana levantava o troféu, país (Itália) que a par da Espanha é aquele que em 25 anos de história mais UEFA Regions Cup conquistou: três. Quanto à seleção de Piedmont–Aosta Valley tornou-se na primeira a vencer a competição fora do seu país, algo que nas primeiras duas edições não tinha ocorrido.

Orgulho na identidade basca fez-se sentir na Polónia

Regionalistas convictos, e por consequência defensores acérrimos das suas raízes, os bascos vivenciaram em 2005 a primeira grande conquista internacional do seu futebol no âmbito da Taça das Regiões da UEFA. Facto ocorrido na Polónia, mais precisamente em Proszowice, local onde a seleção de Euskadi, ou País Basco na nossa língua, derrotou a seleção da região Sudoeste-Sofia (Polónia), por 1-0 na final, e conquistou o primeiro troféu para Espanha. Os bascos terminaram o Grupo B com os mesmos pontos (6) que os ucranianos do KZESO Kakhovka, mas levaram a melhor no confronto direto – fruto de um triunfo por 4-1 na 1.ª jornada – o que lhe permitiu jogar a final com a seleção campeã da Bulgária. Esta última equipa atingiu o jogo decisivo de forma dramática, isto é, nos minutos finais da 3.ª jornada da fase de grupos, altura em que a seleção da Eslováquia Central vencia por 2-1 a turma búlgara e estava a somente 5 minutos de atingir a final. Foi nesta altura que um cabeceamento pleno de êxito de Ivan Todorov bateu o guardião Peter Pernis – considerado um dos melhores desta edição da prova – e levou os búlgaros para o jogo decisivo. E seria numa tarde chuvosa que que bascos e búlgaros evoluíram no relvado do Estádio de Proszowice perante os olhares de cerca de 350 espetadores. A final ficaria decidida por apenas um golo a favor dos bascos, e que golo esse! Um golaço, melhor dizendo, apontado por Alain Arroyo à passagem dos 33 minutos da primeira metade. 

A seleção de Euskadi campeã em 2005

Na sequência de uma bela incursão de ataque por Jon Unai Martínez, pelo flanco esquerdo, Arroyo controlou a bola com o peito e de primeira atirou forte para o fundo da baliza búlgara. Na primeira parte os bascos poderiam até ter feito mais golos, dado que não só dominaram os acontecimentos, como também dispuseram de variadas oportunidades para voltar a bater o guarda-redes Giorev. A segunda metade teve início na mesma toada que a primeira, ou seja, com os bascos por cima e determinados em voltar a fazer estragos na área contrária. Porém, a expulsão do seu capitão de equipa, Fernando Véliz, ao minuto 54, alterou o rumo dos acontecimentos, e a seleção de Euskadi passou do ataque à… defesa. E neste plano brilhou a grande altura o guarda-redes José Carlos González, que fez defesas importantes e algumas de grande espetáculo, como foi o caso de um potente remate de fora de área que levava selo de golo e que foi travado de forma espetacular pelo guardião basco que dessa forma segurou o magro triunfo e o consequente título europeu. Uma nota curiosa para dizer que o marcador do único golo desta final foi o mesmo que oito anos volvidos desta conquista apontou o último golo no mítico Estádio San Mamés, lendário recinto do Athletic de Bilbao que então foi demolido para dar lugar ao moderno Nuevo San Mamés.  
Alain Arroyo
Pormenor curioso aquando da entrega do troféu aos novos campeões da Europa de futebol amador, é que os jogadores bascos envergavam uma t-shirt onde se lia: “Oficial do País Basco”. O orgulho de uma região bem estampado na hora do triunfo, portanto.

(continua)

quinta-feira, setembro 07, 2023

Histórias do Planeta da Bola (29)... Irene González: A pioneira do profissionalismo no futebol feminino


A polémica e o "ruído" que têm rodeado o beijo do presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, à jogadora Jenni Hermoso têm tirado o foco à maior conquista da história do futebol feminino castelhano: o Mundial. Facto ocorrido no hemisfério sul do planeta, mais concretamente na Austrália e Nova Zelândia, no verão de 2023, e que foi o culminar do grande trabalho que a Espanha vem fazendo ao nível da dinamização e desenvolvimento do futebol feminino. A materialização da ascensão espanhola no Desporto Rei praticado por senhoras pode ser explicado por diversos títulos internacionais (só) ao longo dos últimos cinco anos, quer a nível de seleções, quer a nível de clubes. Vejamos, Espanha venceu um Europeu de sub-17, três Europeus de sub-19, dois Mundiais de sub-17, um Mundial de sub-20, e viu ainda o FC Barcelona vencer por duas ocasiões a maior prova de clubes do Mundo, a Liga dos Campeões Europeus. Factos que atestam o crescimento que a nação ibérica tem tido ao longo do passado recente e que fazem dela já uma das maiores potências planetárias.

A paixão e - sobretudo - aptidão das espanholas pelo futebol não é, contudo, algo que surgiu nos tempos modernos, longe disso. No início do século XX a mulher castelhana já demonstrava encanto pela prática do futebol. Já aqui evocámos a história de Nita Carmona, uma malaguenha que nos anos 20 foi "obrigada" a passar-se por homem para contornar o preconceito então existente de ver uma mulher num campo de futebol. E se Nita teve de esconder a sua identidade de uma sociedade machista e retrógrada que então vigorava para dar azo à sua paixão pelo Belo Jogo, outra conterrânea sua foi ainda mais longe, e sem esconder quem era provou que a mulher tem tanto direito - como talento - quanto o homem para correr atrás de uma bola.

Essa mulher chama-se Irene González, uma galega que muitos apontam como a pioneira do futebol feminino em Espanha. Ela foi a primeira mulher a jogar ao lado de homens e contra homens aos olhos de todos! E mais, foi a primeira mulher a ter a sua própria equipa a competir num campo de futebol em Espanha. Tudo isto aconteceu também nos anos 20 do século passado, na Galiza, mais concretamente, a região de onde Irene González Basante nasceu a 26 de março de 1909. A Corunha foi o berço desta mulher que estava adiantada no tempo. Oriunda de família humilde, a sua mãe era doméstica e o seu pai um guarda do porto daquela cidade galega, Irene cedo deu a conhecer o sonho de ser futebolista, apesar de ter pela frente o obstáculo que era o seu progenitor, que a arrastava furiosamente sempre que a jovem corria atrás de uma bola no meio da rapaziada no campo de A Estrada. Irene foi persistente e aos 15 anos já atuava nos escalões de formação do Racing-Athletic, partilhando o terreno de jogo com homens que haveriam de seguir carreiras em clubes como Atlético de Madrid, Real Madrid, ou o Deportivo da Corunha. Irene começou a sua carreira como avançada, mas a sua paixão era a baliza, já que tinha como ídolo o lendário Ricardo Zamora, e rapidamente passa a competir com Rodrigo García Vizoso que anos mais tarde viria a defender as balizas do Deportivo e do Real Madrid. Nessa equipa atuava ainda Eduardo González Valiño, mais conhecido por Chacho no Planeta da Bola, e que é lendário por ainda hoje deter o recorde de golos ao serviço da seleção espanhola num só jogo: fez seis remates certeiros à baliza da Bulgária em 1933. Para Irene o futebol não era uma mera brincadeira e a prova é que em 1924 decide fundar o seu próprio clube: o Irene Fútbol Club. Por esta altura era já uma atração nos campos galegos, e indiferente aos comentários machistas da época funda, dirige, treina e joga - na condição de capitã de equipa e marcadora oficial de grandes penalidades sempre que necessário - no seu próprio clube, que aliás é inscrito na Real Federação Espanhola de Futebol. O Irene FC era uma atração em toda a Galiza, enchendo todos os recintos onde atuava, sendo convidado inclusive para festas um pouco por toda a região. Irene González aproveita esta fama para começar a cobrar dinheiro por estas aparições, ou por estes jogos amigáveis, fazendo com que seja hoje olhada como a primeira mulher futebolista profissional não só de Espanha como do resto do Mundo! Irene de pronto se tornou num mito, um mito que desapareceu da vida terrestre demasiado cedo, em 1928, com apenas 19 anos de idade, vítima de tuberculose.

sexta-feira, janeiro 06, 2023

Histórias do Planeta da Bola (28)... Com batota ou não, futebol da Arábia Saudita já viveu um momento de (maior?) glamour antes da chegada de Cristiano Ronaldo

A Arábia Saudita anda por estes dias nas bocas do Mundo. Tudo devido ao futebol, e à super-estrela portuguesa Cristiano Ronaldo, que decidiu dar continuidade à sua carreira naquele país do Médio Oriente, centrando desta forma naquela zona do globo os holofotes do Planeta da Bola - e não só. Trata-se de uma oportunidade para o pouco - ou nada mesmo - mediático futebol saudita de se mostrar ao resto do Mundo, de se abrir ao Mundo, e com isto evoluir de forma a encurtar distâncias com as super-potências futebolísticas planetárias. que habitam, na sua esmagadora maioria, na Europa e na América do Sul.

Com a chegada de super-estrelas como Cristiano Ronaldo à Superliga saudita poderá a Arábia Saudita sonhar em chegar à final de um Campeonato do Mundo, por exemplo, daqui a 40 ou 50 anos? Nunca se sabe, pode acontecer, tal como poderá não acontecer. Temos o exemplo dos Estados Unidos da América (EUA) que nos finais dos anos 60 criaram uma verdadeira liga galática de futebol - ou soccer, como é lá conhecido -, contratando estrelas da altura, como Pelé, Eusébio, Cruyff, George Best, Gerd Muller, Teófilo Cubillas, entre tantos outros craques, no sentido de enraizar e desenvolver o jogo naquela nação. O que é certo é que não conseguiram, e a North American Soccer League, o tal campeonato galático, acabou por ser extinto em 1984, já numa fase decrescente em termos de popularidade e órfão das super-estrelas europeias e sul americanas. O Campeonato do Mundo de 1994 foi uma nova tentativa de os EUA fomentaram o Desporto Rei - como é visto na esmagadora maioria dos países do planeta - naquelas bandas, e quiçá, como chegou a ser equacionado por "alguém", ser o ponto de partida para dali a 50 anos vermos a seleção nacional norte-americana vencer um Mundial de seniores! Certo que ainda só passaram 28 anos dessa espécie de profecia, mas a seleção yankee ainda está muito longe, a anos luz, diria, de atingir essa glória, tanto a nível de futebol sénior, como de futebol de formação. Os EUA são apenas um exemplo desta tentativa de países com poder económico acima da média - ou ilimitado, em alguns casos - de pretenderem fazer crescer o seu futebol com a contratação das tais super-estrelas europeias e sul-americanas, mesmo que em fim de carreira. Poderíamos ainda falar do Japão, que no início dos anos 90 do século passado criou a mediática J-League, ou até da China, que no princípio do novo milénio fundou a Superliga Chinesa, que tem atraído grandes estrelas do futebol. O que é certo é que estes países ainda não colheram os devidos frutos deste investimento, quiçá o farão daqui a 50, ou 100 anos? O futuro o dirá.

Jovens (adultos?) sauditas vencem título mundial polémico...

A seleção saudita que venceu o Mundial de sub-16

Esta visão, digamos, serve de atalho à nossa história de hoje, a história que atesta que ainda longe do mediatismo atual a Arábia Saudita já subiu ao topo do Mundo no que a futebol diz respeito, ainda que de forma polémica.

Para isso é preciso recuarmos até 1989, altura em que a Escócia foi palco da terceira edição do Campeonato do Mundo de sub-16 - o qual a partir de 1991 passou a ser denominado de Campeonato do Mundo de sub-17. Os sauditas participavam pela terceira vez no torneio, e à partida para as Terras Altas da Escócia não eram tidos como grandes favoritos a fazer fosse o que fosse. Passar a fase de grupos - tal como havia sucedido na primeira edição do Mundial deste escalão, em 1985, na China - seria visto pelos teóricos do futebol como um feito digno de registo. Mas chegar à final seria impensável, quando em ação havia seleções como o Brasil, ou Argentina. Vencer o Mundial então era motivo de uma boa risada, mas quem se riu mesmo foram os sauditas, que saíram da Escócia com a coroa de campeões do Mundo!

É verdade, ninguém os conhecia, mas depois do dia 24 de junho de 1989 o Mundo - ou uma boa parte dele - passou a olhar com outros olhos para estes miúdos, ou devemos dizer homens de barba rija com passaportes de jovens de 15 e 16 anos? E é aqui que ainda hoje reside a polémica do título mundial conquistado pelos sauditas neste escalão: a verdadeira idade dos seus jogadores.

Na verdade, é que neste escalão de sub-17 - ou anteriormente designado de sub-16 - 8 dos 18 torneios disputados - até à data - foram vencidos por países de África e do Médio Oriente, sendo que muitos europeus e sul americanos analisam este facto pelo facto - e passe a redundância - de os jovens futebolistas africanos e asiáticos que competem neste tipo de torneios não terem na realidade a idade que consta no passaporte. Este, na verdade, tem sido um problema que a FIFA tem dificuldades em contornar: provar que os jovens africanos e asiáticos estão dentro da faixa etária equivalente a este escalão. E vários fatores têm impedido a dissipação desta controvérsia constante em Mundiais de sub-17 sempre que um país de África ou do Médio Oriente brilha com mais intensidade, desde logo, a documentação, ou perceber se um jovem de 15 ou 16 anos foi registado à nascença e não 5 ou 6 anos depois, ou até mesmo a questão genética, tendo em conta que o desenvolvimento físico de uma criança em África não será a mesma que na Europa, por exemplo.

 ... num torneio relembrado pelos escoceses com um misto de orgulho e revolta

A seleção escocesa na grande final
Bom, mas suspeitas à parte o que é certo que os sauditas foram mesmo campeões do Mundo em 1989 no escalão de sub-16, ao baterem na final a seleção anfitriã no desempate por grandes penalidades.

Para chegar ao cetro a Arábia Saudita ficou em 2.º lugar de um grupo que foi ganho por Portugal. Carlos Queirós era o selecionador nacional e dava então os primeiros passos na criação da Geração de Ouro do futebol luso, e que nesse ano de 89 seria tão feliz no escalão de sub-20, como tão bem sabemos. Os sauditas não perderam um único jogo na fase de grupos - empataram a dois com os portugueses no Tynecastle, em Edimburgo; voltaram a empatar no jogo seguinte com a Guiné Conacri; e venceram a Colômbia no derradeiro encontro, carimbando assim o passaporte para os quartos-de-final. Aqui, despacharam o primeiro campeão do Mundo da história deste escalão, a Nigéria, nas grandes penalidades (2-0), após um empate a zero bolas nos final do prolongamento, numa partida disputada no Dens Park, em Dundee.  A epopeia saudita continuou no Fir Park, de Motherwell, com Al Romaihi a fazer o único golo do jogo com o Barém e a catapultar o seu país para a grande final do Hampden Park, de Glasgow. Pela frente a seleção do Médio Oriente iria ter a equipa da casa, a Escócia, que era apoiada entusiasticamente por toda a nação. Os putos escoceses eram tratados como heróis por todo um país que futebolisticamente nunca havia chegado tão longe num Mundial, fosse em que escalão fosse. Havia um encanto, quer do público, quer dos jogadores escoceses pelo trajeto que estavam a fazer e pelos holofotes do Planeta estarem centrados naquele torneio e em quem a ele estava ligado. «Conhecer Pelé antes do primeiro jogo que fizemos em Hampden Park foi único, poder apertar a mão do grande homem», lembrou em 2022, ao site da BBC Sport - Andy McLaren, um dos jogadores selecionados pelo histórico técnico escocês Craig Brown para esse Mundial de 89. Os jogos da Escócia registavam casas cheias, como foi o caso da histórica meia final diante de Portugal, realizada no lotado (29.000 espectadores) Tynecastle de Edimburgo. Brian O´Neill marcou o único golo deste encontro, respondendo da melhor forma a um canto de Lindsay. Portugal tinha uma equipa de enorme talento, como se viria a comprovar anos mais tarde, com jogadores como Figo, Gil, Abel Xavier, Emílio Peixe, Miguel Simão, Bino, Tulipa, ou Geani. Mas naquela noite as gaitas de fole escocesas soaram mais alto que a guitarra lusitana. «Eles (portugueses) eram os favoritos para vencer o torneio, mas nós naquela noite jogámos muito, mas muito bem», disse também ao site da BBC Sport o autor do golo dessa meia-final.

E na final o Hampden Park acolheu 58.000 pessoas que ali estavam na espectativa de ver o capítulo final do trajeto glorioso até então. A Escócia em peso estava ao lado destes miúdos que nunca haviam vivido algo semelhante, sendo que para muitos deles este foi mesmo o único minuto de fama vivido no futebol. «A maioria de nós andava na escola e, de repente, éramos a coisa mais importante na Escócia!. Estávamos nas páginas dos jornais e em todos os outros lugares», recorda 33 anos mais tarde Andy McLaren. Também à BBC Sport, Brian O´Neill relembra a estranha sensação de «andarmos na rua e todas as pessoas nos reconhecerem», ou de «aparecermos em programas de televisão».

Lance da final
A Escócia iria defrontar a Arábia Saudita, tendo as crónicas de então descrito estes como os dois conjuntos surpresa do Mundial. Apoiados por uma multidão em apoteose os escoceses apresentaram-se no relvado do mais emblemático estádio escocês confiantes de que iriam fazer história. Mesmo que pela frente tivessem... rapazes de bigode e barbas, que aparentavam ser daqueles irmãos bem mais velhos. Apesar desta desconfiança nacional e tão badalada a Escócia foi brava, palavra esta que tão bem caracteriza o povo escocês, e aos 25 minutos de jogo já vencia por 2-0, graças a golos de Ian Downie e Paul Dickov, sendo que este último foi, talvez, o jogador desta geração de jovens promessas escocesas o que mais sucesso teve no futebol profissional nos anos seguintes, ao brilhar em clubes como o Arsenal e o Manchester City na Premier League inglesa.

«Parecia que já éramos campeões do Mundo», afirmou Dickov à reportagem da BBC Sport no ano passado, mas do parecer ao ser a distância é longa. Na segunda parte a Arábia Saudita empatou o encontro e obrigou os escoceses a um prolongamento onde nada de se decidiu. A exaustão tomava conta dos pupilos de Craig Brown. Ao contrário dos sauditas, que apesar de menos talentosos que os europeus estavam mais frescos e tiveram forças para levar a decisão para as grandes penalidades. Aí, foram mais felizes e venceram por 5-4, vencendo desta forma o título internacional mais prestigiante da sua modesta história futebolística.

Claro que toda a Escócia ainda hoje tem essa espinha atravessada na garganta: perder em casa contra uma seleção desconhecida.

Andy McLaren diz que este torneio ainda hoje é recordado pelo facto de os sauditas «terem feito batota» - na questão das idades - lembrando que na altura tinha acabado de completar 16 anos, «mas esses meninos sauditas tinham barba crescida. Foi muito ridículo. As pessoas que os viram jogar no torneio disseram que eles pareciam ter 20 anos».  

Também em 2009, numa entrevista ao jornal escocês Daily Record, aquando do 20.º aniversário do Campeonato do Mundo de sub-16 de 1989, o ex-dirigente da Scottish Football Association, Ernie Walker, recordou com alguma revolta a questão - ou escândalo, como lhe chamou - das idades dos jogadores sauditas.

Sauditas festejam título impensável!
Nessa longa entrevista Walker confessa ter sido avisado por um colega seu que havia trabalhado na Arábia Saudita nessa época que, por exemplo, um dos jogadores sauditas que se sagrou campeão do Mundo era já então pai de três filhos e capitão do exército saudita! «Esse meu colega - treinador alemão - viajou pelo Mundo ao serviço da FIFA e tinha uma vasta experiência ao nível de clubes, incluindo pelo menos três anos na Arábia Saudita antes das finais do Mundial de sub-16 (de 1989). Conversámos sobre essas finais e ele disse-me isso. (...) Disse-me que um dos jogadores sauditas presentes na final já havia jogado para uma equipa dele ao nível de clubes», conta Walker, que nesta entrevista afirma que na Escócia ninguém tinha a menor dúvida que os sauditas não tinham menos de 16 anos. Meio a brincar Ernie Walker dá o exemplo do guarda-redes da Arábia Saudita ao longo desse torneio, Mohammed Al-Deayea, que pela idade parecia o Peter Shilton. «Foi um torneio fantástico, mas a minha principal lembrança é de como os meninos escoceses foram enganados na final. Foi uma coisa terrível. (...) No entanto, dizê-lo e prová-lo são duas coisas totalmente diferentes. O bom senso disse-nos que eles eram maiores de idade, mas os seus passaportes estavam todos carimbados com datas de nascimento que diziam que eles estavam dentro do limite de idade», disse Walker. Pois é, afirmar é fácil, mas provar é mais difícil. Há quem, como o jogador escocês Brian O´Neill, diga, ou admita, que é tudo uma questão cultural, ou seja, que os rapazes de regiões como o Médio Oriente são mais desenvolvidos fisicamente naquelas idades que a maioria dos rapazes europeus, ou então pelo facto de nestas zonas do globo as crianças obterem as suas certidões de nascimentos apenas aos 5 ou 6 anos de idade.


O que é certo é que a Arábia Saudita ostenta no seu currículo um título de campeã mundial, quiçá o seu maior feito, superando inclusive a brilhante campanha do Mundial (de seniores) de 94. Nesta competição, realizada nos EUA, os sauditas atingiram os oitavos-de-final, mas deixaram muitos fãs em Terras do Tio Sam, muito devido à fantasia de jogadores como Sami Al-Jaber, Said Al-Owairan - o craque do golo à Maradona -, ou Mohammed Al-Deayea, esse mesmo, o guardião que defendeu a baliza da seleção árabe nesse mítico Mundial de 1989, e que é hoje a par de Al-Jaber o futebolista saudita com mais presenças em fases finais de campeonatos do Mundo (seniores): quatro.