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quinta-feira, abril 03, 2025

Grandes Mestres da Táctica (14)... Artur Baeta


É um facto que o futebol de formação em Portugal só começou a ser encarado com mais atenção, e acima de tudo com mais profissionalismo, com a chamada Geração de Ouro criada por Carlos Queirós na década de 80 do século passado. Porém, muito antes do professor Queirós promover o 25 de Abril do futebol em Portugal, outra figura olhou para a formação com uma atenção muito especial, dedicando-se de corpo e alma ao longo do seu trajeto pela modalidade a desenvolver não só os futebolistas do “amanhã”, mas acima de tudo promover a valorização do homem no seio do fenómeno desportivo. Essa figura foi, e é, Artur Baeta, um homem do sul (nasceu no Barreiro a 29 de julho de 1912) que construiu o seu legado no norte, como já iremos perceber nas próximas linhas. Como jogador de futebol teve uma carreira simples, sem grande pompa, com passagens pelo Barreirense e pelo Carcavelinhos na década de 30. A sua estrela começou, de facto, a brilhar assim que pendurou as chuteiras, começando por se exibir no clube da sua terra, o Barreirense, como um visionário no que ao futebol de formação diz respeito. No emblema do Barreiro fundou uma escola de jogadores, na década de 40, onde na qual evoluíam jovens a partir dos 15 anos de idade. Algo inédito para a época no Desporto Rei português. Artur Baeta não se limitava a ser um condutor de jovens futebolistas, mas de igual modo um mestre na vertente dos ensinamentos cívicos, um pedagogo de excelência, que aliou o desenvolvimento do jovem futebolista quer enquanto atleta, mas sobretudo, quer enquanto futuro homem, enquanto cidadão. 

Artur Baeta não vivia então exclusivamente do futebol, era funcionário público de profissão, tendo por esse motivo sido transferido, em meados dos anos 40, para a cidade do Porto, onde, de facto, viria a construir o seu legado de mestre na área do futebol de formação. O FC Porto em boa hora o recebeu, já que de pronto Artur Baeta revolucionou, no bom sentido, o setor da formação portista ao longo da década seguinte. Criou um gabinete técnico específico para as camadas jovens; passou a enfatizar a vida académica dos jovens futebolistas, incentivado, e até exigindo, bons resultados a nível escolar; passou a preocupar-se com alimentação dos seus jovens futebolistas; entre outros conceitos inovadores. Os frutos deste pioneirismo, digamos assim, foram colhidos em 1953, ano em que o FC Porto conquistou o seu primeiro título de campeão nacional de juniores, sob a batuta de Baeta. Nas Antas, os seus vastos conhecimentos seriam ainda aproveitados pela equipa sénior, já que nesta primeira passagem pelo clube da Cidade Invicta foi treinador-adjunto entre 1952 e 1954, desde logo de outro mestre do futebol nacional, Cândido de Oliveira. Aliás, o primeiro curso de treinadores de futebol organizado em Portugal, e, 1940, teve estes dois homens como atores: mestre Cândido no papel de professor, e Baeta como aluno.

Provou igualmente que era um excelente estratega no plano administrativo a nível mais generalizado, ou seja, ao ponto de reestruturar todo o funcionamento de um clube no que a futebol alude. Que o diga o Salgueiros, que em finais dos anos 50 beneficiou da sapiência de Artur Baeta. Em 1959, a secção de futebol do clube de Paranhos foi dirigida por este homem, tendo sido completamente reorganizada/reestruturada sob o ponto de vista interno no seu conjunto de obrigações e deveres; e no relacionamento entre dirigentes, técnicos e desportivas. No plano desportivo houve um volte face na postura do velho Salgueiral, tendo sido implementada uma filosofia mais profissionalizada do seu futebol, quer sob o ponto de vista da preparação física, quer no aspeto da psicológica. E também o Salgueiros colheu frutos desta política desportiva, já que logo na primeira temporada (59/60) sob o comando de Artur Baeta a equipa sénior subiu à 1.ª Divisão Nacional. Repetiu a façanha mais a sul na temporada de 61/62, quando guiou o Feirense até ao escalão maior português. Contudo, a sua grande paixão e talento era a formação, trabalhar com os jovens, e em 1963 regressa ao FC Porto para ajudar a formar centenas, para não dizer milhares, de futebolistas, alguns deles viriam a ser lendas do futebol portista, casos de Pavão, Artur Jorge, António Oliveira, Fernando Gomes, ou Rodolfo Reis. Todos estes jogadores evoluíram nas mãos de Artur Beata no mítico Campo da Constituição, verdadeiro alfobre de campeões, e que após a sua morte, em janeiro de 1999, se passou a denominar Campo da Constituição - Escola de Futebol Artur Baeta, sendo que já no novo milénio seria rebatizado para Vitalis Park/Campo da Constituição. Paralelamente à liderança do departamento de formação dos azuis-e-brancos, Artur Baeta deu uma perninha no jornalismo desportivo, notabilizando-se com os seus vastos conhecimentos do futebol de formação no Jornal de Notícias, no Mundo Desportivo, e no Norte Desportivo.  

segunda-feira, junho 05, 2023

Grandes Mestres da Táctica (13)... Jim McLean

Pegar num clube com pouca, ou nenhuma, cultura de títulos e conduzi-lo até à glória é algo que na história do futebol foi alcançado por poucos treinadores. Sobretudo, se atendermos ao facto de esse trajeto glorioso ter sido feito em ligas/campeonatos dominadas décadas e fio por "gigantes", ou emblemas de maior dimensão/poderio. O nosso Mestre da Tática de hoje fez isso, e só não atingiu o patamar dos Deuses do futebol planetário enquanto treinador, porque, entre outros aspetos, a sua Era Dourada coincidiu com a de outro génio da tática: Alex Ferguson. 

James Yuille McLean, ou simplesmente, Jim McLean, é a figura dos bancos que hoje vamos recordar, um homem que está diretamente ligado ao período de maior sucesso dos simpáticos escoceses do Dundee United. Não é fácil triunfar num país onde a história de glória do futebol se restringe quase à cidade de Glasgow, através dos rivais Celtic e Rangers, que só à sua conta detêm (juntos) 108 dos 132 títulos do escalão principal da Escócia (hoje em dia denominada de Scottish Premiership) disputados até hoje.  

Porém, a década de 80 do século passado contrariou esta abismal tendência dos "gigantes" de Glasgow, muito por culta de dois então jovens treinadores que ao comando de emblemas de menor dimensão se intrometerem (com sucesso) na hegemonia de títulos de Celtic e Rangers. Esses homens foram Jim McLean, ao serviço do Dundee United, e Alex Ferguson, aos comandos do Aberdeen. Claro que na balança de títulos, Ferguson teve mais peso, já que venceu três campeonatos nacionais da 1.ª Divisão escocesa, quatro Taças da Escócia, uma Taça da Liga Escocesa, e ainda uma competição europeia, a Taça dos Vencedores das Taças, curiosamente o último troféu internacional ganho por um emblema escocês. Tudo isto na tal década de 80.

O palmarés de McLean é mais modesto, mas na essência o seu legado foi tão importante como o de Sir Alex, pois também ele levou um pequeno clube, que até à sua chegada só tinha como cartão de visita dois títulos da 2.ª Divisão escocesa, à glória.

McLean levado em ombros após 
a conquista do título de 1983
Jim nasceu em Larkhall, em 21 de abril de 1937, e era filho de um padeiro local, sendo que o seu avô materno havia sido jogador do Rangers. Como tantos e tantos outros meninos da sua idade, McLean começou a trabalhar cedo, como marceneiro, atividade desenvolvida em paralelo com a de futebolista amador. Nos retângulos de jogo atuou como avançado, primeiro no Hamilton Academical, entre 1956 e 1960, passando depois para o Clyde, onde esteve cinco temporadas, até se transferir para o Dundee Fooball Club, onde se tornou futebolista profissional. Após três temporadas a defender a camisola dos The Dark Blues, a alcunha do Dundee FC, Jim transferiu-se para Kilmarnock, onde uma lesão pôs fim à sua carreira de futebolista, corria o ano de 1970. Não esteve muito tempo longe dos relvados, pois em 71 regressa a Dundee para fazer parte da equipa técnica dos The Dark Blues, mas não por muito tempo. Tudo porque com apenas 34 anos resolveu literalmente atravessar a Rua Tannadice para assumir o comando técnico dos vizinhos Dundee United. Ambos os estádios (dos dois emblemas da cidade de Dundee) distam um do outro de poucos mais de 200 metros (!), pelo que esta foi uma viagem curta e muito proveitosa, como se iria perceber nos mais de 20 anos que se seguiram. Então com apenas 34 anos Jim McLean substituiu no cargo outra lenda do United, Jerry Kerr, que em 1960 havia guiado os tangerinas - alcunha do United, devido à cor das suas camisolas, cor de laranja - até à 1.ª Divisão da Escócia. Não foi uma substituição fácil, não só pelo longo trajeto de Kerr à frente do Dundee United enquanto treinador, mas também porque havia sido futebolista no clube ao longo de oito temporadas. Mas, rapidamente este sentimento dos adeptos dos Tangerines se desfez, pois o jovem McLean implementou de pronto uma filosofia vencedora no clube. Ele começou a chamar à sua responsabilidade todos os aspetos que tinham a ver com futebol no seio do clube. Fez uma verdadeira revolução no Dundee United, contratando uma série de jogadores poucos conhecidos, com salários modestos, moldando-os à sua imagem. 

Entre outros, formou jogadores como David Narey, Paul Sturrock, Paul Hegarty, Davie Dodds, Eamonn Bannon, ou Maurice Malpas, que saltaram do anonimato para a seleção da Escócia! Os bons resultados do Dundee United de Jim McLean não foram imediatos, ele teve de ter tempo para reconstruir o clube à maneira - disciplinadora e dura, dizem alguns dos que conviveram com ele - até atingir a glória. Sob a sua batuta os Tangerines começaram a figurar mais vezes no topo da tabela do escalão maior da Escócia, qualificando-se com regularidades para as provas europeias. Até que o primeiro título de renome surgiu em 1980, com a conquista da Taça da Liga escocesa, após derrotar o Aberdeen de... Alex Ferguson, numa finalíssima disputada em Dens Park, nada mais nada menos do que a casa do rival Dundee FC. Que ironia! 
Mas a ironia subiu de tom um ano mais tarde, quando o United revalidou o título de campeão da Taça da Liga à custa do vizinho e eterno inimigo Dundee FC, numa final mais uma vez disputada em Dens Park! Por esta altura , não haveria por certo nenhum fiel devoto dos The Dark Blues que estivesse arrependido em deixar que McLean tivesse atravessado a rua para abandonar Dens Park em direção a Tannadice Park (o estádio do Dundee United).

Final da Taça UEFA de 86/87
Com fama de durão (dizem que obrigava os jogadores a pegarem num balde e numa esfregona para limpar os balneários) e até de explorador (já que muitos dos jogadores que consigo trabalharam o acusaram de explorar os atletas pelo facto de lhes colocar à frente contratos de longa duração e com baixos salários), McLean atingiu o ponto mais alto da sua carreira de técnico em 82/83, altura em que trouxe para Dundee o título de campeão nacional da Escócia. Foi um campeonato inesquecível e disputado até ao fim pelos "gigantes" Rangers e Celtic, aos quais se juntaram Aberdeen (de Ferguson) e Dundee United. O título foi carimbado na última jornada, e adivinhe contra quem? Pois é, ante o vizinho e grande rival Dundee FC! E onde foi a festa? Isso mesmo, em Dens Park, a casa do inimigo! Nessa temporada histórica McLean usou apenas 14 jogadores (!) - sendo que dez deles eram oriundos da formação do clube, idealizada e gerida pelo próprio Jim - na caminhada triunfal, em que em 36 jogos venceu 24. Conquistada a Escócia era altura de conquistar... a Europa. McLean não o conseguiu, é certo, mas esteve muito perto de o fazer em duas ocasiões. Na condição de campeões escoceses o United disputou em 83/84 a Taça dos Campeões Europeus, e a caminhada só não foi de glória porque a Roma de Falcão, Toninho Cerezo, Graziani, Pruzzo, Bruno Conti e companhia estragou os planos dos escoceses nas meis-finais, impedido de McLean disputar a final da maior competição europeia de clubes em... Roma! Pois é, a final da "orelhuda" dessa temporada seria disputada na Cidade Eterna. McLean não conseguiu assim repetir o feito do seu grande rival dos anos 80 dentro do futebol escocês, Alex Ferguson, que um ano antes havia levado o Aberdeen à glória europeia, após vencer a Taça das Taças.

McLean eternizado em estátua
em Tannadice Park
Jim McLean teve uma nova hipótese de igualar o sucesso europeu de Sir Alex à frente de um clube modesto. Em 86/87, na Taça UEFA,  deixou pelo caminho potências como o Barcelona ou o Borussia Monchengladbach para atingir a final da então terceira prova mais importante de clubes do Velho Continente. No entanto, sucumbiu aos pés de um (então) poderoso IFK Gotemburgo.

Com o evoluir do futebol McLean achou por bem afastar-se dos bancos, no início da década de 90, optando pelo trabalho mais de gabinete, ou seja, integrando o setor administrativo do Dundee United. Foi dirigente do clube entre 1993 e 2000. Isto numa altura em que Ferguson era já rei absoluto em Manchester, ao serviço do United, para onde se havia mudado em 1986, na sequência do tremendo sucesso - interno e externo - obtido ao serviço do modesto Aberdeen. McLean não seguiu as pisadas do seu contemporâneo Alex Ferguson, não por falta de oportunidades, pois recebeu inúmeros convites para treinar clubes de maior nomeada, quer da Escócia, quer fora do seu país, mas a tranquilidade que sentia em Dundee, o amor à cidade e ao clube, fizeram com que aqui ficasse até ao fim da vida: no dia seguinte ao Natal de 2020.

Ainda hoje, quando se fala nos maiores treinadores escoceses de todos os tempos, o seu nome surge a par de Alex Ferguson, Bill Shankly, Jock Stein, ou Matt Busby.

terça-feira, março 21, 2017

Grandes Mestres da Táctica (12)... Joaquim Meirim

Entendo que uma vida sem memórias é como que um caderno em branco ou um álbum sem fotografias. Isto a propósito da recente comemoração de mais um Dia do Pai, mais um dia em que o meu (pai) vagueou pela minha mente, ali deixando recordações de uma ligação (física) que terminou cedo demais... Foi ele, o meu pai, que me incutiu a paixão pelo futebol. Paixão que entretanto assume hoje contornos de amor eterno, e nesse aspeto acho mesmo que o superei no tal encantamento pelo belo jogo. Recordo muitos diálogos mantidos pela noite dentro com ele, muitos deles em torno do futebol, ouvindo atentamente as suas suas histórias sobre as lendas do passado que imortalizaram um futebol de um tempo que eu não vivi, mas que de tanto ouvir e ler quase que posso afirmar alegremente que tive o privilégio de assistir in loco a esses longínquos momentos de magia.
Esta breve nota nostálgica leva-nos para a história de um homem marcou vincadamente uma era do futebol português, mesmo não tendo alcançado nele a glória que outros (com muito menos conteúdo intelectual e profissional) conquistaram. Sobre ele o meu pai falava vezes sem conta, apelidando-o de "maluco", mas um maluco no bom sentido da palavra - se é que este adjetivo pode ser pronunciado no bom sentido -, um maluco genial, um adiantado mental para a sua época. Esse homem é Joaquim Meirim, figura fascinante e controversa do futebol lusitano das décadas de 70 e 80. Hoje há ainda quem o descreva como um furacão que surgiu nos palcos principais do nosso futebol, um homem cuja peculiar personalidade abalou o Portugal futebolístico de então. Transportando Meirim para o presente poderíamos encara-lo como um clone de José Mourinho, pela tal personalidade controversa, pela convicção com que sustentava as suas argumentações - sobretudo as mais irreais aos olhos de um cidadão vulgar -, pela eloquente forma como articulava essa mesma argumentação - mais parecendo um filósofo da bola - e acima de tudo pelos seus então inovadores e pouco convencionais métodos de trabalho. Se Mourinho hoje é o mestre dos mind games, Meirim foi o inventor desse ludibriante estilo de comunicação futebolística.
Joaquim Meirim mudou um futebol português que vivia ainda um pouco ressacado do momento de fama obtido no Mundial de 1966, incutindo-lhe uma estranha forma de vivacidade e excentricidade. Sim, Meirim era um excêntrico, um excêntrico maluco, como dizia o meu pai. Um revolucionário, é isso. Mas quem era afinal esta figura? Nasceu no Minho, em Monção mais concretamente, no dia em que se comemoravam 25 anos da implantação da República em Portugal - 5 de outubro de 1935. O pai, o homem que admirava mais do que tudo, havia sido proibido por Salazar de exercer a atividade de professor primário, devido às suas inclinações políticas, as mesmas que o filho Joaquim tanto iria evidenciar ao longo da sua carreira e que tantos dissabores lhe causaram. A família Meirim mudou-se para Lisboa, tendo o pai agarrado o ofício de sapateiro em Alcântara. Foi ali, num meio pobre onde reinava a classe operária, que Joaquim Meirim cresceu e se fez homem. Pouco ou nada se sabe de Meirim enquanto futebolista do símbolo maior de Alcântara, o Atlético. O futebol era por aqueles dias apenas um romance de fim de semana para Joaquim Meirim, que ganhava a vida como empregado de escritório. Mas os romances por vezes dão em casamento, quando existe paixão e certezas de que é com aquele par que queremos partilhar a nossa existência. E Meirim sabia desde cedo que o seu lugar era no comando de futebolistas. Após pendurar as chuteiras noutro mítico emblema bairrista da capital, no caso o Oriental, Joaquim Meirim obtém com 27 anos o curso de treinadores, ministrado pelos mestres José Maria Pedroto e Fernando Vaz. Aos ensinamentos absorvidos na Cruz Quebrada durante a referida formação, Meirim acrescenta o seu peculiar e controverso estilo, de palavras simples mas ao mesmo tempo eloquentes e bombásticas, aliado a metodologias de treino revolucionárias e a uma relação treinador-jogador pouco comum para a época. Em 1967/68 tem a primeira experiência mais a sério no exercício do ofício que sempre sonhou. Orientou a CUF, tirando o mítico emblema da cauda da tabela até ao sétimo lugar da mesma.

Adivinhando a entrada em cena de um treinador diferente, o presidente do Varzim, João Fernando, lança dois anos mais tarde o canto da sereia a Meirim, que prontamente viaja até ao norte para fazer história. Quiçá o ponto alto da história de Meirim no Atlas do Futebol Português. Os Lobos do Mar alcançam um inédito 7º lugar - terminando o principal campeonato português à frente do FC Porto, por exemplo. Meirim salta então para as capas de jornais, não só pelo feito alcançado ao serviço do modesto clube poveiro mas pela sua forma de trabalhar e de ser. Ele apresentou ao futebol nacional estranhas metodologias de treino, ao levar, por exemplo, os jogadores para a praia ou para matas e montanhas ao invés de os exercitar nos retângulos de jogo. Outro traço forte da sua personagem enquanto condutor de homens era a apetência para a psicologia, na sua exímia capacidade de moldar a mente dos seus atletas. E aqui introduzo uma outra lembrança do meu pai, a história que ele me contou inúmeras vezes sempre que o nome de Joaquim Meirim vinha à baila. A famosa história do guarda-redes Benje, o tal que sem oportunidades no Benfica viajou para a Póvoa de Varzim onde se tornou no melhor keeper do... Mundo! O rótulo foi dado pelo próprio Meirim, que para motivar o seu guardião incutia-lhe precisamente na mente esse estatuto, o de melhor do planeta. E o angolano Pedro Benje entrava nas quatro linhas com esse peso nas costas, defendendo a baliza do Varzim com  espetacularidade, mais parecendo um gato negro a voar para agarrar todas as bolas que se lhe deparavam pela frente. A culpa do melhor momento de Benje foi obviamente de Meirim, «o psicólogo, o pedagogo, o padre, o preparador físico, o tático», como ele próprio se definia enquanto treinador. Um treinador humilde e modesto, como tantas e tantas vezes se autocaracterizou.
A excelente temporada na Póvoa leva-o na temporada seguinte a regressar à capital, desta feita para treinar o quarto grande do futebol nacional, o Belenenses. Em Belém a meta traçada no início da época foi simples: ser campeão nacional. Muitos pensaram que Meirim estaria louco! Mas ele era um louco, um génio louco. Na pré-época aplicou os seus inovadores métodos de treino, levando os jogadores a correr para a praia e para as matas de Monsanto. Ao invés da bola os atletas trepavam às árvores, mais parecendo tarzans no meio da selva. A televisão nacional e os jornais centravam atenções naquele Belenenses e em Meirim de um modo muito particular, que aproveitando o mediatismo que detinha por aqueles dias lançava declarações bombásticas em direção aos adversários no sentido de os desestabilizar. Lá está, os famosos mind-games. Ao mesmo tempo incutia na mente dos seus jogadores capacidades que eles próprios desconheciam possuir, a título do que fez com Benje, que estava convencido de que era mesmo o melhor do Mundo. Mas no Belenenses as coisas não correram como o esperado, e Meirim foi destituído do cargo. A sua carreira prosseguiu noutras paragens (Boavista, Leixões, Salgueiros, Beira-Mar, Desportivo das Aves, Sanjoanense, Gil Vicente, Louletano, Estrela da Amadora e Lusitano de Évora) no que restou daquela década de 70 e em lampejos da de 80. Em finais do milénio passado ainda regressou aos bancos para um fugaz aparição no Desportivo de Beja, mas a sua estrela há muito que se tinha apagado. Incompreensivelmente apagado. Porquê? É uma pergunta para a qual não encontramos resposta, até porque Meirim era um adiantado mental, um inovador, um revolucionário. Sim, um revolucionário, e provavelmente está aqui a resposta para a perguntar anterior, ou seja, terá sido por isso, em parte, que as portas do futebol português se foram fechando lentamente para ele, um ativista político, um dirigente sindical, um confesso militante do Partido Comunista Português, facto que lhe valeu tantos dissabores. Como por exemplo, o despedimento do Leixões, assim que o presidente deste emblema soube que Joaquim Meirim iria concorrer à Câmara de Matosinhos pela Frente Eleitoral Povo Unido. Mas Meirim era um homem de convicção forte, um defensor acérrimo dos seus ideais, e nunca se vendeu ao poder do futebol. Foi um homem à frente do seu tempo. Muito à frente. Joaquim Meirim deixou o Mundo terrestre em maio de 2001 vítima de doença prolongada, tal como o meu pai, a quem dedico esta breve memória de hoje.

quinta-feira, março 10, 2016

Grandes Mestres da Táctica (11)... Manuel Oliveira

Manuel Oliveira, uma eterna lenda viva da tática 
Génios há que nunca viram reconhecidas as suas obras nas (mais diversas) áreas em que se notabilizaram. No futebol, em concreto, foram muitas as figuras que imprimiram o seu cunho na história do jogo mas que por "esta ou aquela razão" - inveja, ausência de mediatismo, personalidade controversa, são algumas das razões que poderemos apontar para justificar o facto de não figurarem no hall of fame do futebol - passaram ao largo das (merecidas) vénias e da fama global. É o caso do nosso mestre da tática de hoje, uma personalidade singular, ou não tivesse reunidas em si características tão distintas como inovação, disciplina, sabedoria, polémica, ou frontalidade. Manuel Oliveira, a sua graça, indiscutivelmente uma dos maiores treinadores da história do futebol português, e porque não dizê-lo a esta distância do(s) tempo(s) em desempenhou com mestria a sua função... um dos maiores a nível internacional. Afirmação exagerada? Se calhar não, e já vamos ver porquê?
Manuel Oliveira Santos, nasceu a 29 de maio de 1932, na margem sul, Distrito de Setúbal, mais precisamente em Pinhal Novo. Oriundo de uma família pobre - o pai era ferroviário - foi de pé descalço, como tantos outros meninos da época, que se deixou enamorar, ali, ao lado do lar, pelos encantos do belo jogo. Travou-se de amores com o futebol enquanto arte, espetáculo, simplicidade, e não com o futebol negócio, jogo de interesses, povoado por vilões com que muitas vezes foi confrontado ao longo da sua ímpar carreira e contra quem sempre lutou. A sua entrada oficial no desporto rei dá-se em 1949 pela mão de outro lendário treinador que teve grande influência no percurso que Manuel Oliveira iria trilhar enquanto treinador, Fernando Vaz. Este ícone do futebol luso dirigia na altura os juniores B do Sporting, que defrontariam o Estrela, um combinado formado por jogadores da margem sul - um verdadeiro alfobre de grandes futebolistas ao longo da história -, onde pontificava o jovem Manuel - que até então havia tido uma curta passagem pelos escalões de formação do Barreirense - que nesse dia, na posição de interior/extremo direito, fez uma exibição de gala, culminada com dois golos que derrotaram os poderosos leões, facto que levaria Vaz a aproximar-se do jovem, lançando-lhe além dos merecidos elogios um convite: treinar no Sporting. Manuel Oliveira estava desta forma prestes a transpor a fronteira entre o sonho e a realidade, ele, que tinha como ídolo um vulto que atuava na principal equipa leonina, Carlos Canário. O jovem de Pinhal Novo convence Fernando Vaz, passa no teste, e efetua duas temporadas de grande nível na equipa júnior do gigante de Lisboa. Como o próprio Manuel Oliveira fez questão de confessar décadas mais tarde nas suas memórias, aqueles dois anos foram de extrema importância para a sua formação enquanto homem do futebol. Aprendeu imenso, não só com treinadores como também com os jogadores que formavam aquele poderoso Sporting Clube de Portugal, onde pontificavam os 5 Violinos (Peyroteo, Albano, Vasques, Travassos, e Jesus Correia).

Conduzindo a bola, nos tempos de jogador na CUF
Com naturalidade e merecimento Manuel Oliveira transita para os seniores do clube de Alvalade, onde convive com alguns destes vultos, que a bem dizer dificultaram a sua entrada no onze titular leonino ao longo das cinco épocas em que envergou a camisola verde-e-branca. Foi quase sempre escolha na equipa de reservas, e a espaços conheceu a titularidade na primeira categoria - ou equipa principal, como hoje é denominada - tendo atingido o topo da carreira de futebolista com a conquista do título de campeão nacional de 51/52. Nas épocas em que defendeu o leão conheceu inúmeros e sonantes treinadores, como, a título de exemplo, Joseph Szabo, Tavares da Silva, ou Randolph Galloway. Mas houve um que indiscutivelmente o marcou, ainda de acordo com as suas memórias: Fernando Vaz.
Ainda como jogador representou o Atlético, durante uma temporada. Pelo meio passou pela seleção nacional militar, a qual representou em oito ocasiões. Posteriormente veio a CUF, onde jogaria seis épocas, tendo neste emblema pendurado as chuteiras em 62/63 para substituir no banco o então treinador Anselmo Pisa. Manuel Oliveira tinha então 30 anos de idade. E é aqui que se dá início à verdadeira história desta lenda.

O início do percurso lendário

O mestre Manuel Oliveira na atualidade
Dezembro de 1962, um ano inesquecível para Manuel Oliveira, que por esta altura se vê diante da responsabilidade de pegar na equipa da CUF que ocupava uma posição perigosa no Campeonato Nacional da 1ª Divisão. Grupo Desportivo da CUF que foi o primeiro clube-empresa a nascer no nosso país, e muito provavelmente aquele que nesta condição mais notoriedade atingiu na história do futebol luso. Numa altura em que nem todos os futebolistas viviam única e exclusivamente da bola, Manuel Oliveira acumulava com a atividade desportiva a função de empregado de escritório na empresa do Barreiro. Após a 9ª jornada do Nacional do escalão maior do futebol português o capitão do emblema fabril é chamado a pegar na equipa de modo a evitar a catastrófica descida de divisão que estava então eminente. Nas declarações à imprensa da altura, Manuel Oliveira admitiu a sua inexperiência enquanto treinador, mas desde logo mostrou ambição e vincou o compromisso de que iria dar o seu melhor para que a equipa voltasse aos resultados positivos. Dito e feito. A CUF fez um resto de época imaculada, remodelou-se nos aspetos físicos e técnico-táticos sob orientação do seu ex-capitão de equipa - que passou então só a desempenhar o cargo de treinador - e acabou por escapar à temível despromoção ao alcançar um tranquilo 11º lugar. Estava assim dado o pontapé de saída de uma grande carreira para o jovem técnico. E quem pensasse que este pequeno grande feito poderia ter sido obra do acaso enganou-se redondamente na temporada seguinte, em que Manuel Oliveira conduziu a equipa do Barreiro a um inédito e inesperado - só para quem ainda não conhecia os métodos de trabalho e a sabedoria técnico-tática do cidadão de Pinhal Novo - 5º lugar. Mas a escalada do sucesso do jovem treinador estava longe de terminar. Em 64/65 a fasquia é elevada com a conquista do... 3º lugar! O prémio deste brilharete foi a qualificação inédita dos barreirenses para a edição seguinte da Taça das Cidades com Feira - antecessora da Taça UEFA. E se o futebol português começava a dar-se conta da mestria do técnico o resto da Europa iria conhecê-la em 65/66 quando o poderoso Milan caiu no Barreiro por 2-0, na primeira mão da segunda eliminatória da citada competição europeia. Manuel Oliveira tinha passado definitivamente de aprendiz a mestre.
A sua faceta de homem honesto e frontal iria, contudo, e a partir daqui, chocar de frente com o tal lado negro do futebol, o lado dos interesses, da intriga, do conflito e do oportunismo. Numa entrevista concedida ao jornal A Bola no regresso da partida de Milão, onde a CUF perdeu por igual resultado ao conseguido na primeira mão e obrigando assim os milanistas a uma partida de desempate, o treinador, em jeito de desabafo, enumerou as várias dificuldades que afetavam a sua equipa, desde logo a ausência de apoio - sobretudo vindo dos diretores da empresa. Esta entrevista acabaria por custar o lugar ao treinador, que a partir dali levaria o seu talento para outras paragens. E foram muitas ao longo das mais de três décadas que se seguiram. Tantas que seria de certa forma exaustivo para o leitor ter conhecimento dos contornos de cada uma delas (mas caso o leitor pretenda fazer esse exercício, aconselhamos vivamente a leitura das fascinantes Memórias de Manuel Oliveira, editadas em livro. De certo que não se irá arrepender). Leixões, Barreirense, Sanjoanense, Farense, Olhanense, Benfica de Nova Lisboa (Angola), Lusitano de Évora, Espinho, Beira-Mar (onde foi treinador de Eusébio da Silva Ferreira), Vila Real, Portimonense, União de Leiria, Marítimo, Vitória de Setúbal, Louletano, Seleção da Guiné Bissau, Fafe, Varzim, Nacional da Madeira, Sintrense, Desportivo de Beja, Gondomar, Imortal e Lusitanos de Saint-Maur (França) foram emblemas que beberam da sabedoria do mestre. Em quase todas elas fez história. Umas vezes evitava a temida descida de divisão, outras conduzia a nau desde os caminhos tortuosos das divisões secundárias até bom porto, isto é, à 1ª Divisão, noutras ainda criou grupos que combinavam arte, garra e inovação, batendo o pé a quem quer que fosse, grande ou pequeno, tombou vezes sem conta às mãos do mestre Oliveira. A sua já referida personalidade frontal - embora ainda hoje muitos preferem continuar a recorda-lo como polémico e controverso - valeu-lhe inúmeros dissabores, que, por várias ocasiões, barraram a sua continuidade ao leme dos notáveis projetos futebolísticos que foi construindo.

Inovador no plano tático

O 4-4-2 que o Brasil de 70 apresentou ao Mundo
e que foi criado por Manuel Oliveira em 1965? Eis a questão
Já escrevemos que Manuel Oliveira foi um treinador inovador, um homem que deixou marca no futebol. O Mundo inteiro, ou quase, ainda hoje atribui a autoria do 4-4-2 ao inesquecível Brasil de 1970, que no Mundial do México nesse ano alcançou o tri. Justo será dizer- que o resto do Mundo terá travado conhecimento com tal sistema tático através de Pelé e companhia, mas anos antes em Portugal já um certo treinador colocava - pela primeira vez - esta tática em ação. O seu nome? Manuel Oliveira. Facto ocorrido a 15 de fevereiro de 1965, quando a CUF defrontou em casa o poderoso Benfica de Eusébio, Coluna, José Augusto, Simões, Torres, entre outros vultos encarnados da década de 60. Oliveira surpreendeu todos ao colocar em campo uma tática nunca dantes vista, o tal 4-4-2, que viria a dar os seus frutos na sequência de uma vitória por 2-0. Espantado com este sistema o então técnico do Benfica, o romeno Elke Schwartz, queixou-se que os barreirenses haviam ganho o jogo com uma tática de... basquetebol! Pois, mas cinco depois o Brasil encantou e ganhou o Mundo com a mesma tática. Teria o escrete de Pelé, Jairzinho, Tostão, Rivelino, ou Carlos Alberto bebido da sabedoria de Manuel Oliveira? Ou simplesmente tudo não passou de uma coincidência? É uma questão para a qual ainda hoje não se encontra resposta.

O 3-5-2, outra inovação
tática do mestre
Mas não se ficou por aqui a criatividade tática do homem de Pinhal Novo. Ao leme do Barreirense apresenta na época de 69/70 um outro sistema tático então nunca dantes visto em Portugal, o 3-5-2. Capítulo histórico que foi escrito em dezembro de 1969, altura em que o emblema do Barreiro se deslocou à Póvoa de Varzim para defrontar a turma local em mais um jogo do Nacional da 1ª Divisão. Visionário, sábio e astuto Manuel Oliveira voltou a surpreender o Planeta da Bola. No plano internacional, este sistema atingiu o pico da fama no Mundial de 2002, altura em que o Brasil venceu o penta-campeonato. Mas como não há duas sem três, em 82/83, ao serviço do Vitória de Setúbal, o mestre da tática volta a inovar no plano tático, ao apresentar no Estádio do Bonfim, diante do FC Porto, a sua equipa disposta em 3-4-3, sistema também na época nunca dantes visto por estas bandas. A sua sabedoria foi ao longo de décadas não só colocada ao dispor das centenas de atletas (Jorge Jesus, por exemplo, foi um deles, e que mais tarde, e já na qualidade de treinador, confessou ter sido influenciado por Oliveira) como também por outros colegas de profissão. Com mais de 600 jogos no currículo este notável pensador de jogo ministrou inúmeros cursos de formação tática, moderou colóquios, palestras, foi comentador de rádio, fundou a Associação Nacional de Treinadores, sempre na vanguarda do conhecimento.

Assim como o 3-4-3, nunca
dantes visto em Portugal
Um verdadeiro génio da tática, homem de fortes convicções, intransigível, a quem faltou um reconhecimento maior por parte das altas instâncias do futebol lusitano. E quando nos referimos a este reconhecimentos falamos de um patamar maior, e amplamente merecido, que devia ter sido atingido pelo mestre Manuel Oliveira, Ter treinado um Benfica, um FC Porto, um Sporting, ou mesmo a seleção nacional, seria um prémio mais do que justo para uma figura que é indiscutivelmente um dos nomes mais sonantes - no que ao capítulo do treino diz respeito - da história do futebol em Portugal. Mas, e voltando ao início da nossa visita de hoje, nem sempre todos os génios deste Mundo foram aceites - talvez pela sua maneira diferente de ver e estar na sociedade - e reconhecidos por esse mesmo Mundo. Manuel Oliveira foi, talvez, um desses génios maldosamente ignorados. Injusto, muito injusto, é o que nos apraje dizer.

sexta-feira, março 28, 2014

Grandes Mestres da Táctica (10)... Brian Clough

Brian Clough, segura a Taça dos Campeões Europeus,
a qual venceu não por uma, mas por duas ocasiões
com o até então desconhecido Nottingham Forest
Para além do seu inquestionável talento em conduzir as suas equipas rumo ao patamar do sucesso, José Mourinho é hoje um ícone do planeta da bola muito graças à sua controversa personalidade, a qual faz com que seja amado por uns, e odiado por outros - mais odiado do que amado, na verdade. A imagem que o treinador português construiu assemelha-se - e muito - à de um outro mestre da tática que no início da segunda metade do século XX ganhou por mérito próprio o estatuto de imortal do futebol. Polémico, frontal, arrogante, carismático, egocêntrico, vencedor, e sobretudo genial, eis alguns dos adjetivos que poderão catalogar o inglês Brian Clough, para muitos o melhor técnico britânico de todos os tempos. Concordo, devo confessar, e peço desde já desculpa aos visitantes do Museu por estar a emitir uma opinião pessoal num texto biográfico que tal como todos os outros aqui publicados deverá ter - como deve ser - um cunho imparcial, mas... não só concordo com esta visão como acrescento que Clough foi não só o melhor técnico britânico de todos os tempos como um dos melhores a nível global. Que exagero, pensarão alguns ao ler esta visão pessoal, mas para esses céticos em relação a esta opinião proponho o seguinte desafio: imaginem alguém que pega num Moreirense, ou num Penafiel - isto, olhando à escala do futebol português - ou se preferirem outros universos futebolísticos, um Badajoz (Espanha), ou um Siena (Itália) e conduz, num curto espaço de tempo, um desses emblemas da 2ª Divisão à conquista da Liga dos Campeões! Só possível num jogo de computador, dirá a maioria dos inquiridos. Pois bem, Brian Clough operou esse milagre em finais dos anos 70 com o até então desconhecido Nottingham Forest... e fê-lo por duas vezes! Só ao alcance de um génio, não é verdade?


O temível avançado Brian Clough
ao serviço do Middlesbrough
Génio esse que nasceu a 21 de março de 1935, na pequena cidade de Middlesbrough, no seio de uma numerosa - Brian foi o sexto dos nove filhos do clã Clough - e modesta família, tendo ainda cedo (aos 15 anos) deixado a escola para ajudar no sustento da casa, conseguindo um trabalho numa indústria química. Foi por essa altura que deu início à sua curta, mas interessante, carreira de futebolista, ingressando nos amadores do Billingham Synthonia, clube que deixou em 1953 para ingressar na Força Aérea. Cumprido o serviço militar, em 1955, ingressa no emblema da terra natal, o Middlesbrough Football Club. Ao serviço do Boro - nickname (alcunha) pelo qual o clube é tratado pelos seus fãs - Clough tornou-se num brilhante e temido avançado-centro, um verdadeiro terror para os guarda-redes adversários, conforme comprovam os 197 golos apontados nos 213 desafios em que envergou a camisola do clube que defendeu durante seis temporadas (entre 1955 e 1961). Foi durante este período que os seus atributos de goleador chamaram à atenção dos responsáveis técnicos da seleção inglesa, que em duas ocasiões convocam Clouhg para vestir a camisola principal dos Três Leões. Seria durante o seu percurso de categorizado goleador do Boro que Brian Clough conheceu aquele que haveria de ser o seu braço direito, o seu conselheiro, no reino da bola, e mais do que isso, o seu melhor amigo, de nome Peter Taylor, na época guarda-redes do clube do nordeste de Inglaterra.
A veia goleadora de Clough não passou despercebida a outros emblemas britânicos, sobretudo ao Sunderland, clube que certa ocasião foi abatido pelo poder de fogo do avançado-centro. Eterno rival do Middlesbrough, o Sunderland não descansou enquanto não adquiriu aquele diamante, que incompreensivelmente para a maioria dos súbitos de Sua Majestade apenas tinha sido chamado à seleção por um par de ocasiões. Em 1961 Clough transfere-se para o Sunderland, por uma quantia de 55 000 libras, ali permanecendo somente uma temporada enquanto jogador, alcançando um impressionante registo de 63 golos em 74 partidas disputadas. A carreira de Brian ia de vento em popa, até ao fatídico - ou não, como mais tarde se iria comprovar - boxing day - 26 de dezembro - de 1962, quando num encontro ante o Bury o atleta sofre uma grave lesão no joelho - rutura de ligamentos - após um violento choque com Chris Harker, o guardião contrário. Um acidente que obrigou o goleador a parar durante dois anos (!), uma paragem que viria a ditar o final de uma carreira que estava a ser brilhante, já que no seu regresso ao ativo, em 1964, Clough não fez mais do que três jogos, sendo forçado - por motivos físicos - a dar por terminado o seu trajeto de futebolista. Contava somente com 29 anos de idade, e para a história ficava um impressionante registo de 251 golos apontados em 274 encontros disputados!
Mas, e como diz o velho ditado, há males que vêm por bem, e incentivado pelo seu treinador de então, de nome Alan Brown, o jovem Clough dá início a uma não menos brilhante carreira de treinador.

O início de uma caminhada gloriosa...
na arte de conduzir ao sucesso 
equipas de menor dimensão!


Brian Clough, à porta dos balneários
do Derby County, modesto clube que sob o comando
deste homem alcançou a glória
Adotando o estilo disciplinador, agressivo, por vezes, de Brown, Brian Clough inicia em 1965 a carreira de técnico nos escalões secundários do futebol britânico. A sua primeira experiência dá pelo nome de Hartlepools United, modesto emblema que militava na 4ª divisão inglesa. A sua primeira ação é convidar o seu antigo companheiro de equipa no Boro, Peter Taylor, para se juntar a ele nesta aventura, na qualidade de treinador assistente. Uma dupla que iria entrar na história do futebol internacional, como se irá perceber no desenrolar deste excerto biográfico. Num clube orfão de dinheiro, de infraestruturas, o máximo que a dupla Clough/Taylor consegue é levar a equipa ao oitavo posto do quarto escalão inglês, uma posição para lá de satisfatória para um emblema habituado a bater no fundo da garrafa sistematicamente e sem grandes sonhos no mundo do futebol. 
No Hartlepools United Brian Clough dá igualmente início à(s) sua(s) relações problemática(s) com os dirigentes clubísticos. Desde pronto ele mostra que não se dá bem com ordens vindas dos quadros diretivos, oriundas de membros superiores, como o chairman - presidente - do clube, por exemplo. Clough chama a si todo o tipo de decisões que se prendem com a vida do clube. Não se limitando aos treinos e às táticas o ex-goleador também decide sobre as políticas de contratações: quem contratar, quando contratar, quanto gastar, etc. Um estilo autoritário que ignora por completo as opiniões/decisões dos dirigentes, o qual iria perdurar ao longo de toda a carreira, o que fez com que ganhasse mais inimigos do que amigos... tal como José Mourinho. Farto da personalidade controversa de Clough o chairman do Hartlepools United, Ernest Ord, decide despedir o técnico e o seu assistente Peter Taylor ao fim de um ano de ligação. Porém, após algumas reuniões com outros membros da direção, Ord - já de cabeça fria - recua na decisão, mantendo até ao final da temporada de 1966/67 o treinador que se fazia sobressair pelo temperamento forte e um estilo de comando muito peculiar. 


«Senhoras do chá... RUAAAAAA», parece ordenar Brian
Na conclusão dessa temporada de 66/67 a dupla Clough/Taylor ruma para outras paragens, para um clube pouco maior em termos de dimensão que o Hartlepools United, para um emblema habituado a percorrer os tortuosos e lamacentos caminhos da 2ª Divisão inglesa, o Derby County. Ali chegado, logo vinca a sua autoritária personalidade, levando a cabo uma pequena revolução no clube, não só no aspeto desportivo, como também no plano administrativo. Reza a lenda que assim que chegou despediu a secretária, o jardineiro, e duas simples senhoras que serviam chá, por alegadamente se terem rido de uma derrota do Derby. Seria neste pequeno clube que teria início verdadeiramente o legado de Clough, dando então a conhecer o seu ímpar talento para extrair o máximo de jogadores nada mediáticos, oriundos de divisões secundárias, e cujos nomes eram facilmente eclipsados quando colocados a par das estrelas do Liverpool, do Manchester United, ou do Leeds United. Com um bando de desconhecidos a dupla Clough/Taylor construiu uma equipa vencedora em pouco tempo, capaz de ombrear com qualquer equipa britânica - e não só -, capaz de concretizar objetivos até então impensáveis como...sair do último lugar da Second Division para erguer o troféu de campeão inglês num curto período de cinco anos. Há no entanto que fazer um atalho nesta nossa história para sublinhar o importante papel do fiel escudeiro de Clough no seu trajeto imperial. Brian Clough poderia ter o carisma, o condão de revolucionar as mentes dos seus atletas, de os guiar até à glória, mas era Peter Taylor quem os descobria nos campos de batatas dos escalões secundários. Era o seu olho cirúrgico que a mando de Clough - claro está, ele é que dava as ordens - descobria jogadores completamente anónimos, e que posteriormente sob a alçada do treinador principal eram trabalhados e lançados às feras na alta roda do futebol inglês, vulgarizando as mega-estrelas do Manchester United, Liverpool, Arsenal, ou do Leeds United. 


Até 1967 nenhum adepto do modesto Derby County
sonhava com esta imagem: ver o seu clube erguer o troféu
de campeão inglês! Clough e Taylor realizaram esse...
sonho irreal em 1972
Com este tipo de liderança, chamando a si tudo o que envolvia o clube, Clough criou um novo conceito de treinador. Ele não se limitava a treinar ou a dar táticas, como já referimos, ele decidia sobre assuntos de ordem administrativa, ele era o responsável pela melhoria das condições de trabalho, ele era o responsável por todas as contratações, ele era o número um dentro do clube, era o manager, o primeiro verdadeiro manager do futebol inglês. Tudo o que dizia respeito ao clube centrava-se em Brian Clough. Algo que irritava profundamente os dirigentes, que para Clough tinham a única função de...assinar os cheques para contratar os jogadores que ele e Taylor escolhiam. Esta pequena revolução fez com que modesto Derby County abandonasse o habitual último lugar da 2ª Divisão para ascender no curto espaço de dois anos ao principal campeonato inglês, a First Division, atualmente o correspondente à Premier League. Clough e Taylor chegaram ao clube na temporada de 67/68 e duas épocas depois ao vencerem a 2ª Divisão garantiram o passaporte para o escalão principal, sendo que na temporada da promoção o Derby County estabeleceu um recorde de 22 jogos consecutivos sem conhecer a derrota. Isto com uma equipa de - até então desconhecidos - operários, como Roy McFarland, John O´Hare, Alan Hilton, ou John McGovern, os tais homens que o perspicaz Peter Taylor havia descoberto no sub-mundo do futebol britânico. Mais do que um líder estes jogadores viam em Clough um amigo, um amigo que quando era preciso era duro, insultava-os se fosse necessário, é certo, mas que estaria sempre ali ao lado deles na frente de batalha. De batalha não, porque na ótica de Brian Clough o futebol não era uma guerra, de socos e pontapés, baseado no típico estilo inglês do kick and rush (pontapé para a frente), mas sim uma arte, um beautiful game, como ele chamava ao jogo que tanto amava. E como jogo bonito que era o futebol tinha de ser jogado de uma forma atrativa, limpa, sem faltas violentas. E foi assim que Clough conseguiu levar o modesto Derby County ao patamar mais alto do futebol inglês, sendo que na primeira temporada que o clube militou na First Division alcançou um brilhante 9º lugar. Mas o melhor ainda estava para vir. 
O plantel do Derby County que em 1972 conquistou o impensável
título de campeão inglês
Em 1971/72 o Derby surpreende tudo e todos ao ombrear teimosamente com Leeds United, Manchester City, e Liverpool na luta pelo título de campeão. Título esse que seria decidido apenas na última jornada, quando Brian Clough já estava de... férias em Palma de Maiorca! Como lhe competia o Derby County tinha vencido o seu derradeiro encontro do campeonato e desta forma ascendido de forma provisória à liderança, sendo que Leeds United e Liverpool apenas jogavam no dia seguinte. Para o Derby ser campeão estes dois concorrentes não podiam vencer os seus respetivos jogos, cenário que teoricamente era pouco provável atendendo à supremacia de ambos, pelo que Clough, de certa forma descontraída, bem ao seu estilo, resolve partir de imediato para as ilhas espanholas de férias. Acontece que nem Liverpool, nem Leeds venceram, e o título foi conquistado de forma surpreendente pelo pequeno Derby County, e reza a lenda que Brian Clough e o seu amigo e fiel escudeiro Peter Taylor apenas souberam que de facto haviam sido campeões de Inglaterra quando viram o hotel onde passavam férias com as respetivas famílias rodeado de jornalistas, que lhes deram a boa nova!!! Outros tempos em que as comunicações entre países praticamente não existiam. 


Brian Clough a preparar-se para mais uma, por certo,
entrevista bombástica
O inédito título trouxe a fama a Clough. Toda a Inglaterra queria conhecer melhor o homem que transformou um pequeno clube em campeão inglês. As constantes entrevistas para a televisão começam a tornar Brian Clough numa estrela mediática, e logo ele, que sempre foi dado a egocentrismos. Na verdade, este era o seu mundo, ele sentia-se incrivelmente à vontade diante das câmaras, dizendo tudo o que lhe apetecia, não importando se eram palavras insultuosas a colegas de profissão, a dirigentes, ou a jogadores de outras equipas. Não tinha papas na língua, como se diz na gíria. Conhecendo a sua frontalidade as televisões faziam dele convidado sistemático de programas desportivos, sabendo de antemão que a sua presença iria trazer para cima da mesa declarações polémicas, e desde logo merecedoras de captar a atenção de milhares de espetadores. Clough sabia lidar muito bem com a imprensa, sabia tirar partido deste poder, colocando diante das câmaras toda a sua arte em levar a cabo os mind games que tanto gostava de travar com outras figuras do futebol. Os mind games de que agora Mourinho é mestre... mas dos quais Clough foi o inventor. 


Cloug e o seu fiel escudeiro Peter Taylor
A sua língua afiada aliada à sua personalidade egocêntrica, digamos assim, fez com que o número de inimigos subisse consideravelmente, inclusive dentro do próprio Derby County, com o chairman do clube, Sam Longson, à cabeça. Longson não suportava o ego de Clough, e por várias vezes ao longo da relação entraram em choque. Na pré-temporada a seguir à conquista do campeonato Sam Longson ordenou que a equipa fosse fazer um estágio para a Holanda, sendo que Clough retorquiu que iria caso a sua família pudesse ir também. O presidente do Derby contra-atacou dizendo que não se tratava de uma viagem de férias, mas sim de trabalho, ao que Brian Clough simplesmente respondeu: «então... não vou eu». Reza a lenda também que o treinador contratou alguns jogadores sem o conhecimento de Longson, gastando avultadas verbas, que deterioraram ainda mais as já de si débeis finanças do clube. Os ataques de Clough não surgiam apenas na direção dos adversários, ou dos dirigentes do seu clube, mas também dos próprios adeptos do seu emblema, a quem muitas vezes chamada de escumalha, quando estes assobiavam os seus jogadores, ou criticando-os por falta de apoio à equipa quando esta estava em desvantagem no marcador. Um rol de episódios conflituosos que nem a boa campanha europeia de 72/73 valeu para Clough salvar a pele. Competições europeias onde o Derby County foi eliminado nas meias-finais da Taça dos Campeões Europeus pela Juventus, a quem o treinador no final da eliminatória apelidou de bastardos trapaceiros, pela forma pouco limpa, segundo a sua visão, com que tinham eliminado a sua equipa. Os constantes ataques que o treinador fazia a tudo e a todos fez Sam Longson perder a paciência, e nesse ano de 73 despede a dupla Clough/Taylor para desespero dos adeptos do Derby, que mesmo alvo de insultos por parte do célebre treinador manifestaram o seu incondicional apoio a este. Os próprios jogadores do clube fizeram uma greve, exigindo a readmissão de Brian Clough e Peter Taylor, mas Longson não voltaria atrás e a dupla de sucesso estava no desemprego. 

Damned United (maldito United)


Brian Cloug aguentou apenas 44 dias como
treinador do gigante Leeds United
Mas não por muito tempo, já que em 73/74 são convidados a pegar nos destinos de outro pequeno clube, o Brighton & Hove Albion, da 3ª Divisão. No emblema do sul do Reino Unido o sucesso só não se fez sentir de imediato porque Clough apenas ali esteve um par de meses, já que um convite do gigante Leeds United o fez de imediato abandonar Brighton e... o seu fiel escudeiro Peter Taylor. Este não quis quebrar o contrato que havia feito com os responsáveis do Brighton & Hove Albion, e decide ficar, pegando sozinho na equipa enquanto que Brian parte para aquela que ele julgava ser a maior aventura da sua vida... e que na realidade viria a ser a mais curta. Nos anos anteriores o Leeds United, e muito em particular o seu treinador, Don Revie, haviam sido ferozmente atacados na imprensa por Clough, que caracterizava o United - campeão inglês em 1973/74 - uma equipa violenta - e na verdade, era -, que praticava um jogo sujo e trapaceiro, contrariamente ao seu Derby, cujo futebol era limpo, honesto, e atraente. Revie, adepto do jogo viril, saiu no final de 73/74 para o comando técnico da seleção inglesa, sendo que para o seu lugar os responsáveis do Leeds chamaram Clough, o homem que denegria sistematicamente a imagem do clube na praça pública. Esta seria a primeira e única experiência de Brian Clough num dos chamados grandes emblemas do futebol inglês. 
Assim que chegou a Elland Road, a casa do Leeds United, e no seu jeito frontal e sem qualquer tipo de misericórdia, dirigiu-se às estrelas do clube dizendo: «peguem nas vossas medalhas de campeões e atirem-nas para o lixo, pois elas foram conquistadas de uma forma suja e trapaceira. Comigo vocês vão ganhar de forma limpa e bonita». Diz-se que havia sido o ódio que Clough tinha por Revie que o fez aceitar o cargo de treinador do Leeds United, pois queria superá-lo com a equipa que o próprio Revie tinha construído. Este tipo de expressões causou desconforto no balneário do Leeds, cujos jogadores nunca viram Clough como um amigo, ou um pai, tal como viam o seu antigo treinador Don Revie. Brian não conseguiu ter pulso no núcleo duro do campeão inglês. Diz-se que o ego de treinador chocou de frente contra o ego de estrelas como Johnny Giles, Norman Hunter, ou Billy Bremner, e como é impossível demasiados egos conviverem debaixo do mesmo teto a aventura do treinador em Elland Road só durou 44 dias! Diz-se ainda também que a experiência de Clough no Leeds havia falhado porque Peter Taylor não esteve a seu lado, o seu fiel escudeiro, amigo, e conselheiro. Brian Clough deixou o Leeds United num impróprio 19º lugar, com uma vitória em seis derrotas! A curta passagem do técnico por Leeds está retratada num excelente - recomendo vivamente o seu visionamento - filme, intitulado Damned United (maldito United), que traduz para a tela de cinema não só a sua passagem atribulada por Elland Road mas igualmente grande parte da sua restante e brilhante carreira. 
Mais uma vez no desemprego o treinador passou a ir com mais regularidade à televisão, desempenhando não só a função de comentador mas sobretudo a de crítico, papel que tanto gostava, agredindo verbalmente ilustres colegas de profissão como Sir Matt Busby, Sir Alf Ramsey, e claro, Don Revie, o seu ódio de estimação. Brian Clough sempre ao seu estilo. 

A conquista do Olimpo do futebol com um pequeno clube... mais um


Na condição de arquiteto do
pequeno/grande
Nottingham Forest
Brian Clough esteve sem trabalho desde setembro até dezembro de 1974, sendo que com a entrada do novo ano surge mais um convite ao técnico oriundo de Middlesbrough. Mais um pequeno e desconhecido clube, na realidade, que militava nas divisões secundárias de Inglaterra, oriundo de uma cidade mais conhecida pela fábula do herói que roubava aos ricos para dar aos pobres, Robin Hood de seu nome, traduzindo para português, Robin dos Bosques. Esse clube era o Nottingham Forest, vizinho e grande rival do Derby County que Clough e Taylor haviam conduzido à glória poucos anos antes. Além de pequeno o Forest era um emblema mergulhado em graves problemas financeiros que ocupava o fundo da tabela da Second Division. Clough assumiu a equipa a meio da temporada de 74/75, e em meados de 1976 faz as pazes com o amigo e companheiro de trabalho Peter Taylor, convencendo-o a reconstruir a velha dupla de sucesso que tanta glória havia tido ali bem perto, em Derby. Taylor aceitou, e o resto é pura lenda. Tal como haviam feito quando chegaram ao Derby County Clough e Taylor levaram a cabo uma autêntica revolução no balneário, dispensando uma série de jogadores, contratando para o seu lugar outros completamente desconhecidos, descobertos pelo olheiro brilhante que era Peter Taylor. Ao clube chegam então jogadores como Peter Shilton, Viv Anderson, Kenny Burns, Martin O´Neil, ou John McGovern, que no final da temporada de 76/77 conseguem levar o clube à elite do futebol inglês, isto é, a 1ª Divisão. Claro está que Clough continuava a ser a estrela do clube, o arquiteto deste feito, a figura que centrava em si todos os setores do clube. Mas o público gostava desta personalidade, e os... dirigentes do Forest pareciam nem se importar, talvez porque pressentissem que Brian Clough iria ser o condutor do clube a patamares nunca dantes sonhados. E assim foi.


A dupla maravilha: Taylor e Clough, no banco
do Nottingham Forest
Na temporada seguinte, no convívio entre os grandes do futebol inglês, o Nottingham Forest foi campeão! É verdade, em 77 foi campeão da 2ª Divisão, e na temporada seguinte campeão da 1ª. Para além do campeonato a máquina montada por Clough e Taylor vence ainda a Taça da Liga de 77/78. Factos que seriam eternizados como o milagre de Nottingham. Mas o sonho real não acabaria aqui, já que na época seguinte, a dulpa maravilha, Clough/Taylor, através do seu futebol ofensivo e de rasgo bonito, vai mais longe e conduz o pequeno clube à glória europeia! O Forest chega à final da Taça dos Campeões Europeus de 1979, realizada em Munique, onde derrota por 1-0 os suecos do Malmo. Nunca o Nottingahm Forest em toda a sua história havia participado numa prova europeia, e na primeira vez que o fazia era campeão. Pura sorte, terão dito alguns. Pura sorte? Clough contrariou, ao seu estilo, os céticos em aceitar o sucesso do Forest, e na época seguinte venceu de novo a maior competição europeia, derrotando na final o poderoso Hamburgo, igualmente por 1-0, em Madrid. A juntar a isto vence ainda a Supertaça Europeia - à custa do poderoso Barcelona - e mais uma Taça da Liga. Brilhante. Ainda hoje os historiadores do futebol olham para o Forest como uma ave rara, o único clube europeu que tem mais Taças dos Campeões Europeus (2) do que campeonatos nacionais (1).


A lenda Brian Clough, numa das
últimas aparições no banco do Forest
Brain Clough transformou um pequeno e modesto clube numa potência continental, capaz de aniquilar fosse qual fosse o clube. Foram 18 anos consecutivos de uma ligação que ainda hoje é histórica, de uma história que assume contornos de lenda, e que terminaria em 1992/93, quando um Brian Clough já muito debilitado, e sem o seu fiel escudeiro Peter Taylor - retirado do futebol em 82 -, não evita a descida do Nottingham Forest à 2ª Divisão, de onde... nunca mais saiu, até hoje. Na década de 80 Clough fez ainda com que mais duas Taças da Liga viajassem para Nottingham, estabelecendo ainda outros recordes que ainda hoje perduram no Hall of Fame do futebol britânico, como, por exemplo, o facto de o clube ter estado 42 jogo seguidos sem conhecer a derrota para o campeonato. Com ele o Forest somente por uma ocasião ficou abaixo dos 10 primeiros lugares ao longo dos 18 anos em que o treinador comandou os destinos do clube, precisamente o ano em que desceu de divisão. Deixou o Nottingham Forest com um registo de 411 vitórias em 907 jogos, e muitas, e saborosas, coroas de glória conquistadas.
Após a sua saída o clube entrou em declínio, e Clough também, na verdade. De novo de costas voltadas para Peter Taylor, que viria a falecer em 1990, sem que tivesse feito as pazes com o seu velho companheiro de aventuras futebolísticas, Brian Clough entregou-se ao álcool - no início do novo milénio teve mesmo de ser submetido a um transplante de fígado. 

Seleção inglesa? «Nunca me contrataram, pois sabiam que eu iria mandar naquilo»


Sim, eu fui o melhor de todos!
Brian Clough viveu um conto de fadas no futebol, podemos hoje afirmar ao olhar para o seu ímpar trajeto. Contudo, apenas uma mágoa o acompanhou até ao fim dos seus dias: nunca ter sido selecionador inglês. Hoje em dia os ingleses costumam brincar com este facto, ao dizerem que Clough foi o melhor treinador que a sua seleção... nunca teve. E porquê nunca teve? «Tenho a certeza de que eles acharam que, caso me dessem o emprego, eu quereria mandar naquilo», explicou vezes sem conta o lendário Brian Clough sempre que questionado sobre tal mistério. Há quem defenda, um pouco mais a sério, que a sua forma irreverente de atacar outros colegas de profissão, jogadores, ou dirigentes, não era digna... de um selecionador inglês. O único treinador que reuniu numa só figura ingredientes como carisma, arrogância, egocentrismo, autoritarismo, talento, e uma vontade férrea de vencer faleceu aos 69 anos em 20 de setembro de 2004, vitimado por um cancro. O homem que um dia disse «Não fui o maior treinador, mas sempre estive entre os primeiros» é hoje um mito, sobretudo para as comunidades rivais de Derby e Nottingham, sendo exemplo disso a estrada que liga as duas cidades ser batizada de Brian Clough Way (estrada Brian Clough). As opiniões no mundo do futebol sobre quem é o melhor nisto ou naquilo dividiram-se sempre ao longo dos anos, mas para mim, e desculpem mais uma vez os estimados visitantes estar eu a emitir mais uma vez a minha opinião pessoal, Brian Clough foi o maior génio da classe dos treinadores, o molde original do nosso José Mourinho. 

Vídeo: Documentário sobre Brian Clough - 
The Greatest Manager That England Never Had

quarta-feira, março 27, 2013

Grandes Mestres da Táctica (9)... Joreca

Durante largas dezenas de décadas os laços de sangue entre Portugal e Brasil ajudaram a que milhares de jogadores e treinadores cruzassem o Atlântico em busca de uma oportunidade para alcançar o sucesso no mundo do futebol. Uma viagem cuja balança pende mais - muito mais - na ligação Brasil - Portugal, do que o inverso, ou seja, foram mais os brasileiros que vieram tentar a sua sorte no futebol português do que lusitanos em busca do el dorado em Terras de Vera Cruz. E se ao longo da história os portugueses se habituaram a ver atletas de origem brasileira envergar as cores da seleção nacional lusa - Lúcio foi o pioneiro, nos anos 60, imitado décadas mais tarde por Deco, Pepe, ou Liedson - e treinadores a orientar a equipa das quinas em grandes competições internacionais - Otto Glória foi o mestre que conduziu os Magriços de Eusébio e companhia ao 3º lugar no Campeonato do Mundo de 1966, enquanto que num passado recente o sargentão Scolari foi vice campeão da Europa em 2004, e 4º classificado no Mundial de 2006 - é mais complicado, bem mais, imaginar um português a vestir a mítica camisola canarinha (Casemiro do Amaral foi o único a fazê-lo) ou sequer a sentar-se no banco para orientar o escrete numa qualquer partida de futebol. Impensável, mas não impossível. Como assim? Nesta última função (a de treinador) a resposta está em Joreca, a alcunha de Jorge Gomes de Lima, lisboeta de berço, nascido no longínquo 7 de janeiro de 1904, que como principal cartão de visita tem o facto de ter sido um dos dois únicos estrangeiros a ter o privilégio de treinar a principal seleção do Brasil!

Como já vimos, Jorge Gomes de Lima nasceu em Lisboa no início do século passado, tendo ainda cedo cruzado o Atlântico rumo ao país que haveria de fazer dele um dos melhores treinadores dos anos 40. Precisamente no início da década de 40 Joreca - a alcunha que ganhou pouco depois de assentar arraiais em solo sul-americano - licenciou-se em Educação Física na Universidade de São Paulo, a cidade que o acolheu e que o eternizou no planeta da bola.
Antes mesmo de descobrir a sua vocação como condutor de equipas fez uso da sua extrema habilidade com as palavras, ao tornar-se num apreciado jornalista desportivo, escrevendo crónicas em vários jornais paulistas e espalhando os seus vastos conhecimentos sobre o belo jogo nas frequências da rádio, na qualidade de comentador.
O salto para o terreno de jogo foi dado de forma discreta. Deu as primeiras preleções táticas na seleção paulista de amadores, ao mesmo tempo em que descobria uma outra faceta dentro da modalidade, a de árbitro!
Joreca revelava-se um homem dos 7 ofícios no desporto rei, e foi ele que na qualidade de árbitro dirigiu o jogo de estreia de um tal de... Leônidas da Silva, com a camisola do São Paulo Futebol Clube. Efeméride ocorrida em 1942, precisamente um antes de Joreca assumir o comando técnico do tricolor paulista.
Um casamento que iria durar até 1947, tendo sido pautado por inúmeros momentos de felicidade para ambos os conjugues. No primeiro jogo em que se sentou no banco dos paulistas o portuga Joreca - que  a meio da viagem havia substituído na função o técnico uruguaio Conrado Ross - não brincou em serviço, que o diga a Portuguesa Santista, despachada com uma goleada de 6-1. Joreca entrava com o pé direito. Esse primeiro ano ao serviço de São Paulo seria histórico. Até final da temporada disputou mais 12 partidas, tendo vencido 11 e empatado apenas uma, ante o rival Palmeiras, precisamente o derradeiro encontro do campeonato, o empate que colocaria um ponto final no longo jejum de 12 anos em que o São Paulo esteve arredado dos títulos.
O São Paulo era campeão estadual pela mão de um português, uma conquista marcada pela visão revolucionária daquele homem nascido do lado de lá do imenso Atlântico aliada ao brilho do diamante negro Leônidas da Silva, que assim festejava o seu primeiro título com a camisola tricolor.
O trabalho de Joreca não passou despercebido aos responsáveis da Confederação Brasileira dos Desportos (antecessora da atual Confederação Brasileira de Futebol) que no ano seguinte convidaram o luso a treinar nada mais nada menos do que a seleção brasileira! A tarefa seria dividida com Flávio Costa, que juntamente com o treinador português formou assim uma espécie de comissão técnica para dois jogos amigáveis que o escrete disputou em maio de 1944. Ambos tiveram como adversário o Uruguai, tendo o primeiro encontro sido realizado no Estádio São Januário, no Rio de Janeiro, saldado por um robusto triunfo brasileiro por 6-1. Quatro dias depois repetiu-se a dose, embora com números mais modestos, no Pacaembu, de São Paulo, onde a seleção derrotava os vizinhos charruas por 4-0.
A carreira de Joreca no combinado nacional do Brasil foi curta, pois logo de seguida Flávio Costa segurava o leme da equipa sozinho até 1950, ano em que perdeu o título mundial para o Uruguai em pleno Maracanã!
Após ter-se tornado no PRIMEIRO ESTRANGEIRO A TREINAR A SELEÇÃO BRASILEIRA - facto histórico, muita atenção! - Joreca voltou ao São Paulo, onde conquistaria mais dois títulos de campeão estadual. O primeiro em 1945, e o segundo um ano depois, este de forma invicta (!), algo nunca mais repetido na história do tricolor paulista. Saiu do clube em 1947, com um fabuloso registo de 166 jogos disputados, 109 vitórias conquistadas, 31 empates averbados, e somente 26 desaires, sendo ainda hoje o terceiro treinador na história do São Paulo que mais títulos oficiais venceu.

Joreca deixou a casa que o catapultou para a fama, e que ele que próprio fez regressar à fama, há que sublinhá-lo, mas não deixou o seu amado futebol.
Em janeiro de 1949 espeta um punhal no coração dos acérrimos adeptos do tricolor paulista ao assinar pelo eterno rival Corinthians, emblema que orientou durante 52 partidas, tendo entre outros feitos lançado para a ribalta um dos maiores ídolos da fiel torcida corintiana, Baltazar, o cabecinha de ouro. O sucesso de Joreca no Coringão foi muito curto, já que no final desse ano de 1949 - 5 de dezembro para sermos mais precisos - o português mais brasileiro de sempre - no que ao futebol diz respeito - morria vitimado por um ataque cardíaco.
Além do desporto rei ainda fez uma perninha no boxe, subindo ao ringue em duas ocasiões, e em ambas saiu vitorioso!

Legenda das fotografias:
1- Jorge Gomes de Lima, eternizado como Joreca
2-Como árbitro da Federação Paulista de Futebol
3-A equipa do São Paulo que venceu o campeonato estadual de 1943, onde Leônidas da Silva (é o jogador do meio na fila de baixo) assumiu o papel de estrela
4-O São Paulo campeão estadual de 1946, de forma invicta. Joreca é o primeiro elemento (da direita para a esquerda) da fila de cima
5-Abraçado pelos seus pupilos do tricolor paulista após a conquista de mais uma vitória