quinta-feira, junho 10, 2021

Histórias do Futebol em Portugal (32)...Foi há 30 anos que a Geração de Ouro do futebol português viveu o seu segundo capítulo de glória no Planeta da Bola

Neste mês de junho assinala-se o 30.º aniversário de um dos grandes momentos da história do futebol português, um capítulo que volvidas três décadas ainda vive na mente de todos os que amam o futebol. Um momento em que a Geração de Ouro, nascida nas areias do deserto das arábias em 1989, deu mais uma prova do seu valor e levou o país a chorar de alegria na hora de comemorar. E para gáudio de toda a nação lusa este foi um feito alcançado em solo nacional. Fazemos alusão ao título mundial de sub-20 conquistado em 1991, ou melhor, ao bi-campeonato mundial alcançado no dia 30 de junho de 1991, um dia inesquecível para o futebol português.

Orientada por Carlos Queiroz, a equipa das quinas repetiu o triunfo alcançado dois anos antes na Arábia Saudita e nomes como Figo, Rui Costa, Jorge Costa ou Abel Xavier, que na altura pouco ou nada diziam às pessoas, deram nesse ano os seus primeiros passos como grandes jogadores mundiais que viriam a ser no futuro imediato.

Ninguém pode esquecer o derradeiro capítulo desse mítico Mundial de 1991, a final no Estádio da Luz, entre Portugal e o Brasil, em que a velha catedral estava para lá de cheia com 127 mil almas a vibrar com um jogo que terminou ao fim 120 minutos com um nulo no marcador e que viria a confirmar nos penaltis Portugal como bi-campeão do Mundo.

Este título mostrou que Riade não havia sido obra do acaso, um mero golpe de sorte, mas antes a confirmação de que o nosso futebol estava a mudar. E para melhor. Mostrou-nos que tínhamos pela frente um futuro de que nos haveríamos de orgulhar, um futuro que haveria de fazer com que Portugal deixasse de ser o país do triste fado futebolístico para ser a potência que hoje em dia é do Belo Jogo a nível planetário.

A equipa de 1991 foi, digamos, que um prolongamento da Geração de Ouro que nasceu em Riade dois anos antes pela mão do grande revolucionário - no sentido mais positivo da palavra - do futebol nacional, Carlos Queirós. Desta geração de futebolistas portugueses brotaram novos valores que nos afirmaram no futebol mundial, casos dos já referidos Figo, Rui Costa, Jorge Costa, ou João Vieira Pinto. Aliás, do núcleo de 91 emergiu um futuro Bola de Ouro: Luís Figo. Esta vitória, ou melhor, estas vitórias, pois Riade não pode ser deixado de parte desta viagem ao passado, elevou o futebolista português à categoria de diamante raro e apetecível nas décadas que se seguiram. E 1991 confirmou também Portugal como uma nação que gosta de receber de braços abertos quem nos visita, que sabe organizar como poucos competições ou demais eventos com pompa e circunstância, como ficou provado com o facto de no final deste certame a FIFA ter classificado o Mundial de 91 como o melhor até então visto no que se refere ao escalão de sub-20.

Mas voltemos à fornada de 91, aos (bi)campeões do Mundo, uma seleção que anos mais tarde Carlos Queirós rotulou de ser mais virtuosa em comparação com a turma que em 89 conquistou pela primeira vez o Planeta da Bola na Arábia Saudita. Numa longa entrevista ao jornal A Bola, Queirós dizia que «a equipa de 1991 era mais virtuosa, mais atrevida, mais irreverente; às vezes punha a seleção de juvenis, com João Pinto, Figo, Rui Costa, contra a equipa dos mais velhos e quando lhes dava corda os miúdos eram danados; os mais velhos, a equipa do Filipe, do Tozé, do Hélio, aguentavam porque tinham muita disciplina. Mas precisavam de dar umas cacetadas para pôr os mais novos em sentido, enquanto não faziam isso os mais pequenos davam cabo deles. A equipa de 1989 foi construída da estrutura e do trabalho para a fantasia; a de 1991 foi ao contrário, veio da fantasia para a disciplina, teve de ser mais amarrada. A de 1989 era muito sólida, muito adulta, quando entravámos em campo sabíamos que podíamos não ganhar mas também dificilmente perdíamos. A de 1991 era muito mais criativa, era rebelde. Uma equipa que tinha de ser dominada. Mas só foi possível sermos campeões do Mundo não por termos junto uns talentos 10 dias antes do Mundial, mas porque essa equipa tinha cinco anos de trabalho. Talvez fosse até melhor para mim que soubesse apenas que tinha reunido os jogadores e, com um passe de mágica, conseguisse ser campeão do Mundo».

 

O título mundial provocou uma reviravolta no futebol português, e sendo verdade que dois anos antes Portugal se sagrara campeão mundial em Riade, o facto de esta conquista ter sido em Lisboa «obrigou as altas esferas do futebol a olharem-nos de outra maneira. Mostrámos que o futebol de formação e os jogadores portugueses tinham muita qualidade e deveriam ter acesso às equipas seniores», disse Tulipa, um dos 18 campeões do Mundo de 1991 anos depois numa entrevista ao Diário de Notícias (DN). Nessa mesma entrevista ao DN, Rui Bento, outro dos campeões de Lisboa, salienta a união invulgar que existia naquela seleção e que não parece compatível com o futebol moderno. «O grupo formou-se uns quatro/cinco anos antes e como passávamos largas temporadas em estágio, a união fortaleceu-se. Sabíamos as manias e virtudes de cada um e agíamos em conformidade, tendo-se criado laços de amizade eternos», salienta Bento. «O facto de o campeonato de 1991 se realizar em casa ajudou sobremaneira. O chamado 12.º jogador funcionou lindamente. O povo estava todo connosco e apesar de serem miúdos normais, aprenderam a respeitar, a serem rigorosos, disciplinados», contou o fiel adjunto de Queirós, Nelo Vingada, ao DN, acrescentando que «em comparação, a vitória em Lisboa foi muito mais fácil do que na Arábia Saudita, dois anos antes. Aqui estávamos em casa e naquele país árabe só dava para ligar para casa de dois em dois dias, através de uma cabina telefónica».

Os 18 heróis de Lisboa


Para este Mundial Carlos Queirós chamou dois jogadores que em 1989 tinham saboreado a então inédita conquista de Riade, nomeadamente João Vieira Pinto e Brassard. O primeiro havia sido peça preponderante na conquista de 89, sendo o único jogador luso a conquistar por duas vezes o Mundial de sub-20. Após a conquista de 1991 o menino de ouro, como ficou conhecido, disse ao jornal A Bola que «é espetacular o que sinto. Nunca imaginei ser campeão do mundial duas vezes. Vou ter de carregar este fardo durante toda a vida», e assim continua a ser.

Por sua vez, Fernando Brassard havia estado na Arábia Saudita na condição de suplente, sem ter feito um único minuto nessa campanha, sendo que por isso e apesar de ter feito parte do grupo de 89 não foi efetivamente campeão do Mundo, algo que só viria a alcançar dois anos depois em Lisboa quando assumiu a titularidade da baliza nacional.

E para conquistar o campeonato do Mundo de 1991 Carlos Queirós contou com o seguinte elenco (com os respetivos números que usaram nas camisolas durante esse Mundial e os clubes que representavam na altura): 1 - Brassard (Louletano); 2- Gil (Benfica); 3- Figo (Sporting); 4- Peixe (Sporting); 5- Rui Costa (Fafe); 6- Jorge Costa (Penafiel); 7- Abel Xavier (Estrela da Amadora); 8- Paulo Torres (Sporting); 9- Luís Miguel (Rio Ave); 10- Nélson (Salgueiros); 11- Rui Bento (Benfica); 12- Tó Ferreira (Famalicão); 13- Capucho (Gil Vicente); 14- João Vieira Pinto (Boavista); 15- Tulipa (FC Porto); 16- Cau (FC Porto); 17- João Oliveira Pinto (Sporting); 18- Toni (FC Porto).

Do Porto a Lisboa, o trajeto dos campeões

Foram cinco as cidades escolhidas para acolher este Mundial organizado por Portugal, nomeadamente Lisboa, Porto, Braga, Guimarães e Faro. Portugal iniciou a defesa do título conquistado em Riade a 14 de junho, no Estádio das Antas, no Porto, que registou uma lotação de 50.000 pessoas para presenciar o confronto ante a República da Irlanda, o primeiro adversário dos lusos. Irlandeses que não eram estranhos ao combinado luso, já que semanas antes ambos os conjuntos haviam-se defrontado em jogo de preparação para o Mundial, tendo então Portugal vencido por 1-0. Mas neste jogo a doer, só deu mesmo Portugal. Não foi um jogo complicado, muito pelo contrário, mostrou sim que os portugueses eram nitidamente superiores em todos os capítulos, e não foi de estranhar que cedo os lusos se adiantassem no marcador por intermédio de João Vieira Pinto, aos 17 minutos. O golo inaugural deste Mundial de 91 foi construído pelo tridente atacante de Portugal, constituído por João Vieira Pinto, Toni e Gil. Os irlandeses foram sempre presa fácil para os putos de Queirós, e raramente incomodaram o guardião Brassard, que foi quase um mero espectador. Os lusos dilataram o marcador na segunda parte, na sequência de um slalon de Capucho que rompeu desde o meio campo irlandês até à baliza de Connoly, à passagem do minuto 78. Estava consumada a vitória, a qual poderia ter sido ainda mais dilatada não tivesse Figo desperdiçado uma grande penalidade a castigar uma falta sobre Gil. Portugal entrava assim com o pé direito na defesa do ceptro.

Ante a Irlanda a seleção portuguesa jogou com: (1) Brassard; (7) Abel Xavier, (6) Jorge Costa, (11) Rui Bento e (8) Paulo Torres; (4) Peixe, (3) Figo e (5) Rui Costa ((13) Capucho, aos 68m); (2) Gil ((17) João Oliveira Pinto, aos 88m), (14) João Vieira Pinto e (18) Toni.

O duro jogo com a Argentina
Três dias depois, a seleção desceu até à capital, Lisboa, onde no velho Estádio da Luz defrontou o segundo adversário do grupo, a Argentina. Foi um jogo marcado pela positiva e pela negativa. Pela positiva porque assistimos a mais uma bela exibição dos lusos, ao passo que a parte negativa prende-se com a vincada indisciplina dos jovens argentinos a quem só a vitória interessava após uma surpreendente derrota ante a Coreia no primeiro encontro. A figura do jogo acabou mesmo por ser o árbitro, o belga Guy Goethals, obrigado a expulsar três jogadores sul-americanos que usaram e abusaram da indisciplina. Os golos surgiram na segunda parte, o primeiro apontado por Gil, aos 56 minutos, na sequência de uma arrancada desde o meio campo contrário que foi concluído com um potente remate à entrada da área e que ainda embateu no defesa Cocca, acabando por trair o guardião Díaz. No seguimento de um mau passe de Bacedas surgiu o segundo golo de Portugal, aos 78 minutos. João Vieira Pinto cruzou para a área onde Toni foi impedido por Pochettino de chegar à bola tendo o árbitro marcado de pronto a grande penalidade. Na conversão, o pé canhão da seleção portuguesa, Paulo Torres, não deu hipótese ao guardião das pampas e fez o 2-0. O 3-0 final surgiu por intermédio de Toni, que sozinho isolado à entrada da pequena área ante Díaz controla a bola com o peito para em seguida encher o pé que levou o esférico para o fundo das redes. Este triunfo gordo garantiu de pronto a passagem de Portugal à fase seguinte.

Ante a Argentina os lusos jogaram com: (1) Brassard; (7) Abel Xavier, (6) Jorge Costa, (11) Rui Bento e (8) Paulo Torres; (4) Peixe, (3) Figo e (5) Rui Costa ((13) Capucho, aos 70m); (2) Gil ((9) Luís Miguel, aos 78m), (14) João Vieira Pinto e (18) Toni.

Com o apuramento garantido Carlos Queirós fez cinco alterações no seu onze no jogo ante a Coreia, realizado no Estádio da Luz no dia 20 de junho. As mudanças não se fizeram notar, já que Portugal realizou outra exibição muito competente e convincente. O único golo do encontro surgiu na sequência de um livre indireto, ao minuto 42, a castigar o facto de o guardião coreano não ter libertado de imediato a bola e perdido mais tempo com ela nas mãos do que as leis permitem. Na conversão, o homem das bolas paradas da seleção lusa, Paulo Torres, não perdoou a enviou uma verdadeiro míssil para o fundo das redes asiáticas.

Este triunfo garantiu a Portugal o 1.º lugar do Grupo A deste Mundial. Neste derradeiro encontro da fase de grupos os portugueses jogaram com: (12) Tó Ferreira; (10) Nélson, (6) Jorge Costa, (11) Rui Bento e (8) Paulo Torres; (4) Peixe ((3) Figo, aos 46m), (16) Cau e (15) Tulipa; (17) João Oliveira Pinto, (14) João Vieira Pinto e (18) Toni ((9) Luís Miguel, aos 68m).

Figo e Rui Costa cantam o hino
Na fase a eliminar, isto é, nos quartos-de-final, Portugal enfrentou um osso duro de roer, o México. Na Luz, o muito público que lotou o recinto lisboeta teve razões para festejar logo aos 2 minutos. João Vieira Pinto é derrubado dentro da área e o árbitro assinala penalti. Na conversão Paulo Torres atirou a bola para um lado e o guarda-redes foi para o outro, apontando o primeiro golo dos lusos. Porém, este golo madrugador adormeceu os lusitanos, tendo os mexicanos reagido, e aos 35 minutos Mendoza empatou de cabeça. Este seria o primeiro e único golo sofrido por Portugal ao longo de todo o torneio. O resultado não se alterou até aos 90 minutos e foi necessário recorrer-se a um prolongamento, onde Portugal bebeu do instinto matador do ponta de lança Toni, que numa cabeçada vistosa fez o 2-1 que abriu a porta das meias-finais aos miúdos de Queirós. Neste jogo Portugal jogou com: (1) Brassard; (7) Abel Xavier, (11) Rui Bento, (6) Jorge Costa e (8) Paulo Torres; (4) Peixe, (3) Figo e (5) Rui Costa ((10 Nélson, aos 90+1m); (2) Gil, (14) João Vieira Pinto ((13 Capucho, aos 70m) e (18) Toni.

Faltava um pequeno passo para Portugal atingir a final, mas para isso tinha de se desenvencilhar da surpresa do torneio, a Austrália. Novamente num Estádio da Luz repleto (112.000 espectadores) assistiu-se a uma obra de arte daquele que um dia viria a ser conhecido como o maestro, um puro talento, de seu nome Rui Costa. O jovem jogador do Benfica pegou na bola ainda no meio campo australiano, e de fora da área disferiu um vistoso remate que só parou no fundo das redes de Bosnich. Este golo solitário, apontado a um minuto do intervalo, garantiu a segunda final de um Mundial de sub-20 a Portugal, quer atuou com: (1) Brassard; (7) Abel Xavier, (11) Rui Bento, (6) Jorge Costa e (8) Paulo Torres; (4) Peixe, (3) Figo e (5) Rui Costa; (2) Gil ((13 Capucho, aos 67m), (14) João Vieira Pinto e (18) Toni ((17) João Oliveira Pinto, aos 89m).

E eis que chegávamos ao dia 30 de junho, o dia da grande final, ante o poderoso Brasil, o eterno candidato a vencer todas as competições em que entra. Ainda antes da final ser jogada, Carlos Queirós levou os seus pupilos até à praia, segundo confessou Gil já em 2020 ao jornal Record. «Lembro-me que, um dia antes da final com o Brasil, o professor Queiroz levou-nos à praia do Guincho para nos motivar e ficámos só em cima das rochas a olhar para o mar. Ele pediu-nos para ficarmos lá a relaxar. Perguntou-nos o que estávamos a ver e nós dissemos que víamos uma parte calma das ondas mais para a frente e outra fase em que as ondas batiam nas rochas. Disse-nos ‘é assim que quero que vocês joguem amanhã!’. Ficámos a olhar uns para os outros a pensar ‘Como assim?’ e ele explicou o seguinte: ‘O que eu quero é que a defesa e o meio-campo estejam calmos como aquela fase do mar que veem mais perto do horizonte e que o ataque seja bravo como estas ondas que batem nas rochas’. Como jogadores inteligentes que éramos, tentámos colocar em prática aquilo que ele pediu».

O Estádio da Luz na maior enchente da sua história,
na tarde de 30 de junho de 1991

Com capacidade para 120.000 espectadores naquela tarde o velho Estádio da Luz albergou muito mais do que isso. Foram 127.000 almas que se acotovelaram para ver in loco mais um capítulo dourado da história do nosso futebol. Aquela imagem, do inferno da Luz a arrebentar pelas costuras, jamais se tinha visto num jogo da seleção nacional, prova de que o povo estava com os miúdos de Queirós. Bilhetes a 800 escudos que se venderam a 8 contos, segundo recorda o ilustre jornalista de A Bola, António Simões, anos mais tarde numa edição especial que o jornal da Travessa da Queimada publicou em jeito de homenagem à Geração de Ouro. Outra imagem marcante foi a cerimónia dos hinos, com as lágrimas de emoção de Peixe - que haveria de ser considerado o melhor jogador deste Mundial - a correrem o Mundo quando A Portuguesa entoou. Quanto ao jogo em si assistiu-se a um encontro de qualidade ao qual apenas faltaram os golos.

Figo em duelo com Roberto Carlos
Na primeira parte destaca-se uma perdida flagrante de Portugal, quando João Vieira Pinto atirou ao poste da baliza de Roger. Contudo, foram os brasileiros a dominar, apontando dois golos que no entanto seriam anulados pelo árbitro argentino Francisco Lamolina. O guarda-redes Roger, por exemplo, considerou os lances duvidosos, embora reconhecendo que Portugal tinha uma equipa qualificada, com nomes que fizeram história no país, posteriormente. Na segunda parte os portugueses corrigiram a sua postura, melhoraram muito nas transições para o ataque, tendo valido numa ou noutra ocasião a inspiração de Roger. Com 0-0 no final dos 90 minutos jogou-se um prolongamento, onde os portugueses foram melhores no aspeto físico. Neste período brilhou Brassard, que com um punhado de defesas evitou males maiores para Portugal. Ainda antes das grandes penalidades, Gil, de cabeça, teve uma oportunidade soberana para desfazer o nulo, mas a bola saiu um tudo ou nada acima da barra.

E eis que chegávamos aos mal fadados penaltis. Na fatídica decisão, Roger considera que a falta de experiência pesou na equipa brasileira, sendo que o centro-campista Marquinhos e o atacante Élber falharam as respetivas cobranças. O pontapé do título esteve nos pés de Rui Costa, que calmo e frio bateu Roger e fez de Portugal BI-CAMPEÃO DO MUNDO. A Luz veio abaixo com a onda de alegria que se gerou em seguida. E ainda mais alegre ficou quando o então Presidente da República, Mário Soares, entregou a taça de campeão mundial ao capitão João Vieira Pinto.

Na grande final Portugal jogou com: (1) Brassard; (10) Nélson ((15 Tulipa, aos 10m, (13) Capucho, aos 70m), (11) Rui Bento, (6) Jorge Costa e (8) Paulo Torres; (4) Peixe, (3) Figo e (5) Rui Costa; (2) Gil, (14 João Vieira Pinto e (18) Toni.

Gente feliz com lágrimas e o amuleto de Queirós na final


Esta vitória fez naturalmente transbordar de felicidade a nação lusitana. Exemplo disso era Eusébio, figura lendária do futebol luso, que no final do jogo não escondeu as lágrimas, afirmando ao jornal A Bola que «muitas pessoas julgaram que o Brasil iria ganhar, mas os miúdos nunca se intimidaram e venceram. Que espetáculo! Ah, mas para mim o mais bonito da festa foi a união de Portugal, acabaram-se as guerras entre clubes, ninguém era do Benfica, do FC Porto, ou do Sporting».

Quem igualmente se desfez em elogios à seleção portuguesa foi Joseph Blatter, dirigente da FIFA, que afirmaria a A Bola que «Carlos Queirós e os seus jogadores praticam o verdadeiro futebol do futuro, porque com eles é possível ver toda a gente em movimento, atletas de boa técnica a pensar no coletivo, rapidez e…golos».

E se uns choravam de alegria outros pareciam conformados com o resultado final, como foi o exemplo do selecionador brasileiro, Ernesto Paulo, que à reportagem de A Bola disse que «Portugal foi um justo vencedor mas estava escrito que os campeões tinham de ser os caras. Vi logo no primeiro remate a bola bateu na trave e ressaltou para dentro da nossa baliza».

Carlos Queirós
Carlos Queirós era igualmente um dos homens mais feliz naquela noite em Lisboa, afinal de contas tinha conseguido algo que meia dúzia de anos antes qualquer pessoa duvidaria: colocar Portugal no topo do Mundo em duas ocasiões consecutivas. Numa entrevista concedida ao jornal A Bola, anos mais tarde, contou a história do amuleto que lhe foi parar às mãos na final do Mundial de 1991. «Às duas por três vamos para a segunda parte do prolongamento, com o Brasil, o jogo estava difícil, muito fechado, com poucas oportunidades de golo, e das poucas uma ou outra de partir o coração, e eu tinha a perceção de que quem marcasse vencia. Falei com os meus jogadores e quando fui para me sentar no banco há uma pessoa, que julgo que era um bombeiro, que chega ao pé de mim e diz-me assim: “professor, agarre nisto, aperte com força que isto vai dar-lhe sorte”. Eu nem vi a cara da pessoa, para dizer a verdade, naquela altura tinha-me agarrado a qualquer coisa. Ele disse-me que daria sorte e apertei aquilo instintivamente. Dei só uma mirada muito rápida, antes do jogo recomeçar, era um vidrinho muito pequenino, parecia até uma turmalina, uma daquelas pedras semipreciosas, e fiz o resto do prolongamento sempre com aquilo na mão e nos penaltis então ainda apertei com mais força, e lembro-me de falar com os jogadores antes dos momentos decisivos com a mão direita fechada. Ganhámos».

Ambiente de descontração no seio da equipa de 1991

Muitos dos jogadores que integraram a Geração de Ouro do futebol luso – quer os de Riade, quer os de Lisboa - tiveram nos anos seguintes carreiras ao mais alto nível no futebol internacional, jogaram nos maiores clubes do Mundo e venceram troféus de alto gabarito no futebol sénior. Lembramo-nos de Luís Figo, Rui Costa, João Vieira Pinto, Fernando Couto, Paulo Sousa, ou Jorge Costa. Outros tiveram carreiras medianas, deambulando por clubes de média/pequena dimensão do nosso futebol, e outros simplesmente desapareceram. No entanto, uma coisa é certa: ninguém se esquece do que todos eles fizeram por Portugal.

Entrevista com os campeões do Mundo Luís Miguel e Cau

Não quisemos deixar de passar este 30.º aniversário da conquista do bi-campeonato do Mundo de sub-20 sem falar com quem de perto viveu as emoções da conquista de 1991. E para isso convidámos a vir ao Museu Virtual do Futebol dois dos campeões de Lisboa. É verdade, tivemos o privilégio de abrir as portas do nosso Museu a dois dos 18 heróis que em 91 escreveram uma das mais brilhantes páginas do nosso futebol. Damos pois as boas vindas a Cau e a Luís Miguel, que nas próximas linhas falam das emoções vividas naquele célebre campeonato do Mundo.  

Cau segura a taça ao lado
de Gil e Tulipa
Museu Virtual do Futebol (MVF): Que recordações têm daquele Mundial de 91 e da forma como terminou, isto é, com o título de campeão do Mundo?

Luís Miguel: No meu caso, as recordações que me vêm logo à cabeça foi a grave lesão que me impediu de dar o contributo normal. Sem saber, fui campeão do Mundo com um pé partido (fratura do escafoide). Recordo-me também do último penalti, onde dei um sprint e somente dei conta que o pé me doía quando parei. No momento foi uma sensação incrível, jamais vivida.

Cau: Pessoalmente, ser campeão do Mundo além de ser um título duma grandeza universal, foi um marco histórico, além de me alimentar o ego irei sempre lembrar que um dia fui campeão do Mundo por um país com muita história.

MVF: Na antecâmara do Mundial de 1991 julgavam ser possível seguir as pisadas da equipa de Riade, que dois anos antes havia sido campeã do Mundo?

Luís Miguel: Sim. Até ao Mundial, e desde os sub-15, só tínhamos perdido um jogo no final dos anos 90. Por isso, sabíamos que erámos candidatos a lutar pelo título. Tínhamos um grupo fantástico, que já estava junto há imenso tempo e erámos treinados pelo melhor treinador na altura.

Cau: Sim, porque quando se entra numa competição como esta não há favoritos, mas há que respeitar equipas como o Brasil, a Argentina, etc. Só que tínhamos um grupo muito forte e determinado, todos tinham a ambição de vencer. Mas é lógico que olhando para os mundialistas de Riade nos deu mais convicção de que podíamos vencer o Mundial em Lisboa.

Luís Miguel com a medalha de campeão
do Mundo ao lado de Tulipa e Capucho
MVF: O que vos disse Carlos Queirós antes desse Mundial de 91, de que forma ele foi importante na criação de uma mentalidade ganhadora que a seleção viria a ter?

Luís Miguel: O professor acreditava e conhecia bem as nossas qualidades, quer no aspeto individual, quer no aspeto coletivo. Foram, salvo o erro, 6 semanas de trabalho que antecederam o primeiro jogo. Nesse período de estágio, lembro-me de o professor dizer várias vezes que Portugal iria revalidar o título.

Cau: O professor Carlos Queirós incutia-nos na mente que podíamos ganhar jogo a jogo, e que tínhamos todos os pergaminhos para o conseguir. Mas os virtuosos jogadores transmitiam a confiança para as vitórias, sem dúvida que era um grupo recheado só de grandes craques.

MVF: Jogar em casa, no nosso próprio país, também vos ajudou a conquistar esse título, certo?

Luís Miguel: Sim, o 12.º jogador teve um papel muito importante, embora jogando em casa e a jogar para defender o título poderia trazer uma pressão maior, mas com o decorrer do estágio somente nos focamos no jogo a jogo. Lembro-me do trajeto que fazíamos para os jogos do hotel até ao estádio, as ruas estavam repletas de adeptos a apoiar. Quando entrávamos no relvado até arrepiava.

Cau: Com o nosso primeiro jogo nas Antas, Estádio do F. C. Porto, na zona norte do país, logicamente que o público afeto à seleção nos deu força, incentivou-nos para o começo, e como tal os adeptos do norte são do outro Mundo, e a eles desejo um Mundo de gratidão.

Cau, o primeiro da esquerda para a direita,
na fila de baixo em 1991
MVF: Na vossa perspetiva qual foi o jogo mais difícil desse Mundial, aquele que mais trabalho vos deu e porquê?

Luís Miguel: Na minha opinião o jogo mais difícil foi nos quartos-de-final contra o México. Ganhámos no prolongamento, mas foi um jogo muito equilibrado em que qualquer um poderia ter vencido. O jogo da final, principalmente na 1.ª parte foi muito difícil. Fomos dominados pelo Brasil, mas com o decorrer do jogo crescemos e fomos melhores.

Cau: Sem termos tido jogos fáceis, penso que com a Argentina foi um jogo muito atrativo e muito agressivo, entre duas equipas muito bem equilibradas, com dinâmicas de competência futebolista. Depois aquela dolorosa final com o Brasil, que grande jogo, num estádio repleto de público, quase com 130 mil adeptos, foi e é de arrepiar. Muita emoção, alegria, adrenalina, crer, força, coragem, todos tínhamos aquela crença de que íamos vencer aquela final, que mudou o futebol português. Só agradeço ao povo português e das colónias pelos incentivos que chegavam de toda parte do Mundo, e em especial dos países da língua de Camões.

MVF: Aquela era uma seleção muito virtuosa, nas palavras do próprio Carlos Queirós, e ao mesmo tempo rebelde. Foi essa rebeldia aliada ao virtuosismo que vos levou ao título, por outras palavras, qual foi o segredo, ou a chave, do êxito?

Luís Miguel: Penso que em comparação com a seleção anterior, a nossa tinha mais qualidade a nível individual. Tínhamos jogadores que de um momento para o outro, resolviam os jogos. Mas penso que a chave do sucesso foi a qualidade do professor Carlos Queirós e o facto de estarmos juntos há 6 anos e de termos passado por várias finais (Sub-16 e Sub-18).

Cau
MVF: Surpreendeu-vos ver anos mais tarde jogadores como Figo, Rui Costa ou João Vieira Pinto atingirem o sucesso no patamar sénior? Ou pelo contrário, já estavam à espera que eles se afirmassem?

Luís Miguel: Em nada me surpreendeu. Tinham uma qualidade e uma mentalidade acima da média.

Cau: Todos acabaram por fazer carreira, sabendo que alguns colegas tiveram mais sucesso do que outros, mas a vida é mesma assim. Só tenho que agradecer aos demais amigos e colegas que fizeram história no futebol português. Fiz uma boa carreira como jogador, sabendo que a minha ambição nunca foi a de sair para equipas estrangeiras, por isso só tenho que agradecer o que a vida me deu.

MVF: E a final num estádio da Luz com 127.000 pessoas, ainda se lembram?

Luís Miguel: Claro que me lembro, jamais esquecerei. Eu estava no banco de suplentes ao lado do Capucho e tínhamos que gritar para falar um com o outro. Foram 70 pessoas da minha família ao jogo, em que levaram um cartaz bem grande que dizia “Luís Miguel amigo, a tua família está contigo”. Inesquecível.

Cau: A final foi marcante, o Mundo parou e quem ganhou foi o nosso Portugal. Foi arrepiante, nunca mais vimos um estádio repleto com aquela massa humana, quase 130 mil nas bancadas.

Luís Miguel
MVF: Qual foi para vocês o momento mais emocionante deste Mundial?

Luís Miguel: Foi aquele penalti batido pelo Rui Costa. A nossa seleção vinha de duas derrotas por grandes penalidades nos Europeus de Sub-16 e 18 e quando o árbitro apitou para o final do prolongamento veio à memória aquelas finais perdidas e de ter pensado: “hoje vamos ganhar”.

Cau: Considero que todos os momentos foram de emoção, mas ver o povo cabo-verdiano a vibrar, a minha família num delírio, vendo Portugal numa adrenalina contagiante, todos alegres, foram momentos de satisfação e de gratidão por tudo.


Vídeo: A música criada para este Mundial de 1991 e que foi cantada pelos jogadores da seleção portuguesa

Vídeo: O compacto de todos os jogos de Portugal neste trajeto de glória

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