3 de
março de 1989 está para o futebol português como o 25 de Abril de 1974 está
para a nação lusitana. Aquele inolvidável 3 de março de 89 foi o dia em que foi
consolidada a revolução futebolística nacional. A partir daquele dia nada mais foi
como dantes, um novo e maravilhoso Mundo abriu-se aos portugueses no que ao
futebol concerne.
E se
Abril de 74 trouxe liberdade (em vários sentidos), direitos, democracia - entre
outras conquistas -, março de 89 abriu as portas do prestígio, do sucesso e
porque não dizê-lo de alguma supremacia do futebol português a nível
internacional. Depois daquela inesquecível sexta-feira de março de 1989, lá
longe, no meio do deserto saudita, o futebol luso nunca mais foi o que era.
A "revolução
de Riade" mudou para sempre a face do nosso futebol... para melhor. Muito
melhor. Portugal é hoje uma potência planetária do Desporto Rei, e muito deve esse estatuto aos heróis que há 30 anos
fizeram do nosso país pela primeira vez CAMPEÃO DO MUNDO.
Neste
4.º e último capítulo da evocação do 30.º aniversário do nascimento da Geração
de Ouro do futebol português vamos recordar o final feliz desta epopeia das
arábias, isto é, o jogo da consagração, o jogo do então inédito título mundial.
Futebol total de Portugal ofuscou uma Nigéria
que se limitou a "partir pedra"
Pelé cumprimenta os futuros campeões do Mundo |
Convidados
de luxo ligados ao Planeta da Bola
marcaram presença no King Fahd Stadium
para ver uma final que à partida poucos, ou mesmo ninguém, acreditaria ser
possível. Especialmente se lhes dissessem que um dos finalistas seria Portugal!
Mas o que é certo é que a equipa liderada por Carlos Queiroz ali estava,
perfilada lado a lado com os elefantes
nigerianos antes do início de uma espécie de segundo round entre os dois selecionados neste Campeonato do Mundo.
Presente estava igualmente aquele a quem chamavam - e chamam - o Rei do Futebol: Pelé.
Antes
da cerimónia dos hinos nacionais, o astro
brasileiro pisou o palco da grande final para cumprimentar uma a uma as futuras
estrelas do Belo Jogo que dali a nada
iriam lutar entre si para ver qual delas iria subir a tribuna deste majestoso
estádio para receber das mãos de outro rei, o rei Fahd, o troféu de campeão do
Mundo.
Para os
africanos, mais do que confirmar o estatuto de (um dos) favoritos à conquista
da coroa planetária com que partiram
para esta competição, esta era a última hipótese de vingar uma amarga e convincente derrota com os portugueses
na fase de grupos do torneio.
Na
verdade, a par do jogo das meias-finais com o Brasil, o encontro com a Nigéria
havia sido o momento alto até aqui protagonizado pelos lusos neste Mundial de sub-20.
Mas já diz o ditado: não há duas sem três, e para o jogo decisivo Portugal
tinha reservado uma exibição de gala que voltou a vulgarizar o futebol força e
algo cinzento dos nigerianos.
Foi
mais um grande espetáculo futebolístico com o selo de qualidade da primeira
formada da Geração de Ouro do futebol luso, que trouxe ao relvado do Estádio
King Fahd lampejos do Futebol Total, conforme eternizou nas páginas de A Bola o enviado especial do jornal da
Travessa da Queimada no rescaldo da épica vitória lusa por 2-0. «Foi uma
espécie de futebol total aquele que a seleção portuguesa desenvolveu ao longo
da final do Campeonato do Mundo. E quando dizemos que foi "uma espécie
de" não estamos, sobretudo, a esquecer a enorme quantidade de golos
desperdiçados na área nigeriana na sequência de jogadas maravilhosas,
desenvolvidas de trás para a frente, com o balanceamento próprio de
contra-ataque, pela equipa portuguesa.
Ontem,
e perdoe-se-nos nesta hora de euforia, o rigor da análise, Portugal ter-se-ia
sagrado campeão do futebol total se tivesse expressado no marcador, ainda com
maior realce, as inúmeras oportunidades que desfrutou para concretizar.
Situações de "baliza aberta", depois do desenvolvimento de jogadas
realmente maravilhosas, plenas de encanto e magia, foram muitas. Mas apesar de
tanto desperdício, nem por isso Portugal deixou de produzir uma das mais belas
e convincentes exibições que alguma vez vimos realizar a uma equipa lusa,
deixando convencidos aqueles que ao vivo ou pela televisão acompanharam a partida».
Capitão Tozé com taça na mão |
Este
convincente e deslumbrante triunfo fez acima de tudo termos a certeza de que o
futebol português tinha o futuro garantido, ou por outras palavras, as de Rui
Santos «esta final fez notar que o futebol português pode ser um futebol
seguro, consistente e coeso, e ao mesmo tempo imaginativo e ambicioso».
Numa
apreciação ao jogo português na final de Riade, o jornalista escrevia ainda que
«a magia do futebol curto e enleante dos portugueses (...) ofuscou, totalmente,
uma equipa africana que sendo forte limitou-se a "partir pedra" todo
o tempo e a ver... bailar».
Olhando
para a obra de arte concebida pela
dupla Queiroz-Vingada para este derradeiro capítulo no Mundial do Golfo
Pérsico, A Bola escreveu que Portugal
apresentou uma «uma defesa de ferro, um meio campo de briga, e simultaneamente
de construção, e um ataque de grande talento que transmitiram à seleção
portuguesa uma dimensão extraordinária, levando-a a produzir um futebol
verdadeiramente espetacular».
No
plano individual Abel Silva, Felipe, Amaral e Jorge Couto foram decisivos numa
equipa que produziu o tal futebol espetacular... e total.
E
fazendo jus ao chavão com que a seleção nacional partiu para a Arábia Saudita
para disputar este Campeonato do Mundo, isto é, "contra tudo e contra
todos", também na final a barreira a ultrapassar foi muito além do
combinado nigeriano, já que inexplicavelmente o público saudita foi de uma
falta de solidariedade gritante para com os lusos. Tirando o jogo inaugural com
a Checoslováquia, o apoio e simpatia saudita para com Portugal desapareceu nos
jogos seguintes (!) e na final transformaram-se mesmo no 12.º jogador da
Nigéria, mas que nada lhes valeu!
Abel incrédulo com o seu golo... à Pelé |
Espetaculares
continuavam a ser os golos de Portugal neste Mundial. E no jogo decisivo mais
duas obras de arte foram erguidas por
Abel Silva e Jorge Couto. O primeiro acontece já em cima do intervalo (44m) e
resulta numa incursão pela direita de João Pinto, que já no interior da área vê
um defesa contrário cortar de forma atabalhoada a bola para a zona da meia lua,
onde estava Jorge Couto, que com o peito deixa o esférico para Abel Silva encher
o pé e marcar um golo de raça que fez explodir de alegria a nação lusitana.
Um
golo... à Pelé, tal como Abel Silva havia prometido ao Rei do Futebol antes do pontapé de saída. «Antes da final, quando
Pelé nos veio cumprimentar, eu disse-lhe que ia marcar um golo... à Pelé. Nem
sei se ele me ouviu mas sei que viu o meu golo, que foi mesmo um golo à...
Pelé, sem dúvida maravilhoso», confessaria o defesa direito da seleção após o
apito final.
O
segundo tento não lhe ficou atrás em termos de beleza e acima de tudo
sentenciou (aos 77m) a final a favor dos lusos. «Bizarro chutou uma bola longa
para o meio campo adversário. João Pinto, com um defesa à ilharga, endossa
subtilmente a bola para Jorge Couto. Com a bola colada ao pé, este jogador inflete
da esquerda para a direita, e à medida que avança deixa o opositor sentado.
Ainda antes do quarto de lua da grande área, chuta, pleno de instinto, com o
peito do pé e em cheio na bola. O guarda-redes ainda se lança como se fosse
possível evitar um destino que estava traçado: Portugal venceria o Campeonato
do Mundo sub-20», recorda o site da
Federação Portuguesa de Futebol (FPF) no decorrer das comemorações do 30.º
aniversário do nascimento da Geração de Ouro.
Nessa
histórica sexta-feira, dia 3 de março de 1989, Portugal alinhou com: (12) Bizarro,
(2) Abel Silva, (10) Paulo Madeira, (15) Valido e (5) Morgado; (7) Tozé, (8)
Hélio e (11) Filipe; (14) João Vieira Pinto ( (17) Folha, aos 89m), (6) Jorge Couto
e (18) Amaral ( (3) Paulo Alves, aos 88m).
Ao
apito final do árbitro alemão Aron Schmidhuber, a festa irrompeu no relvado:
Portugal era campeão do Mundo. Cenário impensável para muitos, até para o
próprio presidente da FPF, Silva Resende, que nem a Riade se deslocou para
assistir a este momento histórico. Como não assistiu à subida triunfal do
capitão Tozé, acompanhado por Carlos Queiroz, à tribuna real do Estádio King
Fahd para receber do rei da Arábia a coroa (perdão, o troféu) de... reis do Planeta da Bola.
Vitória que abriu a porta do futuro ao
futebol português
Capa de A Bola...que diz tudo! |
Num
misto de euforia e crítica, o jornalista Rui Santos enviava alguns recados aos
Velhos do Restelo (nada a ver com o Belenenses, atenção) do futebol português.
Para o jornalista esta vitória «abriu a porta ao futebol português do futuro»,
uma vitória que no seu entender era de todos, mas «agora é preciso revelar a
humildade suficiente para fazer deste título de campeão do Mundo uma vitória de
todos os agentes desportivos», já que era altura de «o futebol português
necessita de mudar. Não pode continuar mais na mão de certos oportunistas que
tiram proveito da nossa consentida descaracterização.
Este
Mundial foi a prova cabal e inequívoca de que o futebol português existe. Tem
identidade. Tem expressão. Tem qualidade. (...) São os dirigentes dos clubes,
principalmente, que devem tirar, em primeiro lugar, as ilações corretas deste
belo acontecimento para o futebol. São eles que devem refletir sobre os modelos
até agora adotados (...)».
Mas
também os treinadores que por cá andavam não se esquivaram à sua mira, pois «em
vez de fazerem saltar para a ribalta nomes que nunca disseram nada a ninguém no
mundo do futebol, não tenham medo de lançar jovens talentos nacionais para o
espaço da competição mais exigente. E tenham paciência, porque os resultados de
todos os trabalhos metódicos e "racionais" acabam, inevitavelmente,
por aparecer».
E o
futuro assim ditou, ainda que hoje alguns tiques do passado cinzento continuem
presentes "aqui e acolá" no nosso futebol.
No avião durante o regresso a casa |
Ainda
em Riade a comitiva lusa praticamente não se apercebeu do feito que tinha
acabado de conquistar. Trinta anos depois, o (eterno) capitão Tozé recordava
aos microfones da Rádio Renascença que «no início não tínhamos bem a noção do
que havíamos conseguido. Sabíamos que era algo inédito, um feito, mas não havia
a perfeita dimensão. Quando chegámos a Lisboa, essa sensação foi logo
diferente, e com o passar dos anos percebemos o quão foi importante para o
futebol português este título mundial».
Sim, a
noção do feito alcançado por aquele punhado de jovens talentos moldados pelo mestre Queiroz só ganhou contornos
maiores na chegada a Lisboa, no dia 5 de março, depois de uma escala em
Amesterdão.
Ainda
no aeroporto os campeões do Mundo foram recebidos em delírio por um mar de
gente. Tal como em Abril de 74, o povo saiu em massa à rua para saudar e dar
vivas aos homens que libertaram o futebol português da opressão cinzenta a que estava veiculado.
Com a
taça na mão, Tozé foi o primeiro a pisar solo luso. Seguiram-se condecorações
atrás de condecorações. O Ministro da Educação (Roberto Carneiro), o
primeiro-ministro (Cavaco Silva), o Presidente da República (Mário Soares),
entre outras figuras estatais curvaram-se perante estes jovens conquistadores,
tal como séculos antes reis e outros governantes da nação lusitana se curvaram
perante os bravos e talentosos marinheiros que ao serviço da coroa portuguesa
conquistaram novos Mundos... ao Mundo.
Depois
de Riade, Portugal afirmou-se no futebol mundial com a conquista de títulos (o
mais pomposo terá sido o do Euro 2016) e produzindo largas dezenas de astros futebolísticos que brilharam, ou
brilham, com intensidade nas maiores equipas e campeonatos (nacionais) do
planeta.
Tozé levanta o "caneco" na chegada a Lisboa |
É justo,
pois, também nós fazermos uma vénia aos heróis de Riade, à primeira fornada da
Geração de Ouro, que deu o primeiro passo rumo a um futuro esplendoroso. Tal
como em tudo na vida, muitos destes 18 heróis não conseguiram vingar no futebol
sénior. Outros, como Fernando Couto, João Pinto, ou Paulo Sousa atingiram o Olimpo dos Deuses no futebol planetário,
quer ao serviço da seleção principal lusa quer envergando o manto sagrado de clubes como a Juventus,
Lázio, Inter de Milão, Barcelona, Benfica, ou Sporting. Mais do que tudo
abriram caminho para que outras gerações chegassem nas décadas seguintes
igualmente a esse Olimpo.
Olhando
para os 18 campeões do Mundo em Riade constatamos que metade atingiu a seleção
principal portuguesa, casos de Fernando Couto (110 internacionalizações) e João
Pinto (81), Paulo Sousa (51), António Folha (26), Paulo Madeira (24), Paulo
Alves (13), Jorge Couto (6), Filipe (3) e Hélio (1).
Alguns
destes nomes foram peças fundamentais para devolver Portugal à alta roda do
futebol internacional, no que a seleções seniores diz respeito, como por
exemplo as qualificações para os Europeus de 96 e 2000 e para o Campeonato do
Mundo de 2002. Outros, como Brassard, Tozé, Abel Silva, Paulo Alves, Amaral,
Valido, ou Morgado ainda atuaram várias épocas na 1.ª Divisão portuguesa, na maior
parte desse período ao serviço de emblemas de menor dimensão, não atingindo,
porém, a fama planetária de Fernando Couto, João Pinto, ou Paulo Sousa.
Mário Soares recebe os campeões do Mundo |
Também
o timoneiro desta equipa, o pai da Geração de Ouro, Carlos Queiroz, tem tido
uma carreira de altos e baixos (mais altos do que baixos, é certo) no patamar
sénior, não conseguindo, por exemplo, transportar para a seleção sénior (a qual
já orientou em dois períodos distintos da História) a chave do sucesso que
iniciou em Riade e prolongou até Lisboa dois anos depois, quando conquistou em
casa o bi-campeonato do Mundo de sub-20.
Outros
ainda, como Xavier ou Resende não confirmaram no escalão sénior - por esta ou
por outra razão - todo o seu potencial exibido no percurso do futebol de
formação que teve o seu apogeu em Riade.
Muitos
continuam hoje, volvidos 30 anos, ligados ao futebol. Uns como treinadores
(Hélio, Folha, Brassard, Morgado, Valido, Paulo Sousa, Jorge Couto, Paulo
Alves, ou Filipe), outros como dirigentes federativos (João Pinto), outros como
agentes de jogadores (Fernando Couto e Paulo Madeira), e outros com atividades
que nada têm a ver com o Desporto Rei
(Amaral, Xavier e Resende).
No
entanto, todos eles ganharam por direito próprio o estatuto de imortais do
futebol português.
Vídeos
Portugal -Nigéria
Apresentação um a um dos campeões do Mundo de Riade
Um comentário:
Bom dia, caro amigo, saudações brasileiras!
Venho aproveitar este espaço para sugerir a história de Abdón Porte, o , defensor que literalmente deu a vida pelo time que sempre amou, o glorioso Club Nacional de Football, do Uruguai
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