Com
a chegada de super-estrelas como Cristiano Ronaldo à Superliga saudita poderá a
Arábia Saudita sonhar em chegar à final de um Campeonato do Mundo, por exemplo,
daqui a 40 ou 50 anos? Nunca se sabe, pode acontecer, tal como poderá não
acontecer. Temos o exemplo dos Estados Unidos da América (EUA) que nos finais
dos anos 60 criaram uma verdadeira liga galática de futebol - ou soccer, como é
lá conhecido -, contratando estrelas da altura, como Pelé, Eusébio, Cruyff, George Best, Gerd
Muller, Teófilo Cubillas, entre tantos outros craques, no sentido de enraizar e
desenvolver o jogo naquela nação. O que é certo é que não conseguiram, e a North American Soccer League, o tal
campeonato galático, acabou por ser extinto em 1984, já numa fase decrescente
em termos de popularidade e órfão das super-estrelas europeias e sul
americanas. O Campeonato do Mundo de 1994 foi uma nova tentativa de os EUA
fomentaram o Desporto Rei - como é visto na esmagadora maioria dos países do
planeta - naquelas bandas, e quiçá, como chegou a ser equacionado por
"alguém", ser o ponto de partida para dali a 50 anos vermos a seleção
nacional norte-americana vencer um Mundial de seniores! Certo que ainda só
passaram 28 anos dessa espécie de profecia, mas a seleção yankee ainda está muito longe, a anos luz, diria, de atingir essa
glória, tanto a nível de futebol sénior, como de futebol de formação. Os EUA
são apenas um exemplo desta tentativa de países com poder económico acima da
média - ou ilimitado, em alguns casos - de pretenderem fazer crescer o seu
futebol com a contratação das tais super-estrelas europeias e sul-americanas, mesmo
que em fim de carreira. Poderíamos ainda falar do Japão, que no início dos anos
90 do século passado criou a mediática J-League, ou até da China, que no princípio do novo milénio fundou a Superliga Chinesa, que tem atraído grandes estrelas do
futebol. O que é certo é que estes países ainda não colheram os devidos frutos
deste investimento, quiçá o farão daqui a 50, ou 100 anos? O futuro o dirá.
Jovens (adultos?) sauditas vencem título mundial polémico...
A seleção saudita que venceu o Mundial de sub-16 |
Esta visão, digamos, serve de atalho à nossa história de hoje, a história que atesta que ainda longe do mediatismo atual a Arábia Saudita já subiu ao topo do Mundo no que a futebol diz respeito, ainda que de forma polémica.
Para
isso é preciso recuarmos até 1989, altura em que a Escócia foi palco da
terceira edição do Campeonato do Mundo de sub-16 - o qual a partir de 1991 passou
a ser denominado de Campeonato do Mundo de sub-17. Os sauditas participavam
pela terceira vez no torneio, e à partida para as Terras Altas da Escócia não
eram tidos como grandes favoritos a fazer fosse o que fosse. Passar a fase de
grupos - tal como havia sucedido na primeira edição do Mundial deste escalão,
em 1985, na China - seria visto pelos teóricos do futebol como um feito digno
de registo. Mas chegar à final seria impensável, quando em ação havia seleções
como o Brasil, ou Argentina. Vencer o Mundial então era motivo de uma boa risada,
mas quem se riu mesmo foram os sauditas, que saíram da Escócia com a coroa de
campeões do Mundo!
É
verdade, ninguém os conhecia, mas depois do dia 24 de junho de 1989 o Mundo -
ou uma boa parte dele - passou a olhar com outros olhos para estes miúdos, ou devemos dizer
homens de barba rija com passaportes de jovens de 15 e 16 anos? E é aqui que
ainda hoje reside a polémica do título mundial conquistado pelos sauditas neste
escalão: a verdadeira idade dos seus jogadores.
Na
verdade, é que neste escalão de sub-17 - ou anteriormente designado de sub-16 -
8 dos 18 torneios disputados - até à data - foram vencidos por países de África e do Médio
Oriente, sendo que muitos europeus e sul americanos analisam este facto pelo
facto - e passe a redundância - de os jovens futebolistas africanos e asiáticos
que competem neste tipo de torneios não terem na realidade a idade que consta
no passaporte. Este, na verdade, tem sido um problema que a FIFA tem
dificuldades em contornar: provar que os jovens africanos e asiáticos estão
dentro da faixa etária equivalente a este escalão. E vários fatores têm
impedido a dissipação desta controvérsia constante em Mundiais de sub-17 sempre
que um país de África ou do Médio Oriente brilha com mais intensidade, desde
logo, a documentação, ou perceber se um jovem de 15 ou 16 anos foi registado à
nascença e não 5 ou 6 anos depois, ou até mesmo a questão genética, tendo em
conta que o desenvolvimento físico de uma criança em África não será a mesma que na
Europa, por exemplo.
A seleção escocesa na grande final |
Para
chegar ao cetro a Arábia Saudita ficou em 2.º lugar de um grupo que foi ganho
por Portugal. Carlos Queirós era o selecionador nacional e dava então os
primeiros passos na criação da Geração de Ouro do futebol luso, e que nesse ano
de 89 seria tão feliz no escalão de sub-20, como tão bem sabemos. Os sauditas
não perderam um único jogo na fase de grupos - empataram a dois com os
portugueses no Tynecastle, em Edimburgo; voltaram a empatar no jogo seguinte
com a Guiné Conacri; e venceram a
Colômbia no derradeiro encontro, carimbando assim o passaporte para os
quartos-de-final. Aqui, despacharam o primeiro campeão do Mundo da história
deste escalão, a Nigéria, nas grandes penalidades (2-0), após um empate a zero
bolas nos final do prolongamento, numa partida disputada no Dens Park, em
Dundee. A epopeia saudita continuou no
Fir Park, de Motherwell, com Al Romaihi a fazer o único golo do jogo com o Barém e
a catapultar o seu país para a grande final do Hampden Park, de Glasgow. Pela
frente a seleção do Médio Oriente iria ter a equipa da casa, a Escócia, que era
apoiada entusiasticamente por toda a nação. Os putos escoceses eram tratados
como heróis por todo um país que futebolisticamente nunca havia chegado tão
longe num Mundial, fosse em que escalão fosse. Havia um encanto, quer do
público, quer dos jogadores escoceses pelo trajeto que estavam a fazer e pelos
holofotes do Planeta estarem centrados naquele torneio e em quem a ele estava ligado. «Conhecer
Pelé antes do primeiro jogo que fizemos em Hampden Park foi único, poder
apertar a mão do grande homem», lembrou em 2022, ao site da BBC Sport - Andy McLaren,
um dos jogadores selecionados pelo histórico técnico escocês Craig Brown para esse Mundial de 89. Os
jogos da Escócia registavam casas cheias, como foi o caso da histórica meia
final diante de Portugal, realizada no lotado (29.000 espectadores) Tynecastle
de Edimburgo. Brian O´Neill marcou o único golo deste encontro, respondendo da
melhor forma a um canto de Lindsay. Portugal tinha uma equipa de enorme
talento, como se viria a comprovar anos mais tarde, com jogadores como Figo,
Gil, Abel Xavier, Emílio Peixe, Miguel Simão, Bino, Tulipa, ou Geani. Mas
naquela noite as gaitas de fole escocesas soaram mais alto que a guitarra
lusitana. «Eles (portugueses) eram os favoritos para vencer o torneio, mas nós
naquela noite jogámos muito, mas muito bem», disse também ao site da
BBC Sport o autor do golo dessa meia-final.
E
na final o Hampden Park acolheu 58.000 pessoas que ali estavam na espectativa de
ver o capítulo final do trajeto glorioso até então. A Escócia em peso estava ao
lado destes miúdos que nunca haviam vivido algo semelhante, sendo que para
muitos deles este foi mesmo o único minuto de fama vivido no futebol. «A
maioria de nós andava na escola e, de repente, éramos a coisa mais importante
na Escócia!. Estávamos nas páginas dos jornais e em todos os outros lugares»,
recorda 33 anos mais tarde Andy McLaren. Também à BBC Sport, Brian O´Neill
relembra a estranha sensação de «andarmos na rua e todas as pessoas nos
reconhecerem», ou de «aparecermos em programas de televisão».
Lance da final |
«Parecia
que já éramos campeões do Mundo», afirmou Dickov à reportagem da BBC Sport no
ano passado, mas do parecer ao ser a distância é longa. Na segunda parte a
Arábia Saudita empatou o encontro e obrigou os escoceses a um prolongamento onde
nada de se decidiu. A exaustão tomava conta dos pupilos de Craig Brown. Ao contrário dos sauditas, que apesar de menos talentosos que os europeus estavam
mais frescos e tiveram forças para levar a decisão para as grandes penalidades.
Aí, foram mais felizes e venceram por 5-4, vencendo desta forma o título
internacional mais prestigiante da sua modesta história futebolística.
Claro
que toda a Escócia ainda hoje tem essa espinha atravessada na garganta: perder
em casa contra uma seleção desconhecida.
Andy
McLaren diz que este torneio ainda hoje é recordado pelo facto de os sauditas «terem feito batota» - na questão das idades - lembrando que na altura tinha
acabado de completar 16 anos, «mas esses meninos sauditas tinham barba
crescida. Foi muito ridículo. As pessoas que os viram jogar no torneio disseram
que eles pareciam ter 20 anos».
Também
em 2009, numa entrevista ao jornal escocês Daily Record, aquando do 20.º
aniversário do Campeonato do Mundo de sub-16 de 1989, o ex-dirigente da Scottish
Football Association, Ernie Walker, recordou com alguma revolta a questão - ou
escândalo, como lhe chamou - das idades dos jogadores sauditas.
Sauditas festejam título impensável! |
O que é certo é que a Arábia Saudita ostenta no seu currículo um título de campeã mundial, quiçá o seu maior feito, superando inclusive a brilhante campanha do Mundial (de seniores) de 94. Nesta competição, realizada nos EUA, os sauditas atingiram os oitavos-de-final, mas deixaram muitos fãs em Terras do Tio Sam, muito devido à fantasia de jogadores como Sami Al-Jaber, Said Al-Owairan - o craque do golo à Maradona -, ou Mohammed Al-Deayea, esse mesmo, o guardião que defendeu a baliza da seleção árabe nesse mítico Mundial de 1989, e que é hoje a par de Al-Jaber o futebolista saudita com mais presenças em fases finais de campeonatos do Mundo (seniores): quatro.
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