sexta-feira, junho 09, 2023

Histórias do Futebol em Portugal (41)... Na tarde de Páscoa de 1949 o modesto Tirsense fez cair com estrondo o poderoso Sporting da Taça de Portugal

Um lance do célebre jogo entre Tirsense e Sporting


A taça nacional - seja em que país for - tem sempre mais encanto com a aparição dos chamados "tombas gigantes", por outras palavras, quando um pequeno clube de um escalão secundário afasta da prova um emblema de patamar de topo. E então se esse emblema de topo for um "gigante" a surpresa sobe de tom. A prova rainha do futebol português, vulgo a Taça de Portugal, está repleta de capítulos em que David derrotou Golias. Na verdade, desde a primeira edição em que a competição recebeu esta designação, na temporada de 1938/39 o "secundário" Carcavelinhos eliminava o primodivisionário Barreirense logo na 1.ª eliminatória. Cinco épocas mais tarde - em 1943/44 - o primeiro dos chamados "3 Grandes" do futebol luso cai com estrondo aos pés de um clube de uma divisão inferior, mais concretamente o Estoril, que nessa temporada elimina nos quartos-de-final da prova o FC Porto. Canarinhos da Linha que chegariam, aliás, à final da Taça nessa época, culminando assim uma época de glória que teve como epílogo a então inédita subida à 1.ª Divisão.

A lendária equipa do Tirsense que derrotou o Sporting dos Cinco Violinos

Mas o primeiro grande "tomba gigantes", ou por outras palavras, a primeira grande surpresa - ou escândalo, dirão outros  - da Taça de Portugal dá pelo nome de Futebol Clube Tirsense, popular clube nortenho que em 1948/49 elimina o Sporting. Não era um Sporting qualquer este que caiu com estrondo no então pelado Campo Abel Alves de Figueiredo, na tarde de 17 de abril de 1949. Este Sporting era tão somente a equipa dos famosos Cinco Violinos, a equipa que dominava o futebol português de então, o conjunto mais poderoso e mais temido da nossa nação, um combinado quase imbatível. Já o Tirsense era tão só uma modesta e quase desconhecida equipa que atuava na 3.ª Divisão nacional. Talvez por isso, a 1.ª eliminatória da Taça de 48/49 fosse encarada pelos temíveis leões como um mero passeio à terra dos famosos jesuítas produzidos na hoje centenária Confeitaria Moura. Terá assim que pensou o mestre da tática daquele Sporting, Cândido de Oliveira, que para Santo Tirso apenas levou dois dos seus Cinco Violinos, nomeadamente, Vasques e Albano, deixando na capital Peyroteo (lesionado), Jesus Correia e Travassos, sendo que estes dois últimos por motivos de fadiga física, já que o Campeonato Nacional da 1.ª Divisão havia terminado poucos dias antes, e desse modo o Mestre Cândido resolveu dar descanso a alguns dos seus mais virtuosos craques com vista à epopeia europeia que se avizinhava. Ou seja, a primeira edição da Taça Latina, que os leões ambicionavam conquistar. Sporting que ostentava nas vésperas do jogo de Santo Tirso o estatuto de... tri-campeão nacional e vencedor das três últimas edições da Taça!!!

Dos habituais titulares também Veríssimo ficava em casa a contas com problemas físicos, mas ainda assim todas estas baixas estavam longe de fazer antever o sportinguista - e não só - mais pessimista que o seu clube iria sucumbir aos pés do modesto emblema nortenho. Tirsense que tinha, talvez, como principal figura o seu treinador (!), que era nada mais nada menos do que o lendário ex-futebolista Pinga. Notabilizado no FC Porto ao longo de 16 épocas consecutivas, o internacional português nascido na Madeira vivia em Santo Tirso a sua primeira aventura enquanto treinador.

Pinga, o Mestre da Tática do célebre Tirsense

Como já foi dito antes o Sporting chegava a Santo Tirso poucos dias depois de ter carimbado o terceiro título consecutivo de campeão nacional, tendo disputado o último jogo desse campeonato em Guimarães, pelo que após o encontro com o Vitória nem sequer regressou a Lisboa, ficando a estagiar - ou terá sido a descomprimir? - em Famalicão até à mera formalidade que seria o embate com o "terciário" Tirsense para a ronda inaugural da Taça.

Jesuítas que faziam a sua estreia na prova rainha do futebol, há que dizê-lo, e como tal que melhor batismo poderiam ter ao receber no seu humilde campo o tri-campeão nacional e da Taça Portugal!. Já por si este momento era de festa na então vila de Santo Tirso, ainda por cima num domingo de Páscoa!

Para substituir o temível goleador Fernando Peyroteo, o Mestre Cândido lança às feras o estreante Sérgio Soares, então com 20 anos. Ele que era um produto da formação sportinguista, e que fora nessa temporada dos jogadores menos utilizados por Cândido de Oliveira, mas que mesmo assim vinha com a moral em alta, já que havia sido um dos autores dos golos em Guimarães com que o Sporting fechou o Nacional da 1.ª Divisão. Dele esperavam-se pois muitos golos frente ao desconhecido Tirsense, que nessa temporada havia chegado à final do Campeonato Nacional da 3.ª Divisão, uma decisão perdida frente ao Almada.

Mas eliminar o poderoso Sporting era sonhar alto demais, ou... não, de acordo com as palavras de Pinga ao jornal A Bola: «Sim, era (será) muito difícil... se os rapazes não tiverem medo... Mas os campeões também perdem». Parecia que o antigo astro do futebol lusitano estava a adivinhar o que iria acontecer.

Num campo de dimensões reduzidas e com um público em alvoroço em volta, o Tirsense mostrou de pronto as garras ao...leão, conforme deu a entender Luís Baptista, o jornalista do jornal da Travessa da Queimada encarregue de fazer a crónica. «Os dez primeiros minutos foram do Tirsense que actuou com entusiasmo». Isto, perante um Sporting descontraído e sem grandes pressas. Depois disto, o leão acordou e passou a impor algum respeito em campo. No entanto, na frente de ataque Sérgio Soares acusava a responsabilidade de estar a substituir o lendário Peyroteo, e não dava o melhor seguimento às várias e flagrantes oportunidades de golo de que dispôs. Seria, porém, o melhor leão desse encontro, Armando Ferreira, que aos 17 minutos colocou o Sporting em vantagem, mas.. foi sol de pouca dura. Entusiasmado quiçá pelo momento de gala que estava a viver, o Tirsense não se remetia à defesa - bem organizada - e segundo o escriba de A Bola muitas vezes passava o meio campo. E numas dessas incursões, Catolino fez o empate (!), num lance em que o lendário Azevedo é apanhado a dormir. Por outras palavras, não se fez à bola, que foi parar à cabeça do avançado jesuíta, rumando em seguida para o fundo das redes. Por incrível que parecesse o modesto Tirsense ia aguentando o leão, e ao intervalo o duelo estava empatado.

O Sporting procurou no reatamento resolver a contenda a seu favor, e até se queixou de uma grande penalidade não assinalada: uma carga do guardião local Daniel sobre João Martins (o tal que apontou o primeiro golo das provas da UEFA a nível de clubes). Os minutos iam passando, e o resultado não se alterava, pelo que o Tirsense ia crescendo... e acreditando. «E a oito minutos do fim, Azevedo lançou com a mão a bola fora da sua baliza. A jogada foi interceptada por um tirsense e concluída por um companheiro apanhando Azevedo ainda mal situado entre os postes. Estava feito o resultado», assim descreveu Luís Baptista o golo de Mendes, o tento que ditou a vitória tirsense por 2-1 e a consequente eliminação do Sporting!

Manchete do jornal A Bola de 18 de abril de 1949

Quiçá ainda atordoados com a pancada, os dirigentes sportinguistas chegaram a protestar o jogo, com o argumento de que o Campo Abel Alves de Figueiredo não reunia condições para acolher um desafio de futebol. Mas o que é certo é que a derrota foi mesmo uma realidade ante um Tirsense que o jornalista Luís Baptista gostou de ver jogar pela primeira vez, um conjunto em que «a defesa e a linha intermediária comportaram-se bem, chegando para quase todos os momentos». E numa análise global a alguns dos novos heróis da vila de Santo Tirso, o colaborador de A Bola escrevia que «o guarda-redes, desajeitado nas defesas não pôs as balizas em perigo de maior. Cruz, Álvaro e Prazeres jogaram bem, Chelas e Joaquim não destoaram. A linha da frente é que é bastante frágil. Apenas Falcão se salientou. (...) Mas o Interesse pela luta, o brio desportivo que os uniu fez com que o Tirsense alcançasse resultado sensacional que ao mesmo tempo nada tem de injusto».

Estava assim consumada a grande surpresa desta edição da Taça de Portugal, diríamos mesmo a primeira grande surpresa da competição, ou como Luís Baptista lhe chamou, um acidente. «Estes "acidentes" da prova servem para criar mais adeptos, maior entusiasmo, maior expansão do jogo e maior expectativa pelos encontros. Há sempre uma possibilidade... mesmo para os mais fracos. Assim aconteceu em Santo Tirso», assim rematou o escriba de A Bola.

O cartoon da Revista Stadium que evoca a grande 
surpresa ocorrida em Santo Tirso

Numa partida em que para a revista Stadium «o Tirsense, da 3.ª Divisão, treinado por esse incomparável Pinga, bateu-se como "leão" e eliminou os "leões" (...) campeões nacionais, equipa cheia de pergaminhos, com uma tática firme, vencedora...», eis a ficha que fica para a história do futebol português, e ainda mais para a do então jovem (com apenas 11 anos de existência) Futebol Clube Tirsense: Árbitro: Augusto Pacheco (Aveiro). Tirsense - Daniel, Joaquim, Chelas, Cruz, Álvaro, Prazeres, Zeca, Falcão, Mendes, Catolino e Mota. Treinador: Artur Sousa “Pinga”. Sporting - João Azevedo, Octávio Barrosa, Juvenal, Canário, Manecas, Mateus, Armando Ferreira, Vasques, Sérgio Soares, João Martins e Albano. Treinador: Cândido de Oliveira.

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu Tirsense ❤️