terça-feira, abril 06, 2021

Histórias do Planeta da Bola (27)... Covid-19: um remake da Gripe Espanhola que em 1918 assolou o futebol planetário

Espectadores de máscara
nos recintos desportivos
Tal como outras áreas também o desporto vive por este dia refém da pandemia de Covid-19. Recintos desportivos vazios, e/ou competições canceladas, têm sido algumas das consequências que de há sensivelmente um ano a esta parte vigoram na realidade do desporto planetário. Uma situação que não é nova na História da Humanidade, o que nos leva a pensar na Covid-19 como uma espécie de remake de uma outra pandemia que assolou o Mundo há sensivelmente um século atrás. Pandemia essa que ficou conhecida como a Gripe Espanhola, tendo surgido entre 1918 e 1919 e atingindo todos os continentes, deixando atrás de si um rasto de, no mínimo, 50 milhões de mortos. Não se sabe o local de origem dela, mas sabe-se que ela se iniciou de uma mutação do vírus Influenza, tendo os primeiros casos surgido nos Estados Unidos da América.

Archie French
Este vírus letal espalhou-se pelo planeta, principalmente, por conta da movimentação de tropas no período da Primeira Guerra Mundial, tendo um impacto direto nos países que participavam desse conflito. E também no desporto, e no futebol em particular, a Gripe Espanhola fez vítimas, e quando falamos em vítimas queremos aludir a mortes, a perdas de jovens e promissores valores do então futebol planetário. Contrariamente ao novo coronavírus, até agora, a Gripe Espanhola matou inúmeros atletas e treinadores, para além de ter exigido a reorganização de calendários futebolísticos, tal e qual agora acontece. Dois dos países cujos craques da bola mais sofreram às mãos da mortífera pandemia foram o Brasil e a Inglaterra. Consta-se que a Terras de Vera Cruz a Gripe Espanhola terá chegado entre abril e agosto de 1918 e terá feito nos meses seguintes cerca de 35 mil mortes em todo o país. E tal como agora os então governantes proibiram festas, comícios, e eventos desportivos com o intuito de evitar a propagação do vírus. Por exemplo, o Campeonato Sul-Americano de futebol, atualmente denominado de Copa América, inicialmente agendado para 1918, no Rio de Janeiro, teve de ser adiado para o ano seguinte, vários campeonatos estaduais foram suspensos, e muitos clubes encerraram mesmo as suas portas por tempo indeterminado. Um dos clubes mais afetados pela pandemia foi o Fluminense, popular clube carioca que na época era quiçá a maior potência do futebol da Cidade Maravilhosa. O Flu viu 24 dos seus associados sucumbirem à Gripe Espanhola e após conquistar o campeonato carioca de 1918 mandou rezar uma missa por estas mais de duas dezenas de vítimas mortais. Porém, não foram só sócios do clube a enfrentarem e serem derrotados pela pandemia, pois grande parte do seu plantel da época também contraiu o vírus, como por exemplo o lendário guarda-redes Marcos Carneiro de Mendonça, o primeiro grande keeper do futebol brasileiro. 

A equipa do Flu que em 1918
foi afetada pela Gripe Espanhola
E se uns recuperaram outros não, casos do jovem Archibald William French, porventura a morte mais chorada pelo tricolor carioca. Archie French, como era conhecido, era então um jovem e promissor atacante nascido a 8 de janeiro de 1896 em Liverpool, e ainda muito jovem emigrou para o Brasil na companhia do seu pai, William French, que nos inícios da década de 90 do século XIX veio para o Rio de Janeiro desempenhar as funções de mestre das oficinas e chefe das máquinas da "Companhia Progresso Industrial do Brazil", em Bangu. Seria esta fábrica que já no princípio do século seguinte daria origem ao Bangu Atlético Clube, tendo William French se tornado no primeiro presidente do clube. E foi precisamente no Bangu que o seu filho Archie se iniciou nas lides futebolísticas, tendo de pronto deixado no ar a certeza de que estávamos perante uma futura estrela do Belo Jogo. Logo no seu segundo ano ao serviço da equipa principal Archie quase levou o Bangu à glória no Cariocão, não tivesse o América estragado a festa já bem perto da reta final. As boas exibições de Archie French chamariam à atenção do gigante Fluminense, que em 1917 convence o jovem inglês a vestir o seu manto sagrado. No Flu, Archie pegou de estaca na equipa titular, com golos decisivos e exibições bastante positivas que o tornaram de imediato num dos ídolos da torcida tricolor. E quando estava no auge e quase a garantir o título de campeão carioca pelo Fluminense eis que a pandemia atacou o jovem atleta. Em 29 de outubro de 1918, Archibald William French não resistiu às complicações da gripe e morreu. Depois de mais de dois meses de paragem a 8 de dezembro, o Campeonato Carioca foi retomado e o Fluminense confirmou matematicamente o título, o qual dedicou a Archie.

Angus Douglas
Atravessando o oceano (Atlântico), constata-se que o continente europeu não passou ileso à Gripe Espanhola. Muito pelo contrário, a epidemia teve o seu epicentro no Velho Continente, onde causou milhares de mortes, o que a somar às vítimas da I Grande Guerra roçou um cenário de catástrofe. Também o desporto foi afetado, sendo que algumas competições já haviam sido interrompidas por causa do conflito bélico que vigorava por aqueles dias. Tal como noutros pontos do globo também a pandemia fez as suas vítimas no mundo desportivo. Uma das mais sentidas foi talvez a do escocês Angus Douglas. Nascido em Lochmaben (Dumfriesshire), a 1 de janeiro de 1889, Douglas foi um extremo-direito astuto, tendo iniciado a sua carreira no clube local, o Lochmaben FC, tendo em 1908 se transferido para o Chelsea, clube pelo qual fez quase 100 jogos nos seis anos que se seguiram. Com uma habilidade notável e uma rapidez estonteante com a bola nos pés, o escocês era um dos ídolos dos adeptos dos Blues londrinos até 1913, ano em que se mudou para o Newcastle United. clube que defendeu sensivelmente durante um ano e meio antes de ser chamado pelo seu país para a I Guerra Mundial. Pelos Magpies, para onde foi transferido por 2000 libras, ele disputou cerca de 100 jogos. A guerra interrompeu o futebol em 1915, e Angus, que se encontrava no auge da sua carreira futebolística, encontrou trabalho na indústria de munições, em Elswick Ordnance Company (posteriormente parte da Armstrong-Vickers), nas margens do rio Tyne, em Newcastle. É neste período que ele conheceu Nancy Thompson e, em abril de 1918, o casal teve uma filha chamada Betty Douglas. Porém, a felicidade do casal foi sol de pouca dura, já que em dezembro de 1918 ambos adoeceram com Gripe Espanhola e foram colocados em quarentena em quartos separados. Em 11 de dezembro de 1918, 10 dias após apresentar os primeiros sintomas, Nancy morreu, e três dias depois, também Angus morreria, deixando Betty órfã com apenas aos 8 meses de idade.

Douglas Angus foi apenas um exemplo de jovens futebolistas na flor da idade que tinham ainda muito para dar ao futebol. Jack Stanley Allan (Newcastle United) e Thomas Allsopp (que atuou pelo Leicester City, Brighton, Luton e Norwich) estiveram ambos ao serviço na Grande Guerra e também eles morreram após contrair a gripe. O mesmo aconteceu com William Mountford Williamson (que defendeu as cores do Leicester City e do Stoke) que contraiu a gripe num campo de prisioneiros de guerra em Hamelin, tendo morrido a 2 de agosto de 1918.

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