segunda-feira, fevereiro 15, 2021

Histórias do Planeta da Bola (26)... O jogo em que a vitória significava a morte e a derrota valia a vida!

A lendária equipa do FC Start

O cinema está repleto de trabalhos que retratam factos reais da história do futebol. "O Milagre de Berna", filme de Sönke Wortmann que aborda a histórica vitória da seleção germânica no Mundial de 1954; "The Game of Their Lives", película estado-unidense realizada por David Anspaugh onde é reproduzida a impensável vitória do modesto e amador combinado norte-americano sobre os mestres ingleses na Copa do Mundo de 1950; "The Damned United", de Tom Hooper, que retrata a breve e turbulenta passagem do lendário treinador inglês Brian Clough pelo Leeds United; ou "United", de James Strong, que nos conta a história dos lendários Busby Babes do Manchester United, a equipa mais jovem da história a ganhar a Liga inglesa e que posteriormente sofreu um acidente aéreo em Munique que matou grande parte dessa célebre equipa, são alguns desses exemplos.

Contudo, há por ventura um filme que ocupa nas preferências de muitos entusiastas do Belo Jogo o lugar mais alto do pódio, no que a filme de futebol diz respeito. Talvez assim o seja pela carga dramática, e ao mesmo tempo emotiva, que a película carrega consigo, onde um grupo de homens ousou desafiar a morte! Intitulado de "Fuga para a Vitória" este mítico filme retrata a história daquele que ficou conhecido como o "Jogo da Morte", um episódio da vida real acontecido em Kiev a 9 de agosto de 1942.

Não é do filme realizado por John Huston e protagonizado por Michael Caine, Sylvester Stallone, Pelé, ou Osvaldo Ardiles, entre outros, que vamos falar - embora aconselhemos vivamente a vê-lo - mas antes da histórica verídica que esteve na sua génese.

O monumento que eterniza
este jogo histórico
Antes de tudo importa contextualizar este episódio que faz orgulhosamente parte da História de um povo, e sobre o qual já se realizaram filmes, escreveram romances, incontáveis ​​artigos e ergueram estátuas que o imortalizaram. Estávamos a meio da II Guerra Mundial, numa altura em que a Alemanha nazi já havia invadido a União Soviética. Deste país fazia então parte a Ucrânia - hoje nação independente - cuja capital, Kiev, havia sido tomada pelas tropas de Adolf Hitler a 19 de setembro de 1941.

Hitler chamou a conquista de Kiev como "a maior batalha da história mundial". A ocupação nazi impunha trabalho escravo à população local, a qual era perseguida, presa, torturada e assassinada sempre que oferecia resistência. Durante longos períodos desta ocupação, o povo de Kiev teve sua ração alimentar reduzida a 200 gramas de pão por semana (o tamanho de uma caixa de fósforos) e foi obrigada comer cães, ratos, corvos, e até esterco de vaca para se alimentar! Reza a história que apenas em Kiev mais de 100.000 pessoas morreram de fome.

Hitler nutria, aliás, um ódio feroz pela União Soviética, nação que para si era a personificação do Diabo, pois continha judeus, doisheviks e eslavos. Durante a ocupação nazi mais ucranianos morreram na guerra do que qualquer outra nação: estima-se entre 800 mil a 1 milhão de mortes (um terço de todas as perdas soviéticas).

E foi no meio de toda esta crueldade que se dá o tal evento desportivo que entrou para a história como o "Jogo da Morte". Importante será referir que no meio deste cenário de terror imposto pelas tropas nazis o futebol era um dos únicos refúgios da população de Kiev. Por esta altura, dois dos mais importantes clubes locais, o Dínamo e o Lokomotiv davam cartas nos retângulos de jogo. Os primeiros eram a equipa da polícia local, e viriam anos mais tarde a tornar-se numa das maiores potências do futebol soviético; ao passo que os segundos eram um conjunto constituído por operários ferroviários. Ambos os clubes estavam no auge até à invasão nazi, sendo que ambos seriam forçados a dissolver-se aquando a tomada de Kiev.

Um lance do Jogo da Morte
Para sobreviver, muitos dos jogadores destes clubes foram acolhidos por Iosif Kordik, proprietário de uma padaria na capital ucraniana, uma figura que ficou célebre por abrigar atletas de várias modalidades no seu estabelecimento como forma de os salvar da morte. Enquanto trabalhavam na padaria de Kordik os jogadores do Dínamo e do Lokomotiv nunca abandonaram a sua paixão pelo Belo Jogo e terão idealizado a criação de uma nova equipa, à qual deram o nome de FC Start. A ideia foi inclusive patrocinada por Kordik, que desde pronto apoiou este novo clube, tendo mesmo sido o organizador de alguns torneios onde este recém fundado clube participou como forma de animar a sofrida população de Kiev.

A equipa do Start era aquilo que se chama uma verdadeira máquina de futebol, vencia todos os encontros em que participava, um facto que não escapou aos olhos dos alemães. Auto-intitulando-se como invencíveis, mais fortes que os seus semelhantes, os alemães viram nesta equipa uma oportunidade para subjugar e humilhar ainda mais os ucranianos, de tal modo que não demorou muito tempo a formarem uma poderosa equipa que tinha como missão defrontar e vencer o FC Start. Essa equipa alemã foi denominada de Flakelf e era composto por composta por membros da brigada antiaérea da Luftwaffe, a força aérea germânica. Este combinado alemão da força aérea era considerado o que os alemães tinham de melhor em Kiev.

O primeiro duelo entre os dois conjuntos, realizado no dia 6 de agosto de 1942, terminou com a vitória do Start por 5 a 1, resultado que foi considerado como uma humilhação para os germânicos, que de pronto exigiram a desforra.

A notícia deste episódio - derrota - não só chegou a Berlim – e consequentemente aos ouvidos de Hitler –, como também encheu de orgulho o povo ucraniano, que assim via na figura dos craques padeiros os seus heróis nacionais.

Um aspeto atual da tribuna 
do Estádio Zenti
A atmosfera do segundo jogo contra foi tensa, com soldados ao redor e dentro do Estádio Zenit - com capacidade para 10.000 pessoas -, palco do duelo. Os lugares do recinto nesse dia 9 de agosto de 1942 foram ocupados por soldados nazis, que se faziam acompanhar dos seus assalariados nacionalistas ucranianos, bem como de outros aliados (húngaros, eslovacos, romenos e italianos). As áreas em pé foram ocupadas por cidadãos de Kiev, principalmente idosos, mulheres e crianças, ali reunidos para testemunhar a vitória alemã.

E para garantir a vitória os alemães escolheram para árbitro do jogo um agente da Gestapo, o qual antes do apito inicial foi ao balneário da equipa do Start deixar o seguinte aviso: 'Vencer é morrer, perder é sobreviver!'. Ordenou ainda que os jogadores ucranianos fizessem a saudação nazi antes do início do encontro.

Estes, não só não a fizeram como partiram para outro recital de futebol sobre a turma alemã, que foi reforçada com outros jogadores de nomeada do futebol germânico de então. O árbitro nazi fez vista grossa a rudes entradas dos alemães sobre os ucranianos. Tudo valia para fazer enaltecer a raça ariana, desde socos no guarda-redes do Start e pernas partidas a um ou outro jogador desta equipa.

O cartaz do Jogo da Morte

A equipa alemã marcou o primeiro golo, mas ao contrário do que seria de esperar não reuniu a simpatia do público, que vendo o comportamento violento germânico começou a apupar os oficiais alemães que estavam na tribuna do Estádio Zenit.

De aspeto sub-nutrido, esmurrados, cansados, o que é certo é que os jogadores ucranianos não desanimaram e conseguiram efetuar uma fantástica reviravolta no marcador ainda antes do intervalo, indo para o descanso a vencer por 3-1. Neste período um outro oficial nazi entra no balneário do FC Start e relembra o ultimato feito antes do pontapé de saída: 'Vencer é morrer, perder é sobreviver!'.

No reatamento a ameaça parece ter surtido efeito, já que os alemães marcam por duas vezes. Dois golos que talvez tenha despertado o orgulho e ao mesmo tempo a fúria dos ucranianos que quase de seguida apontam mais dois golos. 5-3, o resultado final de um jogo que entrou para a história.

De orgulho ferido os nazis não perdoaram este humilhação, sendo que os jogadores ucranianos foram presos e torturados e quatro deles foram mortos. Esta é apenas uma das muitas versões de como acabou a fabulosa história do FC Start. Certo é que este triunfo entrou na história como um dos mais macabros acontecimentos do Planeta da Bola.

2 comentários:

Anônimo disse...

Conhecia este triste acontecimento.

João Moreira

daikubo335 disse...


Oi! Encontrei um jogo valioso de futebol.
Brasil contra Argentina 1995.
https://youtu.be/Z5Bl45bl-Qs