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A histórica seleção cubana que marcou presença no Mundial de 1938, com o guarda-redes Benito Carvajales (o protagnista desta aventura) no centro da fotografia |
«Porque não ficaste na cabine de imprensa?». A pergunta que ainda hoje paira no quotidiano cubano remete-nos para o capítulo
dourado da modesta história futebolística daquele país insular localizado no mar do Caribe. Proferida com uma boa dose de humor - há quem a evoque com contornos anedóticos! - esta questão praticamente resume a carreira internacional da principal personagem da história que em seguida iremos recordar. Viajemos até 1938, a França mais precisamente, país que nesse ano acolhia a terceira edição do Campeonato do Mundo da FIFA. Entre os 15 participantes algumas novidades saltavam à vista. Desde logo a seleção de Cuba, completamente desconhecida do panorama internacional de então, que chegava a França por via... administrativa! Passamos a explicar. México e Estados Unidos da América, no fundo as grandes potências da região da América do Norte - hoje
tutelada em termos futebolísticos pela CONCACAF - boicotaram a presença no Mundial em face de um protesto - cujas razões desconhecemos - com a FIFA, posição que seria apoiada por El Salvador e a Costa Rica, seleções estas que declinaram o convite da entidade máxima reguladora do futebol planetário para viajar até à Europa.
Porém, nem todos se colocaram ao lado de mexicanos e norte-americanos neste
braço de ferro com a FIFA. Cuba aceitou o convite do organismo então presidido por Jules Rimet, partindo assim para aquela que é ainda hoje vista como a sua maior aventura no futebol internacional.
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Capitães de Cuba e da Roménia trocam galhardetes antes do início de um momento histórico para o (ainda hoje) desconhecido futebol cubano |
E quem julgava que os cubanos iriam ser os
bombos da festa do certame enganou-se por completo. Apesar da sua pouco - ou nenhuma - experiência internacional, e do facto de levar a França um grupo muito reduzido ao nível de recursos humanos - a seleção foi composta por apenas 15 jogadores - os caribenhos foram uns dignos representantes do futebol do norte do continente americano. Na verdade, foram considerados como a surpresa da
Coupe do Monde! Então disputada por eliminatórias, a fase final do Mundial de 1938 ditou que na primeira ronda - alusiva aos oitavos de final - a estreante Cuba enfrentasse a experiente Roménia, combinado que havia marcado presença nas duas primeiras edições do Campeonato do Mundo. O
Stade Chapou, em Toulouse, foi o palco de um
duelo que seria considerado como um dos mais emotivos do torneio de 38. Os cubanos sofreram o primeiro golpe aos 35 minutos, quando Silviu Bindea fez o primeiro golo do encontro. Ainda antes da saída para o descanso Héctor Socorro fez algo que para muitos seria impensável no lançamento do jogo: um golo para Cuba. E se por esta altura o espanto já tomava - por certo - conta dos 7000 espetadores presentes no
Stade Chapou a surpresa subiu de tom quando aos 69 minutos Magriña colocou os caribenhos em vantagem! E foi a partir daqui que entrou em ação o personagem principal da nossa história de hoje: Benito Carvajales, o guarda-redes cubano.
Com um punhado de defesas notáveis ele travou nos minutos que se seguiram uma verdadeira avalanche romena. Porém, a dois minutos dos 90 Barátky descobriu o antídoto para contornar o inspirado
portero cubano, levando desta forma a partida para prolongamento. Nesse período os cubanos voltaram a entrar melhor - sim, os espetadores continuavam de boca aberta! - tendo Socorro feito o 3-2 aos 103 minutos. Dois minutos volvidos um potente remate de Dobay voltou a colocar tudo em
pé de igualdade, obrigando que três dias mais tarde as duas seleções medissem novamente forças no jogo de desempate.
Antes disso Benito Carvajales voltou a atrair a si as luzes da ribalta. Em declarações à imprensa ele vestiu a pele de cartomante (!) ao prever que a sua seleção iria vencer a partida do
tira teimas por 2-1. E não é que adivinhou mesmo!
«O jogo dos romenos já não tem qualquer tipo de segredos para nós. Por isso, prevejo uma vitória da nossa equipa por 2-1. Adiós caballeros», lançou em tom provocatório o
portero cubano, que pelo protagonismo obtido no primeiro embate seria convidado por uma rádio do seu país para comentar as incidências do segundo jogo. Foi uma espécie de prémio que Carvajales não quis desperdiçar, quiçá encantando com a possibilidade de enveredar por uma carreira que hoje em dia é tão comum entre antigas personagens do
Planeta da Bola, a de comentador desportivo.
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Fase do encontro entre romenos e cubanos |
E Carvajales lá foi para a cabine de imprensa no jogo de desempate (também disputado em Toulouse), tendo assistido de camarote a mais uma exibição surpreendente dos seus companheiros, e sobretudo de um muito em particular: Juan Ayra, o homem que o selecionador José Tapia escolheu para substituir o guarda-redes/comentador. Ayra foi o espetáculo dentro do próprio espetáculo, evitando de todas as formas e feitios que os romenos conseguissem por mais do que uma vez violar as suas redes, acabando por ser considerado o principal obreiro da histórica vitória por 2-1 (Héctor Socorro e Tomas Fernandez foram os autores dos golos cubanos) da seleção de Cuba, que desta forma avançava para os quartos-de-final, onde iria medir forças com a Suécia, num encontro marcado para Antibes.
Para o jogo com os suecos regressou Carvajales, quiçá desencantado com a posição de comentador, ou vislumbrando então a possibilidade de voltar a atrair a si o protagonismo consequente de uma nova vitória. Só que do outro lado estava uma das melhores equipas europeias da época, a Suécia, seleção que destruiu por completo os sonhos cubanos em continuar a aventura mundialista. 8-0, o resultado final a favor dos nórdicos. E destruiu igualmente a fama granjeada por Carvajales, quiçá desencantado com a posição de comentador, ou vislumbrando a possibilidade de voltar a atrair a si o protagonismo consequente de uma nova vitória. Só que do outro lado estava uma das melhores equipas europeias da época, a Suécia, seleção que destruiu por completo os sonhos cubanos em continuar a aventura mundialista. 8-0, o resultado final a favor dos nórdicos. Quanto a Carvajales, que nessa tarde de avalanche praticamente não fez outra coisa se não ir buscar a bola ao fundo da sua baliza, assim que regressou a Cuba recebeu de pronto alguns mimos menos simpáticos, houve mesmo quem lhe atirasse em tom provocatório:
«Porque não ficaste na cabine de imprensa?».
Um comentário:
História bem catita! Apenas necessita de um reparo no último parágrafo, quando aparecem frases repetidas. Um abraço
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