segunda-feira, março 18, 2024

Histórias do Futebol em Portugal (48)… O último ato do Académico do Porto nos palcos da “Primeira” (Parte V)

A turma da Académica de Coimbra que disputou
a 1.ª Divisão Nacional em 1941/42


Chegamos ao último capítulo desta memória sobre a derradeira e longínqua – já lá vão 82 anos – aparição do histórico Académico do Porto na 1.ª Divisão Nacional. E começamos esta derradeira viagem pela vitória dos academistas do Porto ante os academistas de Coimbra, no Estádio do Lima. “Bola cá, bola lá”, assim se afigura o encontro nos primeiros minutos, com ambas as defesas em alerta permanente. E mais uma vez, o relvado do Lima é abençoado – ou não – pela chuva que caí à hora do encontro na cidade do Porto. «As duas equipas e o árbitro (o lisboeta João Vaz) heroicamente se aguentam no terreno» escreve o jornalista ao serviço do Norte Desportivo. A chuva faz com que a partida não desperte grande entusiasmo, visto que não é possível praticar-se um futebol vistoso, dadas as condições do relvado do Lima. Os de Coimbra são os que mais tentam remar contra a maré, com tentativas de avanços no terreno, mas são os academistas que nas vezes em que se aventuram na área contrária mais perigo lá têm semeado. A Académica tem razões de queixa do árbitro lisboeta, já que em duas ocasiões reclama penalty, por derrube a Gomes e a Armando, com o juiz a mandar seguir.  As más condições do terreno fazem com que o portuense Marques abandone temporariamente o relvado, aparentemente com queixas físicas. Até que aos 33 minutos o encontro conhece o primeiro grande sinal de interesse, o golo da Académica de Coimbra. «Nini, de longe, ensaia um pontapé que sai com violência e que Santiago não pôde deter». Quase de seguida o Académico espreita o empate, não fosse o guardião Acácio fazer uma estirada espetacular. Até que na entrada para os últimos cinco minutos da primeira parte, os portuenses chegam à igualdade. «Raul, lançado pela esquerda, serviu excelentemente Julinho, e quando Acácio se lhe lançava aos pés, aquele fez-lhe passar a bola sobre o corpo, para o fundo da rede». 



O golo espicaçou os anfitriões, que apenas dois minutos volvidos ampliaram a vantagem. O lance começa em Álvaro Pereira, que executa um centro para a cabeça de Marques – que, entretanto, já havia voltado ao campo –, que desvia o esférico para Raul, que também de cabeça faz o segundo para o Académico. E assim termina a primeira metade. No recomeço os estudantes de Coimbra surgem mais velozes e lançados ao ataque. «Parece que os visitantes vão dar tudo por tudo para modificar a feição do encontro. Aparecem jogadas, agora mais claras, por parte dos visitantes». E numa delas Lemos tem uma fuga pelo centro do terreno, e de seguida cruza para a cabeça de Armando fazer o segundo tento da Briosa para espanto de Santiago. Este golo despertou os portuenses, que passaram a ter mais domínio no encontro, «obrigando os visitantes a ceder cantos em série». E como diz o ditado “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, eis que Raul Castro fez o 3-2 final à passagem da hora de jogo, garantindo assim o triunfo dos alvi-negros, que nesta partida alinharam com: Santiago, António Jorge, Rafael, Manau, Marques, Eliseu, Álvaro Pereira, Gamboa, Julinho, Raul Castro e Raul.


Nova viagem de má memória ao sul de Portugal

Nesta sua derradeira aparição no Nacional da 1.ª Divisão não se pode dizer, muito longe disso, que as viagens ao sul do país tenham sido felizes para as hostes do Académico do Porto. Além dos 35 golos sofridos só na capital, os academistas encaixaram mais 13 (!) noutras deslocações a sul do Tejo. Isto é, aos cinco sofridos em Olhão na 8.ª jornada, averbaram mais oito na deslocação ao Barreiro. Caso para dizer que os ares do sul fizeram mal aos portuenses. No Campo do Rossio, «o Barreirense impôs uma toada rápida e de passes curtos que desconcertaram o adversário», escrevia o correspondente do Norte Desportivo. O jornalista retratava ainda que no primeiro quarto de hora, a equipa da “margem sul” «delineou avançadas vistosas a que os seus dianteiros deram boa conclusão». Por seu turno, o Académico alternou entre o bom e o mau, sendo que neste último capítulo o ataque esteve «muito irregular». Este encontro marcou ainda o regresso de Levy de Sousa à baliza academista, ele que apesar dos oito golos encaixados teve lances de bom desempenho, e talvez por isso no final da temporada tivesse rumado precisamente ao Barreirense. 8-1 a favor do conjunto do Barreiro num encontro em que o Académico apresentou o seguinte “onze”: Levy de Sousa, António Jorge, Rafael, António Silva, Marques, Eliseu, Larsen, Campos, Raul Castro, Julinho (que apontou o tento solitário dos portuenses) e Raul.


A vitória mais dilatada do Académico na 1.ª Divisão

E à 19.ª jornada o Académico do Porto tirou a barriga de misérias. E fê-lo à custa do Olhanense, que veio ao Lima “levar” nove! 9-0 foi o score daquela que foi a vitória mais robusta do combinado portuense nesta temporada. Aliás, este é o resultado mais dilatado alcançado pelos academistas nas suas cinco participações na 1.ª Divisão, estabelecendo, como tal, um recorde que perdura até hoje. A história deste encontro é simples de ser contada, e resume-se ao festival de golos do Académico, festival esse que começou mal a bola rolou pela primeira vez. Logo ao primeiro minuto Julinho marcou o primeiro na sequência de uma ação individual. Os alvi-negros dominavam os algarvios, e aos cinco minutos Raul Castro amplia a vantagem com um remate colocado. «O Olhanense parece sentir o piso relvado. A inconsistência das suas jogadas não lhes permite a realização de grandes feitos, pelo que o Académico se torna senhor da iniciativa e domínio», dizia o jornalista de serviço neste encontro, no sentido de explicar a apatia dos algarvios. Porém, a pouco e pouco os visitantes sacodem um pouco a pressão dos locais, embora sem conseguir criar perigo na baliza de Santiago. 

O Olhanense foi a vítima maior do Académico
na passagem dos portuenses pela 1.ª Divisão


O jogo perde alguma da sua beleza, dado os excessos de tentativas sem sucesso de jogadas individuais de parte a parte. Mas sobre o intervalo uma jogada individual de Julinho – que desta vez contrariou a tendência do individualismo de baixa qualidade – resultou numa grande penalidade, que Raul Castro converteu com êxito. 3-0, o resultado na saída para o descanso. No reatamento o Olhanense ainda dá um ar de sua graça, mas rapidamente o Académico esfria o ânimo algarvio e volta a assumir o controlo da partida. Aos 51 minutos Gamboa aponta o quarto tento dos academistas, que apenas três minutos volvidos veem Larsen fazer o 5-0. «Os algarvios acusam a ascendência do grupo local», e permitem que o mesmo Larsen dois minutos depois faça um novo golo. A avalanche dos portuenses não se ficaria por aqui, e Larsen, que teve uma tarde endiabrada, à passagem da hora de jogo, faz o 7-0. Aos 65 minutos foi a vez de Julinho voltar a fazer o gosto ao pé após uma série de dribles sobre os adversários, e a 10 minutos do fim este mesmo jogador, mesmo sendo carregado em falta, consegue faz o 9-0 com que foi selado o marcador. Inolvidável este jogo e o consequente resultado na história do futebol do Académico do Porto.

Os portuenses alinharam com: Santiago, António Jorge, Rafael, Manau, Eliseu, Marques, Álvaro Pereira, Gamboa, Julinho, Raul Castro e Neca.


Regresso às derrotas no meio da ventania de Leça da Palmeira

A festa duraria pouco, já que na semana seguinte uma curta viagem até Leça da Palmeira seria concluída por um desaire de 2-0 ante o conjunto local. O jornalista do Norte Desportivo, José Parreira, relata que os leceiros iniciam a partida a jogar contra o vento e que o duelo se desenrola com uma certa velocidade. As primeiras oportunidades de golo pertencem ao Leça, «que apesar de jogar contra o vento tem sido mais equipa». Por seu turno, o Académico só a partir da meia hora esboça uma reação, que não dura muito tempo. Na segunda metade, os leceiros, desta feita com o vento a seu favor, comandam abertamente a partida. «O Académico só esporadicamente aparece sobre a meia defesa dos locais. O goal custa a aparecer, as situações de perigo desenham-se continuamente junto dos postes de Levy (de Sousa), mas os dianteiros do Leça, umas vezes por falta de sorte, outras por pelos efeitos caprichosos que o vento imprime ao esférico, não encontram a finalidade desejada». Até que aos 65 minutos acontece uma “embrulhada” na área academista, e «Rocha, por entre um cacho de jogadores, atira a um canto, sem possibilidades para Levy (de Sousa)», abrindo assim o marcador. O Leça não abranda o ritmo, continua a dominar, e já sobre o final, Mendes tem um potente remate que o guardião academista não segurou e na recarga, oportuno, Lúcio fez o 2-0 final de um encontro onde o Académico alinhou com: Levy de Sousa, António Jorge, Rafael, Eliseu, Manau, Marques, Larsen, Gamboa, Julinho, Raul Castro e Carvalho.


Ânimos exaltados no duelo com os vizinhos da Invicta

Na penúltima ronda do campeonato e a precisar de pontuar para ainda ter esperanças de ficar na 1.ª Divisão, o Académico fez uma curtíssima viagem até ao Campo da Constituição, casa do vizinho FC Porto. Portistas que há muito já estavam afastados da luta pelo título de campeão, que estava já praticamente entregue ao Benfica. Sem nada a perder o FC Porto lança-se ao ataque, e logo nos minutos iniciais António Santos envia o esférico para o fundo das redes de Santiago, embora o árbitro invalide o golo por alegado fora de jogo do avançado da casa. Este foi o primeiro sinal de aviso do que iria acontecer logo aos 3 minutos, altura em que António Jorge carrega Correia Dias dentro de área. Desta feita, o árbitro Correia da Costa não tem dúvidas e assinala grande penalidade, a qual seria convertida precisamente por Correia Dias. «Os azuis e brancos usufruem maior quinhão de domínio, obrigando a defesa academista a um trabalho apurado», escreve o jornalista José Parreira. Com uma técnica mais apurada e maior pendor ofensivo, os portistas ameaçam continuamente a baliza de Santiago. Porém, aos 21 minutos o Académico tem uma oportunidade soberana para chegar à igualdade, quando numa das raras incursões à baliza de Béla Andrasik, o defesa Sárria mete mão à bola, com o juiz a apontar para a marca de castigo máximo. 

Correia Dias tenta furar a defesa academista


Na conversão, Raul Castro permite a defesa ao guarda-redes húngaro do FC Porto. Logo de seguida, Carlos Pratas envia uma bola ao poste, e já sob o intervalo este mesmo jogador faz o 2-0 a para os locais, resultado com que as equipas saem para o descanso. O jogo é retomado praticamente com o terceiro golo dos portistas, altura em que no meio de um aglomerado de jogadores na área de Santiago, Pratas é mais rápido a esticar a perna e rematar a bola para o fundo das malhas. O lance gera alguma confusão entre jogadores das duas equipas. António Santos e Eliseu agridem-se mutuamente, com o árbitro a expulsar o jogador do Académico e a deixar o portista em campo! Decisão incompreensível. Eliseu reclama da decisão, e o juiz é obrigado a chamar a polícia para retirar o atleta alvi-negro do terreno. Depois disto, Correia da Costa perde o controlo da partida, e acumula asneiras atrás de asneiras até final. Até que aos 21 minutos da etapa regulamentar Larsen foge aos adversários pelo flanco esquerdo, e aproveitando um dos raros deslizes de Andrasik faz o tento de honra do Académico, ainda assim insuficiente para evitar a derrota. Na Constituição, os academistas alinharam com: Santiago, António Jorge, Rafael, Manau, Eliseu, Marques, Raul Castro, Larsen, Gamboa, Julinho e Raul.


Despedida inglória do palco da “Primeira”

E eis que chegávamos à 22.ª e última jornada do Nacional da 1.ª Divisão de 41/42. Jornada decisiva para as duas equipas que mediam forças no Estádio do Lima, Académico e Carcavelinhos. O conjunto da capital tinha somente mais um ponto que os portuenses, sendo que a ambos só a vitória interessava para poderem continuar a sonhar com a permanência, visto que à mesma hora também o Olhanense lutava pelo mesmo objetivo. O encontro nem parecia de decisões, já que as bancadas do Lima se apresentavam despidas de público. Até ao minuto 10 o perigo rondou com mais insistência a baliza lisboeta, sendo que nas palavras do jornalista Bolero «o balanço ao quarto de hora dá vantagem territorial aos portuenses. Vinca-se a opinião que os academistas jogam melhor. Conduzem os seus ataques com mais método. O Carcavelinhos só a espaços elabora jogadas vistosas». Contudo, aos 20 minutos, contra a corrente do jogo os lisboetas marcam. Um cruzamento de Marques é bem aproveitado por Bernardo, que de cabeça bateu Santiago. O golo animou os rapazes de Alcântara, que passam a ter uma certa vantagem sobre o adversário. No entanto, até final do primeiro tempo o Académico recupera o comando da partida, atua mais próximo da área contrária, mas os seus avançados revelam pouca perícia na conclusão dos lances. A defesa também está nervosa, e Rafael quase oferece o segundo golo aos de Lisboa. Na segunda metade o encontro não muda de feição. «Joga-se mal de parte a parte e o entusiasmo pela luta também é escasso. A bola anda cá e lá em esquemas improvisados. Joga-se como calha e como a bola quer. O jogo quase não tem história», conta Bolero. A partir dos 55 minutos o Académico procura o golo com mais vontade, e o Carcavelinhos defende a sua magra vantagem com “unhas e dentes”. A partida caminha para o final, até que um balde de água fria cai sobre os lisboetas a três minutos dos 90, altura em que Larsen faz o empate. O resultado (1-1) não agrada a ninguém, já que ambas as equipas descem de divisão. O Académico despedia-se assim do principal palco do futebol português. Os portuenses encerraram o campeonato no 10.º lugar, com 13 pontos somados. Neste derradeiro encontro na “primeira” os academistas alinharam com: Santiago, Rafael, António Jorge, Manau, Américo, Gamboa, Raul, Marques, Larsen, Raul Castro e Julinho.

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