quarta-feira, março 18, 2015

Histórias do Planeta da Bola (8)... Os anos dourados (1927-1939) da Taça Mitropa - A primeira montra de estrelas do futebol europeu (parte III)

Juventus e Sparta de Praga precisaram de um terceiro jogo
para desempatar uma eliminatória equilibrada
pautada pelo futebol espetáculo
Contrariamente ao que havia ficado definido na edição anterior, o campeão em título da Mitropa Cup não teve presença garantida na competição do ano seguinte! Desconhecidas foram, no entanto, as razões deste inesperado volte face que fez com que o campeão de 1930, o Rapid de Viena, se visse assim impossibilitado de defender o ceptro conquistado. Isto, porque em termos domésticos os vienenses não foram além um terceiro lugar no campeonato nacional, ficando atrás do campeão First Viena e do Wiener, este último emblema vencedor da Taça da Austria. No entanto, quedar-se por um terceiro lugar na liga austríaca não era vergonha para ninguém, muito pelo contrário, já que por aqueles dias este era dos campeonatos mais competitivos e fartos em qualidade técnico-tática do Velho Continente, com equipas como o Admira Viena, o Austria de Viena, o Rapid, o Wiener, ou o First Football Club a lutarem entre si de igual para igual pela posse do trono futebolístico daquele país. First Viena cujo setor mais recuado era o principal abastecedor da célebre seleção austríaca dos anos 30, eternizada na história como o Wunderteam (equipa maravilha), onde pontificavam os defesas Josef Blum, Karl Rainer, e Leopold Hofmann. A extrema qualidade que abundava nas zonas mais recuadas do esquema tático do First Viena foi um fator fundamental para a caminhada triunfal que este conjunto trilhou nesta quinta edição da Taça Mitropa. Logo na primeira ronda os campeões austríacos provaram que eram uma equipa muito difícil de transpor, conforme explica o facto de terem deixado os húngaros do Bocskai - que faziam a sua estreia na prova - a zeros no duplo confronto travado com estes. 7-0, no conjunto das duas mãos, deixaram desde logo antever que o First Viena seria um dos principais candidatos a suceder ao Rapid de Viena na lista de campeões da Mitropa. Este não foi contudo o único duelo áustro-húngaro na edição de 1931, já que o sorteio ditou que Wiener e MTK de Budapeste lutassem entre si por um lugar nas meias-finais. A capital da Hungria acolheu o primeiro encontro, o qual se traduziu numa enorme surpresa, já que os experientes húngaros - em questões de Taça Mitropa - foram esmagados no seu reduto pelos caloiros do Wiener, que na sua baliza tinha nada mais nada menos do que o guarda-redes do Wunderteam de Hugo Meisl, de seu nome Rudolf Hiden. Porém, no plano individual o sublinhado deste primeiro jogo vai para o alemão Richard Hanke e para o austríaco Henri Hiltl, cada um deles com dois golos somados na conta pessoal de um encontro que terminou com um dilatado score de 5-1 a favor dos visitantes. Este último jogador, que no terreno de jogo atuava como um letal ponta de lança, foi o melhor marcador da edição de 1931, com sete remates certeiros no total.
No encontro da segunda mão os austríacos relaxaram... em demasia. Aos 47 minutos já perdiam por 3-0 (!), resultado que naquele período poderia ter contornos mais volumosos, não fosse o guardião Rudolf Hiden estar em tarde inspirada. Porém, à passagem do 82º minuto Richard Hanke sossegou os adeptos da casa ao reduzir para 1-3 e garantir deste modo a passagem da sua equipa à fase seguinte.



Apesar de ter sido a grande figura da eliminatória entre
o Slavia e a Roma, o mítico guarda-redes Plánicka
não evitou a queda da sua equipa à primeira
Estreia memorável nestas andanças tiveram os vice-campeões italianos de 1931, a Roma, conjunto que tinha no avançado croata naturalizado italiano, Rodolfo Volk, a sua maior estrela. Ele que na Serie A havia comprovado o seu estatuto de goleador ao apontar 29 golos que o tornaram no bombardeiro-mor do calcio nessa época. Romanos que então eram treinados pelo inglês Herbert Burgess, que enquanto jogador se havia notabilizado ao serviço dos dois clubes de Manchester, primeiro o City, e posteriormente o United, tendo ao serviço de ambos vencido campeonatos e taças de Inglaterra, sendo hoje dos poucos homens que conseguiram erguer troféus ao serviço dos rivais de Manchester. Depois de uma breve passagem pela Hungria, ao serviço do MTK, onde iniciou a sua carreira de treinador, Burgess rumou a Itália em 1922, tendo ali trabalhado até 1932 ao serviço de Milan, Padova e da Roma. Último emblema este que não poderia ter tido melhor estreia na Mitropa Cup, já que na ronda inaugural afastou com classe o favorito Slavia de Praga, o campeão checoslovaco desse ano, onde pontificava, entre outros, o majestoso guarda-redes Frantisek Plánicka. Ele que foi o grande herói da sua equipa ao longo dos dois jogos da eliminatória, o responsável pelo facto de se terem registado tão poucos golos neste embate. Na primeira mão o resultado cifrou-se numa igualdade a uma bola, com Volk a fazer o golo dos romanos num jogo em que Plánicka defendeu quase tudo o que havia para defender. O mesmo Volk iria fazer o golo do triunfo (2-1) no encontro de volta, na capital transalpina, garantindo assim uma suada passagem da Roma diante de um Slavia que teve, mais uma vez, um Plánicka inspirado na hora de parar os perigosos ataques de Volk e companhia, não conseguindo, contudo, evitar a eliminação da sua equipa. 
Equilibrado e muito bem interpretado foi o embate entre os campeões italianos, a Juventus, e os vice-campeões da Checoslováquia, o Sparta de Praga. Juve que nesse ano de 1931 iniciou um reinado de cinco anos consecutivos na Serie A italiana, cinco títulos de campeão de Itália seguidos que constituíram um recorde até hoje insuperável. Com um tridente ofensivo - composto por Josef Silný, Nejedly, e Raymond Braine - de impor respeito a qualquer que fosse o adversário o Sparta caiu em Turim no encontro da primeira mão, por 2-1. O belga Braine ainda colocou a turma de Praga em vantagem ao minuto 17, mas a Vecchia Signora soube reagir e à passagem da meia hora Cesarini restabeleceu a igualdade. Os visitantes estiveram muito perto da vitória, mas Raymond Braine iria desperdiçar uma grande penalidade, ou melhor, o guarda-redes Sclavi - que nesta eliminatória rendeu o mítico Giampiero Combi - intercetou o remate do avançado belga. E como quem não marca sofre - por norma é sempre assim... - aos 88 minutos Munerati deu o triunfo à Juve. 
Na segunda mão o equilíbrio e o espetáculo voltaram a surgir de mãos dadas, agora na capital da Checoslováquia, onde o tridente ofensivo do Sparta apenas por uma vez conseguiu ultrapassar o sólido muro defensivo dos italianos, cujos pilares eram os catedráticos Umberto Caligaris e Virginio Rosetta, duas figuras destacadas no êxito que a Squadra Azzura iria obter três anos mais tarde no Campeonato do Mundo da FIFA. O único golo deste segundo jogo foi apontado por Braine, aos 16 minutos, tendo desta forma sido necessário recorrer-se a um terceiro encontro para encontrar o quarto e último semi-finalista. Partida essa que teve lugar em campo neutro, tendo Viena sido o palco escolhido. E se o futebol bonito e emocionante marcou os dois primeiros jogos deste embate, a indisciplina tomou conta do play-off, com o árbitro suíço René Mercet - o mesmo que em 1934 iria beneficiar de forma escandalosa a Itália no jogo dos quartos-de-final do Campeonato do Mundo ante a Espanha - a dar ordem de expulsão a quatro jogadores, três deles pertencentes à Juventus, que no final dos 90 minutos saiu derrotada por 3-2, e desta forma dizia adeus à Mitropa Cup.

Final 100% austríaca após duas semi-finais distintas


Fase do encontro entre a Roma e o First Viena
A caminhada do First Viena rumo à glória continuava a pautar-se pela ausência de obstáculos de grau de dificuldade elevado. Se na primeira eliminatória a equipa vienense havia despachado facilmente os húngaros do Bocskai, nas meia-finais os austríacos voltaram a deparar-se com inúmeras obséquias de uma Roma que esteve muito aquém das exibições patenteadas ante o Slavia. Depois de uma vitória por 3-2 na capital transalpina o First Viena voltou aplicar a chapa três no encontro de volta, com o destaque individual a ir inteiro para Leopold Marta, autor de dois dos três golos com que o combinado do técnico Ferdinand Frithum bateu (3-1) a Roma. E se o First Viena não teve grandes dificuldades para chegar à final, o mesmo não puderam dizer os seus compatriotas do Wiener, que necessitaram de um terceiro jogo para afastar o Sparta de Praga. Contudo, esta última equipa saiu na frente da eliminatória, quando em Viena - na primeira mão - mostrou toda a sua qualidade. Com dois golos da sua autoria o jovem Nejedly brilhou. 3-2 foi o resultado final a favor dos checoslovacos. Na segunda mão deu-se o inverso, ou seja, foi o futebol tecnicamente evoluído do Wiener que ditou leis. E se a estrela de Nejedly havia brilhado em Viena, a do goleador Henri Hiltl iluminou o retângulo de jogo do Estádio Letna. Autor de um hattrick, Hiltl contribuiu, e muito, para que a sua equipa vencesse a partida, por 4-3, e levasse desta forma a decisão para um terceiro jogo. Os instantes finais do jogo da segunda mão foram dramáticos, já que a cinco minutos dos 90 um empate a três golos subsistia no marcador, sendo que com este resultado era o Sparta que avançava para a final. Contudo, aos 88 minutos, Hiltl faz o seu terceiro golo da tarde, e fechava o marcador em 4-3 a favor da sua equipa. Este mesmo jogador seria decisivo no play-off, ao contribuir com mais um golo para uma vitória por 2-0 dos austríacos que assim se juntavam aos também... austríacos do First, facto que desde logo entrou na história da Mitropa Cup, pois até então nunca duas equipas do mesmo país se haviam defrontado no encontro decisivo. Ora ai estava a resposta à pergunta inicialmente feita aquando do nosso embarque para esta longa e deslumbrante viagem pela história da Mitropa: qual o país que melhor interpretava o jogo? Hungria, Checoslováquia, ou Áustria? Por esta altura não restavam dúvidas, Áustria era a resposta.

"Rudi" Hiden
A jogar em casa emprestada (Zurique) o Wiener entrou a todo o gás no encontro da primeira mão da grande final, chegando a uma vantagem de dois golos sem resposta numa altura em que o relógio marcava somente 22 minutos. Porém, à passagem da meia hora os papéis inverteram-se e o First passou a tomar conta dos acontecimentos, destacando-se o papel do cerebral centro-campista Fritz Gschweidl, astro que comandou a sua equipa no assalto à baliza do talentoso guarda-redes Rudolf Hiden, que até final do encontro iria buscar o esférico por três ocasiões ao fundo das suas redes. Hiden, que nunca será por demais recordar, foi um dos monstros das balizas da década de 30, um guardião de craveira internacional nascido a 9 de março de 1909, na cidade de Graz, tendo-se dado a conhecer ao planeta da bola no Grazer, transferindo-se em 1927 para a capital austríaca, onde assinou um contrato profissional com o Wiener. Rudi, como era conhecido entre os seus colegas de profissão, fica ligado a um facto curioso da história do futebol, no que a transferências de jogadores diz respeito. Contrariamente ao que hoje acontece, a Inglaterra daquele tempo via com maus olhos a contratação de jogadores estrangeiros para os seus clubes, talvez porque os britânicos continuavam a achar que eram os mestres dos belo jogo, e que ninguém melhor do que eles o sabia interpretar de forma técnico-tática majestosa. Nem todos, porém, pensavam assim. Quiçá rendido às exibições que "Rudi" Hiden fez quer ao serviço do seu clube na Mitropa Cup, quer ao serviço do Wunderteam de Hugo Meisl, o lendário treinador do Arsenal de Londres, Herbert Chapman, exigiu ao seu clube a contratação do guardião austríaco. Exigência travada pela Associação de Futebolistas Ingleses, que recorrendo à lei que impunha restrições à contratação de cidadãos estrangeiros por parte de empresas britânicas, impede a transferência de Hiden. Não foi para Londres mas foi para Paris, a deslumbrante capital francesa que em 1933 o recebeu de braços abertos, tratando-o de maneira principesca, como se de uma estrela da pintura, da literatura, ou da dança se tratasse. Durante sete anos Hiden foi uma das estrelas que mais brilhou na Cidade Luz, defendendo com mestria as cores do então maior símbolo desportivo da capital gaulesa, o Racing Club de Paris, emblema com o qual venceu um campeonato (1936) e três taças de França (1936, 1939, e 1940). De volta aos acontecimentos da final da Taça Mitropa de 1931, a segunda mão desta fase, ocorrida no Hohe Warte Stadium, ficou marcada por mais uma grande exibição dos jogadores do First Viena, que ao intervalo já venciam por duas bolas a zero, ficando assim cada vez mais perto da glória. De nada valeu, pois, o tento de Richard Hanke a meio da segunda parte, já que a taça iria parar às mãos de Josef Blum, o capitão do First Viena. 

Números e nomes:

Quartos-de-final (1ª e 2ª mãos)

First Viena (Áustria) - Bocskai (Hungria): 3-0/4-0

Slavia Praga (Checoslováquia) - Roma (Itália): 1-1/1-2

Wiener (Áustria) - MTK Budapeste (Hungria): 5-1/1-3

Juventus (Itália) - Sparta Praga (Checoslováquia): 2-1/0-1/2-3 (desempate)
A equipa da Roma que alcançou as meias-finais da Taça Mitropa de 1931
Meias-finais (1ª e 2ª mãos)

First Viena (Áustria) - Roma (Itália): 3-2/3-1

Sparta Praga (Checoslováquia) - Wiener (Áustria): 3-2/3-4/0-2 (desempate)

Final (1ª mão)

Wiener (Áustria) - First Viena (Áustria): 2-3

Data: 8 de novembro de 1931

Árbitro: Francesco Mattea (Itália)

Estádio: Hardturm, em Zurique (Suíça)

Wiener: Rudolf Hiden, Johann Becher, Karl Sesta, Georg Braun, Ernst Lowinger, Rudolf Kubesch, Franz Cisar, Heinrich Muller, Henri Hiltl, Richard Hanke, e Karl Huber (c). Treinador: Karl Geyer.

First Viena: Karl Horeschovsky, Karl Rainer, Josef Blum (c), Willibald Schamus, Leopold Hofamann, Leonhard Machu, Anton Brosenbauer, Josef Adelbrecht, Fritz Gschweidl, Gustav Togel, e Franz Erdl. Treinador: Ferdinand Frithum.

Golos: 1-0 (Hanke, aos 2m), 2-0 (Muller, aos 22m), 2-1 (Togel, aos 30m), 2-2 (Adelbrecht, aos 63m), 2-3 (Becher, aos 87m na p.b.)

Final (2ª mão)

First Viena (Áustria) - Wiener (Áustria): 2-1

Data: 12 de novembro de 1931

Estádio: Hohe Warte, em Viena (Áustria)

Árbitro: Rinaldo Barlassina (Itália)

First Viena: Karl Horeschovsky, Karl Rainer, Josef Blum (c), Willibald Schamus, Leopold Hofamann, Leonhard Machu, Anton Brosenbauer, Josef Adelbrecht, Fritz Gschweidl, Gustav Togel, e Franz Erdl. Treinador: Ferdinand Frithum.

Wiener: Rudolf Hiden, Johann Becher, Karl Sesta, Georg Braun, Ernst Lowinger, Rudolf Kubesch, Wilhelm Cutti, Heinrich Muller, Henri Hiltl, Richard Hanke, e Karl Huber (c). Treinador: Karl Geyer.

Golos: 1-0 (Erdl, aos 6m), 2-0 (Erdl, aos 41m), 2-1 (Hanke, aos 65m).
Em 1931 a Mitropa Cup permaneceu na capital austríaca, mudando apenas de dono,
que passava a ser agora o First Viena

1932: Il Grande Bologna sagra-se campeão sem precisar de jogar a final

Angelo Schiavio, a estrela mais cintilante
da história do Bologna FC
Os anos 30 do século passado ficam marcados pelo amplo domínio do futebol italiano no patamar internacional. Domínio esse traduzido, e sobretudo, ao nível de seleções, já que neste período a Squadra Azzura edificada pelo mestre da tática Vittorio Pozzo alcançou dois títulos mundiais (1934 e 1938), uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 1936, e um par de ceptros na Coupe Internationale Européenne (1930 e 1935). No entanto, ao nível de clubes a mestria dos transalpinos mostrou-se de uma forma mais tímida à Europa do belo jogo, com apenas duas incursões ao lugar mais alto do pódio da máxima competição continental. E fê-lo por intermédio de uma squadra célebre, um famoso squadrone como ainda hoje é recordado, uma equipa que segundo reza a lenda fazia tremer o Mundo sempre que entrava em campo! Bologna Football Club, Il Grande Bologna dos anos 30. Construída pelo treinador austríaco Hermann Felsner esta mítica equipa lutou taco a taco com a Juventus pelo trono do futebol italiano ao longo da citada década, tendo alcançado a glória, o mesmo será dizer o scudetto (título de campeão nacional) em três ocasiões. Antes, nos anos 20, altura da chegada de Felsner à cidade de Bolonha, havia já vencido por duas ocasiões a Seria A italiana. E se Felsner deitou à terra as sementes daquele que haveria de se tornar num dos gigantes do futebol italiano ao longo de três décadas (20, 30, e 40), o húngaro Gyula Lelovics colheu os primeiros frutos de glória... internacional. Na verdade, o Bologna foi o primeiro emblema transalpino a conhecer a glória extra-muros, o primeiro e único, isto no que diz respeito à era dourada (1927-1939) da Taça Mitropa. Em 1932 surge o primeiro de dois títulos internacionais conquistados pelo emblema do norte de Itália, numa (edição da) Taça Mitropa que ficou marcada por uma forte onda de violência dentro do retângulo de jogo. A vitória do Bologna significou ainda um corte no domínio que as equipas da Europa Central vinham exercendo na Mitropa. Bologna que se qualificou para a sexta edição da competição internacional pelo facto de ter ficado com o segundo lugar da Serie A de 1931/32, atrás da campeã Juventus. 
Principal campeonato italiano que havia somente terminado há uma semana quando a squadra orientada por Gyula Lelovics entrou em campo para defrontar os campeões da Checoslováquia, o Sparta de Praga. Equipa esta que na primeira mão viajou até Itália sem o patrão da sua defesa, Kada Pesek, para enfrentar uma equipa cuja base era composta por jogadores de extrema qualidade, os quais marcaram, indiscutivelmente, uma era de glamour no calcio transaplino. 

Cinco estrelas de uma equipa (Bologna)... cinco estrelas!
Na baliza surgia Mario Gianni, a quem chamavam de gato mágico, assim apelidado pelas espetaculares e acrobáticas estiradas que marcavam a sua imagem de futebolista, enquanto no setor recuado brilhavam o futuro bi-campeão do Mundo Eraldo Monzeglio, Felice Gasperi, e o uruguaio Francisco Fedullo. No meio campo, dois jogadores comandavam majestosamente as operações: Gastoni Baldi, e Gastone Martelli. Estes dois jogadores serviam de forma sublime a linha avançada daquele memorável conjunto, linha essa formada por nomes como Bruno Maini, o uruguaio Raffaele Sansone, e Angelo Schiavio, este último tido como a estrela mais brilhante daquela lendária equipa. Schiavio foi um dos principais alicerces do êxito da seleção italiana no Mundial de 1934, saindo dos seus pés o golo da vitória na final ante a Checoslováquia. Schiavio é não só uma das lendas eternas do calcio italiano, mas também visto como o maior jogador da história do Bologna, o único clube que este avançado natural - precisamente - da cidade de Bolonha representou ao longo de 16 temporadas. Com a maglia rosso e blu (camisola vermelha e azul) atuou em 337 ocasiões, tendo apontado 247 golos, sendo ainda hoje o calciatore (futebolista) com mais jogos e golos ao serviço do clube. Schiavio que foi um dos jogadores em destaque no embate ante o Sparta, que o Bologna venceu por claros e expressivos 5-0. Reguzzoni abriu o marcador nos minutos iniciais, seguido de dois golos de Maini e um de Schiavio, tendo a nota artística final sido assinada por Baldi na etapa complementar. 
No encontro da segunda mão os checoslovacos ainda tentaram o impossível, e aos 30 minutos do primeiro tempo já haviam marcado dois golos - por Nejedly e por Donati, este último um auto-golo - que traziam esperança ao combinado de John Dick. Aos 15 minutos da segunda parte Podrazil fez o 3-0 final, resultado insuficiente para afastar o vice-campeão de Itália. 


Cesarini, o argentino naturalizado italiano
que se consagrou como o melhor marcador
da edição de 1932 da Mitropa, com 5 golos
O adversário do Bologna na meia-final foi nada mais nada menos do que o campeão em título da Mitropa, o First Viena, que nos quartos-de-final se desenvencilhou dos húngaros do Ujpest. Franz Schonwetter foi autor de um hattrick no encontro da primeira mão, dando assim uma importante ajuda para que o First levasse de vencido o seu oponente por 5-3. Vantagem que viria a ser fortemente protegida no jogo de volta, onde a defesa austríaca fechou a sete chaves a sua baliza, não permitindo que os vice-campeões da Hungria a violassem por mais do que uma ocasião. 1-1 foi o score final, e o First Viena continuava assim a sua caminhada europeia. Quem também apresentou uma defesa de ferro na primeira mão da ronda inaugural da Taça Mitropa de 1932 foi a Juventus. Os campeões de Itália esmagaram por 4-0 os campeões da Hungria, o Ferencvaros, um triunfo que foi edificado a partir de uma regída solidez defensiva personificada em Caligaris e Rosetta, uma dupla que anunlou na perfeição os perigosos avançados magiares József Takács e Turay. Lá na frente a Juve contava igualmente com atletas de vulto, casos dos oriundi Raimondo Orsi (argentino naturalizado italiano), Pedro "Pietro" Sernagiotto (brasileiro naturalizado italiano), e de Renato Cesarini (argentino naturalizado italiano), os autores dos quatro tentos da Vecchia Signora neste jogo, sendo que este último jogador fez o gosto ao pé por duas ocasiões. No jogo da segunda mão, e como seria de esperar, o Ferencvaros entrou forte, e nos primeiros 20 minutos conseguiu cavar duas grandes penalidades, convertidas posteriormente por Sarosi. As esperanças húngaras iriam contudo morrer nos pés dos talentosos jogadores juventinos oriundos da América do Sul, os tais oriundi (nome dado aos descendentes de emigrantes italianos nascidos na região mais a sul do continente americano). Orsi com um golo, e Cesarini com dois, deram a volta ao marcador, e garantiram que pela primeira vez a Juventus superava a barreira da primeira eliminatória na Mitropa, de nada valendo um último golo do Ferencvaros. 
A última equipa a juntar-se ao leque de semi-finalistas foi o Slavia de Praga, conjunto que afastou os campeões da Áustria, o Admira de Viena, por um resultado global de 3-1. 

Batalhas campais em Praga e em Turim deixam Bologna sem adversário na final

Aqui se prepara um jogador do Sparta para ceifar
de forma violenta um italiano. Imagens como esta
foram uma constante ao longo da meia final
A violência no terreno de jogo ganhou contornos vincados nesta edição da prova no duelo - na verdadeira ascensão da palavra - entre o Slavia de Praga e a Juventus. Entradas duras que levaram a algumas cenas de pancadaria entre jogadores de ambos os conjuntos foram uma constante ao longo da eliminatória, facto que levou a organização da Mitropa Cup a aplicar uma dura e até então inédita sanção. Em Praga jogou-se a primeira mão, jogo este onde o Slavia entrou mais ofensivo, postura que ao intervalo era refletida no marcador com uma vantagem de dois golos. Na etapa complementar a partida foi interrompida em variadas ocasiões devido a desentendimentos acesos entre jogadores e treinadores de ambos os lados da barricada. Ainda assim, o Slavia fez funcionar o marcador em mais um par de ocasiões, garantindo um robusto triunfo por 4-0. Em Turim a violência subiu de tom. Assim que entraram em campo os jogadores do Slavia foram brindados com diversos objetos provenientes das bancadas, enquanto que ainda antes do apito inicial os próprios jogadores da Juventus recusaram-se, pura e simplesmente, a cumprimentar os seus adversários. O jogo em si foi mais um capítulo de extrema violência, com entradas duras em catadupa, seguidas de agressões entre jogadores. Claramente, o futebol há muito que tinha passado para segundo plano. Orsi e Cesarini ainda marcaram para a Juventus, mas de nada valeriam estes golos. Os italianos estavam afastados da final... e os checoslovacos também! Isto, porque a organização da Mitropa decidiu castigar ambas as equipas, com a exclusão imediata, entregando o título de campeão do certame de 1932 ao Bologna, equipa que na outra meia-final havia ultrapassado o First Viena. Na primeira mão, disputada em Bolonha, os italianos venceram por 2-0, com golos de Maini e Sansone, num jogo que fica marcado pelo facto de Schiavio ter atuado fisicamente limitado. Ele que havia sido o melhor marcador do campeonato italiano em 1931/32, com um total de 25 remates certeiros. 
Uma semana mais tarde, no Hohe Warte Stadium, em Viena, os austríacos fizeram uma exibição de gala, um jogo perfeito, que mesmo assim não chegou para ir além de uma magra e insuficiente vitória por 1-0.   

Números e nomes:

Quartos-de-final (1ª e 2ª mãos)

Slavia Praga (Checoslováquia) - Admira Viena (Áustria): 3-0/0-1

Bologna (Itália) - Sparta Praga (Checoslováquia): 5-0/0-3

Juventus (Itália) - Ferencvaros (Hungria): 4-0/3-3

First Viena (Áustria) - Ujpest (Hungria): 5-3/1-1

Meias-finais (1ª e 2ª mãos)

Bologna (Itália) - First Viena (Áustria): 2-0/0-1

Slavia Praga (Checoslováquia) - Juventus (Itália): 4-0/0-2* 

*Nota: Ambas as equipas foram desqualificadas pela organização devido à conduta violenta exibida durante a eliminatória, facto que permitiu ao outro finalista, o Bologna, sair desde logo vencedor desta edição de 1932 
Il Grande Bologna dos anos 30, uma das mais virtuosas equipas da história do Calcio
que em 1932 venceu a primeira de duas Taças Mitropa (nota: na imagem aparece a equipa de 1932)

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