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O grupo de 23 aristocratas que em outubro de 1888 deu o pontapé de saída na história do futebol em Portugal |
Oficialmente o
pontapé de saída da história do futebol português é dado em outubro de 1888. O palco daquele que é hoje um momento histórico é Cascais, mais concretamente os terrenos da Parada, onde um grupo de 23 aristocratas da sociedade lisboeta da época, sendo que entre estes figuravam os irmãos Pinto Basto, os grandes responsáveis pela introdução do
belo jogo em território português. Foram eles que em meados de 1886 trouxeram da pátria do futebol moderno - Inglaterra - a primeira bola de futebol, mágico objeto que seria guardado religiosamente para que anos mais tarde fosse então utilizado no já referido
ensaio de Cascais. Faça-se, no entanto, aqui um parêntese para dizer que há quem defenda a teoria de que a primeira vez que a bola rolou em Portugal foi na Madeira. A efeméride é atribuída Harry Hilton, um jovem oriundo de uma família
aristocrata inglesa radicada naquela ilha do Atlântico que em 1875 terá reunido um
grupo de amigos para na Camacha dar uso ao seu mais recente brinquedo
trazido da sua Inglaterra: uma bola de futebol. Pouco mais se sabe sobre
a “brincadeira” do jovem Harry… Contudo, historiadores fizeram crer que
este momento não passou senão de um instante lúdico de Harry Hilton e
seus amigos, onde o esférico foi – sem regras – maltratado na sequência
dos milhares de pontapés que recebeu. Efetivamente a primeira vez em que o jogo se desenrolou de forma organizada e “futebolisticamente
civilizada”, o mesmo é dizer com as regras do jogo devidamente aplicadas
e cumpridas, foi em 1888, pelo tal de grupo de 23 aristocratas veraneantes. Entre eles destacou-se Guilherme Pinto Basto, os mais velho dos irmãos Pinto Basto, que dizem os historiadores ser dele a ideia de realizar o tal
ensaio nos terrenos da Parada.
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Guilherme Pinto Basto |
Guilherme nasceu a 1 de fevereiro de 1864, na freguesia de Santa
Catarina, em Lisboa, e cedo descobriu o fascínio pelo desporto. Um
encanto que teve o seu primeiro capítulo oficial, por assim dizer, aos
14 anos, altura em que vai para Inglaterra com o intuito de completar os
seus estudos.
Em “terras de Sua Majestade” frequentou o Colégio de Downside, onde já
estudavam os seus irmãos Eduardo e Frederico Pinto Basto. Ai trava
conhecimento com o
belo jogo que desabrochava em terras britânicas. Em 1884 regressa a Portugal para trabalhar na casa comercial Pinto Basto & Companhia, gerida pela sua família. E aqui durante anos residiu uma dúvida: seria Guilherme que nesse seu regresso à pátria trouxe na bagagem a primeira bola de futebol? «Não, foram os meus irmãos, Eduardo e Frederico, quando regressaram do colégio em Inglaterra, em 1886», disse o aristocrata numa entrevista ocorrida anos mais tarde, desvendando desta forma o mistério. Mas terá sido ele que em 1888, com os
conhecimentos sobre as leis e técnicas do jogo adquiridos na
Velha Albion, rapidamente contagiou os seus amigos mais próximos com o vício pelo
jogo do pontapé na bola, e que edificaria então no final do verão de 1888 o primeiro grande momento coletivo do futebol em Portugal, o
primeiro
ensaio da modalidade que com o passar dos anos se haveria de
tornar rainha na quase totalidade do planeta.Sobre este desafio dizem os poucos relatos existentes que os irmãos Pinto Basto e restantes amigos passaram a manhã a retirar pedras do campo dos tais terrenos da Parada com o intuito de colocarem a bola a rolar. Para a história ficam pois o nome dos 23 pioneiros: Guilherme Pinto Basto, Eduardo Pinto Basto, Frederico Pinto Basto, Aires de Ornelas, Hugo O´ Neill, António Avillez, João Bregaro, Augusto Moller, Jorge Figueira, Carlos Pinto Basto, Luís Trigoso, Manuel Salema, Eduardo Romero, Pedro Sabugal, Francisco Alte, Salvador Asseca (visconde), Francisco Avillez, Salvador França, Francisco Figueira, Simão de Souza Coutinho, Vasco Sabugosa (conde de S. Lourenço) e o Visconde de Castello.Novo. O resultado final deste primeiro
ensaio é por completo desconhecido. Sabe-se sim que os primórdios do futebol em Portugal foram aristocratas, o jogo começou a ser interpretado pelas classes elitistas, por membros da mais fina flor da sociedade. O futebol em Portugal nascia em berço de ouro!
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O grupo português que em 1889 defrontou os ingleses do Cabo Submarino de Carcavelos |
O sucesso do
ensaio de Cascais fez com que quatro meses depois (22 de janeiro de 1889) se organizasse um desafio mais a sério, digamos assim,
num clima diferente do verificado nos terrenos da Parada entre um grupo
de ricos e ilustres amigos que procuravam acima de tudo divertir-se.
Desta feita Guilherme Pinto Basto escalou uma equipa de Lisboa - composta
unicamente por portugueses - para defrontar um grupo de ingleses que por aquela
altura se encontravam em serviço no Cabo Submarino, explorado por uma
empresa inglesa e situado em Carcavelos. O cenário do
match foi
Lisboa, no local onde anos mais tarde seria edificado o Campo Pequeno. O
resultado foi favorável aos portugueses - não se sabendo por quantos -, ficando no entanto para a história o facto de que o
team português, no qual
Guilherme Pinto Basto atuou como guarda-redes (embora naquela época não
houvessem posições ou táticas fixas, podendo hoje jogar como
guarda-redes e amanhã como avançado) ter lutado com bravura, portando-se os
seus integrantes como autênticos
sportsmens.
A este encontro entre os fidalgos portugueses e os operários ingleses ocorre um vasto número de personagens possuídas por ávida curiosidade em
presenciar o ato bárbaro de pontapear uma bola protagonizado por 22
homens. Eternizados ficaram pois os seus nomes, sendo que pelos portugueses se
apresentaram em campo: Guilherme Pinto Basto (sabe-se na qualidade de
guarda redes), João Saldanha Pinto Basto, João Bregaro, Eduardo Romero,
Eduardo Pinto Basto, Afonso Vilar, D. Simão de Sousa Coutinho (Borba),
Duarte Pinto Basto, Frederico Pinto Basto, Fernando Pinto Basto, Augusto
Moller e Henrique Vilar. 12 nomes do lado lusitano, presumindo-se que
um deles tivesse sido suplente. Pela armada britânica entraram em campo:
J. Frazer, J. Mason, C. Anderson. Wray. R. W. Watson, Rawstron, Govan,
Briggs, F. Palmer, C. Cox e um outro jogador não identificado.
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A equipa inglesa composta por operários do Cabo Submarino que em 1889 jogou nos terrenos do atual Campo Pequeno |
Pormenor curioso foram os equipamentos. Caricatos, na verdade! Trajes
para todos os gostos e feitios. Houve quem levasse fatos de banhos às
riscas (!) outros com indumentária de presidiários calçando sapatos no
lugar de botas, e quase todos eles ostentando um peculiar barrete a
fazer lembrar um vendedor de gelados deambulando pelas praias! Táticas
de jogo não parece que tenham existido, até porque o único objetivo era
pontapear a bola para a frente na tentativa de a introduzir no
goal
adversário. Na plateia senhoras da alta sociedade com vestes de gala
olhavam com chocada admiração as correrias bárbaras dos
gentelmens
lusitanos e dos trabalhadores britânicos. Pormenores mais detalhados da
contenda são desconhecidos, apenas se sabe que os corajosos portugueses
venceram, embora não se sabe por quantos nem quem foram os autores dos
goals.
Desse histórico momento daquela tarde ventosa há no entanto uma relíquia
ainda hoje guardada. Uma deliciosa e – muito – peculiar crónica
publicada no “Jornal do Comércio” de 23 de janeiro de 1889. De autor
desconhecido este é tido como o primeiro texto escrito em Portugal
retratando os acontecimentos de um
match de football, o qual foi
ilustrado por uma não menos peculiar ilustração que também aqui hoje
recordamos. Sem mais demoras aqui fica o “retrato escrito” daquele
momento cujo título é senão mais do que uma curiosa combinação de
palavras das emoções ali vividas:
«O “Match” no Campo Pequeno – A mulher peluda no Jardim Zoológico
Uma
quantidade enorme de pessoas foi hoje ao Campo Pequeno assistir ao
desafio, entre ingleses e portugueses, de futebol. Grande número de
carruagens com elegantes senhoras, entre as quais se destacavam
mademoiselle Ida Blanc, governando galhardamente, ao lado de sua mãe,
uma soberba parelha de cavalos pretos. O resultado do jogo foi muito
lisongeiro para os nossos compatriotas que conseguiram ganhar. Não
faltaram os trambolhões e os rebolões do próprio jogo, mostrando todos
os fortes mancebos, que nele tomaram parte, quão exímios são no “manejo”
do pontapé, como disse uma elegante que, por casualidade, ficou ao pé
de nós. Quase toda a gente, findo o futebol, foi passear ao Jardim
Zoológico, onde se exibia a persa Mirra, a mulher peluda».
Uma crónica pituresca de um acontecimento que nas décadas seguintes do
novo século que se aproximava haveria de se tornar num ritual comum das
tardes domingueiras para as gentes da brava nação lusitana.
Um comentário:
A pesquisa casual por uma foto do bi-bota de ouro Fernando Gomes trouxe-me até aqui. Aproveito a ocasião para registar a minha admiração pelo blog. Parabéns.
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