Aproveitando a recente viagem ao passado da história do futebol brasileiro onde o português Joreca foi recordado como o primeiro treinador estrangeiro a ter o privilégio de orientar a seleção canarinha - o outro foi o argentino Nélson Ernesto Filpo Nuñez, embora apenas num só jogo - vamos hoje conhecer um dos quatro homens que um dia tiveram a oportunidade - e sobretudo a honra - de vestir a mágica camisola do escrete. Uma situação invulgar, e impensável nos dias de hoje, até porque a tendência é outros países importarem para as suas seleções nacionais os artistas nascidos no Brasil, e não o contrário. Aliás, costuma dizer-se que o Brasil tem talento suficiente para formar duas ou três equipas de nível semelhante numa fase final de Campeonatos do Mundo! Mas nem sempre foi assim. Para surpresa de muita gente apaixonada pelo belo jogo também a cintilante seleção canarinha foi integrada em tempos por jogadores forasteiros, e um deles foi... português! É verdade.
Se o português Joreca foi o primeiro treinador estrangeiro a sentar-se no banco da seleção Casemiro do Amaral foi o segundo atleta nascido noutro país a vestir a amarelinha. Momento histórico ocorrido no seio de outro... momento histórico, como já iremos ver.
Corria o ano de 1916, quando a Argentina, país que vivia os primeiros anos de euforia provocada pelos encantos do belo jogo, decide organizar uma competição futebolística de cariz internacional com o intuito de celebrar o centenário da sua independência. Para tal foram convidadas três das melhores seleções sul-americanas da época, o Chile, o Uruguai, e o Brasil, trio ao qual se juntou o combinado da casa para disputar aquele que seria batizado de Campeonato Sul-Americano de Futebol, anos mais tarde rebatizado de Copa América, aquela que é hoje a segunda competição mais antiga do planeta - logo a seguir ao torneio olímpico - no que a seleções nacionais diz respeito.
A Buenos Aires, cidade que testemunhou esse histórico acontecimento, chegaram as principais estrelas do futebol da América do Sul daqueles dias, entre outros, os uruguaios Isabelino Gradín, e José Piendibene, e o brasileiro Arthur Friedenreich. Orientada por uma comissão técnica composta por Joaquim de Souza Ribeiro, Benedicto Montenegro e Mário Sérgio Cardim, a seleção canarinha apresentava-se na parada com uma curiosidade, ou melhor, com duas curiosidades. Do seu grupo faziam parte dois atletas estrangeiros (!), o inglês Sydney Pullen, que defendia as cores do Flamengo, e o português Casemiro do Amaral, guarda-redes que na época atuava pelos paulistas do Mackenzie College.
É pois sobre esta figura lusitana - quase desconhecido entre nós (!) - que iremos traçar em seguida umas breves linhas biográficas.
Na verdade, pouco ou nada se sabe da vida de Casemiro do Amaral em Portugal, sabendo-se apenas que nasceu em Lisboa a 14 de setembro de 1892, e que ainda criança terá emigrado para o Brasil juntamente com os seus pais. A história da lenda inicia-se pois em Terras de Vera Cruz, mais concretamente no Rio de Janeiro, em 1911, ao serviço do América, ao que se sabe o primeiro clube onde terá exibido os seus dotes de grande goleiro (guarda-redes). Ecos das suas (boas) exibições terão chegado a São Paulo, e no ano seguinte passa a defender a baliza do Germânia, um dos nobres emblemas do futebol paulista da época. Porém, a aventura neste clube foi curta, e nos dois anos seguintes enverga a camisola do clube que o tornou célebre, e que ele próprio ajudou a popularizar entre a urbe paulista, o Corinthians.
Com o Timão conquistou o único título da sua carreira, o de campeão paulista de 1914, curiosamente a primeira grande conquista do popular clube. Depois disso zangou-se e partiu para outras paragens, mas não para muito longe dali. Refugiou-se durante três temporadas num dos grandes rivais do Coringão da altura, o Mackenzie College, clube pelo qual poucos anos antes tinha atuado a primeira grande lenda do futebol brasileiro, Arthur Friedenreich.
E seria com as cores deste clube que em 1916 é chamado então ao grupo que viaja para a Argentina para disputar o primeiro Campeonato Sul-Americano da história. Seleção brasileira que, recorde-se, tinha apenas dois anos de vida, já que havia feito o seu primeiro jogo a 21 de julho de 1914, ante os ingleses do Exceter City (dizem os historiados do belo jogo que era a melhor equipa do Mundo daquele tempo).
Como concorrente no posto de guarda-redes o português Casemiro do Amaral tinha nada mais nada menos do que o primeiro homem que defendeu a baliza do Brasil, Marcos Carneiro de Mendonça, lendário goleiro do Fluminense, o melhor na sua posição por aqueles dias longínquos da década de 10 do século XX.
Como seria de esperar Marcos entrou em campo no dia 8 de julho de 1916 para defrontar o Chile, no primeiro jogo do Brasil numa competição oficial. No Estádio Juan Carmelo Zerillo este duelo saldou-se por uma igualdade a uma bola, com o tento brasileiro a ser apontado por Demósthenes. Neste jogo alinhou de início pelo Brasil o médio inglês Sidney Pullen, que se tornava assim no primeiro estrangeiro a alinhar pelo escrete.
E no jogo seguinte virou-se uma página na curta história da seleção. O histórico goleiro Marcos deixava a baliza para o estreante português Casemiro do Amaral. Apesar do bom futebol apresentado os brasileiros não conseguiram melhor do que repetir ante a equipa da casa, a Argentina, o resultado registado na estreia. Assim sendo, o terceiro e último jogo - a competição foi disputada em sistema de poule, onde todos jogaram contra todos - diante do Uruguai era de vida ou morte para o Brasil, a quem só a vitória interessava.
Casemiro do Amaral surgiu de novo como titular na baliza, e os brasileiros até foram os primeiros a festejar na sequência de um golpe fatal da estrela Friedenreich. O azar, porém, bateu à porta dos canarinhos. O defesa Orlando Pereira lesionou-se, e como na altura não eram permitidas substituições os uruguaios jogaram o resto do encontro com mais um jogador, superioridade aproveitada por Gradín e Tognola para fuzilar a baliza de Casemiro do Amaral e oferecer o triunfo à celeste por 2-1. O Brasil ia para casa com o terceiro lugar no bolso, ao passo que os uruguaios carimbariam no encontro senguinte - com a Argentina - o título de campeão das américas.
O sucesso deste primeiro Campeonato Sul-Americano de Futebol foi tal que dias mais tarde ao términus do certame fundou-se a Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL), que dali em diante passaria a tutelar o belo jogo na zona sul do continente americano. CONMEBOL que chamaria já até si a organização da edição seguinte do Campeonato Sul-Americano, que se realizou no Uruguai, em 1917, e contou com os mesmos quatro concorrentes da edição inaugural.
E para o Uruguai não viajou El Tigre Friedenreich, mas viajou Casemiro do Amaral, que com a saída de Marcos da seleção assumia a titularidade indiscutível do posto de guarda-redes. Ele fez os três jogos da campanha, o primeiro saldado por uma derrota ante a Argentina por 2-4, o segundo que se traduziu numa goleada sofrida aos pés dos mágicos uruguaios - que no seu grupo tinham agora a lenda Hector Scarone, que 13 anos mais tarde ajudaria a celeste a conquistar dois títulos olímpicos e um Campeonato do Mundo - e o terceiro na primeira vitória de sempre do escrete numa competição oficial, obtida ante o Chile, por 5-0, a qual garantiu - novamente - o terceiro lugar numa competição que voltaria a ser vencida pelo Uruguai.
Pelo Brasil Casemiro do Amaral ainda realizou mais um jogo, em outubro desse ano de 1917 (derrota por 1-3, de novo com o Uruguai), pouco antes de regressar ao Corinthians, onde jogaria até 1920.
Quanto ao resto da história deste luso nada mais se sabe, a não ser que morreu ainda novo, com 47 anos, em São Paulo, a 8 de outubro de 1939.
Ah, para além de Sydney Pullen e de Casemiro do Amaral os outros dois intrusos (estrangeiros) na seleção foram o italiano Francisco Police, e o boliviano Marcelo Moreno.
Legenda das fotografias:
1-Casemiro do Amaral
2-Seleção do Brasil na Copa América de 1916, com Casemiro do Amaral a assumir o posto de guarda-redes
3-Atuando ao serviço de uma seleção paulista contra a sua congénere carioca
4-Equipa do Corinthians campeã paulista em 1914. O jogador luso é o terceiro elemento da fila de cima
5-Seleção brasileira da Copa América de 1917, sendo que Casemiro do Amaral se encontra vestido de negro na fila de cima
Se o português Joreca foi o primeiro treinador estrangeiro a sentar-se no banco da seleção Casemiro do Amaral foi o segundo atleta nascido noutro país a vestir a amarelinha. Momento histórico ocorrido no seio de outro... momento histórico, como já iremos ver.
Corria o ano de 1916, quando a Argentina, país que vivia os primeiros anos de euforia provocada pelos encantos do belo jogo, decide organizar uma competição futebolística de cariz internacional com o intuito de celebrar o centenário da sua independência. Para tal foram convidadas três das melhores seleções sul-americanas da época, o Chile, o Uruguai, e o Brasil, trio ao qual se juntou o combinado da casa para disputar aquele que seria batizado de Campeonato Sul-Americano de Futebol, anos mais tarde rebatizado de Copa América, aquela que é hoje a segunda competição mais antiga do planeta - logo a seguir ao torneio olímpico - no que a seleções nacionais diz respeito.
A Buenos Aires, cidade que testemunhou esse histórico acontecimento, chegaram as principais estrelas do futebol da América do Sul daqueles dias, entre outros, os uruguaios Isabelino Gradín, e José Piendibene, e o brasileiro Arthur Friedenreich. Orientada por uma comissão técnica composta por Joaquim de Souza Ribeiro, Benedicto Montenegro e Mário Sérgio Cardim, a seleção canarinha apresentava-se na parada com uma curiosidade, ou melhor, com duas curiosidades. Do seu grupo faziam parte dois atletas estrangeiros (!), o inglês Sydney Pullen, que defendia as cores do Flamengo, e o português Casemiro do Amaral, guarda-redes que na época atuava pelos paulistas do Mackenzie College.
É pois sobre esta figura lusitana - quase desconhecido entre nós (!) - que iremos traçar em seguida umas breves linhas biográficas.
Na verdade, pouco ou nada se sabe da vida de Casemiro do Amaral em Portugal, sabendo-se apenas que nasceu em Lisboa a 14 de setembro de 1892, e que ainda criança terá emigrado para o Brasil juntamente com os seus pais. A história da lenda inicia-se pois em Terras de Vera Cruz, mais concretamente no Rio de Janeiro, em 1911, ao serviço do América, ao que se sabe o primeiro clube onde terá exibido os seus dotes de grande goleiro (guarda-redes). Ecos das suas (boas) exibições terão chegado a São Paulo, e no ano seguinte passa a defender a baliza do Germânia, um dos nobres emblemas do futebol paulista da época. Porém, a aventura neste clube foi curta, e nos dois anos seguintes enverga a camisola do clube que o tornou célebre, e que ele próprio ajudou a popularizar entre a urbe paulista, o Corinthians.
Com o Timão conquistou o único título da sua carreira, o de campeão paulista de 1914, curiosamente a primeira grande conquista do popular clube. Depois disso zangou-se e partiu para outras paragens, mas não para muito longe dali. Refugiou-se durante três temporadas num dos grandes rivais do Coringão da altura, o Mackenzie College, clube pelo qual poucos anos antes tinha atuado a primeira grande lenda do futebol brasileiro, Arthur Friedenreich.
E seria com as cores deste clube que em 1916 é chamado então ao grupo que viaja para a Argentina para disputar o primeiro Campeonato Sul-Americano da história. Seleção brasileira que, recorde-se, tinha apenas dois anos de vida, já que havia feito o seu primeiro jogo a 21 de julho de 1914, ante os ingleses do Exceter City (dizem os historiados do belo jogo que era a melhor equipa do Mundo daquele tempo).
Como concorrente no posto de guarda-redes o português Casemiro do Amaral tinha nada mais nada menos do que o primeiro homem que defendeu a baliza do Brasil, Marcos Carneiro de Mendonça, lendário goleiro do Fluminense, o melhor na sua posição por aqueles dias longínquos da década de 10 do século XX.
Como seria de esperar Marcos entrou em campo no dia 8 de julho de 1916 para defrontar o Chile, no primeiro jogo do Brasil numa competição oficial. No Estádio Juan Carmelo Zerillo este duelo saldou-se por uma igualdade a uma bola, com o tento brasileiro a ser apontado por Demósthenes. Neste jogo alinhou de início pelo Brasil o médio inglês Sidney Pullen, que se tornava assim no primeiro estrangeiro a alinhar pelo escrete.
E no jogo seguinte virou-se uma página na curta história da seleção. O histórico goleiro Marcos deixava a baliza para o estreante português Casemiro do Amaral. Apesar do bom futebol apresentado os brasileiros não conseguiram melhor do que repetir ante a equipa da casa, a Argentina, o resultado registado na estreia. Assim sendo, o terceiro e último jogo - a competição foi disputada em sistema de poule, onde todos jogaram contra todos - diante do Uruguai era de vida ou morte para o Brasil, a quem só a vitória interessava.
Casemiro do Amaral surgiu de novo como titular na baliza, e os brasileiros até foram os primeiros a festejar na sequência de um golpe fatal da estrela Friedenreich. O azar, porém, bateu à porta dos canarinhos. O defesa Orlando Pereira lesionou-se, e como na altura não eram permitidas substituições os uruguaios jogaram o resto do encontro com mais um jogador, superioridade aproveitada por Gradín e Tognola para fuzilar a baliza de Casemiro do Amaral e oferecer o triunfo à celeste por 2-1. O Brasil ia para casa com o terceiro lugar no bolso, ao passo que os uruguaios carimbariam no encontro senguinte - com a Argentina - o título de campeão das américas.
O sucesso deste primeiro Campeonato Sul-Americano de Futebol foi tal que dias mais tarde ao términus do certame fundou-se a Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL), que dali em diante passaria a tutelar o belo jogo na zona sul do continente americano. CONMEBOL que chamaria já até si a organização da edição seguinte do Campeonato Sul-Americano, que se realizou no Uruguai, em 1917, e contou com os mesmos quatro concorrentes da edição inaugural.
E para o Uruguai não viajou El Tigre Friedenreich, mas viajou Casemiro do Amaral, que com a saída de Marcos da seleção assumia a titularidade indiscutível do posto de guarda-redes. Ele fez os três jogos da campanha, o primeiro saldado por uma derrota ante a Argentina por 2-4, o segundo que se traduziu numa goleada sofrida aos pés dos mágicos uruguaios - que no seu grupo tinham agora a lenda Hector Scarone, que 13 anos mais tarde ajudaria a celeste a conquistar dois títulos olímpicos e um Campeonato do Mundo - e o terceiro na primeira vitória de sempre do escrete numa competição oficial, obtida ante o Chile, por 5-0, a qual garantiu - novamente - o terceiro lugar numa competição que voltaria a ser vencida pelo Uruguai.
Pelo Brasil Casemiro do Amaral ainda realizou mais um jogo, em outubro desse ano de 1917 (derrota por 1-3, de novo com o Uruguai), pouco antes de regressar ao Corinthians, onde jogaria até 1920.
Quanto ao resto da história deste luso nada mais se sabe, a não ser que morreu ainda novo, com 47 anos, em São Paulo, a 8 de outubro de 1939.
Ah, para além de Sydney Pullen e de Casemiro do Amaral os outros dois intrusos (estrangeiros) na seleção foram o italiano Francisco Police, e o boliviano Marcelo Moreno.
Legenda das fotografias:
1-Casemiro do Amaral
2-Seleção do Brasil na Copa América de 1916, com Casemiro do Amaral a assumir o posto de guarda-redes
3-Atuando ao serviço de uma seleção paulista contra a sua congénere carioca
4-Equipa do Corinthians campeã paulista em 1914. O jogador luso é o terceiro elemento da fila de cima
5-Seleção brasileira da Copa América de 1917, sendo que Casemiro do Amaral se encontra vestido de negro na fila de cima
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