segunda-feira, março 03, 2025

Viagem (real) ao passado para (re)viver o primeiro jogo oficial realizado em Portugal

 


O dia 1 de março de 2025 ficou assinalado por uma viagem ao passado para reviver um momento histórico do futebol português. No dia 2 de março de 1894, a cidade do Porto foi palco do primeiro jogo oficial de futebol em Portugal, um acontecimento que teve lugar no campo do Oporto Cricket Club (na zona do Campo Alegre) e que (mais de) 130 anos volvidos foi vivenciado com uma recriação histórica inesquecível. 




O histórico match teve lugar no mesmo local de há 130 anos atrás, e toda a sua envolvência e espírito foram recriados de forma original, desde os peculiares equipamentos da época, as balizas rudimentares, as marcações do campo, as regras do então recém-nascido (em Portugal) football, a chegada de El Rei Dom Carlos e a Rainha Dona Amélia quando o jogo ia já na 2.ª parte, e a própria taça, a original, que fez as delícias de quem presenciou esta recriação daquele que foi o primeiro jogo oficial (e por consequência o primeiro troféu atribuído ao vencedor) da história do futebol em Portugal.

O team de Lisboa


O team do Porto
Foi de facto uma experiência única e fascinante para quem vive apaixonado pelo passado do Belo Jogo. Esta encenação futebolística, digamos assim, contou com a presença de gente ilustre do passado (mais recente) futebol português. Desde logo os futebolistas que no relvado do Oporto Cricket Club (o clube mais antigo da Cidade Invicta) recriaram o jogo de 1894. Do lado da seleção de Lisboa pudemos rever craques como Quim Berto, Fernando Nélson, Gaúcho, ou Rebelo, que se faziam acompanhar por outros nomes (talvez) menos conhecidos do grande público, a saber Brito, Ferreira, André Reis, Fernando Gonçalves, Tiago Henrique, Nuno Teixeira, Pedro Rodrigues, Nuno Horta, Hugo Fonseca, Nuno Miguel Teixeira, Nuno Rosário, Soeiro e Renato Anjos. Do lado da seleção portuense não faltaram lendas do Futebol Clube do Porto, desde logo o eterno capitão João Pinto, que se fez acompanhar por Derlei, Rolando, Ricardo Silva, Bandeirinha, Bruno Vale, Tiago Cintra, Artur Alexandre,  Joca Valente, Costa e Almeida,  Hélder Barbosa, Nuno André Coelho e Marek Cech. 


Contrariamente ao que aconteceu há (mais de) 130 anos, altura em que a seleção lisboeta capitaneada por Guilherme Pinto Basto venceu a sua congénere portuense por 1-0, desta feita o team do Porto bateu o de Lisboa por 4-1 perante o olhar de Suas Majestades El Rei Dom Carlos e a Rainha Dona Amélia, que tal como em 1894 chegaram ao match a meio da segunda parte, na charrete real. A presença da “família real” deu de facto um colorido ainda mais brilhante a esta encenação histórica. Ainda em relação ao match há que dizer que este foi precedido da interpretação do “Hino do Infante D. Henrique”, composto por Alfredo Keil e H. Lopes de Mendonça para as comemorações Henriquinas de 1894.


Fascinante e emocionante (pelo menos para quem escreve estas linhas) foi ver de perto e poder tocar na “Cup D’El Rei”, o troféu mais antigo do futebol português, o primeiro troféu a ser disputado em Portugal, há que sublinhá-lo, e quiçá por esse simples facto o tornam numa relíquia sem par na nossa história.

quinta-feira, fevereiro 06, 2025

Histórias do Planeta da Bola (34)... Há 100 anos a Inglaterra testemunhou o primeiro preconceito racial na sua seleção


Barrar a convocatória de um futebolista para uma qualquer equipa devido à cor da sua pele é aos olhos da atualidade um ato criminoso e acima de tudo vergonhoso. Mas há precisamente 100 anos atrás nem toda a gente pensava desta forma, ou pelo menos julga-se que assim era quando recordamos o caso de Jack Leslie, o primeiro negro a ser convocado e ao mesmo tempo desconvocado para a seleção inglesa. Nascido no bairro londrino de Canning Town, no dia 17 de agosto de 1901, Jack era filho de pai jamaicano e mãe inglesa. Ao serviço do Barking Town, modesto emblema de outro bairro da capital inglesa, Leslie cedo começou a dar nas vistas pela sua veia goleadora. Conta-se que terá marcado ao serviço deste emblema mais de 250 golos nos primeiros anos de carreira, tendo tido um contributo preponderante para a conquistas da Taça Sénior Essex, em 1920; da London League Premier Division, no ano seguinte. Os feitos de Leslie começaram a ultrapassar as fronteiras de Londres, e em 1921 é contratado pelo Plymouth Argyle, clube do sudeste de Inglaterra, onde se tornaria uma verdadeira lenda nos 14 anos seguintes. Nos 400 encontros realizados com o clube apontou um total de 137 golos, fazendo uma dupla mortífera com outro ícone do clube, Sammy Black, uma parceria que ao longo de todos estes anos rendeu mais de 300 golos aos Pilgrims, a alcunha pelo qual é conhecido este emblema. E seria precisamente no auge da sua carreira, que em 1925 Leslie recebe da boca do seu treinador, Bob Jack, a notícia de que estava convocado para jogar pela seleção inglesa num jogo contra a Irlanda. A boa nova, para Leslie, foi divulgada pela imprensa, tendo o Birmingham Gazette e o Liverpool Echo feito eco da notícia. Porém, e para espanto de todos, quando a convocatória oficial saiu o nome de Jack Leslie não estava mencionado (!), sem qualquer explicação posterior dada pela Football Association (FA). De pronto, surgiram teorias de que Leslie tinha sido riscado da convocatória final devido à cor da sua pele, já que quando os responsáveis pela seleção se aperceberam que o jogador era negro simplesmente voltaram atrás na decisão de o convocar. Anos mais tarde, a FA admitiu que os seus dirigentes não sabiam inicialmente que Leslie era negro, e quando descobriram… já se sabe o resto da história. Em 1978, Leslie deu uma entrevista ao jornal Daily Mail em que disse que quando a FA descobriu que ele era negro julgaram que seria estrangeiro e como tal foi descartado da convocatória. Em 2022, ano em que Jack Leslie havia já deixado o mundo dos vivos (faleceu em 1988), a FA admitiu o erro que cometeu em 1925 e chamou os descendentes do jogador ao Estádio de Wembley, tendo-lhes entregue um boné! Sim, um boné que simbolizava a internacionalização que deveria ter acontecido quase (e então) 100 anos antes. Uma espécie de pedido de desculpas que, quiçá, terá chegado tarde demais, e que veio fazer justiça a um jogador que após pendurar as chuteiras  passou o restos dos seus dias a limpar… chuteiras. Sim, nas décadas de 60 e 70 Leslie seria funcionário do West Ham United, onde se ocupava de tratar/limpar das botas/chuteiras dos futebolistas dos Hammers, entre outros de lendas como Bobby Moore, Geoff Hurst, e Martin Peters, três campeões do Mundo ao serviço da Inglaterra, em 1966. Seleção inglesa que apenas em 1978 veria um jogador negro vestir a sua camisola: Viv Anderson, o seu nome.

 

quarta-feira, fevereiro 05, 2025

Grandes Mestres do Jornalismo Desportivo (26)... Nuno Ferrari


Hoje é dia de lembrar Nuno Ferrari, o poeta da imagem. Falar desta figura nascida a 6 de março de 1935 é simplesmente falar do maior repórter fotográfico do desporto (muito em particular do futebol) português. E assim o é, não apenas pelo seu dom na arte de fotografar, mas de igual modo, e sobretudo, porque foi ele o grande operário da revolução – no bom sentido da palavra – no jornalismo desportivo nacional no que à imagem diz respeito. Nuno José da Fonseca Ferreira, o seu nome de batismo, e que adotou o nome de Ferrari devido a um dos pioneiros da fotografia desportiva em Portugal; apesar de não usar caneta nem a máquina de escrever criou centenas, se não mesmo milhares, de obras de arte jornalísticas na história da imprensa desportiva portuguesa. E tudo através da fotografia, imagens que só de olhar para elas erámos capazes de conhecer uma história sem precisar de ler o título ou a crónica que a acompanhava. Aliás, muitas das suas fotografias inspiraram grandes vultos da escrita desportiva a escrever as suas prosas, tendo ele mesmo, Nuno Ferrari, rivalizado, no sentido positivo, com esses monstros sagrados da escrita desportiva em termos de preponderância. Nuno Ferrari era um artista, um criativo, um fotojornalista que não se limitava a tirar simples bonecos (vulgo, fotografias) de um jogo de futebol, ou de outro qualquer evento desportivo. Ele captava o sentimento da pessoa que fotografava, a título de exemplo, sendo que este seu talento mudaria até aos dias de hoje a forma como vemos o futebol, e o desporto em geral, quando este é impresso num qualquer jornal desportivo. Combinava talento e qualidade com o saber esperar pelo momento certo para tirar a fotografia. Olhar para as fotografias de Nuno Ferrari era (e é) como se estivéssemos a viver o momento in loco. Existe um “antes” e um “depois” de Nuno Ferrari no jornalismo desportivo português. Antes da sua chegada ao jornal A Bola, a 7 de março de 1953, as primeiras páginas dos jornais desportivos praticamente só tinham texto, e mesmo o interior era composto apenas pelas prosas jornalísticas, sem o colorido (mesmo que a preto e branco) da imagem. Com a chegada de Ferrari ao jornal da Travessa da Queimada, isso mudou, e a suas fotos começaram a acompanhar não só as crónicas publicadas no interior do jornal, como também as manchetes da primeira página. A Bola, o jornal que Nuno Ferrari dedicou toda a sua vida profissional, pode considerar-se como uma publicação pioneira no que toca à espécie de nova linguagem jornalística criada, onde a imagem passou a fazer parte da história que era contada. Aliás, e como já fizemos alusão, as fotografias deste vulto do jornalismo desportivo só por si contavam muitas vezes as histórias que A Bola publicou. Carlos Pinhão, um dos muitos nomes míticos deste jornal, quando um dia foi desafio a definir Nuno Ferrari numa só palavra de pronto o rotulou como «insubstituível». Também Vítor Serpa, outro ícone de A Bola, disse certa vez que «se costuma dizer que não há ninguém insubstituível. Bom… talvez com exceção do Nuno Ferrari». Ao longo dos seus 43 anos de carreira, o célebre fotojornalista esteve presente em dezenas de momentos importantes do desporto nacional, com destaque, se calhar, para o Campeonato do Mundo de 1966, onde captou a lendária imagem de Eusébio a deixar o relvado de Wembley em lágrimas, após Portugal ter sido eliminado pela Inglaterra. Nuno Ferrari morreu em serviço, no Estádio da Luz, quando fazia a cobertura de um jogo do Benfica.