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A turma da Académica de Coimbra que disputou a 1.ª Divisão Nacional em 1941/42 |
Chegamos
ao último capítulo desta memória sobre a derradeira e longínqua – já lá vão 82
anos – aparição do histórico Académico do Porto na 1.ª Divisão Nacional. E
começamos esta derradeira viagem pela
vitória dos academistas do Porto ante os academistas de Coimbra, no Estádio do
Lima. “Bola cá, bola lá”, assim se afigura o encontro nos primeiros minutos,
com ambas as defesas em alerta permanente. E mais uma vez, o relvado do Lima é
abençoado – ou não – pela chuva que caí à hora do encontro na cidade do Porto. «As duas equipas e o árbitro (o lisboeta
João Vaz) heroicamente se aguentam no terreno» escreve o jornalista ao
serviço do Norte Desportivo. A chuva faz com que a partida não desperte grande
entusiasmo, visto que não é possível praticar-se um futebol vistoso, dadas as
condições do relvado do Lima. Os de Coimbra são os que mais tentam remar contra a maré, com tentativas de
avanços no terreno, mas são os academistas que nas vezes em que se aventuram na
área contrária mais perigo lá têm semeado. A Académica tem razões de queixa do
árbitro lisboeta, já que em duas ocasiões reclama penalty, por derrube a Gomes
e a Armando, com o juiz a mandar seguir.
As más condições do terreno fazem com que o portuense Marques abandone temporariamente
o relvado, aparentemente com queixas físicas. Até que aos 33 minutos o encontro
conhece o primeiro grande sinal de interesse, o golo da Académica de Coimbra. «Nini, de longe, ensaia um pontapé que sai
com violência e que Santiago não pôde deter». Quase de seguida o Académico
espreita o empate, não fosse o guardião Acácio fazer uma estirada espetacular. Até
que na entrada para os últimos cinco minutos da primeira parte, os portuenses
chegam à igualdade. «Raul, lançado pela
esquerda, serviu excelentemente Julinho, e quando Acácio se lhe lançava aos
pés, aquele fez-lhe passar a bola sobre o corpo, para o fundo da rede».
O
golo espicaçou os anfitriões, que apenas dois minutos volvidos ampliaram a
vantagem. O lance começa em Álvaro Pereira, que executa um centro para a cabeça
de Marques – que, entretanto, já havia voltado ao campo –, que desvia o
esférico para Raul, que também de cabeça faz o segundo para o Académico. E
assim termina a primeira metade. No recomeço os estudantes de Coimbra surgem
mais velozes e lançados ao ataque. «Parece
que os visitantes vão dar tudo por tudo para modificar a feição do encontro.
Aparecem jogadas, agora mais claras, por parte dos visitantes». E numa
delas Lemos tem uma fuga pelo centro do terreno, e de seguida cruza para a
cabeça de Armando fazer o segundo tento da Briosa
para espanto de Santiago. Este golo despertou os portuenses, que passaram a ter
mais domínio no encontro, «obrigando os
visitantes a ceder cantos em série». E como diz o ditado “água mole em
pedra dura tanto bate até que fura”, eis que Raul Castro fez o 3-2 final à passagem
da hora de jogo, garantindo assim o triunfo dos alvi-negros, que nesta partida
alinharam com: Santiago, António Jorge, Rafael, Manau, Marques, Eliseu, Álvaro
Pereira, Gamboa, Julinho, Raul Castro e Raul.
Nova viagem de má memória ao sul de Portugal
Nesta sua
derradeira aparição no Nacional da 1.ª Divisão não se pode dizer, muito longe
disso, que as viagens ao sul do país tenham sido felizes para as hostes do
Académico do Porto. Além dos 35 golos sofridos só na capital, os academistas
encaixaram mais 13 (!) noutras deslocações a sul do Tejo. Isto é, aos cinco
sofridos em Olhão na 8.ª jornada, averbaram mais oito na deslocação ao
Barreiro. Caso para dizer que os ares do sul fizeram mal aos portuenses. No
Campo do Rossio, «o Barreirense impôs uma
toada rápida e de passes curtos que desconcertaram o adversário», escrevia
o correspondente do Norte Desportivo. O jornalista retratava ainda que no
primeiro quarto de hora, a equipa da “margem sul” «delineou avançadas vistosas a que os seus dianteiros deram boa
conclusão». Por seu turno, o Académico alternou entre o bom e o mau, sendo
que neste último capítulo o ataque esteve
«muito irregular». Este encontro marcou ainda o regresso de Levy de Sousa à
baliza academista, ele que apesar dos oito golos encaixados teve lances de bom
desempenho, e talvez por isso no final da temporada tivesse rumado precisamente
ao Barreirense. 8-1 a favor do conjunto do Barreiro num encontro em que o
Académico apresentou o seguinte “onze”: Levy de Sousa, António Jorge, Rafael,
António Silva, Marques, Eliseu, Larsen, Campos, Raul Castro, Julinho (que
apontou o tento solitário dos portuenses) e Raul.
A vitória mais dilatada do Académico na 1.ª
Divisão
E à 19.ª
jornada o Académico do Porto tirou a barriga
de misérias. E fê-lo à custa do Olhanense, que veio ao Lima “levar” nove! 9-0
foi o score daquela que foi a vitória
mais robusta do combinado portuense nesta temporada. Aliás, este é o resultado
mais dilatado alcançado pelos academistas nas suas cinco participações na 1.ª
Divisão, estabelecendo, como tal, um recorde que perdura até hoje. A história
deste encontro é simples de ser contada, e resume-se ao festival de golos do
Académico, festival esse que começou mal a bola rolou pela primeira vez. Logo
ao primeiro minuto Julinho marcou o primeiro na sequência de uma ação
individual. Os alvi-negros dominavam os algarvios, e aos cinco minutos Raul
Castro amplia a vantagem com um remate colocado. «O Olhanense parece sentir o piso relvado. A inconsistência das suas
jogadas não lhes permite a realização de grandes feitos, pelo que o Académico
se torna senhor da iniciativa e domínio», dizia o jornalista de serviço
neste encontro, no sentido de explicar a apatia dos algarvios. Porém, a pouco e
pouco os visitantes sacodem um pouco a pressão dos locais, embora sem conseguir
criar perigo na baliza de Santiago.
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O Olhanense foi a vítima maior do Académico na passagem dos portuenses pela 1.ª Divisão |
O jogo perde alguma da sua beleza, dado os
excessos de tentativas sem sucesso de jogadas individuais de parte a parte. Mas
sobre o intervalo uma jogada individual de Julinho – que desta vez contrariou a
tendência do individualismo de baixa qualidade – resultou numa grande
penalidade, que Raul Castro converteu com êxito. 3-0, o resultado na saída para
o descanso. No reatamento o Olhanense ainda dá um ar de sua graça, mas
rapidamente o Académico esfria o ânimo algarvio e volta a assumir o controlo da
partida. Aos 51 minutos Gamboa aponta o quarto tento dos academistas, que
apenas três minutos volvidos veem Larsen fazer o 5-0. «Os algarvios acusam a ascendência do grupo local», e permitem que
o mesmo Larsen dois minutos depois faça um novo golo. A avalanche dos
portuenses não se ficaria por aqui, e Larsen, que teve uma tarde endiabrada, à
passagem da hora de jogo, faz o 7-0. Aos 65 minutos foi a vez de Julinho voltar
a fazer o gosto ao pé após uma série de dribles sobre os adversários, e a 10
minutos do fim este mesmo jogador, mesmo sendo carregado em falta, consegue faz
o 9-0 com que foi selado o marcador. Inolvidável este jogo e o consequente
resultado na história do futebol do Académico do Porto.
Os
portuenses alinharam com: Santiago, António Jorge, Rafael, Manau, Eliseu,
Marques, Álvaro Pereira, Gamboa, Julinho, Raul Castro e Neca.
Regresso às derrotas no meio da ventania de
Leça da Palmeira
A festa
duraria pouco, já que na semana seguinte uma curta viagem até Leça da Palmeira
seria concluída por um desaire de 2-0 ante o conjunto local. O jornalista do
Norte Desportivo, José Parreira, relata que os leceiros iniciam a partida a
jogar contra o vento e que o duelo se
desenrola com uma certa velocidade. As primeiras oportunidades de golo
pertencem ao Leça, «que apesar de jogar
contra o vento tem sido mais equipa». Por seu turno, o Académico só a
partir da meia hora esboça uma reação, que não dura muito tempo. Na segunda
metade, os leceiros, desta feita com o vento a seu favor, comandam abertamente
a partida. «O Académico só esporadicamente
aparece sobre a meia defesa dos locais. O goal custa a aparecer, as situações
de perigo desenham-se continuamente junto dos postes de Levy (de Sousa), mas os
dianteiros do Leça, umas vezes por falta de sorte, outras por pelos efeitos
caprichosos que o vento imprime ao esférico, não encontram a finalidade desejada».
Até que aos 65 minutos acontece uma “embrulhada” na área academista, e «Rocha, por entre um cacho de jogadores,
atira a um canto, sem possibilidades para Levy (de Sousa)», abrindo assim o
marcador. O Leça não abranda o ritmo, continua a dominar, e já sobre o final,
Mendes tem um potente remate que o guardião academista não segurou e na
recarga, oportuno, Lúcio fez o 2-0 final de um encontro onde o Académico alinhou
com: Levy de Sousa, António Jorge, Rafael, Eliseu, Manau, Marques, Larsen,
Gamboa, Julinho, Raul Castro e Carvalho.
Ânimos exaltados no duelo com os vizinhos da Invicta
Na
penúltima ronda do campeonato e a precisar de pontuar para ainda ter esperanças
de ficar na 1.ª Divisão, o Académico fez uma curtíssima viagem até ao Campo da Constituição,
casa do vizinho FC Porto. Portistas que há muito já estavam afastados da luta
pelo título de campeão, que estava já praticamente entregue ao Benfica. Sem
nada a perder o FC Porto lança-se ao ataque, e logo nos minutos iniciais
António Santos envia o esférico para o fundo das redes de Santiago, embora o
árbitro invalide o golo por alegado fora de jogo do avançado da casa. Este foi
o primeiro sinal de aviso do que iria acontecer logo aos 3 minutos, altura em
que António Jorge carrega Correia Dias dentro de área. Desta feita, o árbitro
Correia da Costa não tem dúvidas e assinala grande penalidade, a qual seria convertida
precisamente por Correia Dias. «Os azuis
e brancos usufruem maior quinhão de domínio, obrigando a defesa academista a um
trabalho apurado», escreve o jornalista José Parreira. Com uma técnica mais
apurada e maior pendor ofensivo, os portistas ameaçam continuamente a baliza de
Santiago. Porém, aos 21 minutos o Académico tem uma oportunidade soberana para
chegar à igualdade, quando numa das raras incursões à baliza de Béla Andrasik,
o defesa Sárria mete mão à bola, com o juiz a apontar para a marca de castigo
máximo.
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Correia Dias tenta furar a defesa academista |
Na conversão, Raul Castro permite a defesa ao guarda-redes húngaro do
FC Porto. Logo de seguida, Carlos Pratas envia uma bola ao poste, e já sob o
intervalo este mesmo jogador faz o 2-0 a para os locais, resultado com que as
equipas saem para o descanso. O jogo é retomado praticamente com o terceiro
golo dos portistas, altura em que no meio de um aglomerado de jogadores na área
de Santiago, Pratas é mais rápido a esticar a perna e rematar a bola para o
fundo das malhas. O lance gera alguma confusão entre jogadores das duas
equipas. António Santos e Eliseu agridem-se mutuamente, com o árbitro a
expulsar o jogador do Académico e a deixar o portista em campo! Decisão
incompreensível. Eliseu reclama da decisão, e o juiz é obrigado a chamar a
polícia para retirar o atleta alvi-negro do terreno. Depois disto, Correia da
Costa perde o controlo da partida, e acumula asneiras atrás de asneiras até
final. Até que aos 21 minutos da etapa regulamentar Larsen foge aos adversários
pelo flanco esquerdo, e aproveitando um dos raros deslizes de Andrasik faz o
tento de honra do Académico, ainda assim insuficiente para evitar a derrota. Na
Constituição, os academistas alinharam com: Santiago, António Jorge, Rafael,
Manau, Eliseu, Marques, Raul Castro, Larsen, Gamboa, Julinho e Raul.
Despedida inglória do palco da “Primeira”
E eis que
chegávamos à 22.ª e última jornada do Nacional da 1.ª Divisão de 41/42. Jornada
decisiva para as duas equipas que mediam forças no Estádio do Lima, Académico e
Carcavelinhos. O conjunto da capital tinha somente mais um ponto que os
portuenses, sendo que a ambos só a vitória interessava para poderem continuar a
sonhar com a permanência, visto que à mesma hora também o Olhanense lutava pelo
mesmo objetivo. O encontro nem parecia de decisões, já que as bancadas do Lima
se apresentavam despidas de público. Até ao minuto 10 o perigo rondou com mais insistência
a baliza lisboeta, sendo que nas palavras do jornalista Bolero «o balanço ao quarto de hora dá vantagem
territorial aos portuenses. Vinca-se a opinião que os academistas jogam melhor.
Conduzem os seus ataques com mais método. O Carcavelinhos só a espaços elabora
jogadas vistosas». Contudo, aos 20 minutos, contra a corrente do jogo os
lisboetas marcam. Um cruzamento de Marques é bem aproveitado por Bernardo, que
de cabeça bateu Santiago. O golo animou os rapazes de Alcântara, que passam a
ter uma certa vantagem sobre o adversário. No entanto, até final do primeiro
tempo o Académico recupera o comando da partida, atua mais próximo da área
contrária, mas os seus avançados revelam pouca perícia na conclusão dos lances.
A defesa também está nervosa, e Rafael quase oferece o segundo golo aos de
Lisboa. Na segunda metade o encontro não muda de feição. «Joga-se mal de parte a parte e o entusiasmo pela luta também é
escasso. A bola anda cá e lá em esquemas improvisados. Joga-se como calha e
como a bola quer. O jogo quase não tem história», conta Bolero. A partir dos
55 minutos o Académico procura o golo com mais vontade, e o Carcavelinhos
defende a sua magra vantagem com “unhas e dentes”. A partida caminha para o
final, até que um balde de água fria cai sobre os lisboetas a três minutos dos
90, altura em que Larsen faz o empate. O resultado (1-1) não agrada a ninguém,
já que ambas as equipas descem de divisão. O Académico despedia-se assim do
principal palco do futebol português. Os portuenses encerraram o campeonato no
10.º lugar, com 13 pontos somados. Neste derradeiro encontro na “primeira” os
academistas alinharam com: Santiago, Rafael, António Jorge, Manau, Américo,
Gamboa, Raul, Marques, Larsen, Raul Castro e Julinho.