Uma panorâmica da bela Cidade de Vigo |
Pois
bem, estes novos factos comprovaram que foi pois em Vigo onde foram dados os
primeiros pontapés numa bola de football
no maior país da Península Ibérica pela mão, ou pelos pés neste caso, dos
trabalhadores (engenheiros) ingleses do Eastern
Telegraph Company.
Nesse
sentido vamos então conhecer não só um pouco desta história como de igual modo
algumas estórias do Belo Jogo que tiveram lugar nesta
encantadora cidade galega pertencente à província de Pontevedra. Situada no sul da Galiza, Vigo é a
segunda cidade mais povoada desta região autónoma, a seguir à Corunha. O seu
porto marítimo trouxe-lhe riqueza e importância desde o século XIX, sendo hoje
considerada a capital das Rias Baixas. Vigo é na atualidade o principal porto
pesqueiro da Europa e o mais importante centro comercial e económico do sul da
província de Pontevedra.
Os exilados ingleses introduzem o futebol em Vigo... e em Espanha
Uma rara imagem do Exiles Club, em 1903 |
Ora,
terá sido nesses convívios que a bola começou a rolar por aquelas paragens,
sendo que sem rivais na região com quem pudesse medir forças, o Exiles
defrontava equipas constituídas por marinheiros ingleses cujos barcos aportavam
em Vigo. Jogos esses que eram disputados em terrenos situados na zona de Malecón.
E a primeira referência a estes jogos, e que desmente a teoria de que o futebol
em Espanha teve o seu início em Huelva, foi então descoberta pelo investigador
viguês José Ramón Cabanelas, através de uma notícia publicada no Faro de Vigo e
datada de 10 de junho de 1876 e que dizia o seguinte: "Os ingleses visitaram-nos novamente. Eles são tão gentis! Eles
andam como quatro, pisam como seis e bebem como cinquenta. Pescam, caçam,
fumam, pintam e jogam à bola de acordo com seu uso e modo". A juntar a
esta notícia, Cabanelas afirma que inclusive que chegou a disputar-se uma
competição entre as tripulações de marinheiros ingleses e o Exiles Club,
denominada de Copa Primavera. Numa entrevista concedida ao Faro de Vigo em 2012,
o investigador sustenta esta sua descoberta dizendo que os ingleses vieram para
Vigo em 1873, precisamente dez anos depois da fundação em Inglaterra da Football Association, trazendo consigo,
desde o primeiro momento, os seus costumes vitorianos para a cidade galega, entre
eles o futebol.
Vestígios
fotográficos do Exiles Club, que terá sido provavelmente o primeiro clube em
Espanha a dedicar-se ao futebol, são raros, conhecendo-se apenas uma fotografia
de uma equipa de 1903. Sabe-se de igual modo que as suas cores eram o preto e o
branco, precisamente as cores da bandeira da região da Cornualha.
Os vizinhos que deram as mãos para fundar um grande clube na cidade
Vigo FC |
Curiosamente,
a primeira casa do Vigo FC foi precisamente o campo de jogo do Exiles Club,
passando em 1908 para aquele que pode ser considerado como o primeiro grande
estádio viguês, o Campo de Coya. Ali, jogou-se futebol até 1928, tendo sido
inclusive palco de uma final da Copa del
Rey (Taça de Espanha) entre o Barcelona e o Real Unión de Irún, ganha pelos
catalães.
A
camisola bipartida com as cores vermelha e branca, as cores da província
marítima de Vigo, usada pelo Vigo FC ficaram famosas nas só na cidade como em
toda a região da Galiza. O clube ganhou diversos campeonatos galegos, tendo
inclusive um desses triunfos lhe permitido jogar a mais importante competição
do futebol espanhol de então, a Copa del
Rey. E numa dessas edições chegou
mesmo à final, ante o mais poderoso emblema do país, o Madrid Football Club,
que anos mais tarde seria rebatizado como... Real Madrid. Nessa final,
disputada no Estádio de O'Donnell, caso do Madrid FC (!), o Vigo FC saiu
derrotado pela margem mínima (1-2), mas rezam as crónicas que apresentou bom
futebol praticado por excelentes artistas. Na verdade, os melhores jogadores da
Galiza daquele tempo vestiam as cores do Vigo FC, sendo que dois deles deixaram
esta região autónoma para rumar à capital de Espanha para vestir as cores do
emergente gigante Madrid FC. Falamos dos irmãos Yarza, Manuel e Joaquim, quiçá
as primeiras lendas do futebol com origens em Vigo. Mas deles já iremos falar
com detalhe mais adiante.
O Fortuna de Vigo em 1912 |
O
Fortuna está não só ligado à história do futebol galego como também do futebol
português. É verdade. Tudo porque a 15 de dezembro de 1907 o clube viguês deslocou-se
ao nosso país para defrontar o FC Porto, no Campo da Rainha. Este encontro foi
histórico porque pela primeira vez um clube estrangeiro atuava em solo luso.
Irmãos Yarza: as primeiras lendas nascidas em Vigo
Os irmãos Yarza, Quincho e Manuel, com as cores do Real Madrid |
Por
sua vez, Manuel nasceu em 1884, e juntamente com o seu irmão ajudou a abrir o
glorioso livro da história do Real Madrid. Os dois irmãos rumaram à capital no
início do século XX, tendo ali ajudado a fundar o Moderno Football Club,
emblema fundado em 1902 e que pouco tempo depois seria absorvido, digamos
assim, pelo Madrid FC. Manuel e Quincho estiveram nessa transição, vestiram a
camisola dos merengues entre 1903 e
1908, ajudando o clube a conquistar os seus primeiros títulos, mais em concreto
quatro Copas del Rey (de 1905 a 1908). Além de jogador Manuel tinha de igual
modo funções administrativas dentro do clube. Era membro do Conselho de Administração
enquanto no retângulo de jogo atuava como um médio forte e eficaz. Por seu
turno, Quincho, começou a jogar como ala, mas depressa se tornou num defesa
implacável, formando uma dupla lendária com Berraondo graças à sua força física
aliada à sua qualidade.
Após
a aventura em Madrid, Quincho regressou à sua cidade natal onde defendeu as
cores do Vigo FC durante duas temporadas, ao passo que o seu irmão Manuel
continuou pela capital, tendo atuado entre 1908 e 1911 no Club Español de
Madrid.
Vigo precisa de um clube único que una o povo da cidade
Manuel de Castro |
Não
foi contudo um parto fácil, desde
logo pela escolha do nome do novo clube, que foi motivo de divergência de
opiniões. Real Unión de Vigo, Club Galicia, Real Atlántic, Breogán e Real Club
Olímpico, foram os nomes inicialmente propostos, até que para acabar com o
impasse alguém propôs que se olhasse para as raízes das Rias Baixas, para a
história daquela região mais a norte da Península Ibérica, outrora habitada
pelos povos celtas... Celta, ora aí está um bom nome, que de pronto ficou
assente.
O
clube começou de pronto a saltar para o campo para mostrar a camisola azul
celeste que se iria tornar célebre nas décadas seguintes, ao disputar os seus
primeiros encontros - a estreia aconteceu numa partida entre todos os jogadores
do plantel, uma parte liderada por Otero, outra por Clemente, tendo o
"onze" do primeiro atleta vencido por 2-0. Como curiosidade refira-se
que o primeiro jogo contra outro clube ocorreu a 23 de setembro de 1923, mais
precisamente contra os portugueses do Boavista, que saíram do Campo de Coya, a
primeira casa do Celta, com uma pesada derrota por 8-2.
O
emblema rapidamente começou a competir nas provas regionais, ganhando o
primeiro campeonato galego da sua história logo no ano de estreia, em 1923. O
Celta foi crescendo nos anos seguintes, e na época de 1939/40 faz a estreia no
principal escalão do futebol espanhol, onde esteve de forma quase ininterrupta
durante 20 anos, excepção feita à temporada de 44/45, altura em que disputou a 2.ª
Divisão.
Por
esta altura era treinador do Celta Don
Ricardo Comesaña, para muitos o primeiro grande técnico do clube, um homem
também ele nascido em Vigo em finais do século XIX, e que entre 1935 e 1940
esteve ao leme da equipa. Ele foi o responsável pela primeira subida do Celta à
1.ª Divisão e ainda hoje qualquer adepto do clube, seja qual for a idade, sabe
quem ele foi e o que ele significa para o celtismo.
Pahiño, o príncipe das Rias Baixas
Pahiño |
Apercebendo-se que mesmo por debaixo do seu nariz deambulava um talento na arte de bombardear o esférico para as balizas contrárias, eis que em 1943 o Celta de Vigo não mede esforços para contratar aquela que viria a ser a jóia da (sua) coroa nos cinco anos que se seguiram. O fichaje do poderoso avançado não foi contudo um parto fácil, longe disso. Na corrida pelo concurso do nativo de San Playo de Navias estava também o Salamanca, emblema que na altura tentava entrar na elite do futebol espanhol, o mesmo será dizer, ascender à 1.ª Divisão. No entanto, os helmánticos foram vencidos pelo coração! Pelo coração celtista que pulsava dentro do jovem Pahiño, que ainda criança, pela mão do seu pai, travou-se de amores pelas camisolas azuis celeste que aos domingos à tarde reluziam no relvado de Balaídos. Nessa época estaria ainda distante de imaginar que também ele um dia iria brilhar com a indumentária celtista nos retângulos do futebol espanhol, ajudando a edificar - em seu redor - uma das equipas mais lendárias da história do clube de Vigo, que durante uma mão cheia - pelo menos - de temporadas assombrou os gigantes do Belo Jogo castelhano.
Um aspeto do Campo da Coya, a primeira catedral do futebol viguês |
Ricardo Comesaña |
Apesar
da derrota, o Celta foi rotulada como a equipa sensação dessa temporada, muito
graças ao cunho pessoal da sua estrela-mor, Pahiño, que com 23 golos venceu o
seu primeiro Troféu Pichichi.
A
veia goleadora de Pahiño era por demais saliente, e nesse ano de 1948 atinge a
sua primeira internacionalização, ao representar a Espanha num amigável ante a
Suíça, ocorrido em Zurique.
A
brilhante caminhada celtista chamou à atenção dos tubarões do futebol espanhol, que centravam os seus olhares
devoradores em nomes como Miguel Muñoz, Alonso, e claro, Pahiño, as estrelas
daquele Celta. Sabendo que o seu talento era por demais admirado por clubes de
maior envergadura o internacional galego exigiu à direção azul celeste um
aumento de salário, argumentando que era não só um dos grandes abonos de
família da equipa, como também que outros colegas seus que raramente pisavam o
relvado - na condição de titulares - usufruíam de salários muito mais elevados
do que o seu. A ação de Pahiño foi desde logo apelidada de anti-celtista, e o
jogador é de pronto olhado por dirigentes, (alguns) companheiros e muitos
adeptos como mercenário, anti-galego, ou conflituoso, alguns do mimos que
recolheu naquele verão de 48. Cansado deste braço
de ferro, equacionou a hipótese de abandonar o futebol (!), pensamento
somente travado pelo Real Madrid, que nesse final de temporada de 47/48 viaja
até Vigo para pescar Miguel Muñoz,
Alonso, e Pahiño. Consumado o divórcio com o Celta o goleador galego celebra um
casamento de cinco épocas com o
laureado emblema da capital, conquistado de pronto a admiração dos exigentes
adeptos merengues na sequência da sua
infindável garra aliada à vincada veia de concretizador nato.
Balaídos nos anos 30 |
Algo
frustrado, Pahiño procura abrigo na sua região natal, a Galiza, para onde
regressa no verão de 1953, com o intuito de representar o... Deportivo da
Corunha! Foi como um punhal cravado nas costas da afición celtista, que via uma das suas maiores lendas, um filho da
terra, vestir agora a camisola do eterno inimigo do norte, o Depor. Na Corunha esteve três temporadas
- sempre na 1.ª Divisão - tendo apontado perto de meia centena de golos com a
camisola azul e branca. Após abandonar a Corunha ainda jogou uma temporada na 2.ª
Divisão ao serviço do Granada, o tal clube que anos antes lhe havia dado cabo
do perónio no Metropolitano de Madrid, mas o tempo acabou por apagar as más
memórias desse momento menos feliz da carreira do homem de San Playo de Navia,
o qual ajudou os granadenses a subir à divisão maior do futebol espanhol.
Posto
isto: missão cumprida, e Pahiño pendurava as chuteiras com um impressionante
registo de 212 golos apontados em quase 300 encontros - 295 para sermos mais
precisos - disputados. Viria a falecer em Madrid, aos 89 anos, a 12 de junho de
2012, precisamente no ano em que José Ramón Cabanelas descobriu que Vigo - a
cidade natal de Pahiño - foi o local onde se jogou futebol pela primeira vez em
Espanha. Há coincidências fantásticas!
Rivalidade Celta vs Deportivo da Corunha
E já que neste longo registo biográfico foi mencionado o nome do Deportivo da Corunha, há que frisar que hoje, quase 100 anos após a sua fundação, o Celta tem no clube do norte da Galiza o seu eterno rival. Há inclusive uma história que conta os primeiros capítulos desta rivalidade (quase) centenária e que remonta a 1928, ano em que foi criada a 1.ª Divisão de Espanha. Pelo facto de o Vigo FC ter disputado anos antes uma final da Copa del Rey a Real Federación Española de Fútbol quis oferecer ao Celta um presente, isto é, o privilégio de fazer parte da elite do futebol espanhol nesse primeiro campeonato nacional. Porém, outros clubes da liga achavam que os azuis celestes teriam de fazer por merecer a sua presença no escalão maior, tendo o emblema de Vigo acabado por ir disputar a 2.ª Divisão. E um dos clubes que mais pressão fez para que o Celta não disputasse a Primera foi o... Deportivo da Corunha. Nascia assim a eterna rivalidade que nas décadas seguintes teve tantos outros episódios históricos.
Celta: um clube de altos e baixos
A equipa do Celta que fez a estreia na UEFA |
Em
1994, o Celta atinge pela segunda vez na sua história a final da Copa del Rey. 20.000 adeptos celtistas
deslocaram-se a Madrid para assistir ao jogo diante do Real Zaragoza, naquela
que foi a maior mobilização, até então, de adeptos do clube para fora da região
da Galiza. Porém, a vitória foi para os aragoneses, nas grandes penalidades, e
o Celta deixava escapar novamente a taça.
Nos
finais do século XX eis que surge o Euro
Celta. A equipa que encantou a Europa, vergando alguns dos gigantes do
futebol continental. Com uma equipa que contava com estrelas como Mostovoi,
Karpin, Mazinho, Dutruel, ou Gudelj, orientada pelo técnico Javier Irureta, o
Celta afastou em 1998, na Taça UEFA, clubes como o Aston Villa e o Liverpool,
acabando por cair nos quartos-de-final da prova ante o Marselha. Mas o aviso estava
dado, o Celta queria apanhar o comboio da Europa.
O Celta na final da Copa de 1994 |
O Celta que atropelou o Benfica em 2000 |
Após
algumas passagens pelo inferno da 2.ª Divisão eis que a partir de 2012 o Celta
fixou-se, até aos dias atuais, na elite do futebol espanhol, tendo de lá para
cá tido algumas aparições brilhantes, como foi o caso da campanha europeia de
2016/17, em que o clube só caiu aos pés do Manchester United, de José Mourinho,
nas meias-finais da Liga Europa. Hoje, o Celta é mais do que o tal clube que um
dia o jornalista Manuel de Castro sonhou: um clube da cidade. O Celta é hoje
uma das principais bandeiras desportivas da Galiza, e um dos mais populares e
acarinhados emblemas de Espanha.
Balaídos, a mítica catedral onde começou a caminhada gloriosa da Itália no Mundial de 1982
O mítico Estádio Balaídos |
Porém,
um ano após a sua fundação o clube é notificado para abandonar o terreno, com
vista à construção da linha de elétrico naquela zona da cidade. É então que se
começa a idealizar o projeto de construção do que viria a ser o Estádio de
Balaídos, a mítica casa do Celta. O estádio começa a ser construído em 1925, e
seria destinado a 20.000 espectadores. A sua conclusão estava prevista para o
ano seguinte, mas contratempos na empreitada fizeram com que só em dezembro de
1928 o recinto abrisse oficialmente as suas portas. 30 de dezembro desse ano
foi pois um dia de festa na cidade de Vigo. Pessoas de várias localidades
vizinhas como Gondomar, Baiona ,ou Cangas acorreram ao local para presenciar a
inauguração, abrilhantada por uma goleada (7-0) do Celta ao Real Unión Irún. De
lá para cá Balaídos tornou-se no santuário do celtismo, vivendo muitas alegrias
e muitas tristezas também, mas sempre com a paixão azul celeste a transbordar
nas suas bancadas. Com o passar dos anos este estádio tornou-se num dos
símbolos do futebol espanhol, não só pela paixão com que ali se vive os jogos,
mas de igual modo porque fez parte, ou faz, dos poucos recintos que hoje guarda
a história do único Campeonato do Mundo da FIFA realizado em solo espanhol, no
ano de 1982.
Foi
em Vigo, e nos Balaídos, que a Itália começou a caminhar rumo ao título mundial
nesse ano de 82, um início que até não foi muito prometedor para a Squadra Azzurra.
Itália - Perú, do Mundial de 82, jogado no Balaídos |
O futuro Estádio de Balaídos |
Balaídos poderá ter sido uma pedra no sapato a Itália, ou então um alarme que o acordou a seleção de Enzo Bearzot, mas acima de tudo é um estádio que mítico, que já vivenciou grandes tardes e noites (muitas delas europeias) do Celta. Hoje, o recinto está em profunda remodelação, e dará lugar a um novo Balaídos, mas sempre com a ideia de continuar a fazer de Vigo uma... cidade de futebol.