A
história tem-nos mostrado que o Desporto tem tido um papel
preponderante na construção de um mundo sem fronteiras,
assumindo-se ao longo de anos, décadas e séculos não só como um
veículo importante na promoção da paz e união entre povos de
diferentes raças e culturas mas também como uma arma poderosa no
combate ao preconceito e ao racismo entre os habitantes da aldeia
global.
Ao
conquistar, com o passar desses mesmos anos, décadas e séculos, o
estatuto de fenómeno social de massas, o Desporto ergueu em seu
redor uma espécie de civilização, geradora de deuses e mitos, mas
também afigurando-se como um trono apetecido por todos os que
procuravam o poder para impor os seus ideais políticos e sociais.
E
é precisamente olhando para este poder que o Desporto agrega em si
que por um lado iremos relembrar a oportunidade que os grandes
eventos desportivos mundiais – sobretudo os Jogos Olímpicos –
constituíram para que muitos regimes políticos e sociedades
marcadas pela xenofobia e preconceito quisessem através deles
mostrar ao mundo a superioridade da sua raça em relação às
demais, atentando assim contra alguns dos principais ideais
Olímpicos, que passavam pela paz, fraternidade, respeito e
democracia entre os povos. Por outro lado, este trabalho visa mostrar
que em vários episódios da história o mérito alcançado por
atletas de raça negra contribuiu não
só para a queda das pretensões desses regimes ou sociedades, mas
igualmente para a quebra das barreiras do racismo, numa demonstração
de que o desporto pode construir um elo de ligação harmoniosa entre
os povos.
Os
ideais olímpicos
Mas
para compreender melhor esta filosofia de paz e harmonia aliada à
exaltação em torno do mérito do atleta há que fazer uma viagem
até à Grécia Antiga, o berço dos Jogos Olímpicos. Durante a
ocorrência dos Jogos da Antiguidade as guerras entre as cidades
gregas paravam, as hostilidades e os conflitos entre os homens
cessavam durante o período em que Olímpia recebia gentes de toda a
Grécia para contemplar as proezas dos atletas. Os vencedores eram
elevados à categoria de heróis pelo povo grego, conquistando desta
forma um lugar no patamar da imortalidade tal e qual os Deuses do
Olimpo. Os Jogos Olímpicos assumiam-se assim como uma festa do mundo
grego, sendo-lhes conferido um papel unificador e promotor da paz
entre as cidades gregas, despertando nos homens um sentimento de
pertença a uma só nação que em Olímpia se reunia para exultar o
culto do corpo e do espírito, e onde os vencedores conquistavam um
lugar ao lado dos Deuses do Olimpo.
Pierre de Coubertin, o sonhador dos Jogos Olímpicos da Era Moderna |
Invocando
questões de ordem religiosa Teodósio interrompe no ano de 394 d.C.
as Olimpíadas da Antiguidade. 1500 anos depois os Jogos reaparecem
na Era Moderna pela mão de Pierre de Coubertin, um idealista
francês cuja perspectiva do desporto enquanto veículo educativo
poderia aperfeiçoar a conduta de uma cidadania democrata no ser
humano. Partilhando a filosofia da Grécia Antiga Coubertin via os
Jogos Olímpicos como os portadores mais fiéis e eficazes da ideia
de paz e fraternidade entre os povos. Numa época em que conquistas
técnicas como o caminho de ferro e o telégrafo propiciavam a
comunicação entre as gentes de diversos pontos do Mundo Coubertin
restituía os Jogos Olímpicos como uma inovação: a
internacionalização. Os Jogos da Era Moderna iam assim muito além
das fronteiras da Grécia Antiga. No final do 1º Congresso Olímpico
Internacional, realizado em 1894, seria aprovado por unanimidade que
“deveriam efetuar-se competições desportivas de quatro em quatro
anos, continuando as diretivas dos Jogos Olímpicos Gregos, e que
seriam convidadas todas as nações para que participassem, sem
distinções de pessoas, cor, religião ou ideias políticos”. O
renascimento dos Jogos deu-se precisamente no local onde há mais de
2500 anos atrás haviam nascido, a Grécia, tendo na cerimónia de
abertura Coubertin sublinhado a ambição de fazer desta uma das
maiores manifestações pacíficas da Humanidade, onde todos homens
pudessem confraternizar admirando e enaltecendo a alta performance
atlética. Reclamando para cada cultura um igual respeito os Jogos
Olímpicos pretendiam assim atingir a sociedade e consciencializar os
homens a melhorar as relações entre si.
Mas
nem sempre os ideais olímpicos foram respeitados ao longo das
edições dos Jogos que se seguiram a Atenas em 1896. Em 1904, na
cidade de Saint Louis, assistiu-se a um dos ataques mais ferozes à
ideia de que no seio do Jogos Olímpicos todas as culturas merecem
igual respeito. No programa dos primeiros Jogos realizados em solo
americano seria criada uma competição à parte para negros, índios
e diminuídos físicos, a qual seria batizada de Dias Antropológicos,
destinada ao entretenimento da raça branca, transparecendo desta
forma para o resto do Mundo uma América racista.
Esta
não era porém uma característica que se restringia unicamente ao
povo norte americano. No início do século XX o advento da
industrialização conferia à Europa uma capacidade económica muito
superior em relação aos restantes continentes. Uma superioridade
que se viria a estender aos ideais sociológicos e culturais dos
europeus que no processo da colonização africana e sul americana,
essencialmente, procuravam expandir as suas religiões, a sua língua,
os seus costumes, por entenderem que havia uma superiorização do
povo europeu em relação a todos os “não brancos”.
O
futebol derruba barreiras racistas...
José Leandro Andrade |
Contudo,
seria em solo europeu que o ideal olímpico de igualdade e respeito
entre todos os povos conheceria uma das suas primeiras grandes
manifestações. Nas Olimpíadas de Paris, em 1924, as atenções
seriam direcionadas para um negro uruguaio, filho de um escravo
africano que no século XIX havia chegado à América do Sul, de seu
nome José Leandro Andrade (de quem já aqui falámos em diversas ocasiões). Na pele de um talentoso futebolista
Andrade causou espanto e deslumbramento entre os europeus. Exibindo
uma agilidade felina e dotes técnicos invulgares o futebolista
uruguaio encantou todos aqueles que nesse ano presenciaram o torneio
olímpico de futebol, ganho com naturalidade pela seleção do
Uruguai, que com a preciosa ajuda de Andrade introduziu o conceito
até então desconhecido pelos europeus de arte aliada à técnica no
jogo. José Leandro Andrade despontou para o Mundo nos Jogos
Olímpicos de 1924, ganhando então a alcunha de “Maravilha Negra”.
Em Paris Andrade passeava-se como um Deus, venerado pelos comuns
mortais que com ele se cruzavam durante a sua estadia na capital
francesa. Além de sublinhar a visão de respeito e igualdade entre
todas as raças este exemplo mostra que o mérito e a mestria
atlética de um ser humano conseguiu provocar um sentimento unânime
de admiração e encantamento nos olhares centrados naquela
manifestação desportiva. O Desporto conseguia aqui superar a
barreira do racismo e do preconceito.
… na
Grã-Bretanha...
Andrew Watson |
A
história do endeusamento de Andrade abre-nos caminho para
recordarmos aquele que foi o primeiro cidadão negro a ter o seu nome
inscrito no Grande Atlas do Futebol. Mais
do que isso, ele terá sido o primeiro negro
a triunfar no desporto a nível planetário. O seu nome é Andrew
Watson. Nasceu a 24 de maio de 1856 na então Guiana Britânica fruto
de uma relação entre um barão escocês – Peter Miller Watson –
e uma escrava local – Hanna Rose. Peter Watson, proprietário de
uma plantação de açúcar naquela então colónia sul-americana do
império britânico, não renegou o seu filho (bastardo) e na década
de 60 do século XIX envia-o
ainda muito jovem para a Grã-Bretanha onde inicia
os estudos numa das mais reputadas escolas de Londres, a King's
College School. Aos
19 anos viaja para Glasgow, para frequentar a universidade local onde
cursa Filosofia, Matemática e Engenharia. É precisamente naquela
cidade escocesa que o jovem Andrew tem um contacto mais próximo com
o football. É
então que evidencia os seus dotes de veloz e robusto defesa (tanto
atuava na direita como na esquerda do setor recuado) ao serviço de
emblemas de pequena dimensão, o Maxwell FC e o Parkgrove FC. O seu
talento é de tal forma reconhecido que em 1880 é chamado o
combinado de Glasgow (uma espécie de selecão que reuniu os melhores
jogadores da cidade) para enfrentar o selecionado de Sheffield, em
que os escoceses venceram por 1-0.
Mas
foi já depois de ter concluído o seu percurso académico que Andrew
Watson escreveu os capítulos mais sonantes da sua ligação com o
futebol. Em 1880, e já depois da morte de seu pai, o qual lhe terá
deixado uma considerável fortuna para que pudesse ter uma vida
desafogada, Watson chega
ao Queen's
Park Football Club, tão só o mais reputado emblema escocês de
então, como também para muitos o maior clube da Grã-Bretanha por
aqueles dias. A sua perícia ajuda o clube a vencer as Taças da
Escócia de 1880, 1881, 1882, 1884 e 1886, tornando-se desta forma no
primeiro futebolista negro a vencer a prestigiada competição. Mas o
triunfo do negro Watson num universo de brancos ganha contornos mais
vincados quando em 1881 é-lhe concedida a honra de representar a
seleção escocesa.
Gravura do célebre Inglaterra - Escócia de 1881 |
Numa altura em que o profissionalismo estava
prestes a bater à
porta do jovem football, Watson enfrenta o vizinho e eterno rival da
Escócia, a Inglaterra, em solo inimigo, isto é, no Kennington Oval,
de Londres. Como se já não bastasse a honra de ter sido selecionado
para este encontro amigável, Watson vê ainda ser-lhe entregue a
responsabilidade de capitanear o onze escocês em território inglês,
tornando-se desta forma não só no primeiro jogador negro a chegar a
internacional como também no primeiro a capitanear uma seleção
nacional. Estávamos a 12 de março
de 1881, um dia histórico para Watson e para o desporto (sem
barreiras étnicas). Ah, quanto ao resultado esse também entrou para
a história, tendo a Escócia humilhado o eterno rival por 6-1 (!),
que constitui assim a derrota caseira mais pesada da seleção dos
“Três Leões”.
Watson
realizou mais dois jogos com a sua seleção – ante o País de
Gales (1881) e novamente com a Inglaterra (1882) – antes de se
mudar para Londres, onde entre 1882 e 1885 defendeu as cores de
afamados emblemas locais, como o Swifts e o Corinthian FC – a
“inspiração” do Corinthians brasileiro. Também em Inglaterra
entrou na história do futebol daquele país, ao tornar-se no
primeiro negro a jogar a famosa FA Cup – Taça de Inglaterra -,
facto ocorrido na temporada de 1882/83 ao serviço do Swifts Football
Club. Depois da aventura escocesa retorna a casa, Glasgow, para
voltar a atuar pelo colosso Queen's Park, tendo conquistado a FA Cup
escocesa de 1886 – como já vimos. No ano seguinte volta a Londres,
terminando ai uma reputada carreira futebolística ao serviço do
Bootle Football Club. Mais do que um notável full back, Andrew
Watson era descrito como um cavalheiro, dentro e fora dos relvados,
onde convivia com a fina flor britânica numa altura em que o
preconceito com o cidadão negro era uma realidade um pouco por todo
o Mundo. Andrew Watson quebrou esse preconceito em torno da sua
figura, não se conhecendo – de acordo com a história –
qualquer episódio de racismo para com Watson que depois de abandonar
o futebol se tornou num respeitado e conceituado engenheiro naval.
Morreu a 8 de março de 1921 o primeiro cidadão negro que levou a
melhor sobre o racismo por meio do desporto.
… na
América do Sul...
Isabelino Gradín, a primeira lenda do futebol na América do Sul |
Há
no entanto, um outro episódio (do qual já fizemos eco noutras
viagens ao passado) em que o preconceito para com o negro veio ao de
cima. Estávamos em 1916, ano em que a Argentina acolhe a primeira
edição do Campeonato Sul-Americano de futebol, hoje denominado de
Copa América. Chile e Uruguai defrontaram-se no encontro inaugural
da estreante competição, no Estádio Gimnasia y Esgrima, de Buenos
Aires. Sob a arbitragem do argentino Hugo Gronda os uruguaios
mostraram na cancha toda a sua arte, o seu futebol rendilhado,
fascinante, e... letal. Que o digam os chilenos, que caíram aos pés
dos charrúas por 4-0! Episódio negativo - lamentável, na verdade -
deste jogo inaugural do Campeonato Sul-Americano seria a posterior
postura dos chilenos perante os factos ocorridos. Jogadores e
dirigentes do Chile protestaram o encontro, queixando-se à
organização que os uruguaios haviam jogado com... dois negros na
sua equipa! Esses negros, ou melhor, essas lendas, eram o
centro-campista Juan Delgado e o atacante Isabelino Gradín.
Apelidados de "atletas do carnaval" eles foram
ridicularizados pelos chilenos numa época em que o racismo imperava
um pouco por todo o Mundo. este ato racista chileno seria inglório,
já que tanto Gradín como Delgado seriam reconhecidos pela
organização como uruguaios de berço - e na verdade eram-no - tendo
o triunfo da seleção charrúa sido validado para descontentamento
dos preconceituosos chilenos. Mais do que uma rotunda vitória obtida
dentro de campo o Uruguai - e de um modo muito em particular Gradín
e Delgado - vencia o racismo! Gradín é, aliás, tido como a
primeira lenda negra do futebol (fantasista) sul-americano. Mais
parecendo animados desfiles carnavalescos, as “jugaditas” deste
avançado inspiraram as gerações seguintes de um pequeno país
(Uruguai) que é descrito por muitos como o primeiro grande alfobre
de magos da arte de conduzir a bola. A forma veloz e serpenteada como
conduzia o mágico objeto esférico, deixando para trás adversários
em catadupa, fazia as pessoas levantarem-se como uma mola esboçando
olhares de encantamento perante aquela espécie de magia negra que
brotava nas canchas de Montevideu.
… e
em Portugal
Guilherme Espírito Santo |
No
plano português, evocamos (ainda que ao de leve) a figura de
Guilherme Espírito Santo, o primeiro negro a vestir o manto sagrado
da seleção nacional. E o primeiro grande artista (na arte de manusear a bola) descendente de
africanos a triunfar no futebol luso, há que dizê-lo. Nasceu em
Lisboa, em 1919, pese embora tenha regressado ao país dos seus pais
(Angola) com apenas oito anos de idade. Regressa à Metrópole em
1936, ainda adolescente, para continuar os estudos e... triunfar no
Benfica com apenas 16 anos! Substituiu o lendário Vítor Silva
(curiosamente o seu ídolo de infância) na liderança do ataque do
clube encarnado, e o seu cavalheirismo aliado ao instinto predador
pela baliza adversário são desde logo notados e admirados pela
sociedade. Defendeu as cores do Benfica ao longo de 12 anos, vencendo
quatro campeonatos nacionais e três Taças de Portugal, tendo certo
dia outra lenda lenda daquele tempo dito que: «O Guilherme sempre
foi melhor jogador de futebol que eu». Palavras de Fernando
Peyroteo. Espírito Santo fez 199 golos em 285 jogos ao serviço das
águias. O seu nome ganha contornos mais vincados de lenda a partir
do dia 28 de novembro de 1937, altura em que representa pela primeira
vez a seleção nacional, num particular ante a Espanha realizado em
Vigo. Nesse dia, Espírito Santo não só efetuou o primeiro dos oito
jogos em que defendeu a camisola das quinas como entrou igualmente
para a história do futebol português por ter sido o primeiro
jogador negro a ter tal honra. À semelhança de tantos outros pontos
do globo, também o Portugal de então vivia com os seus tiques
racistas. E Espírito Santo sentiu na pele esse preconceito. Corria o
ano de 1947 quando numa deslocação à Madeira é negado ao atleta
do Benfica o direito de pernoitar juntamente com os restantes colegas
num hotel da região pelo facto de ser... negro. «Lugar de preto é
no anexo», terá dito alguém responsável por essa unidade
hoteleira. Frase que de imediato gerou entre a comitiva encarnada uma
onda de solidariedade para com Espírito Santos, pois nessa noite
todos os jogadores do Benfica dormiram no anexo! Mais uma vez o
racismo foi goleado!
O
caso
mediático do herói negro Jesse Owens na Berlim fascista de Hitler
Jesse Owens nos Jogos Olímpicos de 1936 |
Com
o avançar dos anos os Jogos Olímpicos tornaram-se num acontecimento
mediático à escala mundial. A industrialização – as vias de
comunicação, o telégrafo, a imprensa, a rádio, e mais tarde a
televisão – ajudou a que as Olimpíadas da Era Moderna adquirissem
o estatuto de maior espetáculo desportivo do planeta. De quatro em
quatro anos olhares provenientes dos mais diversos pontos do Mundo
centravam-se nas demonstrações da mestria atlética de homens das
mais variadas raças, credos e religiões. Na qualidade de grande
evento global os Jogos Olímpicos tornaram-se alvo de interesses
políticos, adquirindo o papel de importante veículo de promoção
de ideologias políticas. Olhando para as Olimpíadas como um
instrumento para conquistar o poder, regimes políticos serviram-se
do mediatismo do evento para vangloriar o seu nacionalismo e mostrar
a superioridade da raça em relação às demais. O significado de
uma medalha de ouro foi alterado, o que dantes premiava a
excecionalidade de um atleta era visto pelos regimes políticos como
um meio para mostrar ao Mundo a superioridade da sua nação em
relação às suas congéneres. O atleta tornava-se assim num objeto
do seu Estado de origem com a finalidade de evidenciar a supremacia
de uma raça, enquanto que o mediatismo global do evento olímpico
era visto como uma vitrine para que regimes políticos e/ou
sociedades pudessem vincar no plano externo as suas ideologias
políticas e/ou sociais.
O
ano de 1936 é um bom exemplo de como os meios políticos procuraram
usar a popularidade dos Jogos Olímpicos para evidenciar ao Mundo as
suas ideologias. Berlim acolheu nesse referido ano aquela que era já
inequivocamente a maior manifestação desportiva do planeta. A
Alemanha de então vivia sob o regime nazista comandado por Adolf
Hitler. Vendo nos Jogos a ferramenta ideal para mostrar ao Mundo a
superioridade da raça ariana o líder nazi não se pouparia a
esforços para fazer destas as Olimpíadas mais espetaculares da
história. Hitler montou uma autêntica máquina de propaganda
política através dos Jogos. Com um orçamento ilimitado não deixou
ao acaso o mínimo detalhe que pudesse colocar em perigo a sua
estratégia de assalto ao poder através do mega evento desportivo.
Um estádio olímpico foi construído propositadamente, e aos atletas
alemães tudo era dado e permitido para que se pudessem preparar
conveniente para o evento e desta forma conquistar o máximo número
de medalhas de ouro que traduzissem a superioridade da raça ariana.
Owens é endeusado nos Jogos do fascismo e racismo |
O
mediatismo dos Jogos atingia o ponto mais alto da sua história até
então. 49 países marcavam presença em Berlim representados por
cerca de 4000 atletas. Um recorde para a altura. Pela primeira vez a
televisão associava-se ao evento, difundindo imagens do populismo
nazi que tomou conta de Berlim para todo o Mundo. O maior evento
desportivo do planeta estava transformado numa gigantesca
manifestação de índole nazi perante o olhar do Mundo. Tudo parecia
correr de feição a Hitler até ao momento em que surge um
descendente de escravos que com a mestria da sua performance atlética
desmoronou a máquina de propaganda nazi edificada por Hitler. Jesse
Owens, era o nome deste norte americano que logo nas primeiras provas
dos Jogos de 1936 arrecadou quatro medalhas de ouro para espanto do
planeta que seguia com atenção os desenlaces de Berlim. A proeza do
negro Owens desde logo se tornou numa epopeia que deitou por terras
as aspirações de Hitler em transformar um evento desportivo de
cariz global numa manifestação do regime nazista por si liderado. A
saga de Owens fez com saísse de Berlim endeusado por todos,
inclusive pelo próprio público alemão, com exceção de Adolf
Hitler, por motivos óbvios, claro está.
As
histórias de Jesse Owens e José Leandro Andrade (mas também um
pouco as de Andrew Watson, Isabelino Gradín, Juan Delgado e Espírito
Santo), dois negros descendentes de escravos, unem-se na visão de
que a virtuosidade do atleta superou as barreiras do racismo e das
tentativas de superiorização de raças em relação a outras, numa
época em que estas tendências vigoravam em diversas sociedades. A
excecionalidade dos atletas mereceu o reconhecimento e os aplausos de
raças opostas as suas, residindo neste último aspeto a ideia de uma
união global em torno do espetáculo desportivo, cumprindo e
enaltecendo assim um dos ideais da essência olímpica, precisamente
o de promover a união e a paz entre povos dos mais diversos pontos
do Mundo.