sexta-feira, janeiro 31, 2014
quinta-feira, janeiro 30, 2014
quarta-feira, janeiro 29, 2014
quinta-feira, janeiro 23, 2014
Competições jovens (2)... Campeonato do Mundo de Sub-20/Japão 1979
Diego Armando Maradona, a figura central do Mundial de júniores de 1979 |
Kobe, Omiya, Yokohama, e Tóquio foram as quatrro cidades encarregadas de acolher uma competição que começava a atrair os olhares dos principais atores do futebol internacional, que encaravam o torneio como uma autêntica mina de diamantes no seu estado bruto, prontos a lapidar nas grandes joalharias planetárias. Disputada entre agosto e setembro de 79 a prova causou grandes dificuldades à maior parte das seleções presentes, desde logo o fator calor (extremo) aliado ao fuso horário, que mesmo assim não impediu que nos relvados nipónicos se edificassem grandes espetáculos futebolísticos, não só por intermédio da cintilante seleção argentina, como também da campeã mundial em título União Soviética, da Polónia, ou do Uruguai.
Para nós, portugueses, este Mundial fica igualmente na história, por ter sido nesta edição que uma seleção nacional marcou pela primeira vez presença numa competição da qual viria num futuro próximo a sagrar-se bi-campeã. Mas isso são outras histórias para outros capítulos... da história. Foquemos por agora os olhos no Japão 79.
Argélia surpreende vice-campeões do Mundo
O cartaz oficial do Japão 79 |
No outro encontro ocorrido na Estádio Nacional de Tóquio a supresa pairou no ar. Os vice-campeões mundiais, o México, e apontados pela crítica como um dos selecionados favoritos a arrecadar a coroa de campeão baqueou diante da modesta Argélia. Uma igualdade a uma bola premiou o atrevimento dos africanos, que nunca baixaram os braços ao longo de um encontro onde até estiveram atrás no marcador desde o minuto 24.
Dois dias depois, e no mesmo estádio, tem lugar a segunda ronda, a qual teve início com a Espanha a carimbar o passaporte para os quartos-de-final à custa do desolador México. A cerca de 15 minutos do apito final do brasileiro Ramiz Wright o avançado nascido em Valladolid, Luís Gail, apontou o 2-1 final, que não só colocava os castelhanos na fase seguinte como obrigava os mexicanos a vencer o terceiro e último jogo do grupo. Isto, porque no outro encontro da segunda ronda a Argélia voltava a somar um pontinho, desta feita na sequência de uma igualdade a zero ante os japoneses. E como diz o ditado: "grão a grão enche a galinha o papo".
Uma imagem aérea do Estádio Nacional de Tóquio |
O tango mágico de Maradona e companhia
Maradona põe os olhos em bico a um indonésio |
No outro jogo do Grupo B apareceu outra das boas lembranças deste Mundial de 79. A Polónia, fiel intérprete do frio mas tremendamente eficaz futebol do leste europeu mostrou-se ao Mundo com uma categórica vitória por 2-0 ante outra seleção tradicionalmente muito talentosa, a Jugoslávia.
Tomislav Ivkovic |
Maradona celébra com os companheiros mais uma vitória |
No último jogo do grupo a Jugoslávia despediu-se da competição com uma goleada de 5-0 aplicada à débil Indonésia. Com esta pobre aparição os indonésios fizeram história na competição, já que até hoje são a seleção que mais golos sofreu numa fase final, 16 para sermos mais exatos.
Portugal com estreia positiva
A seleção júnior portuguesa de 1979 |
Estreia portuguesa que foi para esquecer, já que em Kobe - cidade onde decorreu toda a ação do Grupo C - o Canadá derrotou os portugueses por claros 3-1. O tento lusitano seria apontado por um tal de João Grilo, avançado que na época atuava nos júniores do Sporting. Aliás, a seleção portuguesa era composta na sua maioria por atletas pertencentes a equipas secundárias do futebol nacional, com destaque para a presença de dois atletas (Artur e Jorge Oliveira) que integravam os plantéis de equipas da 3ª Divisão!
Romerito, a maior estrela do futebol paraguaio de todos os tempos mostrou-se ao Mundo no Japão |
Paraguai que na jornada seguinte mediu forças com o combinado de Peres Bandeira, que face ao precalço da partida inaugural precisava urgentemente de um triunfo para continuar a sonhar com o apuramento. O jogo foi complicado para ambos os conjuntos, muito disputado e de certa forma pautado pelo equilíbrio, sendo apenas desamarrado por um golo solitário de Nascimento, que devolvia desta forma a alegria à nação portuguesa.
A Coreia do Sul baralhou por compelto as contas do grupo com o seu triunfo (1-0) diante do Canadá, sendo que à entrada para a terceira e decisiva jornada da fase de grupos as quatros seleções tinham hipóteses matemáticas de se qualificar para a fase seguinte. Para isso precisavam apenas de vencer os seus respetivos duelos. E foi precisamente isso o que o Paraguai fez diante do Canadá, última seleção esta que não encontrou o antídoto para travar o craque Romerito, autor de dois dos três golos dos sul-americanos.
Quanto aos portugueses um empate a zero bolas ante os sul-coreanos bastou para garantir a qualificação, tendo os lusos sido apurados por deterem um melhor goal-average (diferença entre golos marcados e sofridos) que os seus opositores.
Campeões do Mundo aliam-se aos talentosos charrúas
Oleksandr Zavarov |
Os apurados ficariam definidos na ronda seguinte fruto de mais duas vitórias incontestáveis dos favoritos Uruguai e União Soviética. Os primeiros derrotaram a Hungria por 2-0 - um dos golos foi do craque Paz - ao passo que os segundos levaram a melhor sobre a Guiné-Conacri por 3-0.
Assim sendo, o jogo entre as duas equipas vitoriosas do grupo na entrada para a última jornada assumia contornos de final, cujo prémio era o primeiro lugar da chave. Venceram os sul-amercicanos - num encontro arbitrado pelo português César Correia Dias da Luz - graças a mais uma excelente atuação coletiva, pese embora os soviéticos se tenham batido muito bem. A Hungria ficou no terceiro posto do grupo, após ter derrotado a Guiné-Conacri por 2-0.
Portugueses dizem adeus em dia de novo vendaval argentino
Ramón Díaz, o artilheiro do Mundial |
No Estádio Nacional de Tóquio os 20 000 espetadores presentes puderam deliciar-se com mais um grande recital de futebol da equipa de Maradona. 5-0 à equipa sensação da primeira fase do Mundial, a Argélia, que não teve argumentos para eclipsar a magia de El Pibe - autor de um golo - e a veia goleadora de Ramón Díaz, autor de três, ele que haveria de se sagrar o melhor marcador do torneio com um total de oito remates certeiros. Equilibrado e decidido igualmente nas grandes penalidades foi o embate entre União Soviética e Paraguai, que terminou empatado a duas bolas no final dos 120 minutos. No tiro ao alvo os campeões do Mundo levariam a melhor, de nada valendo mais uma atuação valorosa de Romerito.
Rúben Paz mandou os portugueses para casa |
Maradona derrota o vizinho e rival Paz
Lá vai Maradona... sem que os uruguaios o consigam travar |
O rival dos chiquitos de Menotti na grande final de Tóquio foi encontrado em Kobe, cidade onde a União Soviética se desenvencilhou a muito custo da Polónia graças a um tento solitário de Ponomarev no início do segundo tempo.
A merecida consagração de Maradona e companhia
Deus (Maradona) carregado em ombros pelos seus companheiros após o triunfo na final ante a União Soviética |
Maradona, com a taça nas mãos, é recebido com a restante seleção argentina na Casa do Governo pelo chefe de Estado, o general Videla |
A figura: Diego Armando Maradona
Nos Cebollitas |
Craque aos 16 anos no Argentino Juniors |
Com a camisola do seu amado Boca Juniors |
No Barça |
Venceu dois campeonatos de Itália, uma taça e uma supertaça italiana, e arrecadou a Taça UEFA em 1988. Fez quase 260 jogos com o clube, e apontou 115 golos. Com Maradona ao leme o Napoli foi um grande do futebol mundial. Ainda hoje ele tem a cidade a seus pés, uma cidade que o venera como um Deus, maior que o próprio Deus.
Deus com a camisola do Napoli |
O momento mais alto da sua carreira |
Nomes e números:
Grupo A
1ª Jornada
México - Argélia: 1-1
(Enrique Hernandez, aos 24m)
(Yahi, aos 67m)
Japão - Espanha: 0-1
(Zúñiga, aos 51m)
2ª Jornada
Espanha - México: 2-1
(Paichardo, aos 8m, Gail, aos 74m)
(Díaz, aos 56m)
Argélia - Japão: 0-0
3ª Jornada
Espanha - Argélia: 0-1
(Bendjaballah, aos 15m)
Japão - México: 1-1
(Mizunuma, aos 58m)
(Romero, aos 69m)
Classificação:
1-Espanha: 4 ponts
2-Argélia: 4 pontos
3-México: 2 pontos
4-Japão: 2 pontos
Grupo B
1ª Jornada
Polónia - Jugoslávia: 2-0
(Palasz, aos 49m, Frankowski, aos 76m)
Argentina - Indonésia: 5-0
(Ramón Díaz, aos 10m, aos 23, aos 25m, Maradona, aos 19m, aos 39m)
2ª Jornada
Jugoslávia - Argentina: 0-1
(Escudero, aos 55m)
Polónia - Indonésia: 6-0
(Baran, aos 22m, aos 31m, Palasz, aos 11m, aos 37m, Janiec, aos 12m, Buda, aos 73m)
3ª Jornada
Polónia - Argentina: 1-4
(Palasz, aos 27m)
(Calderón, aos 23m, aos 70m, Maradona, aos 7m, Simón, aos 35m)
Jugoslávia - Indonésia: 5-0
(Milosavljevic, aos 19m, aos 63m, Smajic, aos 5m, aos 77m, Mlinaric, aos 73m)
Classificação:
1-Argentina: 6 pontos
2-Polónia: 4 pontos
3-Jugoslávia: 2 pontos
4-Indonésia: 0 pontos
Grupo C
1ª Jornada
Canadá - Portugal: 3-1
(Segota, aos 7m, aos 66m, Nagy, aos 79m)
(Grilo, aos 46m)
Paraguai - Coreia do Sul: 3-0
(Cabañas, aos 70m, aos 74m, Romerito, aos 5m)
2ª Jornada
Portugal - Paraguai: 1-0
(Nascimento, aos 23m)
Coreia do Sul - Canadá: 1-0
(Lee, aos 63m)
3ª Jornada
Paraguai - Canadá: 3-0
(Romerito, aos 37m, aos 58m, Isasi, aos 40m)
Portugal - Coreia do Sul: 0-0
Classificação
1-Paraguai: 4 pontos
2-Portugal: 3 pontos
3-Coreia do Sul: 3 pontos
4-Canadá: 2 pontos
Grupo D
1ª Jornada
União Soviética - Hungria: 5-1
(Taran, aos 71m, aos 78m, Ponomarev, aos 24m, Stukashev, aos 41m, Zavarov, aos 57m)
(Kardos, aos 9m)
Uruguai - Guiné-Conacri: 5-0
(Revelez, aos 22m, aos 74m, Paz, aos 53m, Vargas, aos 76m, Molina, aos 7m)
2ª Jornada
Hungria - Uruguai: 0-2
(Vargas, aos 23m, Paz, aos 35m)
Guiné-Conacri - União Soviética: 0-3
(Olefirenko, aos 6m, Mikhalevsky, aos 59m, Radenko, aos 80m)
3ª Jornada
União Soviética - Uruguai: 0-1
(Martinez, aos 66m)
Hungria - Guiné-Conacri: 2-0
(Segesvar, aos 17m, Kerepeczky, aos 80m)
Classificação:
1-Uruguai: 6 pontos
2-União Soviética: 4 pontos
3-Hungria: 2 pontos
4-Guiné-Conacri: 0 pontos
Quartos-de-final
Espanha - Polónia: 0-0 (3-4 nas grandes penalidades)
Argentina - Argélia: 5-0
(Ramón Díaz, aos 39m, aos 51m, aos 66m, Maradona, aos 25m, Calderón, aos 34m)
Paraguai - União Soviética: 2-2 (5-6 nas grandes penalidades)
(Romerito, aos 7m, Achucarro, aos 22m)
(Dumansky, aos 3m, Ponomarev, aos 70m)
Uruguai - Portugal: 1-0
(Paz, aos 94m)
Meias-finais
Argentina - Uruguai: 2-0
(Ramón Díaz, aos 52m, Maradona, aos 74m)
Polónia - União Soviética: 0-1
(Ponomarev, aos 50m)
Jogo de atribuição dos 3º e 4º lugares
Uruguai - Polónia: 1-1 (5-3 nas grandes penalidades)
(Paz, aos 9m)
(Palasz, aos 26m)
Final
Argentina - União Soviética: 3-1
Data: 7 de setembro de 1979
Estádio: Nacional de Tóquio
Árbitro: Ramiz Wright (Brasil)
Argentina: Sergio García; Abelardo Carabelli, Juan Simón, Rubén Rossi e Hugo Alves; Juan Barbas, Osvaldo Rinaldi (Juan José Meza, aos 49m) e Diego Maradona; Osvaldo Escudero, Ramón Díaz e Gabriel Calderón. Treinador: César Luís Menotti
União Soviética: Chanov, Yanushevsky (Olefirenko, aos 56m), Khachatrian, Paolukarov, Dumansky (Mikhalevsky, aos 60m), Ponomarev, Taran, Gurinovich, Stukashev, Ovchinnikov, e Radenko. Treinador: Sergei Korshunov
Golos: 0-1 (Ponomarev, aos 52m), 1-1 (Alves, aos 68m), 2-1 (Ramón Díaz, aos 71m), 3-1 (Maradona, aos 76m)
Seleção argentina que se sagrou campeã mundial de júniores em 1979
Vídeo: ARGENTINA - UNIÃO SOVIÉTICA
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terça-feira, janeiro 21, 2014
Catedrais Históricas (14)... Campo do Ameal
A imagem de marca do Ameal: a sua bela bancada central ornamentada com o imponente relógio no topo. |
Falar do Ameal é lembrar também grande parte da vida do agremiação desportiva que lhe deu o ser, o Sport Progresso, emblema da freguesia de Paranhos fundado a 15 de agosto de 1908, que noutros tempos chegou calcarrear os patamares mais altos do desporto rei lusitano, mas que hoje vive quase esquecido nos caminhos secundários do futebol distrital. Foi pois nos tempos de maior glamour do Sport Progresso, dirigido naqueles longínquos anos 20 por gente dinâmica e empreendedora, que o Campo do Ameal passou do sonho à realidade.
A primeira pedra é lançada em 1922, e um ano mais tarde o sonho dá então lugar à realidade. É inaugurado oficialmente a 10 de junho desse ano de 1923, e para a festa o Progresso convida os gigantes vizinhos do FC Porto, Boavista, e Salgueiros, que entre si disputam uma amistosa e animada maratona de jogos de futebol.
Uma vista panorámica do retângulo de jogo |
Frente a frente estiveram Belenenses e Marítimo, duas equipas que disputaram uma partida que durou apenas 60 minutos!!! Sobre ela o Museu Virtual do Futebol já traçou algumas linhas aquando da recriação desse Campeonato de Portugal numa outra visita ao passado, linhas essas que passamos então a recordar.
Marítimo ataca a baliza belenense na final dos 60 minutos |
Os jogadores de Belém entraram no Ameal debaixo de um coro ruidoso de assobios e apupos, ambiente que desde logo os enervou, e condicionaria em grande parte do encontro. O portuense José Guimarães foi o árbitro de um jogo que até começou equilibrado, com luta intensa a meio campo. Com o avançar do relógio, e com os gritos de incentivo ao Marítimo como som de fundo, a partida foi endurecendo, o que favorecia os rapazes da ilha da Madeira, mais resistentes do ponto de vista físico. Madeirenses que aos 35 minutos dispuseram de uma oportunidade sublime para chegar à vantagem, na sequência de uma grande penalidade assinalada a castigar uma falta belenense. Oportunidade que seria desperdiçada, e o encontro lá continuou com o nulo no marcador até ao intervalo.
Mais uma investida madeirense às redes azuis |
Cinco minutos volvidos Ramos faria o 2-0, e o Campo do Ameal explodiu de alegria, ao mesmo tempo em que os jogadores lisboetas eram provocados e ridicularizados pelo público ali presente. Belenenses que protestaram vincadamente o segundo golo insular, alegando irregularidades. Augusto Silva, um dos melhores jogadores dos azuis, terá mesmo puxado o braço do árbitro, pedindo-lhe satisfações, ao que este sem mais demora deu ordem de expulsão ao belenense. Silva recusou-se a sair do campo, e a desordem instalou-se no Ameal. O público continuava a insultar os lisboetas, agora mais do que nunca, e só a intervenção pronta da polícia a cavalo terá evitado males maiores. Augusto Silva continuava a recusar sair do campo, e assim sendo, o árbitro, após consultar os dirigentes da UPF ali presentes, decidiu por encerrar o jogo, e consequentemente atribuir o título de campeão ao Marítimo.
A festa estalou de pronto. Era como se os madeirenses estivessem a jogar em casa! Os lisboetas não calaram a sua revolta, e no dia seguinte a imprensa da capital saia mais uma vez em defesa dos seus: «Caído o verniz da compustura, os facciosos portuenses deram largas ao seu despeito e ao seu rancor a Lisboa, os jogadores do Belenenses tiveram de passar por entre alas de público que os cobriu de vaias, dirigindo-lhes os insultos mais soazes. Estiveram iminentes vários conflitos...», assim escrevia Ribeiro dos Reis no Sport de Lisboa.
Uma imagem triste: a demolição do histórico Campo do Ameal |
Mas como quase tudo na vida também o Ameal teve o seu fim. Por volta de 1934 o Sport Progresso começava a enfrentar graves problemas financeiros que colocavam em causa a sua sobrevivência. Atolado em dívidas, e sem condições para manter o campo em funciomaneto, o clube tenta encontrar compradores para o recinto. Seguem-se nos anos seguintes um rol de peripécias, avanços e recuos, o campo chega a ter três proprietários (!), mas não recupera o charme da década anterior, ao qual nem a seleção nacional conseguiu resistir, já que também no seu retângulo mágico efetuou alguns jogos internacionais.
Em 1947 o Sport Progresso muda-se de armas e bagagens para o outro lado Circunvalação - zona onde se situava o recinto - e ai assenta arraiais no seu novo campo de jogos, o Queirós Sobrinho, que ainda hoje se encontra de pé. Quanto ao velhinho e mítico Ameal, sem utilização nem consequente rentabilidade, acaba por ser demolido pouco tempo mais tarde, aparecendo no seu lugar uma triste e cinzenta urbanização que eclipsou de vez as alegres e coloridas bancadas do Ameal sempre que o seu retângulo de jogo era palco de momentos de magia futebolística.
segunda-feira, janeiro 13, 2014
Histórias do Planeta da Bola (1)... A primeira traição numa relação com mais de um século de existência
Alfonso Albéniz (com a camisola do Barça) é o primeiro na fila de cima a contar da esquerda para a direita |
Alfonso Albéniz Jordana, de seu nome completo, nasceu precisamente em Barcelona, a 1 de janeiro de 1886, sendo o mais velhos dos três filhos do famoso compositor catalão Isaac Albéniz. Ainda com a tenra idade de 16 anos o jovem Albéniz é convidado a integrar o team do não menos jovem FC Barcelona, emblema da cidade que havia visto a luz do dia em 1899 pela mão do suíço Hans Gamper. Estávamos em 1901, uma época onde a esmagadora maioria dos países do globo dava ainda os primeiros pontapés na bola que há mais de três décadas deixava os britânicos loucos de entusiasmo.
Começavam pois a nascer as primeiras competições entre clubes no plano interno, despoletavam rivalidades que iriam perdurar até aos dias de hoje, e os primeiros génios da bola mostravam-se ao Mundo. Não se sabe - e voltamos a sublinhá-lo - se terá sido o caso de Alfonso Albéniz, certo é que ele foi preponderante numa das primeiras conquistas daquele que é hoje um colosso do futebol planetário, o Barça, que a 6 de janeiro de 1902 vencia a Copa Macaya após um triunfo por 4-2 ante o Hispania. Albéniz fez a sua estreia pelos blue grana nesse encontro, tendo da sua autoria sido o primeiro golo catalão nessa tarde de glória. Que estreia!
Cerca de quatro meses depois dessa epopeia dá-se o primeiro encontro entre aqueles que com o passar dos anos se converteram em inimigos de morte, protagonistas de uma relação que apaixona adeptos não de Espanha como da restante aldeia global. FC Barcelona e Madrid FC enfrentam-se pela primeira vez num jogo oficial, referente às meias-finais da primeira edição da Copa de la Coronación - mais tarde rebatizada como Copa del Rey - e que terminaria com a vitória catalã por 3-1. O Barça viria a perder a final ante os bascos do Club Viscaya por 1-2, tendo sido esse o derradeiro encontro de Albéniz com a camisola blue grana. Uma semana depois faz as malas e parte para a capital, para ai continuar a sua vida académica, e consigo levou a paixão pelo jovem football, não sendo de estranhar que assim que chega a Madrid um dos seus primeiros atos é vestir o manto sagrado do Madrid Foot Ball Club. A notícia é dada da seguinte forma em breves linhas:
«Hemos sabido que ha ingresado en la Sociedad Madrid Foot Ball Club
el notable y entusiasta jugador señor Albéniz, que perteneció al
Barcelona y, además, otros buenos jugadores cuyos nombres sentimos no
recordar, pero ya los citaremos en las reseñas de los partidos en que
tomen parte.»
Contudo, Albéniz nunca chegou a vestir de branco em termos oficiais, sabendo-se apenas que não muito mais tarde passaria a integrar a direção do clube merengue. Como dirigente distinguiu-se ainda na qualidade de presidente do Colégio Nacional de Árbitros, cargo que ocupava aquando da realização da primeira edição do Campeonato Nacional de Espanha, na temporada de 1928/29, cerca de uma década antes de vir a falecer em solo português, mais concretamente no Estoril.
Depois de Albéniz largas dezenas de outros jogadores fizeram a arriscada viagem entre Barcelona e Madrid, e vice-versa, algumas dessas viagens mais mediáticas do que outras, casos da de Michael Laudrup, Bernd Schuster, Luís Enrique, ou de Luís Figo, quiçá a mais atribulada da história.
sexta-feira, janeiro 10, 2014
ENTREVISTA: Carlos Metidieri, o rei que Pelé substituiu no trono da velha NASL
Carlos Metidieri |
Edificou-se o belo jogo em estádios gigantescos - ainda uma raridade na Europa daquele tempo - que rapidamente esgotavam as suas lotações para ver em ação as lendas da bola, casos Johan Cruyff, George Best, Eusébio, António Simões, Carlos Alberto, Rivelino, Giorgio Chinaglia, Teófilo Cubillas, Gordon Banks, Gerd Muller, Franz Beckenbauer, Bobby Moore, Johan Neeskens, Ruud Krol, e claro, Pelé. A extensa cobertura televisiva, a publicidade, o popular show biz norte-americano, tudo junto ajudou a que a NASL da década de 70 - sobretudo - fosse a competição de clubes mais mediática - e extravagante - do planeta... sem dúvida. A febre do soccer de grande parte dos anos 70 levou estrelas internacionais da música e do cinema a perder a cabeça e investir fortunas na fundação e/ou aquisição de clubes, equipando estes seus novos brinquedos com algumas das lendas que atrás citamos.
Hoje, o Museu Virtual do Futebol recebe com vincada honra uma das primeiras lendas da popular competição norte-americana, o homem que ocupou o trono de rei da NASL antes de... Pelé o reclamar para si. Essa figura é Carlos Metidieri, um artista brasileiro, um predador avançado que foi imortalizado nos relvados - na sua maioria sintéticos - do soccer da América do Norte como Topolino. Encontrámo-lo nos caminhos virtuais do autêntico bairro virtual que é hoje em dia a rede social facebook, convidámo-lo a visitar o museu, aceitou, e connosco partilhou memórias que fazem hoje dele um ícone da extinta e saudosa NASL. Numa longa, descomprimida, deveras agradável, e sobretudo divertida conversa Il Topolino recorda outras lendas com quem o privilégio de jogar - e de privar -, os momentos dourados - e divertidos - do seu trajeto no soccer, entre outras inúmeras lembranças. Il Topolino tem a palavra...
Museu Virtual do Futebol (MVF): Como todas as histórias também a sua tem um início. O ponto de partida é Votorantim, cidade (do interior) do estado de São Paulo onde a 18 de dezembro de 1942 nasceu José Carlos Metidieri. Como foram os primeiros passos do lendário Topolino no mundo do futebol?
Carlos Metidieri (CM): Comecei a jogar nos escalões de formação do Palmeiras, o time do qual era adepto desde criança, em 1958. Mais tarde passei para o Esporte Clube São Bento, que jogava na Divisão Especial, hoje 3ª Divisão, e foi lá que fiz a estreia no futebol sénior.
MVF: Nessa época o futebol paulista era abrilhantado por um tal de Pelé...
CM: Sim, e joguei contra ele várias vezes. Pelo São Bento cheguei a vencer o Santos dele. Aliás, eu era um fã de todo aquele famoso time do Santos. Mas convém dizer também que o São Bento era um dos grandes times do futebol paulista daquele tempo.
MVF: Depois do São Bento seguiu-se?
CM: Itália, mas não tive muita sorte lá. Fui em 1963, e recordo que no mesmo avião em que eu viajava iam o Jair da Costa (que mais tarde seria bi-campeão europeu pelo Inter de Milão, em 1964 e 1965) e o famoso massagista da seleção brasileira Mário Américo, um cara muito bacana e amigo, que na altura acompanhava o Jair. Mas como dizia, cheguei em Itália e não tive muita sorte. No Napoli, o meu destino inicial, estive somente seis meses, e depois fui para o Como, mas lá também tive pouca sorte.
MVF: O que faltou para dar de caras com a sorte?
CM: Era muito novo na altura, além de que naquela época era muito difícil jogar numa equipa italiana devido à restrição do número de atletas estrangeiros. Não é como agora, que o mercado é livre, e uma equipa pode até jogar só com jogadores estrangeiros. Naquele tempo só eram permitidos dois estrangeiros e um oriundi (atleta descendente de italianos) por equipa...
MVF: ... O Carlos era oriundi...
CM: Sim, sou descendente de italianos, os meus avós paternos eram da Calabria. Mas como dizia, além dessa restrição a jogadores estrangeiros, e de ter ido para Itália cedo demais, tive a infelicidade de partir um braço. A recuperação foi muito longa, e como o campeonato italiano estava já em andamento tive de escolher outro caminho para continuar a minha carreira. E foi ai que surgiu a hipótese de ir para o Canadá.
MVF: Canadá? Porquê? À primeira vista parece tratar-se de um país onde o futebol não tem grande expressão...
CM: Não é bem assim. Na altura eu tive de decidir entre França e Canadá, os países de onde recebi propostas. Optei pelo Canadá. Era um moleque (de 20 anos), não tinha experiência, nem empresário, e o que me fascinou foi o facto de na liga canadense jogarem na época diversas lendas do futebol mundial, casos do Kubala, ou de Sir Stanley Matthews. Isso atraiu-me. A liga do Canadá tinha bons jogadores, oriundos do Brasil, Argentina, etc. Era um campeonato muito forte, desconhecido, mas muito bom.
MVF: Não fazia ideia...
CM: É, as equipas europeias quando lá iam fazer digressões levavam pau, inclusive o grande Benfica de Eusébio e companhia, da primeira metade da década de 60, bi-campeões da Europa, foi lá e perdeu connosco...
MVF: Quando diz connosco fala do Toronto Italia, a equipa que o contratou, certo?
CM: Certo, passei lá três anos maravilhosos, entre 63 e 66. Fui campeão nacional pelo Toronto Italia, além de ter sido (por mais do que uma vez) o melhor marcador e o jogador mais valioso do campeonato. Mas como estava a dizer as equipas da Europa iam lá em digressão e perdiam. Foi assim com o Benfica, em 1963, ou 1964, não me recordo bem, mas lembro a propósito que após uma vitória da minha equipa sobre esse grande time benfiquista os jornais do dia seguinte titulavam o seguinte: "Viemos ver Eusébio, mas vimos Metidieri". (risos)
MVF: O Carlos eclipsou o Pantera Negra...
CM: ...Toda a gente queria ver o grande Eusébo, mas eu acabei por fazer uma exibição fantástica nesse jogo. Lembro também que outra vez fiz três golos ao Varzim, que também lá foi derrotado.
MVF: O Canadá pode, portanto, ser olhado como o passaporte para a grande carreira que viria a desenvolver nos anos seguintes?
CM: Foi uma ótima experiência. Deixei lá grandes amigos. Foram tempos memoráveis, inclusive assisti lá a um concerto dos Beatles na primeira digressão que eles fizeram à América do Norte. (risos) Lembro-me que competia durante seis meses lá e os outros seis estava ao Brasil, onde jogava pelo São Bento, um clube que era propriedade da minha família...
MVF: ... eram os Abramovich do São Bento (risos)
CM: (risos) A minha família sempre esteve ligada ao futebol. O meu tio, Alfredo Metidieri, era o presidente da Federação Paulista de Futebol, e o meu primo Gilson Metidieri, que foi um grande jogador, também jogou comigo nos EUA. Como a temporada de futebol no Canadá só durava seis meses eu voltava sempre ao Brasil para jogar pelo São Bento, que aliás tinha um timão nessa época, com jogadores como Marinho Peres (que foi internacional pela seleção do Brasil e jogou no Barcelona, tendo mais tarde treinado inúmeras equipas do futebol português), o Paraná, ou o Cabralzinho.
MVF: O sucesso que alcançou no Canadá não lhe reabriu as portas do futebol europeu?
CM: Esteve quase. Recebi propostas de muitas equipas, não só da Europa como de outros pontos do globo. Da Argentina o Independiente (na época campeão da Copa Libertadores) tentou contratar-me para jogar a final da Taça Intercontinental (que naqueles anos era jogada a duas mãos, uma na América do Sul, outra na Europa) com o Inter de Milão. Da Europa também recebi algumas propostas para regressar, e recordo que o Celtic de Glasgow foi um dos clubes que tentou esse regresso. Da Austrália também chegou um convite.
MVF: Mas o que é certo é que continuou pela América do Norte. Porque não regressou ao Velho Continente, por exemplo?
CM: Sobretudo por não ter um empresário que me representasse. Mas também porque no Canadá, e como já disse, a temporada só durava seis meses, pelos que os outros seis eu voltava para casa, para o Brasil, e dava para matar saudades da família. E como eu tinha saudades da família...
Os Boston Rovers (camisola listada) em ação |
CM: É, nessa altura (por volta de 1967) estava no Brasil, pois o Toronto Italia decidiu nesse ano não jogar. O telefone tocou, e do outro lado estava alguém a fazer-me o convite para ir para Boston. Foi precisamente na altura em que NASL estava prestes a começar. Recordo que na época a equipa que representava a cidade de Boston era o Shamrock Rovers, da Irlanda, dai o time pelo qual assinei se chamar Boston Rovers.
MVF: Era o que se chama agora de um clube satélite...
CM: Sim, mais ao menos. Passei um bom tempo com os irlandeses. Como eles bebiam!!! (risos)
MVF: Como bons irlandeses uma boa dose de cerveja Guinness não devia faltar na hora de festejar as vitórias, certo?
CM: Eles bebiam de tudo. Lembro-me que quando íamos jogar a outras cidades o autocarro da equipa parava e todos saíam para comprar bebidas - alcoólicas, claro. Depois, antes dos jogos, misturavámos tudo na banheira do treinador, no balneário, púnhamos gelo lá dentro, e saltávamos todos para o interior da banheira. Depois, íamos para o campo, jogar (risos). Após o jogo, no regresso ao hotel, vínhamos todos a cantar no autocarro. Eu só cantava a La Bamba (música celebrizada por Ritchie Valens). (risos)
MVF: Que grande época deve ter sido essa (risos).
CM: Aquela equipa estava sempre em festa.
MVF: Perdessem ou ganhassem?
CM: Perdêssemos ou ganhássemos.
MVF: Em 1968 dá-se então o início da NASL, a primeira edição da célebre competição. Nesse ano o Carlos atravessa os EUA, foi de costa a costa, como se costuma dizer, aterrando em Los Angeles (LA), onde teve a sua primeira grande explosão no soccer norte-americano, a julgar pelos (muitos) golos que marcou e que o tornaram no goleador da equipa nesse ano.
CM: Sim, estive lá um ano ao serviço dos Los Angeles Wolves. Recordo-me que o treinador era o Ray Wood, um dos sobreviventes do desastre de avião que em 1958 vitimou grande parte da equipa do Manchester United. A equipa tinha grandes jogadores, como o meu primo Gilson, o argentino Jorge Piotti, ou o peruano Jorge Benitez.
MVF: Viver em L.A., conhecida mundialmente como a cidade dos anjos... e dos demónios (risos), deve tê-lo marcado. Viver tão próximo das estrelas de Hollywood, dos mitos da música, como The Doors, por exemplo...
CM: Lorne Greene, um dos protagonistas da série Bonanza, era o dono do clube. Andava sempre com cada mulher!!! oh oh (risos). Ele era ainda o proprietário dos Lakers, e dos Kings, respetivamente equipas de basquetebol e de hóquei no gelo. Mas, nós, jogadores, éramos calmos, não entrávamos naquele mundo louco de L.A.
MVF: Nada de divas de Hollywood, portanto?
CM: Isso era mais para o Lorne Greene, que trazia cada gata para as festas! (risos). Ele adorava festas. Nós, gostávamos de curtir uma praia, tomar uns chopes com estrelas de outras áreas, como por exemplo o Johnny Mathis (popular cantor norte-americano).
MVF: Tinham aquilo o que se chama de uma vida hollywoodesca.
CM: Sim, de certa forma.
MVF: E o futebol, como era a relação entre aquela espampanante cidade multicultural e uma modalidade de certo modo estranha (na altura) para aquele país?
CM: Los Angeles tinha uma grande comunidade de imigrantes, sobretudo mexicanos, comunidade essa que apreciava bastante o futebol. Os norte-americanos, propriamente ditos, ligavam pouco ao soccer, ao contrário do que acontece agora. Lembro-me que os jogos dos Wolves eram disputados no Rose Bowl, de Pasadena, um estádio que tinha capacidade para 100 000 pessoas, mas quando lá jogávamos não havia mais de 10 000 ou 15 000 espetadores a assistir. O estádio parecia vazio. Coincidência ou não os Los Angeles Wolves acabariam nesse ano de 68.
A equipa dos Rochester Lancers que em 1970 conquistou o título de campeão da NASL. Metidieri é o jogador que na fila de baixo segura a bola e enverga a camisola número 11 |
CM: Depois de L.A. regressei ao Brasil, onde algum tempo mais tarde o telefone voltou a tocar, e mais uma vez alguém do outro lado convidou-me para voltar aos States. Desta vez para Rochester, onde de facto fui muito feliz durante os quatro anos que lá passei envergando a camisola dos Lancers. Passei, aliás, grande parte da minha vida naquela cidade, mesmo depois de ter encerrado a minha carreira de futebolista. Ali casei-me, ali nasceram os meus filhos, ali tive negócios. Ainda hoje, gosto de voltar a Rochester sempre que posso. Sou bem recebido...
MVF: ...Como um verdadeiro ídolo?
CM: Sim, é verdade, tratam-se com carinho, o que para mim é um orgulho.
MVF: Bem diferente de L.A., onde o soccer, na altura, não pegou de imediato de estaca.
CM: Sim. Ao contrário de Los Angeles, Rochester era uma cidade pequena (pertence ao Estado de Nova Iorque), que tinha nos Lancers o seu único time profissional. Viviam lá muitos imigrantes, que gostavam de futebol, e como tal tínhamos muito apoio nos jogos que disputávamos em casa.
A lendária camisola número 11 dos Rochester Lancers, eternizada por Carlos Metidieri |
CM: É verdade, tínhamos uma boa equipa, com muitos brasileiros, uruguaios, africanos, mexicanos, europeus (italianos, ingleses, escoceses), mas sobretudo éramos um grupo de bons amigos. Combinávamos bem uns com os outros, mas também vencemos aquela liga porque grande parte das outras equipas faziam a estreia na NASL, não tinham muito experiência numa competição que então dava os primeiros passos. Mas mesmo assim recordo-me de um ou outro grande time daquele ano, como por exemplo os Washington Darts (que os Lancers derrotaram na final do campeonato).
MVF: Foi aliás em Rochester que o Carlos Metidieri estabeleceu um recorde no futebol norte-americano que ainda hoje perdura, ao conquistar em dois anos seguidos (1970 e 1971) o título de MVP (Most Valuable Player) da liga, que traduzindo para português significa dizer que foi o melhor jogador do campeonato. Um feito que nenhum outro jogador que passou pela famosa NASL da década de 70 alcançou, nem mesmo Pelé, que ali chegou em 1975.
CM: Sim, esse recorde ninguém me tira (risos). Em 71 fui o MVP e o melhor marcador da liga em simultâneo. São boas lembranças, acima de tudo. Ainda hoje aquele título de campeões da NASL é lembrado na cidade como o mais importante no plano desportivo.
CM: É verdade. Foi em 1971, no primeiro jogo das meias-finais da NASL, contra os Dallas Tornado, como disse. Foi marcado ao minuto quinze do sexto prolongamento (!), aos 176 minutos, portanto. Um jogo que ficou para a história da NASL como o mais longo da competição. O encontro só terminaria quando uma das equipas maracasse o golo da vitória (no final dos 90 minutos o resultado era de 1-1). Lembro-me que começámos a jogar às 20H00 e terminámos às 23H55!
MVF: Quase quatro horas seguidas de futebol!! Que loucura!!!
CM: É, cheguei ao final e cai de joelhos, mas consegui chegar ao fim.
Topolino com outro lendário rato: Mickey Mouse |
CM: Não, a alcunha de Topolino foi-me dada quando jogava em Toronto, pelos torcedores italianos que lá viviam e apoiavam o Toronto Italia. Topolino significa pequeno rato em italiano, e assim era chamado não só por eu ser de estatura baixa mas sobretudo porque era muito rápido com a bola nos pés. Ainda em termos de características pessoais fiquei igualmente conhecido por ter um bom drible, e um forte poder de remate.
MVF: E assim nascia a lenda do Topolino. Rochester não foi porém o seu derradeiro capítulo na NASL. Regressou a Boston em 1974, para ai atuar dois anos pela equipa dos Minutemen, a mesma onde pouco mais tarde jogariam algumas estrelas portuguesas de então, casos de António Simões, ou de Eusébio. O nome do Pantera Negra não podia deixar de estar presente nesta pequena conversa entre o Museu Virtual do Futebol e o Topolino. Sobretudo hoje, pouco tempo depois de ele deixado o mundo terrestre, e de o planeta da bola ainda chorar a sua morte. Fale-nos de Eusébio...
CM: Não chegámos a jogar juntos na NASL. Fizemo-lo sim na Major Indoor Soccer League (futebol indoor, modalidade tão pouplar nos EUA) ao serviço dos Buffalo Sttalions, onde ainda estive uns dois anos (1979 e 1980). Foi um prazer jogar ao lado de Eusébio. Lembro-me que ele gostava muito de jogar poker, e muitas noites lá ia eu jogar uma partidinha com ele. Adorava uma cervejinha, e recordo-me que nessa época o meu irmão Paulo tinha uma pizzaria em Rochester, e em várias ocasiões ia de propósito a Buffalo levar-nos umas pizzas para acompanhar o poker e a cervejinha (risos). O Eusébio era um cara muito sincero e amigo, era capaz de tirar a camisa do corpo para ta dar. Tal como o Garrincha, com quem também joguei indoor soccer, também ele era uma pessoa humilde. Que Deus o tenha em bom lugar.
MVF: Como já dissemos, em 1975 Pelé chega aos EUA, contratado pelo Cosmos de Nova Iorque, e a euforia em torno do soccer subiu de tom. Parecia que o país tinha finalmente descoberto uma modalidade que no resto do Mundo era já de há longas décadas àqueles dias o chamado desporto rei. De repente o futebol tornou-se quase no desporto mais popular da América, e depois de Pelé outras lendas (algumas delas já mencionadas na entrada desta entrevista) rumaram aos States. Pode dizer-se que Pelé apagou a forma quase desprezível como os nativos americanos olhavam para o soccer?
CM: É certo que a chegada dele à América atraiu mais gente aos estádios para ver futebol. Pelé acrescentou de certa forma valor à NASL, abrindo portas para que outros craques da época do futebol internacional viessem para os States. Jogadores como Beckenbauer, Carlos Alberto, ou Chinaglia eram grandes atrações para o público que passou a lotar os estádios. Eles, e muitos outros grandes jogadores que entretanto iam chegando aos EUA, deram um forte contributo para que o futebol crescesse neste país. Formaram-se outras ligas, a modalidade desenvolveu-se nas escolas, e as crianças do país começaram a pratica-la, sendo aliás que muitas delas tornar-se-iam anos mais tarde jogadores profissionais que atuaram, ou ainda atuam, na Europa, por exemplo.
O rápido Topolino com a camisola dos Boston Minutemen |
MVF: Nessa segunda metade da década de 70 o futebol estado-unidense viveu a fase de maior glamour da sua história. Estrelas do mundo do cinema e da música investiam fortunas em equipas, na contratação de algumas lendas do futebol mundial. Os jogadores eram tratados como verdadeiros deuses. Viajavam em limousines nas grandes cidades; eram convidados para festas juntamente com lendas do rock n'roll, de Hollywood, ou da política; eram frequentemente capas nas mais importantes revistas e jornais dos EUA. Em suma, aquela foi a era da febre do soccer. Pelé, como já foi dito, deu um forte contributo para que a doença do futebol contaminasse a nação americana, mas o Carlos, e hoje pode afirmar-se isso com certeza ao olhar para o seu trajeto na NASL, foi um dos grandes responsáveis pelo aparecimento dessa tal febre do soccer, digamos que os seus golos, as suas jogadas, os seus prémios, foram as bases daquilo o que Pelé mais tarde viria a construir.
CM: A minha fase na NASL foi um pouco mais calma do que a era do Pelé e de outros jogadores que já mencionei. O mediatismo do futebol do meu tempo era um pouco menor. Mas ainda assim digamos que eu e outros jogadores da minha época abrimos os caminhos para aquilo o que o futebol nos EUA é hoje. Abrimos os caminhos para que hoje encham os bolsos de dinheiro. (risos) Eu ajudei a plantar as sementes, e agora colhem os frutos na Major League Soccer (a mais importante competição profissional da atualidade no soccer dos States).
MVF: Ainda hoje, muita gente - sobretudo na Europa - tem a ideia de que aquela NASL era somente um campeonato que juntava muitas estrelas internacionais em idade de reforma, e que de futebol (bem jogado) pouco ou nada se via. Concorda?
CM: Não. Havia equipas muito fortes, que jogavam muito. Como disse no início, as equipas europeias faziam muitas digressões pela América do Norte, isto é, Canadá e EUA, e quando lá chegavam perdiam com as nossas equipas. Eu venci algumas equipas da Europa tanto no Canadá como nos States. A NASL era uma liga que se formava muito rápido e terminava cedo, onde os jogadores que ali chegavam tinham pouco tempo para se adpatar. A maior parte dos times eram formados por jogadores estrangeiros, mas aos poucos os jogadores de origem norte-americana iam-se infiltrando e jogando nessas equipas. Como já referi a NASL contribuiu muito para que o futebol nos EUA crescesse.
MVF: Ainda na atualidade o futebol norte-americano é olhado com alguma desconfiança por parte dos europeus, pois a ideia que vamos tendo é de os norte-americanos não vão muito à bola com... o futebol.
CM: Não, hoje em dia já não é assim. Eles aprenderam aos poucos a gostar do nosso futebol, a pratica-lo, como eu disse antes, a saber interpreta-lo, e a prova é que nos dias de hoje a seleção nacional é uma presença assídua nas Copas do Mundo. Eles vão estar na copa do Brasil este ano. Hoje, os estádios de soccer nos EUA estão sempre cheios, o que antes não acontecia, com exceção aos tempos do Pelé na NASL. A nova geração está a crescer com o gosto pelo soccer no sangue.
MVF: Como todas as febres também a febre da mediática NASL de Pelé e companhia - quiçá o campeonato nacional mais cintilante da história da modalidade a nível planetário (!), pois hoje em dia nem em Espanha, nem em Inglaterra, nem na Alemanha, ou em Itália vemos jogar juntos um leque de estrelas de gabarito internacional tão vasto como o da velha NASL - chegou ao fim. Na entrada para a década de 80 o campeonato foi perdendo fulgor e sobretudo entusiasmo por parte do público. Aos poucos os multimilionários que investiram fortunas em equipas e jogadores mediáticos foram desaparecendo do cenário da competição, a qual iria conhecer a sua derradeira edição em 1984. O que matou a NASL?
CM: Começou a pagar-se muito dinheiro pelo que valia pouco! Creio que a entrada de empresários para a venda e compra de jogadores também foi prejudicial para a continuidade da liga. Digamos que a NASL foi um sonho curto, num dia acordámos e tudo tinha acabado.
Uma imagem constante ao longo da sua carreira: receber prémios |
CM: Não, eu já estava na fase final da minha carreira (jogava na Major Indoor Soccer League ainda), passava muito fora de casa, e já tinha os meus negócios em Rochester, além de que já estava na hora de ser pai (risos). Era altura de parar.
MVF: Agora, uma pergunta obrigatória a qualquer futebolista brasileiro que alcance o patamar do estrelato no plano internacional, tal e qual o Carlos alcançou. Vestir a mítica camisa amarelinha (da seleção brasileira) foi algo que lhe passou pela cabeça naqueles dias de glória?
CM: Passou, claro, mas vestir a amarelinha era difícil, especialmente porque eu jogava nos States. Acabei no entanto por jogar pela seleção nacional dos EUA. Estava a passar por uma boa fase a nível pessoal e a federação convidou-me a representar o país em alguns jogos particulares numa digressão que a seleção estado-unidense fez à Bermuda e à Polónia em 1973. Naturalizei-me, e aceitei o convite. Recordo-me que essa seleção era quase toda formada por atletas estrangeiros naturalizados. No jogo que fizemos em Varsóvia, contra a seleção polaca, os adeptos locais chamaram-me de americanisk Muller (risos).
MVF: De facto, confere, não só pelas semelhanças físicas (Gerd Muller e Metidieri são ambos baixos e na época usavam cabelos longos) mas também pelas características idênticas enquanto futebolistas...
CM: Certo, mas eu era mais sexy (risos).
MVF: (risos) Penduradas as chuteiras o Carlos ficou-se pelos States até hoje...
CM: Sim, como disse antes aqui casei, nasceram os meus quatro filhos, tive os meus negócios, e hoje digo até que sou mais americano do que brasileiro (risos). Gosto de estar aqui, os meus filhos estão cá, tenho aqui muitos amigos, por isso é natural que esteja por aqui. E já cá estou há quase 50 anos! Claro que sempre que posso vou até ao Brasil, visitar a família que ainda vive lá, mas a minha casa é aqui.
MVF: Falou em negócios, algum deles teve a ver com futebol?
CM: Não, depois de terminar a carreira desliguei-me por completo do futebol como interveniente. Ainda treinei durante dois anos equipas de colégios, mas após essa experiência afastei-me por compelto. O facto de ter sido um bom jogador não significa que tivesse sido um bom treinador, entende? Nem sempre os bons jogadores se tornam bons técnicos. Depois do futebol tive muitas pizzarias em Rochester, onde vivi grande parte da minha vida, até a minha esposa ter sido transferida - via profissional - para Gilbert (Arizona), onde vivo atualmente. Hoje, estou reformado, e ocupo o meu tempo livre entre o voluntariado na American Legion, onde dou uma ajuda na cozinha, e o futebol enquanto espetador.
MVF: Continua a acompanhar o jogo que tanta glória lhe trouxe, portanto?
CM: Sim, vejo jogos de vários campeonatos nacionais da Europa e da América do Sul.
MVF: São poucas as semelhanças do futebol de hoje e do seu tempo. O jogo evoluiu em vários aspetos...
CM: Correto, antigamente acho que era mais difícil ser jogador. No passado o futebol era mais duro, e eu que o diga, já que ao longo da minha carreira encontrei vários defesas que primavam pelo excesso de dureza, casos do Willie Evans, um ganês que jogava em Miami, e que um dia me deu uma pancada e como consequência tive de levar quatro pontos na cara, ou do uruguaio Roberto Lonardo, outro assassino que tive de enfrentar (risos). Hoje, joga-se de uma forma mais limpa, e bonita.
MVF: Qual o jogador que no futebol de hoje se assemelha mais ao Topolino?
CM: Talvez o Neymar, embora eu fosse um pouco mais rápido do que ele. Mas ele ainda é novo, pode evoluir muito mais, pode chegar ao topo, embora para já a luta por esse topo se resuma ao Messi e ao Cristiano Ronaldo.
MVF: Ainda voltando ao seu tempo de atleta, que outros craques ainda vagueiam pela sua memória?
CM: Alguns com que tive o prazer de jogar ao lado e contra. Recordo especialmente o argentino Piotti, que chegou a jogar na Juventus de Itália, o português Simões, ou o Kubala. E claro, o meu primo Gilson (Metidieri), um baixinho que era um inferno para os defesas! Ele foi dos melhores que eu vi jogar. E era ainda mais baixo do que eu (risos).
Metidieri parece estar a passar "coroa de rei" da NASL ao seu compatriota Pelé |
CM: Já disse antes que denfrontei o Pelé quando jogava no Brasil, pelo São Bento.
Venci-o algumas vezes, e perdi outras. Nos EUA também joguei contra ele, quando o Santos aqui vinha em digressão, pois quando ele foi para a NASL eu já tinha deixado a liga.
Tive o prazer de conviver com ele algumas vezes, e posso dizer que era uma pessoa humilde. Lembro-me também que era muito mulherengo (risos), foi o único cara que conheci que numa noite dormia com uma mulher e no dia seguinte ia para o campo e fazia três golos (risos).
MVF: O doping do Pelé era o sexo antes dos jogos, portanto...
CM: Sim, nesse aspeto ele era um dopado (risos). Uma vez estava com ele em Nova Iorque, e antes de um jogo conhecemos duas miúdas, e o resto, bom... (risos)
MVF: Ok, já percebi, tiveram um bom estágio antes do jogo, mas em relação... ao futebol em concreto. Já mencionou alguns jogadores por quem nutre admiração, outros que fizeram da sua vida um inferno dentro dos retângulos de jogo, casos dos defesas assassinos que defrontou. E treinadores, houve algum que o tivesse marcado?
CM: Alguns também. Ray Wood (Los Angeles Wolves), Wilson Capão (São Bento), Rubens Minelli (Palmeiras), e claro Sal de Rosa (Rochester Lancers), último técnico este com quem fui campeão da NASL. Ele era italiano, e era muito amigo dos jogadores. Nós dávamos tudo em campo por ele.
MVF: Ser campeão da NASL foi o melhor momento da sua carreira?
CM: Não, o melhor momento foi talvez aquele golo que apontei aos 176 minutos da meia final da liga de 71 contra os Dallas Tornado, jogo sobre o qual já falei. Após ter marcado o golo recordo-me que saltei de alegria que nem um moleque pelo campo fora, e feliz pelo jogo ter terminado (risos). Depois, cai de joelhos, como já disse antes.
MVF: E a pior lembrança?
CM: Certa ocasião num jogo da liga de Over 30 (o equivalente a um campeonato de veteranos) em Rochester, quando o árbitro do encontro caiu morto a um metro de mim...
CM: Sim, de ataque cardíaco. Aquela imagem marcou-me.
Topolino na atualidade |
CM: O tal jogo contra o Benfica de Eusébio, no princípio da década de 60, onde eu fiz uma grande exibição, um outro encontro contra a Universidade do Chile, em que eu marquei quatro golos, e o jogo que fiz pela seleção dos EUA na Polónia, onde a torcida local colocou-me o nickname de americanisk Muller.
MVF: Para terminar esta visita ao Museu Virtual Futebol. Topolino, o que significou, ou significa, para si o futebol?
CM: Tudo. Conheci o Mundo, muitas pessoas de várias partes desse Mundo, aprendi línguas, e fiz muitas amizades que ainda hoje perduram. Inclusive, você, que conheci por intermédio do futebol (risos).
MVF: Obrigado, o prazer foi todo nosso. Abraço Topolino.
CM: Abraço. Até um dia destes.
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