Um "onze" do Varzim que entrou na história do futebol português por ter sido o primeiro clube com publicidade nas camisolas |
Tingir o manto sagrado de um clube de futebol com
o nome de uma qualquer marca ou empresa foi algo inimaginável durante décadas a
fio no Planeta da Bola. O orgulho de
exibir uma camisola limpa de publicidade resistiu até meados da segunda metade
do século XX numa altura em que o dinheiro começava a falar cada vez mais alto
no seio do futebol.
Na verdade, a publicidade estampada nas camisolas era um
negócio agradável para ambas as partes: para as empresas/marcas que viam no
mediatismo crescente do futebol um veículo para se promoverem, e para os clubes
que viam os seus cofres serem inundados pelo dinheiro de marcas comerciais e
dessa forma garantiam a sua sobrevivência numa modalidade onde os cifrões eram
(e são) cada vez mais imprescindíveis.
Wormatia Worms, pioneiros a nível mundial no uso de publicidade nas camisolas |
Contudo, grandes clubes mundiais só há bem pouco tempo romperam
com a tradição de se passearem nos relvados com as suas camisolas livres dos
ataques das marcas comerciais. Foi o caso do Barcelona e do Athletic de Bilbao,
que só neste novo milénio aceitaram um patrocínio nas camisolas.
É preciso recuar quatro décadas face a este facto para
conhecer o primeiro emblema a nível planetário que exibiu publicidade na frente
das suas camisolas. Estávamos em 1967 quando os alemães do Wormatia Worms
ousaram enfrentar a lei que proibia publicidade nas camisolas de equipas
desportivas, estampando no seu manto
sagrado a propaganda a uma empresa de máquinas pesadas, a CAT.
Porém, este não foi caso único no futebol germânico, já
que ainda antes da Federação Alemã de Futebol permitir o uso de publicidade nas
camisolas, algo que aconteceu em 1973, o Eintracht de Braunschweig ludibriou a
proibição ao substituir o seu símbolo pelo logótipo da empresa Jagermeister.
Histórico edifício da Maconde |
E em Portugal, quando foi que um clube de futebol exibiu
pela primeira vez uma marca comercial nas suas camisolas? É esta questão a
razão que nos leva hoje a abrir as portas do Museu.
A resposta óbvia para muitos seria o FC Porto, o Benfica,
ou o Sporting, porventura os três emblemas mais apetecíveis (para o setor
empresarial) do futebol português. Mas não, nenhum deles foi pioneiro nesta
moda. Esse dado histórico pertence aos Lobos
do Mar, vulgo, o Varzim Sport Clube, que na temporada de 1982/83 estampou
na sua camisola listada de preto e branco o nome da Maconde. Esta foi tão só
uma das maiores empresas têxteis do país dos anos 70 e 80. Fundada em 1969, em
Vila do Conde, com capital holandês, esta empresa chegou a ter nos seus tempos
áureos 2000 funcionários a laborar nas quatro unidades fabris dispersadas pela
região norte do país: Braga, Vila do Conde, Póvoa de Varzim e Maia, além de
deter uma rede de lojas com balcões abertos em todo o país.
Como em quase tudo na vida, a célebre Maconde teve o seu
fim.
A crise do têxtil que assolou muitas empresas na região
norte (Vale do Ave, por exemplo, foi uma das zonas mais afetadas, com o
encerramento de dezenas de empresas) nos finais dos anos 90, levou em 2000 a
Maconde a ser dividida em duas novas empresas a Macvila e a Mactrading. Porém,
10 anos volvidos, ambas abriram insolvência.
Ficam, no entanto, muitas memórias da emblemática
Maconde, e uma delas é precisamente o facto de ter sido a primeira marca a
estampar o seu nome na camisola de um clube português.
A versão de 1982/83 do Varzim era comandada por um
histórico do futebol nacional, José Torres. Esse mesmo, o Bom Gigante, o homem que enquanto atleta brilhou com as cores do
Benfica e da seleção nacional, sendo que neste último capítulo foi um dos lendários
Magriços que levou Portugal à conquista de um (então) impensável terceiro lugar
no Mundial de 1966. Na Póvoa de Varzim, Torres comandava uma equipa à imagem
daquela região, lutadora e aguerrida dentro de campo, uma equipa que tal e qual
um pescador no alto mar nunca virava a cara às adversidades.
A fortaleza da Póvoa começava na baliza, onde pontificava
um homem nascido noutra escola com fortes ligações ao mar, neste caso nos Bébés de Matosinhos, a escola do popular
Leixões. Lúcio era o seu nome e nessa época ninguém lhe roubou a baliza
poveira. Fez os 30 jogos desse campeonato.
À sua frente, erguia-se um verdadeiro muro para os
avançados adversários, uma defesa de aço, duríssima de transpor e comandada por
um brasileiro cujas feições assustavam o mais feroz dos avançados daquela 1.ª
Divisão. Um autêntico "armário", que apesar dos seus então já
adiantados 35 anos impunha respeito a muito boa gente. Washington Alves, de seu
nome, um brasileiro com cara de poucos
amigos - que tem a particularidade de ser pai de outro nome icónico do
futebol português: Bruno Alves – e que tinha a seu lado craques como José
Alberto Torres, ou Vitoriano Ramos - que anos mais tarde seria campeão nacional
pelo FC Porto.
No meio campo figurava um jovem artista, um dos maiores carregadores de piano lusos. Todo o
futebol daquele Varzim passava pelos seus pés. António André, a sua graça. Atuou
em 28 jogos nessa campeonato pelos Lobos
do Mar, tendo apontado dois golos. Dois anos mais tarde seguiria viagem
para a Cidade Invicta onde construiu
uma carreira em tons de azul e branco que dispensa apresentações.
E na frente, com a missão de atacar as redes contrárias,
estavam figuras como Valdemar e Folha, uma dupla que só à sua conta apontou 11
dos 23 golos varzinistas nesse Nacional da 1.ª Divisão.
A modesta classificação dos Lobos do Mar nessa temporada - foram 12.º, salvando-se da descida
de divisão por um ponto - não espelha a qualidade dessa equipa. Sobretudo nos
jogos realizados na Póvoa de Varzim, onde a esmagadora das equipas visitantes se
via negra para sair de lá viva. Em 15 encontros disputados no seu
território o Varzim do Bom Gigante Torres
só perdeu três: Espinho, FC Porto e Vitória de Setúbal, e todos pela margem
mínima: 0-1. De resto, nem Benfica, nem Sporting lá passaram, tendo os leões sido mesmo vergados a uma derrota
(2-1) com um bis de Valdemar.
Esse Varzim deixou a sua marca, não só pelo futebol aguerrido
exibido diante do seu público, sobretudo, mas por ter sido igualmente a
primeira equipa lusa a apresentar publicidade nas suas camisolas.