Há quem aponte o longínquo ano de 1875 como aquele em que uma bola de futebol saltou pela primeira vez em território português. A efeméride é atribuída Harry Hilton, um jovem oriundo de uma família aristocrata inglesa radicada na Madeira que nesse ano terá reunido um grupo de amigos para na Camacha dar uso ao seu mais recente brinquedo trazido da sua Inglaterra: uma bola de futebol. Pouco mais se sabe sobre a “brincadeira” do jovem Harry… Contudo, historiadores fizeram crer que este momento não passou senão de um instante lúdico de Harry Hilton e seus amigos, onde o esférico foi – sem regras – maltratado na sequência dos milhares de pontapés que recebeu.
Isto para dizer que de uma forma organizada e “futebolisticamente civilizada”, o mesmo é dizer com as regras do jogo devidamente aplicadas e cumpridas, o futebol teve o seu primeiro grande momento no nosso país em Outubro de 1888, quando em Cascais um grupo de 23 veraneantes da alta sociedade portuguesa fizeram o primeiro “ensaio” de futebol. Entre esses ilustres pioneiros do “desporto rei” em Portugal estava Guilherme Pinto Basto, o homem que na História ficou conhecido oficialmente como o introdutor do futebol em Portugal. Oriundo de uma rica e aristocrata família portuguesa, os Ferreira Pinto Basto, Guilherme nasceu a 1 de Fevereiro de 1864, na freguesia de Santa Catarina, em Lisboa, e cedo descobriu o fascínio pelo desporto. Um encanto que teve o seu primeiro capítulo oficial, por assim dizer, aos 14 anos, altura em que vai para Inglaterra com o intuito de completar os seus estudos.
Em “terras de Sua Majestade” frequenta o Colégio de Downside, onde já estudavam os seus irmãos Eduardo e Frederico Pinto Basto. Ai trava conhecimento com o “belo jogo” que desabrochava em terras britânicas. E em 1884 traz na bagagem a novidade para Portugal: uma bola de futebol. Reza a lenda que Pinto Basto guardou religiosamente a bola, exibindo-a somente perante os amigos para que estes conhecessem o mágico objecto que por aquela altura endoidecia os ingleses. Quatro anos mais tarde, os três irmãos Pinto Basto regressam mais uma vez a Portugal para gozar as férias de Verão e consigo trazem uma nova bola de futebol. Com os conhecimentos sobre as leis e técnicas do jogo adquiridos os Pinto Basto rapidamente contagiaram os seus amigos mais próximos com o vício pelo jogo do pontapé na bola. Decorria o Verão de 1888 e na Quinta de Fronteireira, em Belas, davam-se os primeiros toques naquele objecto mágico. E eis que em Outubro Guilherme Pinto Basto organiza aquele que é tido como o primeiro grande momento colectivo do futebol em Portugal, o primeiro “ensaio” da modalidade que com o passar dos anos se haveria de tornar rainha na quase totalidade do planeta.
O mítico local foi Cascais, e os seus terrenos da Parada, espaço onde ilustres personalidades da época responderam afirmativamente ao convite de Pinto Basto. 23 homens da mais alta e fina sociedade lisboeta entraram assim para a história. Nos poucos recortes da imprensa da época sabe-se muito pouco sobre os acontecimentos do célebre “ensaio”, sabendo-se apenas que os “players” passaram a manhã a retirar pedras do campo a fim de preparar a contenda. Depois desta tarde já nada seria como dantes, o futebol tinha conquistado o seu espaço no nosso país. O sucesso do “ensaio” de Cascais fez com que quatro meses depois (22 de Janeiro de 1889) se organizasse um desafio mais a sério, digamos assim, num clima diferente do verificado nos terrenos da Parada entre um grupo de ricos e ilustres amigos que procuravam acima de tudo divertir-se. Desta feita Guilherme Pinto Basto escalou uma equipa de Lisboa, composta por portugueses, para defrontar um grupo de ingleses que por aquela altura se encontravam em serviço no Cabo Submarino, explorado por uma empresa inglesa e situado em Carcavelos. O cenário do “match” foi Lisboa, no local onde anos mais tarde seria edificado o Campo Pequeno. O resultado é mais uma vez desconhecido mas nas páginas dos jornais da época fica para a história o facto de que o “team” português, no qual Guilherme Pinto Basto actuou como guarda-redes (embora naquela época não houvessem posições ou tácticas fixas, podendo hoje jogar como guarda-redes e amanhã como avançado) lutou com bravura, portando-se os seus integrantes como autênticos “sportsmens”.
Cascais havia sido o ensaio e Lisboa o arranque definitivo, o futebol estava de pedra e cal em Portugal.
Dali em diante os jogos sucederam-se em catadupa, e com eles começaram a fundar-se os primeiros clubes de futebol. Como não podia deixar os Pinto Basto mais uma vez foram pioneiros neste capítulo, fundando o Foot-Ball Club Lisbonense, para em seguida outros grupos organizados proliferarem pela capital e pouco mais tarde por outros pontos do país.
O primeiro grande “sportsmen” português
A paixão de Guilherme Pinto Basto pelo desporto era desmedida, e o seu entusiasmo e dedicação não se ficou apenas pelo futebol, muito pelo contrário. Praticou patinagem, hóquei, corridas de cavalo, ciclismo, automobilismo, vela, remo, golfe, caça, ténis, tendo inclusive participado em touradas, como bandarilheiro, a pedido da Rainha D. Amélia. Ele foi considerado o primeiro grande “sportsmen” de Portugal, o primeiro grande desportista multifacetado, e a paixão pelo desporto fez com que com a idade de 86 anos ele fosse considerado o desportista mais idoso em actividade no país! Apesar de ter praticado inúmeras modalidades foi no futebol e no ténis que mais se notabilizou. Nesta última pertenceu-lhe igualmente o mérito de a dar a conhecer ao nosso país. Guilherme Pinto Basto não foi apenas o introdutor e principal dinamizar do ténis em terras lusitanas foi também um campeão, tendo-se consagrado por nove vezes campeão nacional! Seria o primeiro presidente da Federação Portuguesa de Lawn-Tennis, em 1925. Voltando ao futebol ele faria história ao participar no primeiro grande duelo entre equipas de Lisboa e Porto, em 1894, do qual já aqui falámos em “visitas” passadas. Em breves linhas recorde-se que este duelo foi patrocinado pelo Rei D. Carlos, outro amante fervoroso do desporto, que ofereceu a primeira taça disputada num jogo de futebol no nosso país. Pinto Basto capitaneou a equipa de Lisboa que venceu a do Porto (formada na sua grande maioria por jogadores do recém fundado Football Club do Porto) por 1-0.
Os factos de ser oriundo de uma rica e aristocrata família e de ser um desportista nato valeu-lhe a amizade com o Rei D. Carlos, tendo privado de perto com o monarca por diversas vezes, tanto em festas como em eventos desportivos.
Em 1938 assinalou-se com pompa e circunstância no Estádio das Salésias o 50º aniversário da introdução oficial do futebol em Portugal. Presentes estiveram algumas das lendas que marcaram presença nos terrenos da Parada em Outubro de 1888, entre outros Guilherme Pinto Basto. Passados 50 anos daquele mítico dia o pioneiro do futebol lusitano diria que aquele jogo era «uma brincadeira, jogava-se apenas entre pessoas que mantinham uma relação de amizade e de cortesia. Tínhamos todos condições e educação aproximadas. Não havia propriamente luta. O futebol era um divertimento próprio da idade. Não se falava nem se sonhava em futebol de campeonato, e menos ainda, de profissionalismo. Era tudo diferente…».
Divertimento, puro e simples, era assim que Pinto Basto encarava o desporto. Fora dele foi um empresário de sucesso, trabalhando com afinco na empresa da família, a E. Pinto Basto & Cª Lda, e foi sócio gerente da fábrica de porcelanas da Vista Alegre, fundada pelo seu visavó, José Ferreira Pinto Basto. Foi ainda distinguido como Comendador da Ordem de Cristo em Portugal, Cavaleiro da Legião de Honra de França, e Comendador da Real Ordem do Danebor da Dinamarca. Faleceu em Lisboa a 26 de Julho de 1957.
Legenda das fotografias:
1- Guilherme Pinto Basto
2- O grupo imortal de 28 homens que em Cascais efectuou o primeiro "ensaio" de futebol em Portugal. Guilherme Pinto Basto é o terceiro na fila de cima a contar da direita para a esquerda.