O Museu Virtual do Futebol
recebe hoje a visita de um dos mais sólidos e elegantes
defesas-centrais que passaram pelo futebol português na década de
80. Brasileiro de berço, alma e coração, deu-se a conhecer ao
planeta da bola na sua terra natal, Curitiba, mas seria na
Cidade Maravilhosa (Rio de Janeiro) que iria atingir o pico de
uma carreira que terminaria com momentos de alegria – e glória –
no futebol lusitano. Ele é Duílio Dias Júnior, ou simplesmente
Duílio, o nome de guerra que o imortalizou no Grande Atlas do
Futebol.
Num bate papo curto o
ex-zagueiro é simples e direto, sem complicar, à imagem do
que era dentro de campo, e quando a conversa resvala para temas mais
sensíveis o nosso ilustre visitante não hesita em chutar para canto
para evitar confusões na sua área.
Sem mais demoras passemos a bola a
Duílio.
Museu Virtual do Futebol (MVF): O
Coritiba foi o ponto de partida de uma carreira iniciada em finais da
década de 70. Depois de quatro temporadas defendendo com brio a
camisa do time da sua terra natal seguiram-se fugazes
passagens pela Portuguesa (São Paulo) e pelo América (Rio de
Janeiro) antes de ingressar no Fluminense, onde durante três
épocas iria vivenciar diversos momentos de glória. 1984 marca um
desses momentos, a conquista do título de campeão brasileiro ao
serviço do tricolor carioca...
Duílio: É,
recordo esse momento com muita alegria e saudade, pois
foi o coroação de uma equipa que deu muitas glórias
ao Fluminense.
MVF: A final, contra o vizinho Vasco
da Gama, foi disputada no grande templo do futebol brasileiro, o
gigante Maracanã, o palco que qualquer futebolista,
brasileiro ou não, um dia sonha pisar. Lembra-se do Maracanã nesses
dois jogos decisivos do Brasileirão de 84? (Nota: a
final do campeonato brasileiro era disputada em dois jogos, sendo que
os de 1984 decorreram ambos naquele que era na altura o maior estádio
do Mundo).
Duílio:
O Maracanã estava lotado (com cerca de 200 000 torcedores nas
bancadas!). Havia pessoas
sentadas nas marquises onde estavam instalados os holofotes (!), e
recordo que foram dois jogos muito intensos. (O
Flu venceu o primeiro por 1-0 e empatou a zero o segundo).
MVF: Aquele
time
do Fluminense tinha
verdadeiras lendas do futebol. Branco, Ricardo Gomes, ou o
paraguaio Romerito eram alguns
desses notáveis. Qual foi o segredo da conquista desse título?
Duílio: O
ambiente era muito bom, sabíamos o que queríamos e fazíamos valer
isso dentro do gramado (relvado),
sem nunca deixar
de respeitar qualquer que fosse o adversário. Pode
ter sido esse o segredo da nossa vitória.
MVF:
Com 28 anos o Duílio veio para a
Europa. Para Portugal e para o Sporting, para
sermos mais precisos. Como
surgiu a hipótese de jogar
para estes lados?
Duílio:
Foi na sequência de uma
conversa com o então representante do Sporting, o senhor
Joaquim Oliveira. Acertámos
tudo e depois o Fluminense me
liberou. Após
a conversa fui pesquisar sobre esse grande clube português e tive a
certeza que estava no caminho certo.
MVF: O
Sporting dos finais da década de 80 tinha verdadeiras lendas do
futebol luso, casos do Vítor Damas, Manuel Fernandes, Gabriel,
Virgílio, Venâncio, Oceano, Jaime Pacheco, António Sousa, ou
Jordão. Foi chegar (na época de 85/86) ver e vencer, ou nem por
isso?
Duílio:
Foi complicado entrar no “onze”
daquele Sporting. Os dois zagueiros titulares da época (Venâncio e
Morato) eram jogadores de seleção, e depois havia os métodos do
treinador, aos quais eu não estava habituado. Foi um ano de
adaptação, pois vinha jogando sempre a titular no Brasil e no
Sporting fiz a maior parte dos jogos na equipa das reservas. Se não
me engano apenas realizei uns oito encontros na equipa principal
durante essa primeira época. Recordo que o grupo tinha uma mescla de
jogadores experientes com outros que estavam a começar a afirmar-se
no futebol, e que eram promessas. Pode ter sido por isso que não deu
certo, ou como dizemos aqui, não houve química.
MVF:
Como frisei na questão anterior aquele Sporting tinha nomes
consagrados do futebol português. Houve algum que o tivesse
impressionado?
Duílio:
O Oceano, que
raça (!), que
disposição em campo. Destaco também
um dos melhores guarda-redes portugueses,
senão mesmo o
melhor de sempre, o Vitor
Damas, que além de grande jogador
era um grande homem. Também o nosso capitão,
o Manuel
Fernandes, que mais tarde foi meu treinador
no Estrela da Amadora e que era um líder nato, o nosso capitão em
todas as horas. Havia ainda o Jordão, que
classe de
jogador!
MVF:
Na temporada seguinte (86/87)
fizeram uma má
classificação final
(foram
4ºs),
mas escreveram uma das páginas mais brilhantes da história dos
dérbis entre Benfica e Sporting. Em Alvalade venceram por 7-1, os
famosos 7-1, uma tarde inspirada de Manuel Fernandes, autor
de quatro golos. O Duílio foi
suplente utilizado nesse jogo, como viveu essa célebre tarde?
Duílio: Grande jogo, entrei na segunda parte
quando ainda restavam uns 15 minutos para jogar. Na altura o
resultado era de 5-1, mas depois ainda marcámos mais dois golos, e
se houvesse mais uns minutos de jogo poderiam ter saído mais
alguns... Ganhar ao Benfica é sempre bom, e com um resultado
daqueles então ainda melhor. Recordo que no balneário, após o
jogo, houve muita comemoração.
MVF:
Nessa época o Sporting perdeu tudo para o rival Benfica, apesar
desses míticos 7-1. Esse expressivo resultado serviu de certo modo
de consolação para terem perdido o campeonato e a taça para o
Benfica?
Duílio:
Claro que não, ficou um vazio enorme, pois queríamos ganhar algo, o
que acabámos por não conseguir.
MVF:
Na época seguinte o Sporting vingou-se, e venceu a Supertaça
Cândido de Oliveira ao Benfica. E logo com duas vitórias, uma na
Luz (3-0) e outra em Alvalade (1-0). O Duílio participou nos dois
jogos, e este além de ter sido o seu primeiro troféu conquistado em
solo português foi o único que arrecadou com a camisola dos
leões...
Duílio: Sim, é verdade. Essa supertaça teve
dois jogos muito atípicos, e lembro que naquela época não se dava
tanto valor a esse troféu. Mas ganhar ao Benfica, como já disse,
era sempre bom, e essa conquista foi comemorada como uma taça merece
ser comemorada.
MVF:
Ainda no Sporting o Duílio
estreou-se nas competições europeias em 86/87, e fê-lo logo
contra o grande Barcelona
de Zubizarreta, de Victor
Muñoz, de Mark Hughes, e de Gary Lineker.
O Sporting foi afastado
na segunda eliminatória
da então Taça UEFA, mas
fez a vida negra
ao Barça.
Grande momento esse, não?
Duílio: Recordo essa estreia com
alegria e tristeza. Alegria por ter jogado, e tristeza por ter sido
eliminado da competição, pois fizemos um grande jogo em
Alvalade e não merecíamos sair derrotados, apesar de
ter ganho o jogo por 2-1, mas o adversário tinha vencido na
primeira mão em casa por 1-0. Jogar contra grandes jogadores como
aqueles foi uma experiência boa, já que isso te enriquece não só
como jogador mas também como pessoa.
MVF:
Quando saiu do Sporting estava com 31 anos. Para continuar a
carreira escolheu um pequeno clube dos arredores de Lisboa, o Estrela
da Amadora. Porquê essa escolha, com 31 anos não se sentia capaz de
comandar a zaga (defesa) de outro grande clube de futebol,
português ou não...
Duílio: Houve muitos
convites de grandes equipas de Portugal, mas ao sair do escritório
do diretor de futebol em Alvalade, encontrei o senhor Armando
Biscoito, que estava no Estrela, o qual me perguntou se eu queria ir
para lá. Como sempre gostei de desafios conversei com a patroa
(esposa) e decidimos ficar por ali...
MVF:... Uma aposta que
se viria a revelar acertada, já que na sua segunda temporada na
Reboleira (casa do Estrela) capitaneou a equipa na surpreendente
vitória na final da Taça de Portugal ante o Farense...
Duílio: Foi de facto
um momento inesquecível, o qual ainda hoje recordo com muita
alegria. Ganhar a Taça de Portugal não era para qualquer equipa,
por isso fizemos história! Lembro que a final teve dois jogos (final
e finalíssima). No primeiro não jogamos bem, estavámos nervosos, e
terminamos empatados (1-1). No segundo encontro, já mais soltos,
fizemos uma grande partida, e vencemos por 2-0, até o Paulo Bento,
que é o atual selecionador de Portugal, fez um golo. A vitória teve
como chave a união do grupo, além de que era muito bem comandada
pelo técnico João Alves.
MVF: Pelo Estrela
voltou às competições europeias, mais concretamente à Taça das
Taças, onde até marcou um golo, na segunda eliminatória, na
segunda mão, contra o Liège. Por uma unha negra o Estrela não
continuou essa aventura europeia.
Duílio: Foi outra
experiência fantástica. Recordo que só nós, jogadores, tínhamos
crença em nós, e não passamos à segunda eliminatória devido a...
coisas do futebol.
MVF: Por falar em
Estrela da Amadora, como recebeu a notícia do fim do futebol
profissional no clube?
Duílio: Com muita
tristeza, penso que se o presidente José Gomes estivesse vivo o
Estrela nunca teria deixado de existir.
MVF: Depois de sair da
Reboleira, onde esteve três temporadas, ainda jogou pela Ovarense e
pelo Portimonense nos escalões secundários do futebol português.
Que recordações tem desses dois clubes, das experiências que lá
viveu?
Duílio: Na Ovarense
convivi com outros grandes craques do futebol português, casos do
Quinito, do Eduardo Luís, do José Luís, e do Frasco, que era o
treinador e que depois saiu para dar lugar ao Manuel Fernandes, e
conseguimos como melhor resultado chegar ao oitavo lugar na Divisão
de Honra. Quanto ao Portimonense, foi mais um desafio na minha
carreira, onde fui campeão da 2ª Divisão/zona sul, e lá encerrei
a carreira de jogador de futebol.
MVF: Agora, e em jeito
de remate final: Qual foi o seu melhor momento em Portugal?
Duílio: Todos! Tenho a
certeza que fiz a opção certa quando escolhi jogar futebol em
Portugal.
MVF: Qual o treinador
que mais o marcou?
Duílio: Em Portugal
tive grandes treinadores, alguns de renome internacional, mas o
mister João Alves deixou saudades.
MVF: Qual o melhor
momento da sua carreira?
Duílio: Quando ergui o
troféu de campeão brasileiro pelo Fluminense, e quando optei por
jogar em Portugal
MVF: O que faltou para
o Duílio se afirmar como um zagueiro de seleção brasileira,
como foram Ricardo Gomes, Aldair, ou Mozer, nas décadas de 80/90?
Duílio: O Ricardo
Gomes foi meu companheiro no Fluminense e fizemos uma grande zaga. Já
em 83 fui eleito junto com o Mozer o melhor zagueiro do futebol
carioca, e quanto ao Aldair esse veio bem depois. Cheguei a vestir a
camisa da seleção em 1979 com o falecido selecionador Cláudio
Coutinho quando fizemos dois jogos amigáveis no Brasil, além de que
fui falado para a seleção algumas vezes, mas quando se coloca
politica no meio do futebol... deixa para lá.
MVF: Agora é mesmo o
remate final. Hoje, com 56 anos é treinador de futebol, tendo já
passado por diversos clubes do seu país. E em Portugal, onde foi
feliz como jogador, vislumbra uma carreira como treinador num futuro próximo?
Duílio:
Gostaria muito de ai voltar e treinar um clube. Porque não? Foi em
Portugal onde fiz os cursos de treinador, e aliás já treinei aí, o
Machico, e até estava indo bem, mas tem sempre alguém que... deixa
para lá novamente. Um grande abraço.
Outro para si Duílio, e obrigado por esta breve
mas agradável visita ao Museu Virtual do Futebol. Até uma
próxima.
Legenda das fotografias:
1-Duílio, com a camisola do Fluminense, onde alcançou o estatuto de capitão de equipa
2-O Fluminense campeão brasileiro de 1984. (Duílio está identificado pelo círculo vermelho)
3- Com a camisola do Sporting
4-Equipa do Sporting na temporada de 86/87, a tal dos 7-1 ao rival Benfica
5-Duílio em ação contra o rival da Segunda Circular
6-O onze do Estrela da Amadora, capitaneado por Duílio, que venceu no Jamor a Taça de Portugal de 90
7-Um plantel do Portimonense (Duílio está na fila de cima), o último clube da carreira do zagueiro nascido em Curitiba