E
o génio que hoje visitamos é um desses exemplos, uma figura ímpar cuja maneira
de ser o levou à ruína, contrariando uma habilidade futebolística magistral que
o poderia ter levado a patamares ainda maiores do que aqueles que pisou. É com
redobrado prazer que o Museu Virtual do
Futebol olha hoje para a vitrina das lendas, onde repousa Vítor Baptista.
Das ruas de Setúbal até ao estrelato na catedral da Luz
Até que um dia o clube da terra, o Vitória Futebol Clube, descobriu aquele talento que despontava em Setúbal na rua e nos torneios de futebol de salão que se organizavam de forma popular. Com 14 anos viu o Vitória pagar-lhe a pensão onde então passou a residir assim que saiu de casa, e dois anos mais tarde além do aluguer do quarto o clube dava-lhe também 500 escudos mensais. Por causa da bola tinha ficado para trás o Vítor eletricista, mas como o próprio chegou a recordar não se perdeu grande coisa, porque não tinha muito jeito para este ofício.Aos
17 anos o Vitória subiu-lhe o ordenado para três contos e a vida começou a
melhorar... ou talvez não. Independente, sem pai e a viver longe da mãe e dos
irmãos, Vítor caiu nas amarras da vida mundana. Começou a fumar, a beber, a
sair à noite... em suma, deu os primeiros passos para aquele que haveria de ser
o seu triste fim.
Mas
dentro do campo era o maior. Em 1967 ainda com idade de júnior ajuda o Vitória
a vencer a Taça de Portugal naquela que foi a final mais longa da história da
prova rainha do futebol português. Contra a Académica de Coimbra os sadinos venceram
por 3-2 ao fim de 144 minutos (90 minutos e dois prolongamentos). Por essa
altura, Vítor espalhava magia pelos retângulos do futebol português. E nessa
mítica final rezam as crónicas que fez um jogão! Continuou por Setúbal nos
quatro anos seguintes a encantar todos aqueles que gostavam de futebol
espetáculo. Foi pelo Vitória que chegou a internacional AA pela primeira vez,
em 17 de fevereiro de 1971 num encontro diante da Bélgica (0-3) em Bruxelas. Ao
todo foi internacional por Portugal em 11 ocasiões (3 pelo Vitória e 8 pelo
Benfica). E foi precisamente em 1971 que o Benfica perdeu a cabeça por ele.
Pelo seu passe o Vitória recebeu então 3000 contos, mais o passe dos jogadores
José Torres, Praia e Matine, então ligados ao emblema da capital. Foi, na época,
a transferência mais cara do futebol português. No Benfica partilhou o
balneário com outras lendas do futebol luso, casos de Néné, Jordão, Artur Jorge
ou o rei Eusébio durante sete épocas consecutivas. Com eles construiu algumas
das mais temidas linhas avançadas que o país futebolístico viu até então,
aterrorizando as defesas adversárias com jogadas e golos magistrais.
No
Benfica raramente não era titular e quando não jogava era por motivos de ordem
física. Em sete temporadas no Benfica fez 150 jogos, marcou 62 golos,
conquistou 5 campeonatos e uma Taça de Portugal.
A história do brinco perdido no relvado
As histórias rocambolescas que criou à volta foram mais do que muitas, como por exemplo a do brinco perdido em plano relvado do Estádio da Luz. Aconteceu a 12 de fevereiro de 1978, num célebre jogo contra o Sporting. Vítor fez um golo de levantar o estádio: domina a bola com o peito, roda e sem a deixar cair faz um golo de bandeira. Ao invés de festejar uma obra de arte daquelas Vítor andou de gatas pelo relvado à procura de um brinco que havia perdido. O jogo esteve parado durante cinco minutos por causa da relíquia, que havia custado uma fortuna, segundo o craque, com Toni, Humberto Coelho e outros craques do Benfica a andarem de rabo para o ar à procura do brinco!Este
foi mesmo o último episódio caricato da sua passagem pelo Benfica pois pouco
tempo depois voltava ao seu Vitória, porque o clube da Luz não queria aumentar
o ordenado nem dar-lhe o Porsche que tanto queria.
Vítor regressou a Setúbal graças a três anónimos beneméritos que contribuíram com 400 contos para fazer regressar o filho prodígio ao Bonfim. Esteve lá dois anos, mas já não era o mesmo. A droga aliada à excentricidade faziam efeito dentro do campo onde ele já não era o mesmo, mas antes um jogador lento e preguiçoso. Espatifou carros, esbanjou dinheiro no jogo e na droga, perdeu vezes sem conta a cabeça. Até que em meados de 1979 o Major Valentim Loureiro deita-lhe a mão, levando-o para o seu Boavista. Pouco tempo lá esteve. Pouco depois e mais uma vez foram os amigos, os antigos companheiros de equipa a ajudarem-no, como por exemplo, António Simões, lenda do Benfica e da seleção nacional que em abril de 1980 o convence a ir para a Califórnia, nos Estados Unidos da América, para representar o San Jose Earthquakes, da NASL, clube cujo diretor desportivo era o próprio Simões.
Era o tempo em que o soccer dos States contratava velhas glórias da Europa para abrilhantar a galática NASL. Os Earthquakes eram propriedade de um multimilionário qualquer que gostava de contratar estrelas de futebol excêntricas, como Vítor Baptista e um tal de George Best, outro génio a quem a cabeça não deu juízo e que alinhava então nesta mesma equipa. Na América Vítor deslumbrou-se. Exigiu um Corvette descapotável e teve-o, mas pouco tempo usufruiu dele, pois duas semanas depois foi recambiado para Portugal. Veio representar o Amora, o último clube pelo qual pisou um relvado na 1.ª divisão nacional. Depois disso foi sempre a cair. Atlético da Malveira, União de Tomar, Montijo, Monte da Caparica, ou Estrelas do Faralhão, foi este o caminho descendente de um homem que com o passar do tempo se afundava cada vez mais em droga e mais droga. Pediu esmolas nas ruas de Setúbal, participou em assaltos, esteve preso por diversas ocasiões, tornou-se num marginal, tudo para sustentar o vício. Vezes sem conta os amigos tentaram dar-lhe a mão, leva-lo por outros caminhos menos duros, mas Vítor nunca se orientou e viveu até ao fim na corda bamba. A estrela apagou-se no dia 1 de janeiro de 1999 na sequência de um AVC.