segunda-feira, abril 21, 2014

Histórias do Planeta da Bola (3)... O pontapé de saída de uma paixão centenária

Imagem histórica do primeiro jogo
da seleção brasileira
No que a futebol diz respeito, 2014 afigura-se como um ano que ficará gravado a letras de ouro na história do Brasil. Uma previsão extraída não só pelo facto da nação sul-americana acolher o evento desportivo de maior cartaz nos dias de hoje, vulgo, o Campeonato do Mundo da FIFA - e a ele aliado o facto de o poderem vencer - mas também pela constatação de que neste ano são comemorados 100 anos em torno de uma paixão internacional chamada... seleção. Internacional, sim, já que com o passar dos anos a seleção brasileira seduziu centenas de milhares de adeptos um pouco por todo o planeta da bola. Bom, a bordo da máquina do tempo viajamos até 1914, ano em que o futebol passa a ser tutelado de uma forma mais séria por um país que com ele havia travado conhecimento precisamente 30 anos antes (1894), no dia em que o jovem Charles Miller regressa de Inglaterra - país para onde havia ido estudar - com uma bola debaixo do braço. A partir daquele dia nada voltou a ser como dantes em terras de Vera Cruz. E em 1914 o futebol começou a ser tutelado de forma mais séria graças à fundação da Federação Brasileira de Sports, o primeiro órgão que geriu, por assim dizer, a popular modalidade. E seria pois este novo órgão o responsável pela criação nesse ano do primeiro combinado que representou as cores do Brasil numa partida de cariz internacional.
O histórico onze brasileiro composto por: Píndaro, Marcos, e Nery (fila de cima);
Sylvio Lagreca, Rubens Salles, e Rolando (fila do meio); Osvaldo Gomes,
Abelardo, Friedenreich, Osman, e Formiga

A efeméride deu-se então a 21 de julho desse longínquo 1914, o dia em que nasceu a seleção! O berço foi a Cidade Maravilhosa, o mesmo é dizer Rio de Janeiro, mais concretamente o Estádio das Laranjeiras - na altura ainda inacabado, isto é, sem bancadas, já que somente em 1919 seria concluído com o intuito de acolher a terceira edição do Campeonato Sul-Americano. O adversário do primeiro onze nacional brasileiro foi o Exeter City, team profissional inglês que à última da hora - ao que parece - resolve extender uma digressão pela Argentina até ao Rio de Janeiro, onde seriam agendados três encontros, um ante uma equipa de ingleses que viviam na cidade, outro diante de um clube local - presume-se que o Fluminense - e por fim um duelo contra um grupo composto pelos melhores jogadores da época das duas maiores cidades do país, São Paulo e o Rio de Janeiro, que juntos formaram então a primeira seleção brasileira.
Orientada sob o ponto de vista técnico por dois desses onze craques nacionais, nomeadamente Sylvio Lagreca e Rubens Salles, a seleção venceria os profissionais ingleses por 2-0, graças a golos de Oswaldo Gomes, e Osman, que levaram ao delírio um grupo de cerca de 3000 adeptos, que de pé, em volta do retângulo de jogo, bem aperaltados - reza a lenda que os torcedores tiraram dos armários os seus melhores fatos para ver jogar os mestres ingleses, os inventores do futebol moderno - presenciaram um momento histórico. Quanto ao jogo em si, e ainda de acordo com os poucos relatos da época, a técnica brasileira levou a melhor sobre a dureza britânica, sendo que uma das principais estrelas do team da casa, Arthur Friedenreich, chegou mesmo a perder dois dentes (!) após uma entrada violenta de um defensor europeu.


Brasileiros tentam chegar ao gol...
Os melhores momentos desse histórico momento foram eternizados - de forma quase telegráfica (!) - pelo jornal carioca Correio da Manhã, os quais passamos a transcrever na integra: O "toss" foi favorável ao "team" local, que escolhe o lado favorável ao sol, do lado direito das arquibancadas. Nos primeiros cinco minutos, o jogo fica preso no meio de campo, sem vantagem aparente para nenhuma das equipes. O goleiro brasileiro Marcos faz defesa fácil. É o primeiro chute a gol da partida. Pouco depois, Lagreca comete o primeiro "corner" do "match". O público fica apreensivo, afinal os profissionais do Exeter City são exímios batedores de "corner". Marcos faz ótima defesa "shootando" a "esphera" dos pés dos atacantes da ala esquerda profissional. Nova "bella" defesa do grande "keeper" brasileiro, que mostra não estar disposto a vender barato o "goal" dos profissionais. Os brasileiros começam a atacar com mais constância e se aproximam das últimas linhas adversárias. Xavier dá um "centro" rasteiro, que passa diante do "goal" adversário, sem que Abelardo, bem colocado, se aproveitasse dele. Mais um "corner" é marcado contra os brasileiros após perigoso ataque de Hunter. No entanto, Marcos faz outra linda defesa. O goleiro inglês Loram faz ótima rebatida após o "shoot" de Abelardo. O "match" prossegue ardoroso, brasileiros e ingleses tentam ficar à frente uns dos outro. 


Goleiro Marcos atento a mais uma investida
dos mestres ingleses à sua baliza
O estupendo par de "backs" nacional e Rubens, "pivot" de toda a equipe, tiram o "team" de situações difíceis. Gol de Oswaldo Gomes para o Brasil. Goal! Hurrah! Brasileiros! Após tabela com Osman, Xavier dá belo "centro" para Friedenreich. Ele tenta dar o "shoot", mas é derrubado pelas costas por um "half" profissional. Com o brasileiro no chão, Strettle acerta o "center" patrício no lado esquerdo do rosto. Xavier aproveita e faz uma ótima "puxada" em "centro". Abelardo impede habilmente o "keeper" inglês de aparar a bola, que sobra para Oswaldo carregar no peito e, já dentro do "goal" inimigo, confirma o primeiro ponto brasileiro com um "shoot" que sacode a rede. As arquibancadas tremem de entusiasmo, mas o público, cego pela emoção, não vê Friedenreich estendido no chão, ferido pelo pontapé que errou o alvo. O center é levado por seus patrícios com a cara banhada em sangue. O "manager" do Exeter entra em campo e passa uma esponja molhada no rosto do jogador que, amparado, sai de campo. Quando todos pensavam que terminaríamos a partida com dez defensores, Friedenreich reentra em campo, deixando de lado seu sofrimento físico, com a camisa tinta, o rosto ferido e o olho esquerdo sem poder abrir. O jogo recomeça com ataque dos brasileiros. Os profissionais evidenciam os intentos de desfazer a diferença. Gol de Osman para o Brasil. Goal! Hurrah! Brasileiros! Friedenreich recebe bom passe, aproxima-se do "goal" contrário e, apesar de estar bem colocado para "shootar", prefere entregar a "esphera" para Osman, mais bem situado, que com um violento "shoot", consegue o segundo "goal" brasileiro. O público não sabe mais o que fazer. Chapéus são atirados ao campo em comemoração. 


O team inglês do Exeter City
Revoltados com a arbitragem, Lagan e Fort deixam o campo. Rubens Salles acena para o juiz com a mão pedindo que ele pare a partida. O capitão Rigby corre para buscar seus comandados, que não demoram para voltar a campo. Em novo lance do ataque brasileiro, o "keeper" do Exeter tem dificuldade para defender o "kick" de Abelardo. Ele já tem mais trabalho que o goleiro brasileiro Marcos. Termina a primeira parte do "match" com vantagem brasileira por 2 a 0. Iniciou-se o segundo "half-time"! Friedenreich perde chute cruzado na porta do "goal" adversário. Se o craque estivesse com a vista completa, poderia ter ampliado a vantagem brasileira. Osman avança por sua ala, mas acaba "shootando" para fora da área do "goal" do Exeter. A defesa brasileira se destaca neste "half". O "center-half" Rubens não perde uma defesa. Marcos atira-se sobre os inimigos, arrancando-lhes a "esphera", e jogou-a para os "halves" a três quartos do campo. Os ingleses perdem a paciência com a arbitragem. Lagan, com gestos de braço, ameaça usar meios físicos contra o juiz. Fim de jogo! Brasil vence por 2 a 0 os profissionais do Exeter City! Viva o "sport" brasileiro! Hurrah! Um grupo de cerca de 30 moças esperam Friedenreich, ainda bastante machucado, sair de campo e o abraçam, em um gesto tocante. O povo vibra intensamente com a "heroicidade" praticada pelos seus compatriotas!


A estrela brasileira Friedenreich sai do campo
com... menos dois dentes!
Arbitrado pelo inglês Harry Robinson este encontro nunca foi oficializado pela FIFA, entendendo a entidade que tutela o futebol mundial que assim nunca o foi pelo facto de ter sido jogado contra um clube, e não ante uma seleção!
Há 100 anos atrás este pode até ter sido um jogo banal para o emblema inglês, mas hoje... ele assume contornos de glória e de uma certa vaidade, pois eles foram os primeiros adversários da famosa seleção do Brasil, que nesse dia histórico trajou de camisola branca com mangas azuis, calções brancos, e meias pretas. Eternos são pois os nomes dos onze pioneiros que iniciaram o percurso lendário daquela que para muitos é a seleção mais virtuosa da história do futebol.


Marcos Carneiro de Mendonça: Mais do que ter sido o primeiro homem a defender a baliza da seleção, Marcos foi para muitos o primeiro grande goleiro brasileiro. Viveu na mesma época de lendas como Friedenreich, ou Neco, e com eles rivalizou em termos de pouplaridade. Nasceu no dia de Natal de 1894, em Cataguases (Estado de Minas Gerais), tendo iniciado uma brilhante carreira no Haddock Lobo, em 1907, então popular emblema do famoso bairro carioca da Tijuca que mais tarde viria a fundir-se com o América do Rio. Ao serviço deste clube Marcos venceu o seu primeiro título, o campeonato carioca de 1913, ceptro alcançado contra aquele que viria a ser o emblema da sua vida, o Fluminense. O casamento com o Flu dá-se em 1914, precisamente o ano em que a seleção efetuou o seu primeiro desafio, tendo permanecido nas Laranjeiras (casa do Fluminense) até 1922, ano em que encerrou a carreira. Pelo tricolor carioca atuou em 127 ocasiões e foi por três vezes campeão estadual (1917, 1918, e 1919). Ao serviço do Brasil ele ainda hoje detém o recorde do goleiro mais jovem e vestir a camisola da seleção, facto ocorrido extamente no dia 21 de julho de 1914, quando o Brasil efetuou o seu primeiro jogo. Marcos tinha então 19 anos. Pelo combinado nacional ele iria brilhar noutros episódios da história, como por exemplo em 1919, ano em que o Brasil vence o seu primeiro Campeonato Sul-Americano - hoje demominado de Copa América. Iria repetir a vitória na maior competição de seleções da América do Sul três anos mais tarde, precisamente no ano (1922) em que decidiu parar de jogar, tendo anos mais tarde assumido a presidência do seu Fluminense, cargo que desempenhou com orgulho em simultâneo com o de historiador. Viria a falecer no Rio de Janeiro a 19 de outubro de 1988.


Píndaro de Carvalho: Viveu a sua carreira de jogador entre os dois eternos inimigos do Rio de Janeiro, o Flamengo e o Fluminense. Exibiu-se com destaque ao lado de Nery na zaga brasileira naquela história tarde de 21 de julho de 1914, anulando com classe as investidas dos mestres ingleses à baliza de Marcos. Píndaro de Carvalho Rodrigues nasceu em São Paulo a 1 de junho de 1892, tendo entre 1910 e 1911 vestido a camisola do Fluminense, clube por quem atuou em nove ocasiões. Depois disso mudou-se para o rival Flamengo, onde viria a construir uma pomposa carreira até 1922, altura em que decidiu parar de jogar. Ao serviço do Mengão foi tetra campeão carioca (1914, 1915, 1920, e 1921), sendo que com a seleção viveu a sua maior alegria quando em 1919 foi um dos responsáveis pela conquista do Campeonato Sul-Americano, na sequência de um duelo emocionante - e desgastante - ante o Uruguai, realizado precisamente nas Laranjeiras, onde o combinado nacional brasileiro fez a sua primeira aparição internacional. Como treinador a página mais brilhante da carreira de Píndaro foi escrita em 1930, quando dirigiu a seleção brasileira no primeiro Campeonato do Mundo da FIFA, realizado no Uruguai. Brilhante é modo de dizer, já que a seleção teve uma atuação dececionante, não conseguindo passar da fase de grupos! Nem sempre os bons jogadores dão em bons mestres da tática. Píndaro de Carvalho que o diga. 


Nery: Do Flamengo para a primeira seleção, eis a dupla de defesas composta por Píndaro de Carvalho e Nery. Considerados os defesas mais completos do futebol brasileiro daquele tempo ambos deram boa conta das investidas inglesas ao goal de Marcos naquele lendário dia 21 de julho. Emanuel Augusto Nery nasceu a 25 de dezembro de 1892 no Rio de Janeiro, e tal como o seu parceiro de zaga, Píndaro de Carvalho, começou a sua carreira em 1910, no Fluminense, onde apenas - e à semelhança de Píndaro - permaneceu até 1911, já que um desentendimento com a equipa técnica do tricolor carioca fez com que nove jogadores - Nery e Píndaro foram dois deles - abandonassem o barco. Remaram então até ao Flamengo, clube que na altura se dedicava somente ao...remo. Ali chegados instituiram a secção de futebol, e o resto é... história. Ao serviço daquele que com o passar dos tempos haveria de ser tornar no emblema mais pouplar do Brasil, Nery venceu dois campeonatos estaduais (1914, e 1915) antes de se retirar os retângulos de jogo em 1919. Faleceu a 5 de novembro de 1927.


Sylvio Lagreca: Foi uma figura multifacetada dos primeiros anos do futebol brasileiro. De jogador, passando por treinador, e terminando em árbitro, Lagreca fez um pouco de tudo. Juntamente com o seu companheiro de equipa Rubens Salles ele foi o treinador da seleção brasileira no célebre confronto com a equipa inglesa do Exeter City. 
Voltaria a desempenhar o cargo - acumulado com o de jogador - nas primeiras duas edições do Campeonato Sul-Americando, em 1916, e 1917. Jogou a maior parte da sua carreira na Associação Atlética de São Bento, clube do Estado de São Paulo, cidade esta onde viria a falecer a 29 de abril de 1966.



Rubens Salles: Foi o outro técnico da seleção no embate ante o Exeter City. Tal como Lagreca atuava como médio, e é tido a par de nomes como Friedenreich, de Neco, e do prórpio pai do futebol brasileiro, Charles Miller, como um dos melhores atletas dos primeiros anos de reinado da modalidade em terras de Vera Cruz. Nascido a 14 de outubro de 1891 na cidade paulista de São Manuel, Salles atuou toda a sua carreira no Paulistano, um dos melhores emblemas paulistas - e do restante território do Brasil - do primeiro quarto do século XX. Por seis vezes foi campeão paulista ao serviço deste clube (1908, 1913, 1916, 1917, 1918, e 1919), e reza a lenda que era perito em executar passes de profundidade com extrema perícia. Abandonou os relvados em 1920 para abraçar a carreira de treinador - a tempo inteiro - em 1930, guiando o São Paulo ao título de campeão paulista em 1931.

Rolando: Sobre o doutor Rolando de Lamare pouca informação existe em torno da sua relação com a bola. Sabe-se apenas que foi um dos imortais que participou no encontro ante o Exeter City, e que foi três vezes campeão estadual pelo Botafogo (1907, 1910, e 1912), antes de se formar em medicina e assumir uma distinta carreira como médico urulogista e professor universitário.

Abelardo: Colocando em campo uma tática para lá de ofensiva, como traduz o 2-3-5 usado, a primeira seleção brasileira tinha em Abelardo o seu primeiro homem na hora de atacar a baliza inglesa. Aberlado de Lamare, familiar - não se sabe qual o grau de parentesco - de Rolando, era um avançdo robusto, dizem até que bastante duro na hora de disputar os lances com os adversários, o que lhe terá valido alguns castigos ao longo da carreira. 
Era senhor de um remate poderoso, que fizeram dele, por exemplo, o melhor marcador do campeonato carioca de 1910 ao serviço do Botafogo. 


Oswaldo Gomes: Para a eternidade o seu nome irá ser lembrado na história do futebol brasileiro... e internacional, porque não dizê-lo?!. Dos seus pés nasceu o primeiro golo da história da seleção, quando decorria o minuto 20 do embate com o Exeter City. Nasceu precisamente na cidade onde este facto histórico foi registado, o Rio de Janeiro, a 30 de abril de 1888. O seu nome assume contornos de lenda não só para o combinado nacional como também para o Fluminense, o seu clube de sempre, no qual conquistou oito títulos de campeão estadual (1906, 1907, 1908, 1909, 1911, 1971, 1918, e 1919), que fazem com que seja o jogador mais titulado da história do Cariocão. Disputou quase 200 jogos (189 para sermos mais precisos) pelo Flu e apontou 38 golos. 
Fora dos relvados distingiu-se como presidente da Confederação Brasileira dos Desportos, precisamente um ano depois de ter comandado - na qualidade de treinador - a seleção no Campeonato Sul-Americano. 

Arthur Friendenreich: Sobre a primeira grande estrela do futebol brasileiro - e um dos primeiros astros do futebol global - já muito se escreveu no Museu Virtual do Futebol. Porém nunca será por demais recordar que este filho de pai alemão e mãe brasileira, nascido em São Paulo a 18 de julho de 1892, começou a destacar-se pela imaginação, técnica, estilo e pela capacidade de improvisar. Em 1919 foi apelidado pelos uruguaios de El Tigre por ter encantado as multidões com o seu futebol arte na Copa América que nesse ano foi conquistada precisamente pelo Brasil comandado por Friedenreich.

Jogava como avançado-centro, e foi o inventor de novas e belas jogadas no na altura jovem futebol brasileiro, como o drible curto e a finta de corpo.

Foi campeão paulista em sete ocasiões, seis das quais ao serviço do Paulistano, e outra pelo São Paulo da Floresta (clube que anos mais tarde se viria a chamar São Paulo FC). Por oito vezes foi o melhor marcador do campeonato paulista, a maior parte delas envergando as cores do Paulistano.
Era considerado pelos cronistas da altura como um jogador inteligente dentro de campo, e talvez tenha sido o jogador mais objetivo da sua época. Parecia conhecer todos os segredos do futebol e sabia quando e como ia marcar um golo. No ano de 1925, regressou da Europa (após uma digressão com o Paulistano) catalogado como um dos melhores jogadores do Mundo, depois de vencer por este clube nove dos dez jogos aí disputados. A sua conquista mais importante com a camisola do Brasil foi a conquista da Copa América de 1919.
Sobre a sua figura há uma dúvida que ainda hoje paira no ar, ou seja, será ele o maior goleador de todos os tempos? Há quem diga que sim e há quem diga que não. Uma dúvida que infelizmente não pode ser desfeita, já que existem poucos, ou mesmo nenhuns, dados que provem que Fried tem mais golos do que Pelé, que é, como se sabe, oficialmente considerado pela FIFA como o jogador que fez mais golos na história do futebol. Reza a lenda que El Tigre terá marcado 1239 golos.
Nota: Sobre os jogadores Osman e Formiga não foram encontrados dados biográficos.  
Para a história fica pois a ficha técnica do embate entre a primeira seleção do Brasil e o Exeter City:

BRASIL: Marcos de Mendonça, Píndaro e Nery; Lagreca, Rubens Salles e Rolando; Abelardo, Oswaldo Gomes, Friendereich, Osman e Formiga.

EXETER CITY: Loran, Jack Fort e Strettle; Rigny, Lagan e Hardin; Hold, Whittaker, Hunter, Lovett e Goodwin.

quinta-feira, abril 17, 2014

Copa América (3)... Brasil 1919

Cartaz oficial do
Campeonato Sul-Americano de 1919
Se há país cujo seu povo evidencia diariamente uma paixão ardente pelo futebol, esse país é o Brasil. Pronunciar o nome da nação sul-americana é de imediato sinónimo de futebol, sendo este um jogo interpretado com uma mescla de fantasia e mestria ímpar por um povo habituado a ver a sua seleção - e os seus clubes - a percorrer - quase sempre - os caminhos da glória no planeta da bola. A primeira caminhada vitoriosa trilhada pela nação que atualmente detém o maior número de títulos mundiais (5) ocorreu em 1919, ano em que a CONMEBOL - Confederação Sul-Americana de Futebol - decide erguer a terceira edição do então imergente - mas já popular - Campeonato Sul-Americano de Futebol, hoje em dia conhecido como Copa América. O Brasil ficou encarregue de acolher os quatro - habituais - participantes do campeonato iniciado em 1916 na cidade de Buenos Aires, ficando assente que os seis encontros do certame iriam decorrer no Rio de Janeiro, sendo que toda a ação se iria desenrolar no Estádio das Laranjeiras, um recinto com capacidade para 18 000 pessoas construído propositadamente para sedear uma copa que deveria ter sido disputada um ano antes, isto é, em 1918, até para dar seguimento à ideia da CONMEBOL, a qual dizia que o campeonato deveria ser disputado anualmente. Acontece que 1918 fica marcado pela mortífera Gripe Espanhola que em praticamente todo o Mundo - o Brasil não foi exceção - vitimizou milhares de pessoas. Passado o pânico foi altura da bola começar a rolar na Cidade Maravilhosa...


Uma imagem da bela cidade
do Rio de Janeiro em 1919
Desde logo este campeonato ficaria marcado pelo regresso às grandes competições de algumas das principais estrelas do então jovem futebol sul americano, cuja ausência havia sido vincadamente notada na edição de 1917, realizada no Uruguai. No selecionado da casa regressava aquele que para muitos dos historiadores desportivos foi o primeiro grande goleiro brasileiro, Marcos Carneiro de Mendonça, que na Copa de 1917 havia sido substituído pelo português Casemiro do Amaral. Mas o regresso mais saudado seria, sem dúvida, o de Arthur Friedenreich, o primeiro grande astro da história do futebol do Brasil, o qual haveria de ser determinante para a vitória final da sua equipa, como iremos poder constatar. Contudo, e apesar do regresso de El Tigre Friedenreich, o Brasil tinha um rival de peso na corrida ao título, o Uruguai, vencedor das duas primeiras edições, e cujo grupo se via reforçado com os negritos Juan Delgado e Isabelino Gradín, também eles ausentes da edição anterior. E tal como nos anteriores torneios todas as quatro seleções iriam jogar umas contras as outras, em sistema de campeonato, sendo que o vencedor seria a equipa que somasse o maior número de pontos.


Lance da expressiva goleada
do Brasil diante do Chile, no jogo
de abertura da Copa
A 11 de maio a loucura tomou conta do Rio de Janeiro. Nesse dia o Brasil entrava em campo para o pontapé de saída da Copa, tendo como adversário o Chile. Prova do entusiasmo em volta deste encontro seria o facto de as Laranjeiras terem apresentado uma casa com 25 000 espetadores, quando a sua lotação era de 18 000!!! Diz a história que muitos adeptos assistiram ao jogo em cima das árvores em redor do estádio, e dos muros que circundavam o mesmo. Orientados tecnicamente pelo jogador Haroldo Domingues os brasileiros vulgarizaram os chilenos, claramente a seleção mais fraca da prova, com seis golos sem resposta. A estrela da tarde foi Arthur Friedenreich, autor de três golos e uma exibição encantadora. Neco, o ponta esquerda que era a estrela da altura do Corinthians, também brilhou, ao apontar dois golos. O outro golo dos donos da casa seria da autoria do jogador/treinador, Haroldo.


Isabelino Gradín, a estrela
do futebol sul-americano da segunda
década do século XX
Dois dias depois os velhos inimigos do Rio de la Plata, a Argentina e o Uruguai, mediram forças, sob a arbitragem do inglês Robert Todd. Todos os olhares estavam concentrados na estrela negra do combinado celeste, Isabelino Gradín, que havia sido decisivo para o triunfo charrúa na primeira edição do campeonato, três anos antes. Gradín, de quem já aqui já falamos noutras viagens ao passado, era o expoente máximo de uma seleção talentosa - sob o ponto de vista técnico - e aguerrida, colocando em campo o tal espírito charrúa que caracterizava o povo uruguaio. Contra o eterno inimigo da margem sul do Rio da Prata, a Argentina, o Uruguai brindou os espetadores presentes nas Laranjeiras com um belíssimo bailado futebolístico, com performances sublimes dos irmãos Scarone, Carlos e Héctor, que, respetivamente, colocariam aos 19 e 23 minutos a sua equipa a vencer por dois golos de diferença. Porém, do outro lado figurava um conjunto de fino recorte técnico e com semelhante garra, e ainda antes do descanso o também talentoso Carlos Izaguirre encurta distâncias no marcador. No segundo tempo, e a cerca de 10 minutos para o final, um lance infeliz do uruguaio Manuel Varela coloca tudo em pé de igualdade, empate esse que seria desfeito a cinco minutos do fim por intermédio do genial Isabelino Gradín. Tinha de ser ele, pois claro.


O azarado
Roberto Chery
No dia 17, e sob a arbitragem do brasileiro Adilton Ponteado, o Uruguai voltou a subir ao relvado das Laranjeiras, desta feita para encontrar e bater a débil seleção chilena por 2-0. Com golos de Carlos Scarone e José Pérez, respetivamente aos 31 e 43 minutos, este encontro ficaria eternamente marcado pela fatal lesão do guarda-redes uruguaio Roberto Chery, que ante o Chile fazia a sua primeira aparição com a seleção charrúa. Uma estreia para lá de infeliz para o arquero do Peñarol, que na sequência de um potente remate de um jogador chileno - por si defendido - fez com que uma hérnia se deslocasse, sendo de pronto transportado para o hospital, onde viria a falecer dali a duas semanas (!) durante a operação para remover a citada hérnia, precisamente no dia seguinte ao encerramento do torneio. Tinha somente 23 anos, e era considerado pelos experts de então como o herdeiro natural do até habitual titular Cayetano Saporiti.
A sua morte provocou uma onda de solidariedade entre brasileiros e uruguaios para com a família de Chery, sendo que no dia 1 de junho desse ano de 1919 as duas seleções disputaram a Copa Roberto Chery, cuja receita proveniente desse amigável seria não apenas para a família do jogador mas igualmente para custear todas as despesas na trasladação do seu corpo para Montevideo.


Fase do Brasil-Argentina, jogo em que
a equipa da casa deu show de bola!
No dia 18 de maio as Laranjeiras voltaram a lotar para presenciar um novo recital de futebol levado a cabo pela seleção que na altura ainda... não era canarinha. Sobre este aspeto uma pequena nota de rodapé para registar a curiosidade de que o equipamento da seleção do Brasil era composto por camisola branca, calções azuis, e meias pretas. Voltando à exibição magistral da seleção para dizer que a vítima foi a Argentina, que não teve argumentos para evitar uma derrota por 3-1. Aos 22 minutos Heitor Domingues abriu o marcador para o Brasil, sendo que na etapa complementar Amilcar, aos 57 minutos, iria ampliar a vantagem, para 20 minutos depois Millon bater pela derradeira vez na tarde o arquero Carlos Isola. Este resultado, aliado à vitória do Uruguai um dia antes perante o Chile, ditava que o último encontro do campeonato, entre brasileiros e uruguaios, seria encarado como uma verdadeira final, pois quem vencesse seria automaticamente campeão.


A seleção da Argentina que marcou presença no Rio de Janeiro
Antes dessa final a Argentina e o Chile lutaram entre si pelo último lugar do pódio. Sob a arbitragem do brasileiro Joaquim Leite de Castro o jogo foi de sentido único, ou seja, a baliza chilena, com o guarda-redes Manuel Guerrero a ter uma nova tarde de pesadelo, ao ser batido por quatro ocasiões! Com três golos na sua conta pessoal Edwin Clarcke foi a estrela da tarde, sendo que o outro golo da seleção das Pampas seria da autoria de Carlos Izaguirre. Alfredo France marcou o tento de honra do Chile... em toda a competição. Um golo marcado, 12 sofridos, zero pontos, último lugar na competição, eis o saldo final obtido pela frágil seleção chilena.


Lance do primeiro jogo entre
brasileiros e uruguaios
No dia 26 de maio de 1919 o Estádio das Laranjeiras voltou a ser pequeno demais para milhares de adeptos que suspiravam por ver o Brasil ser coroado pela primeira vez como rei das américas. A tarefa era, contudo, deveras complicada, já que do outro lado estavam os bi-campões em título, guiados pela estrela Isabelino Gradín, que se apresentou no torneio numa forma estupenda. E foi ele próprio que logo aos 13 minutos silenciou o inferno das Laranjeiras, quando concluiu com êxito uma jugadita brilhante - como só ele sabia fazer. Ainda o goleiro Marcos e os restantes companheiros tentavam refazer-se do tento madrugador dos charrúas e já estes faziam balançar pela segunda vez as redes do estádio do Fluminense. Carlos Scarone, o homem que ao minuto 17 faz mexer de novo o marcador.


Neco
Foi então que surgiu no relvado o génio de Manuel Nunes, eternizado na história do belo jogo como Neco, o habilidoso - e por vezes polémico - ponta-esquerda do Corinthians nascido em São Paulo a 7 de março de 1895, e que havia vestido pela primeira vez a camisola da seleção em 1917, durante o Campeonato Sul-Americano que nesse ano decorreu no Uruguai. Nas Laranjeiras, Neco foi herói, primeiro aos 29 minutos, e já no segundo tempo à passagem do minuto 63, selando assim o placard numa igualdade a duas bolas, o resultado de um jogo emocionante e equilibrado. Com este resultado as duas equipas terminaram o torneio com cinco pontos, empatadas no primeiro lugar da classificação, como tal, pelo que a organização viu-se na necessidade de agendar - para três dias depois - um novo duelo entre ambos os selecionados, para apurar o campeão das américas.


Friedenreich atormenta a defesa charrúa
no jogo de desempate do campeonato
29 de maio ficaria pois como um dia histórico para o futebol brasileiro. Talvez pressentindo que a história estava prestes a escrever-se o Governo brasileiro decreta tolerância de ponto para as repartições públicas. Os bancos e o comércio seguem o exemplo e encerram portas no dia da finalissima. Segundo registos da época, às 9 horas da manhã uma multidão circunda o Estádio das Laranjeiras na tentativa de arranjar um lugar nas bancadas do recinto, quando o jogo apenas iria ter início às 14 horas! As duas seleções entram então em ação diante dos olhares de um estádio para lá de repleto. O equilíbrio voltaria a ser nota dominante, e é com 0-0 que se chega ao final dos 90 minutos de uma partida arbitrada pelo argentino Juan Pedro Barbera. Chega então o primeiro prolongamento de 30 minutos, e... nada. O empate persiste. Barbera dá ordem para serem jogados mais 30 minutos, perante os olhares desgastados dos 22 atletas. E eis que aos 3 minutos do segundo prolongamento, Neco foi buscar forças ao fundo do baú, e na conclusão de uma arrancada pela linha cruza para o interior da área onde aparece Heitor, este remata para uma defesa incompleta de Saporiti, tendo a bola sobrado para o artista Friedenreich, que só teve o trabalho de a enviar para o fundo das redes. El Tigre - alcunha dada pelos uruguaios ao jogador brasileiro no resclado deste campeonato - transformava-se assim no herói de todo um povo, e associava o seu lendário nome ao primeiro título conquistado pelo Brasil. O jogo mais longo de toda a história do Campeonato Sul-Americano/Copa América terminaria aos 150 minutos, com uma nação inteira a explodir de alegria. O Brasil era campeão.

A Figura: Arthur Friedenreich


El Tigre Friedenreich
Arthur Friedenreich foi - como já dissemos - a primeira grande estrela do futebol brasileiro. Sobre ele o Museu Virtual do Futebol já traçou algumas linhas biográficas que se enontram expostas na vitrina dedicada às lendas. Recordemo-las pois. Arthur Friedenreich nasceu em São Paulo, a 18 de julho de 1892, filho de um comerciante alemão, de seu nome Óscar Friedenreich, e de uma lavadeira brasileira, de nome Matilde. Nasceu mulato e de olhos azuis. Aos 15 anos, de estatura magra, ágil, com pernas finas era já um verdadeiro craque da bola.
Como já referimos foi a primeira grande estrela do futebol brasileiro numa época em que o belo jogo era ainda puramente amador. Aprendeu a jogar à bola com uma bexiga de boi, pouco tempo depois de Charles Miller ter chegado ao Brasil (em 1894) com uma bola de futebol na bagagem, uma novidade para um país que com o passar dos anos se haveria de tornar na maior potência do futebol mundial.
Fried (diminutivo pelo qual também era conhecido) começou a jogar futebol na sua cidade natal, São Paulo, mais precisamente no Germânia, passando depois para clubes como o Mackenzie, Ipiranga, Paulistano, São Paulo da Floresta, Payssandu, Atlético Santista, Internacional, Santos, Dois de Julho, Americano e Flamengo.
Começou a destacar-se pela imaginação, técnica, estilo e pela capacidade de improvisar. Em 1919 foi apelidado pelos uruguaios de El Tigre por ter encantado as multidões com o seu futebol arte na Copa América que nesse ano foi conquistada precisamente pelo Brasil comandado por Friedenreich.
Jogava como avançado-centro, e foi o inventor de novas e belas jogadas no na altura jovem futebol brasileiro, como o drible curto e a finta de corpo.
Foi campeão paulista em sete ocasiões, seis das quais ao serviço do Paulistano, e outra pelo São Paulo da Floresta (clube que anos mais tarde se viria a chamar São Paulo FC). Por oito vezes foi o melhor marcador do campeonato paulista, a maior parte delas envergando as cores do Paulistano.
Era considerado pelos cronistas da altura como um jogador inteligente dentro de campo, e talvez tenha sido o jogador mais objetivo da sua época. Parecia conhecer todos os segredos do futebol e sabia quando e como ia marcar um golo.

O equipamento usado pela seleção
brasileira em 1919
No ano de 1925, regressou da Europa (após uma digressão com o Paulistano) catalogado como um dos melhores jogadores do Mundo, depois de vencer por este clube nove dos dez jogos aí disputados.
Um dos seus mais incríveis feitos ocorreu em 1928, ano em que fez sete golos num único jogo diante do União da Lapa, batendo o recorde da época. Nesse jogo actuava pelo Paulistano e o resultado final foi de 9-0. Terminou a sua carreira no Flamengo, em Julho de 1935, com 43 anos de idade. Depois de abandonar os relvados, viveu na pobreza um bom tempo até morrer no dia 6 de Setembro de 1969, numa casa cedida pelo São Paulo.
Friedenreich vestiu pela primeira vez a camisola da seleção do Brasil em 1912, num jogo amigável contra uma seleção paulista, realizado no Rio de Janeiro. O escrete brasileiro venceu por 7-0, com dois golos de Fried.
A sua despedida aconteceu em 1935, num jogo contra o River Plate, a 23 de Fevereiro, o qual o Brasil ganhou por 2-1. Friendenreich fez pela seleção principal 23 jogos e marcou 12 golos. Já na seleção de veteranos, em 1935, disputou 2 jogos e marcou 2 golos.
A sua conquista mais importante com a camisola do Brasil foi, como já vimos, a conquista da Copa América de 1919.
Sobre a sua figura há uma dúvida que ainda hoje paira no ar, ou seja, será ele o maior goleador de todos os tempos? Há quem diga que sim e há quem diga que não. Uma dúvida que infelizmente não pode ser desfeita, já que existem poucos, ou mesmo nenhuns, dados que provem que Fried tem mais golos do que Pelé, que é, como se sabe, oficialmente considerado pela FIFA como o jogador que fez mais golos na história do futebol. Reza a lenda que El Tigre terá marcado 1239 golos. Sobre si escreveram-se vários livros, mas há um que retrata na perfeição o momento histórico vivido naquele dia 29 de maio de 1919, o momento em Fried oferece o primeiro título ao seu país. É esse excerto do livro As Origens do Tigre do Futebol (da autoria de Alexandre da Costa) que passamos a transcrever. 

A caricatura de El Tigre
Em 26 anos de carreira, a grande alegria de Fried foi aquele campeonato sul-americano, realizado no Rio de Janeiro, em 1919. Perdoado pela CBD, ele era a principal esperança da seleção brasileira para a conquista do título inédito. A equipe passou invicta pela fase de classificação e teria pela frente, na final, o sempre temido Uruguai, no dia 29 de maio. Mais uma vez, uma superstição do comandante do ataque brasileiro foi usada. Por baixo da camisa branca da seleção, ele tinha uma do Flamengo. Nunca me disse o porquê daquela crença, mas disfarçava dizendo que gostava da combinação do vermelho com o preto. Vai entender! A partida começa e o estádio das Laranjeiras está abarrotado. Dia de tempo instável, não parece que vai chover e nem aparecer um solzinho. No campo, a peleja está animada. Os dois times têm grandes oportunidades durante os noventa minutos, porém o marcador não sai do 0 x 0. Fried, marcado por dois uruguaios, às vezes até por três, estava meio escondido na partida. Duas prorrogações, e o jogo insiste em não mostrar um vencedor. O extrema-esquerda do Brasil, Neco, faz então uma jogada cinematográfica pela linha de fundo uruguaia. Num bate-rebate interminável na área, a bola vai parar caprichosamente no santo pé esquerdo de Fried. Sem muito trabalho, o centroavante arrematou para o gol, terminando com os 150 minutos de sofrimento. É o gol do título. Mesmo no alvoroço da vitória, Arthur é humilde e divide os louros do título com Neco. Diz ele, emocionado: "O gol foi do Neco, que fez uma jogada belíssima. Eu apenas tive o trabalho de chutá-la. Nada mais". Ainda no estádio, antes da grande festa nas ruas promovida pelos cariocas, um fato curioso e inesperado coroa a campanha brasileira e, principalmente, o seu artilheiro. Das mãos do capitão uruguaio, o comandante do ataque brasileiro recebe um pergaminho com o título que lhe acompanharia até o final de seus dias. "Nós, os componentes da seleção uruguaia, concedemos ao senhor Arthur Friedenreich, o título de El Tigre por ser o mais perfeito centroavante do campeonato sul-americano." O Tigre, cansado, chora com a homenagem. Nas ruas do país, a empolgação é generalizada. Com o feito inédito, o futebol cai no gosto popular. Os campeões são carregados em triunfo e mais uma vez o inesperado acontece. O jornal A Noite, um dos mais famosos da época, nunca havia colocado fotografia alguma em sua primeira página, fosse ela de presidente, rei ou ministro. No entanto, naquele dia, estampou em uma edição especial, sem nenhum constrangimento e em tamanho natural, o pé esquerdo de Fried. O singelo título dizia: "Eis o pé da vitória". O jornal vendeu como água. O Brasil aparecia no futebol pela primeira vez. E Friedenreich... bom , ele era o Tigre. 

Números e nomes:

11 de maio de 1919

Brasil - Chile: 6-0
(Friendenreich, aos 19m, aos 38, aos 76m; Neco, aos 21m, aos 83m; Haroldo, aos 79m)

13 de maio de 1919

Uruguai - Argentina: 3-2
(Carlos Scarone, aos 19m, Héctor Scarone, aos 23m, Gradín, aos 85m)
(Izaguirre, aos 34m, Varela, na p.b. aos 79m)
A equipa do Uruguai que esteve no Rio de Janeiro
com Isabelino Gradín na fila de baixo (o segundo a contar da direita para a esquerda)
17 de maio de 1919

Uruguai - Chile: 2-0
(Carlos Scarone, aos 31m, José Pérez, aos 43m)

18 de maio de 1919

Brasil - Argentina: 3-1
(Heitor, aos 22m, Amilcar, aos 57m, Millon, aos 77m)
(Izaguirre, aos 65m)

22 de maio de 1919
A pobre seleção chilena que esteve na Copa de 1919
Argentina - Chile: 4-1
(Clarcke, aos 10m, aos 23m, aos 62m; Izaguirre, aos 13m)
(France, aos 33m)

26 de maio de 1919

Brasil - Uruguai: 0-0

Classificação
1-Brasil: 5 pontos
2-Uruguai: 5 pontos
3-Argentina: 2 pontos
4-Chile: 0 pontos
Vista aérea da Laranjeiras no dia da grande decisão
Jogo de desempate

29 de maio de 1919

Brasil - Uruguai: 1-0
(Friendenreich, aos 122m)
Seleção brasileira que venceu o Campeonato Sul-Americano de 1919