sexta-feira, maio 28, 2021

Arquivos do Futebol Português (15)...

O primeiro troféu internacional conquistado por um clube português

Clube Internacional de Futebol, popularmente designado por CIF, tornou-se em 1907 na primeira equipa portuguesa a atuar fora de portas, facto ocorrido em janeiro desse ano, quando os lisboetas se deslocaram ao reduto do Madrid FC (futuro Real Madrid). O CIF, reforçado com alguns craques ingleses do Carcavellos Club, venceu este jogo por 2-0, tendo este feito sido muito celebrado pelos jornais da época. Não demorou mais de dois anos a que o clube dos Pinto Basto voltasse a receber um convite de nuestros hermanos para voltar ao país vizinho para um novo match, desta feita em Badajoz. Pela frente os portugueses tiveram o Sport Club Bacense, com a particularidade de em jogo estar a disputa de um troféu oferecido pelo município de Badajoz. Com as suas camisolas de listas verticais pretas e brancas, o Internacional era um clube que tinha nascido prestigiado, já que tinha sido fundado pela reunião de vontades de alguns dos mais destacados pioneiros do futebol em Portugal, com destaque para a família Pinto Basto. 
Com um misto de jogadores portugueses e ingleses, o CIF era um emblema elitista e, a par dos ingleses do Carcavellos Club, tinha um prestígio inatacável. 
Rezam as poucas crónicas existentes sobre este encontro que 4000 pessoas terão assistido ao duelo entre espanhóis e portugueses, e que o CIF terá apresentado no retângulo de jogo os seguintes jogadores: Gastão Pinto Basto, Merik Barley, Sidney Mascarenhas, João Figueiredo, Augusto Sabbo, Eduardo Luiz Pinto Basto, Luís Kruss Gomes, Carlos Sobral, Vieira da Silva, A. Barreto e Cecil Barley. 
Quanto ao jogo consta que os portugueses estiveram sempre por cima, foram sempre superiores, impressionando a assistência com a sua técnica e complacência física. O resultado do jogo cifrou-se em 3-0 a favor dos lusos, graças a golos de Vieira da Silva, Luís Kruss Gomes e Augusto Sabbo, sendo que este último foi considerado como o homem do jogo, graças à sua apetência para organizador e condutor de jogo. 
Augusto Sabbo
Augusto Sabbo nasceu em Lisboa a 27 de março de 1887 e tinha ascendência germano-húngara. Estudou na Alemanha, onde chegou a praticar futebol de forma oficial, tendo ainda passado algum tempo na Áustria e na Hungria, locais onde colheu muitos ensinamentos sobre o jogo. Na Alemanha estudou engenharia, sendo que no regresso a Portugal foi um dos responsáveis pela montagem da rede de tração elétrica em Coimbra, entre outras obras. No futebol, os tempos eram ainda muitos verdes em Portugal, praticava-se um estilo de jogo algo rudimentar ainda, e Sabbo viria a tornar-se uma espécie de joia rara no Planeta da Bola luso, já que possuía conhecimentos profundos do jogo e ademais era um visionário. Em Portugal, Sabbo iniciou-se no CIF como jogador, ali deu nas vistas, mas seria já como treinador nos anos 20 que ficaria imortalizado como um dos grandes nomes do nosso futebol. Dirigiu o futebol do Sporting em 1922/23 (quando os leões conquistaram o seu primeiro campeonato de Portugal), sendo que sensivelmente um ano antes, em 1921, foi escolhido para ser o cargo de primeiro seleccionador nacional. Porém, os jogadores não gostaram da dureza dos seus métodos e ele acabou por não orientar nenhum jogo da seleção. Em 1926 tornando-se no primeiro treinador remunerado ao serviço do Sporting, clube onde aplicou toda a sua sabedoria. Em 1923, Sabbo editou em Lisboa um minucioso manual de 75 páginas, intitulado Football (Técnica e Didáctica de Jogo), sobre todos os aspectos importantes do futebol. Para além de jogador e treinador disso foi árbitro e fez ainda parte das primeiras equipas de râguebi do Sporting. Faleceu a 30 de outubro de 1971.

quinta-feira, maio 27, 2021

Emblemas históricos (15)... Luso Atlético Club

Emblema do Luso Atlético Club

Existem surpresas que nos deixam boquiabertos e ao mesmo tempo deliciados. Esta foi sem dúvida uma delas. No âmbito de uma visita à sala de troféus do Académico Futebol Clube fomos presenteados com um trabalho de investigação que nos levou à descoberta de uma verdadeira relíquia já desaparecida do nosso presente.
Na verdade, trata-se de um emblema que assumiu uma importância de relevo no futebol popular/amador portuense dos anos 20 e 30 do século passado e que hoje não passa de uma quase desconhecida recordação. É nesse sentido que abrimos hoje as nossas portas para lembrar o Luso Atlético Club.
E para contar a história deste hoje extinto clube vamos apoiar-nos na tal prenda que nos foi oferecida, mais concretamente o trabalho académico desenvolvido por Lívio Correia no âmbito do III Congresso de História da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que decorreu  nos dias 13, 14 e 15 de novembro de 2014 na Casa da Prelada (Porto), obra essa intitulada de “António da Silva Moreira – Mecenas do Luso Atlético Club”.

A obra foca precisamente o mentor deste clube constituído a 14 de abril de 1924 num terreno inserido na Quinta do Lima. Foi nesta extensa área agrícola que, recorde-se, o Académico Futebol Clube viria a construir o primeiro grande e amplo estádio do país, o Estádio do Lima.
António da Silva Moreira
Apraz-nos a este propósito recordar um pouco da história deste complexo desportivo, que tem início nos anos 20, uma década em que o fenómeno desportivo fervilhava em todo o país. A este propósito Lívio Correia recorda no trabalho académico que nos veio parar às mãos que «em Portugal uma elite empresarial patrocinava a prática do desporto amador, como terapia de ocupação dos tempos livres, de uma juventude ociosa».
E a nossa história começa um pouco antes, em 1917, quando após a morte de Luzia Joaquina Bruce o testamento desta benfeitora da Cidade do Porto foi aberto e decretado que o seu património – herdado do seu companheiro de vida, o empresário João António Lima – seria doado à Santa Casa da Misericórdia do Porto. Lívio Correia recorda que esta doação foi um processo rocambolesco, que fez correr muita tinta então, mas que em 1923 após a Santa Casa tomar posse deste vasto património, que era constituído pela já referida Quinta do Lima, e ainda por um senhorial palacete situado na Rua de Costa Cabral, denominado de palacete do Lima, arrenda ao Académico FC não só o palacete – onde hoje funciona a sede e se encontra instalada a vistosa sala de troféus deste emblema portuense – mas também o terreno anexo para que ali o clube desenvolvesse a sua prática desportiva. 

É nos terrenos agrícolas da Quinta do Lima que os academistas iriam erguer o majestoso Estádio do Lima, como já vimos, que cedo se manifestou insuficiente para a oferta desportiva na cidade, dada a elevada procura de praticantes interessados nas várias modalidades que ali se podiam desenvolver. É então que em 1924 nasce naquele meio um novo clube, o Luso Atlético Club. Esta associação irá instalar nos terrenos acidentados situados no extremo nascente da Quinta do Lima um eclético terreno de jogos, segundo nos dá conta Lívio Correia, e cuja principal modalidade praticada seria o futebol. Esse campo foi batizado de Campo do Luso. Localizado paralelamente ao Estádio do Lima este recinto nasceu muito pela vontade férrea do grande mentor do Luso Atlético Club, o abastado comerciante portuense António da Silva Moreira.
Nascido a 28 de janeiro de 1876, este filho de abastados lavradores da freguesia de Silva Escura, na Maia, explorou várias empresas ligadas a diversos ramos de atividades comerciais, mas a sua empresa mais importante terá sido um armazém têxtil situado no edifício do Convento da Trindade, no Porto.
Cartão de associado do Luso Atlético Club

Ficou conhecido nos meandros dos negócios como uma pessoa cortês e prestativa, sendo que do ponto de vista pessoal era tido como alguém sempre pronto a ajudar, uma espécie de mecenas. Era uma figura com interesses culturais, sendo um habitual frequentador do cinema Júlio Dinis. Era igualmente um apaixonado pela atividade desportiva, e foi um dos principais incentivadores da prática do desporto amador na cidade em várias modalidades, sendo o futebol uma delas.

Nessa condição financiou um clube amador então existente na urbe portuense, a União Desportiva Lusitana, com sede na sua residência, a Rua Visconde de Setúbal. Tempos mais tarde este clube extinguiu-se para dar então lugar ao Luso Atlético Club.
Desde a nascença que o Luso foi um clube estritamente de cariz popular, virado para o desporto amador, sendo que António da Silva Moreira foi desde o início o seu principal financiador, o seu principal rosto, tendo naturalmente desempenhado o cargo de presidente.  O símbolo do clube reflete a exaltação nacionalista da época ao apresentar uma águia voante enquanto símbolo da moda na heráldica desportiva.
Planta do Campo do Luso

António da Silva Moreira viria a empenhar-se na construção do Campo do Luso, o palco onde o clube desenvolvia toda a sua atividade desportiva, com o futebol como cabeça de cartaz. No belo jogo o Luso Atlético Club atingiu projeção nos escalões secundários do futebol portuense, embora são poucos os registos que retratam a atividade desportiva do clube nos retângulos do jogo.
Equipa do Luso que se sagrou campeã
de reservas da 2.ª divisão da AFP em 32/33
Regista-se porém a temporada de 32/33 quando a equipa foi campeã de reservas da 2.ª divisão da Associação de Futebol do Porto (AFP), sendo que nesta equipa atuavam três dos seis filhos de António da Silva Moreira, nomeadamente Abílio, Ângelo e José. Nos arquivos da AFP encontram-se alguns dados relativamente à atividade do Luso, sabendo-se que esteve filiado neste órgão nas temporadas de 28/29, 29/30, 30/31, 32/33, 33/34, 34/35 e 35/36. Na época de 33/34 competiu com duas equipas na 2.ª divisão do concelho do Porto. Na temporada de 28/29 sabe-se que o Luso cedeu dois jogadores à seleção portuense que competiu no I Porto-Lisboa Promocionário, nomeadamente os atletas Manuel Gomes e Carlos Lima, que contribuíram para o empate final a duas bolas entre os dois combinados distritais. No Campeonato de Promoção dessa época o Luso participou com quatro categorias, tendo sido 1.º classificado na 3.ª e 4.ª categorias. Nesta mesma temporada participou na prova mais importante do futebol nacional de então, o Campeonato de Portugal, tendo sido eliminado pelo Sporting Clube da Cruz, por 1-2, logo na 1.ª eliminatória. 

A época de glória terá sido então vivida em 32/33 quando o Luso foi campeão de reservas da 2.ª divisão da AFP, ficando à frente do Clube Desportivo de Portugal, do Clube Desportivo do Porto, do Estrela e Vigorosa Sport, do Ramaldense Futebol Clube, do Sporting Clube da Cruz e do Majestic Sport Clube. Esta conquista do Luso foi tida uma proeza notável tendo sido inclusive cantada em verso por um adepto do clube, de seu nome Joaquim Matinha.

O complexo habitacional do Luso onde
outrora estava instalado o campo de jogos
Com mais algumas participações nos campeonatos amadores da AFP o Luso Atlético Clube extinguiu-se a 16 de novembro de 1941. Sabe-se pelos jornais da época que além do futebol o clube praticou durante as suas quase duas décadas de vida o basquetebol, não tendo contudo sido filiado na associação que dirige esta modalidade. 
O Luso morreu no início da década de 40, mas o seu campo de jogos viveu durante mais alguns anos, tendo sido utilizado pelo Sport Clube do Porto para a prática de andebol, bem como de outras associações de bairro e funcionários de empresas que ali apuravam o físico. O Campo do Luso com o passar dos anos foi envelhecendo e perdendo atividade, até que a Santa Casa da Misericórdia do Porto mandou erguer naquele espaço um complexo de prédios que deu o nome de Parque Residencial do Luso. E assim o mítico campo desaparecia. Quanto a António da Silva Moreira faleceu a 15 de outubro de 1964, na sua residência situada na Rua Visconde de Setúbal, ao passo que sobre o Luso Atlético Club a sua memória sobrevive hoje muito devido às referidas torres habitacionais que ainda hoje existem nos terrenos onde outrora se exibiu o Campo do Luso. (Nota: Este texto é baseado em factos retirados do referido trabalho de Lívio Correia, “António da Silva Moreira – Mecenas do Luso Atlético Club”). 

quinta-feira, maio 20, 2021

Arquivos do Futebol Português (14)...

1 de dezembro de 1907 é uma data que se encontra impressa a letras de ouro na história do futebol português. Neste dia o Campo da Quinta Nova, em Carcavelos, é o palco da primeira batalha entre dois “recém nascidos” que com o passar dos anos se tornaram em gigantes do desporto mundial. Os seus nomes? Sport Lisboa e Benfica (que ainda não era assim designado) e Sporting Clube de Portugal.

Nesse dia tinha início o primeiro capítulo de uma rivalidade desmedida e apaixonante que todos os anos – pelos menos em duas ocasiões – divide a Cidade de Lisboa em duas barricadas, uma verde e outra vermelha. É o grande derby do futebol português, e um dos mais intensos do “desporto rei” a nível global, é o “derby eterno” como assim ficou eternamente popularizado.

E derby não é derby sem uma pitada de picardia para aguçar ainda mais o apetite da rivalidade, e desde a primeira hora que um Benfica – Sporting, ou vice-versa, foi envolto em polémicas. Neste primeiro confronto, referente à 3ª jornada do Campeonato Regional de Lisboa, o Sporting entrou em campo com oito ex-benfiquistas no seu “onze” (!), nomeadamente José da Cruz Viegas, Emílio de Carvalho, Albano dos Santos, António Couto, António Rosa Rodrigues, Daniel Queirós dos Santos, Henrique Costa, e Cândido Rosa Rodrigues. Ao que parece o Sporting terá oferecido a estes jogadores condições de higiene, digamos assim, que não existiam na casa do rival, tais como um banho quente no final da cada jogo e camisolas limpas no intervalo dos mesmos!

E seria curiosamente um dos ”traidores” – na boca dos benfiquistas – , mais precisamente Cândido Rosa Rodrigues, a entrar definitivamente para a história dos “derby's eternos” já que é da sua autoria o primeiro golo do duelo entre os dois rivais lisboetas. Cândido Rosa Rodrigues é um dos irmãos "catatau" que esteve na génese da fundação do Grupo Sport Lisboa. Ele pertencia ao Grupo de Futebol Lisbonense que se juntou à Associação do Bem (de Cosme Damião), constituída por ex-alunos da Casa Pia, para formar então o Grupo Sport Lisboa, no dia 28 de fevereiro de 1904.

Cândido Rosa Rodrigues
Mas centremo-nos mais ao pormenor na figura do autor do primeiro golo do "derby eterno". Cândido Rosa Rodrigues nasceu em Lisboa, pela uma da manhã, no primeiro andar do número 144 da rua direita de Belém, e os amigos chamava-lhe Candinho, e juntamente com os seus irmãos António, José e Jorge ficou conhecido por fazer parte dos irmãos "catatau". Em 1904 ele foi um dos 24 fundadores do Grupo Sport Lisboa onde esteve assiduamente durante três temporadas. Vivendo em Belém ele era um dos principais dinamizadores no início do clube, sendo dos mais assíduos nos treinos. No verão de 1907 ele e mais sete jogadores do Sport Lisboa decidiram rumar ao recém fundado Sporting Clube de Portugal, atraído pelas melhores condições proporcionadas pelo clube leonino. Cândido rapidamente deu nas vistas no Sporting, jogando a interior-direito. Esteve presente em muitos dos marcos importantes do início da vida do emblema leonino, como por exemplo na inauguração do primeiro estádio sportinguista, a 3 de dezembro de 1912, ante o Boavista, em que marca 3 dos 12 golos com os leões bateram os portuenses; ou no golo que marcou no primeiro jogo internacional do Sporting, diante do Madrid FC (futuro Real Madrid), em 24 de janeiro de 1913. Esteve sete épocas de verde-e-branco vestido, fazendo mais de 50 jogos oficiais. Faleceu aos 89 anos, de enfarte do miocárdio, tendo sido sepultado no jazigo da família no cemitério dos Prazeres, em Lisboa, onde repousam três dos 24 fundadores do Grupo Sport Lisboa.

Mas voltando ao primeiro duelo entre os dois rivais de Lisboa para recordar um episódio caricato, que foi o facto de minutos após Corga ter restabelecido a igualdade no marcador os jogadores do Sporting terem abandonado o terreno de jogo devido aos fortes aguaceiros que se abateram sobre Carcavelos, tendo voltado ao “campo de batalha” apenas por imposição do árbitro da contenda, o inglês Burtenshaw. E voltariam para festejar de novo na sequência de um lance infortúnio do lendário capitão benfiquista Cosme Damião que ao introduzir a bola na sua própria baliza oferece o triunfo – por 2-1 – aos leões. Segunda as crónicas a altura este foi um jogo intenso, rijamente disputado, onde se sentiu o clima de tensão entre os dois clubes devido à "traição" dos oito desertores do Sport Lisboa para o Sporting

Equipa do Sporting na temporada de 1907/08

Para a eternidade ficam os nomes dos guerreiros da primeira de muitas e intensas batalhas pintadas em tons de verde e vermelho:

Benfica: Persónio, Luís Vieira, Leopoldo Mocho, Alves, Cosme Damião, Bragança, Bermudes, António Costa, Corga, António Meireles, e França.

Sporting: Emílio de Carvalho, Queirós dos Santos, Belo, Albano dos Santos, Couto, Nóbrego de Lima, António Rodrigues, Eagleson, Viegas, Cândido Rosa Rodrigues, e Henrique Costa.

Nesta temporada (07/08) os ingleses do Carcavelos voltaram a ser campeões de Lisboa, e desta feita invictos, isto é, em 10 jogos disputados somaram 10 triunfos, marcaram 61 golos e sofreram apenas seis. Seguiram-se na classificação final o Sporting (14 pontos), o Sport Lisboa (10 pontos), o Lisbon Cricket (9 pontos), o CIF 84 pontos) e o Cruz Negra (3 pontos).

A 13 de setembro de 1908 dá-se um acontecimento importante com o surgimento do Sport Lisboa e Benfica. O Sport Lisboa despede-se do bairro de Belém indo fundir-se com o Grupo Sport Benfica, que detinha um terreno de jogo naquele local.

Emblema do OCC
Mas era a norte que estava por aqueles dias uma das maiores potências futebolísticas de Portugal, o Oporto Cricket Club. Foi constituído originalmente em 1855, estando sediado na zona do Campo Alegre. É a mais antiga instituição desportiva da cidade do Porto e que está ligada à elite britânica. É mesmo esta comunidade que instaura a prática desportiva na cidade e que promovem as primeiras competições desportivas no Porto de várias modalidades. Assim os portuenses começam a praticar desporto e como não podia deixar de ser, o futebol. E porque no início dissemos que o Oporto Cricket Club (OCC) era uma das potências do futebol daquele tempo? Porque em dezembro de 1908 o clube faz uma digressão pela capital do país, tendo defrontado por exemplo o CIF e o Carcavelos, obtendo, respetivamente, vitórias por 2-1 e 3-0. Impressionou sobretudo a vitória sobre o Carcavelos, os campeões de Lisboa, e uma das equipas mais fortes do país. O Sports escrevia que o OCC era uma equipa exemplar, e uma das mais fortes da Península Ibérica de então.

terça-feira, maio 18, 2021

Grandes Mestres do Jornalismo Desportivo (18)... Vítor Santos

Contam-se pelos dedos de uma só mão os jornalistas desportivos que graças ao seu talento e profissionalismo contribuíram para que os órgãos de comunicação social cuja camisola envergaram se tornassem referências tanto a nível nacional como internacional. Um desses exemplos é Vítor Santos, um dos maiores jornalistas de sempre da imprensa desportiva nacional e um ícone do seu jornal de sempre, A Bola.

Nascido a 31 de maio de 1923, na freguesia de Triana (Alenquer), Vítor Gonçalves dos Santos fez todo o seu percurso profissional no jornal da Travessa da Queimada, para onde entrou em 1950 como colaborador.

Embora não tivesse feito parte dos fundadores de A Bola, ele foi um dos grande impulsionadores para o prestígio do jornal. Reza a história que a entrada para este jornal se deu a 1 de novembro de 1950 e que o seu primeiro trabalho terá sido a crónica de um Benfica - Oriental. Quatro anos depois passa a redator, facto que faz com que abandone o 3.º ano da licenciatura no Instituto Superior de Agronomia.

Cândido de Oliveira, figura maior de A Bola naqueles dias, cedo percebe as qualidades de Vítor Santos, convidando-o a assumir o cargo de chefe de redação. Sob a batuta do jornalista de Alenquer o jornal vive alguns dos seus melhores anos de vida, tornando-se uma referência na imprensa desportiva nacional e internacional.

Vítor Santos fundou ainda juntamente com outros vultos do jornalismo desportivo português, como Alves dos Santos, Artur Agostinho, Mário Zambujal, Fernando Soromenho, Manuel Mota, Vítor Sérgio, Mário Cília, Vasco Resende, Carlos Pinhão, e, Aurélio Márcio, em 1966, o CNID – Clube Nacional de Imprensa Desportiva, que institui um prémio com o seu nome para distinguir uma jovem promessa da imprensa escrita desportiva. A mestria e profissionalismo de Vítor Santos valeram-lhe inúmeras distinções ao longo de uma carreira desenrolada somente ao serviço da sua amada A Bola. Entre os muitos prémios que recebeu destacam-se o facto de em 1886 ter sido distinguido pelo Presidente da República com a Medalha de Mérito Desportivo e em 1990 com a Comenda da Ordem do Infante. Foi ainda distinguido pela FIFA com a Bola de Ouro, troféu cultural que distingue os principais nomes do jornalismo.

Viria a falecer a 21 de dezembro de 1990 e dele outro vulto do jornalismo desportivo português, Alfredo Farinha, disse um belo dia: "Vítor Santos está para A Bola como São Pedro está para a Igreja Católica". Palavras para quê?

O nome de Vítor Santos faz parte da toponímia de: Lisboa (Freguesia de Carnide, ex- Rua B da Urbanização da Horta Nova); Sintra (Freguesia de Algueirão-Mem Martins).

Seria ainda homenageado pela sua terra natal, que a 30 de junho de 1995 descerrava a placa do Complexo Municipal de Piscinas Vítor Santos. 

domingo, maio 09, 2021

Museus REAIS do Futebol - Sala de Troféus do Leixões Sport Clube

Sem contar, um dia destes os caminhos profissionais levaram-se a travar conhecimento com uma pequena mas encantadora sala de troféus de um dos mais populares clubes de Portugal, o Leixões Sport Clube. Esta agremiação desportiva de Matosinhos foi fundada em 1907 e ao longo de mais de um século de história arrecadou algumas centenas de troféus, não só no futebol, a modalidade rainha do clube, como igualmente em modalidades como o voleibol, o andebol, o atletismo, o ciclismo, o bilhar, o hóquei em patins, entre outras. Troféus esses que estão religiosamente guardados no Estádio do Mar, a casa dos leixonenses. Trata-se de uma grande vitrina em formato de escada situada no auditório do clube, onde habitualmente se realizam as conferências de imprensa.


À parte da vitrina principal encontra-se guardado quiçá o troféu mais importante da história do clube, a Taça de Portugal em futebol. Título conquistado em 1961, quando o Leixões venceu por 2-0 o FC Porto em pleno Estádio das Antas. Pela importância que tem este troféu está guardado na redoma quadrada (imagem anterior), posicionado de uma forma relevante e em frente da vitrina principal. Um pouco afastado desde local encontram-se algumas fotografias em tamanho gigante do maior feito desportivo do clube, mais concretamente, com a foto da equipa vencedora da taça e do capitão leixonense a carregar o troféu. 



Pequena, como já referimos, mas ao mesmo tempo rica, ou não guardasse alguma da história de um emblema que esteve por mais de duas dezenas de ocasiões na I Divisão Nacional e que por quatro vezes participou nas competições europeias de futebol, assim podemos classificar a sala de troféus do Leixões.  

sexta-feira, maio 07, 2021

Cidades do Futebol (3)... Turim: o berço do futebol italiano onde nasceu um gigante (Juventus) e um infeliz desta vida (Torino)

Foi em Turim que o futebol em Itália nasceu
Itália é muito provavelmente o país do Mundo onde o futebol exerce uma pressão quase asfixiante sobre os seus protagonistas, o mesmo é dizer sobre jogadores e treinadores. E não são apenas os adeptos a cobrar de forma voraz os artistas da bola quando as coisas correm menos bem, já que também a imprensa desportiva detém um papel extraordinariamente feroz na hora de analisar as exibições e comportamentos de futebolistas e treinadores. Um pouco por todo o país da bota é assim há muitas décadas a esta parte.

A popularidade do futebol em Itália excede aquilo o que se vê e sente noutros países do globo, de tal maneira é a paixão fervorosa com que o Belo Jogo é encarado. E esta paixão registou-se muito antes de o futebol moderno - nascido em Inglaterra - ter visto a luz do dia, pois contrariamente ao que acontece com a maioria dos países da Europa em terras transalpinas já existia um jogo semelhante ao futebol criado por volta do século XVI, o Calcio Florentino. Era uma mistura de futebol e rugby, a partir do qual dizem muitos historiadores que viria a desenvolver-se o futebol moderno.

Efetivamente, este último só floresce em Itália no século XIX por influência britânica, tal como na maior parte do planeta, tendo como berço a região norte do país, mais concretamente na cidade de Turim, embora em Génova e Milão muitos ingleses na última década do atrás citado século dão início ao pontapé na bola em termos mais oficiais com a criação de clubes. Mas é em Turim que o futebol nasce em Itália.

Turim era então, e continua a sê-lo nos dias de hoje, uma cidade industrial, onde predomina(va) a classe trabalhadora, com uma vontade férrea de vencer sob todos os aspetos. Em contraposto está Milão, cidade ligada à moda, que sempre levou um estilo de vida com mais glamour e mais etiqueta.

Edoardo Bosio, o pai do futebol italiano

Edoardo Bosio
Mas voltemos a Turim, onde tudo começou nos anos 80 do século XIX pela mão de Edoardo Bosio, considerado por muitos como o pai do futebol moderno em Itália. Nascido a 9 de novembro de 1864 precisamente em Turim, Edoardo tinha origem helvética, já que o seu pai era suíço de nascimento. Giacomo Bosio, o progenitor de Edoardo, foi aliás fundador da primeira cervejaria em Turim, em 1845, ficando assim claro que a veia do pioneirismo estava patente no ADN da família Bosio. Edoardo começou a trabalhar na casa dos vinte anos para uma empresa têxtil sediada em Nottingham e seria na sequência da sua permanência em Inglaterra que o jovem ítalo-suíço travou conhecimento com o football que se praticava em Terras de Sua Majestade. De volta à Itália, com uma bola debaixo do braço, ele decide fundar em 1887 um clube de futebol, nascendo assim o Torino Football and Cricket Club, o primeiro emblema do futebol moderno no país da bota.

Equipado de camisa listrada vermelha e preta, este clube além de futebol permitia aos seus integrantes praticarem críquete e o remo, outra grande paixão desportiva de Bosio. Porém, é o futebol que rapidamente começa a contagiar os habitantes de Turim, e dois anos depois, em 1889, nascia o Nobili Torino, sendo que a partir daqui a atividade futebolística da cidade orbitava em torno destes dois clubes, os dois mais antigos da Itália, disputando acérrimos encontros entre eles, pelo que podemos afirmar que o Nobili Torino - Torino FCC é o clássico, ou dérbi, mais antigo da Itália.

A camisola do
Torino FCC
Voltando ao Nobili Torino, dizer que assim se chamava porque de facto os seus jogadores eram realmente nobres e aristocráticos, sendo que à frente do clube estava um almirante, de sua graça Luigi Amedeo  di Saboia, também conhecido como Duca (duque) degli Abruzzi. Dois anos e vários duelos depois as equipas de Bosio e dos nobres fundem-se para dar vida ao Internazionale di Torino que participou nos primeiros campeonatos de futebol e cuja existência foi caracterizada pelo início da rivalidade com o Genoa, dando-se assim início às rivalidades inter-cidades, tendo em conta que é na última década do século XIX que o futebol se começa a expandir por outras regiões do norte, nomeadamente Génova e Milão.

No entanto, era em Turim que o futebol continuava a crescer a olhos vistos e em 1894 nasce o FC Torinese, ao passo que a Royal Gymnastics Society of Turin (já ativa desde 1844) cria em 1897 a secção dedicada ao jogo de futebol. No mesmo ano, um grupo de jovens alunos do colégio clássico Massimo d'Azeglio fundou o Sport-Club Juventus, escolhendo como manto sagrado um elegante uniforme rosa com gravata ou taramelo. Mal sabiam que estavam a dar o primeiro passo de um clube que com o passar das décadas se haveria não só de tornar no emblema mais popular e laureado de Itália como um dos maiores de todo o Mundo, a Vecchia Signora (a Velha Senhora), a toda poderosa Juventus.

Início da competição futebolística em Itália acontece em Turim

O Torinese em 1894
É igualmente em Turim que em 1898 acontece um facto histórico no futebol transalpino, já que este é o ano em que se realiza o primeiro campeonato italiano, organizado sob a batuta da Federação Italiana de Futebol, nascida precisamente em 1898, em Turim, sendo que um dos seus fundadores foi precisamente Edoardo Bosio. E para o primeiro grande torneio nacional quatro equipas mediram forças entre si no sentido de apurar o primeiro campeão de Itália, nomeadamente o Internazionale di Torino, o FC Torinese, o Royal Gymnastics Society of Turin e o Genoa Cricket and Football Club. Foi um torneio eliminatório envolvendo estes quatro clubes, sendo que todos os três jogos foram disputados no Velódromo Umberto I, em Turim, a 8 de maio ao longo de um só dia. O vencedor e consequentemente o primeiro campeão italiano foi o Genoa, que na final bateu o Internazionale di Torino por 2-1 após prolongamento.

Fase de um no Velódromo Umberto I
O Velódromo Umberto I tornou-se assim na primeira grande catedral do calcio italiano, um recinto com capacidade para 15.000 espectadores que havia sido construído em 1895 e destinado ao ciclismo, mas que a partir de 1898 começa a acolher jogos de futebol. Estava localizado no bairro La Crocetta de Torino, dentro do parque Corso Re Umberto, próximo ao hospital Mauriziano. Entre 1904 e 1906 torna-se no campo de ação da Juventus, tendo sido ali que em 1905 a Juve venceu o seu primeiro scudetto (campeonato de Itália). Edoardo Bosio não foi apenas o introdutor do futebol em Itália, ele também foi um dos primeiros intervenientes no retângulo de jogo, tendo participado nas três primeiras edições do campeonato italiano: em 1898 e 1899 pelo Internazionale di Torino e em 1900 pelo FC Torinese. É ele quem marca o  primeiro golo da história do campeonato italiano de futebol, um golo que permitiu ao Internazionale Torino vencer o FC Torinese por 2-1. Precisamente em 1900 o Internazionale di Torino  é absorvido pelo FC Torinese, que, por sua vez em 1906 acolheu um grupo de dissidentes que tinham deixado a Juventus para dar vida a Torino Football Club.

Equipa da Juventus que em 1905 venceu o seu primeiro scudetto

Estávamos a 3 de dezembro quando na Cervejaria Voigt, na via Pietro Micca, se estabeleceu uma aliança entre os membros do FC Torinese e alguns dissidentes da Juventus, que assim deram vida ao Torino FC. Dez dias depois, o novo clube disputa o seu primeiro jogo contra o Pro Vercelli, e o Toro vence por 3-1.

Juve mais vitoriosa mas o coração dos nativos de Turim é do Toro

Um dos primeiros dérbis de Turim
Com o passar dos anos a Juventus tornou-se no mais popular e laureado clube de Itália, como já referimos, o clube com mais seguidores em toda o país, sendo que um estudo elaborado em 2007 pelo Instituto Demos-Eurisko dava conta de que a Vecchia Signora tinha em solo italiano 16,3 milhões de adeptos, querendo isto dizer que em cada três adeptos um era da Juve. Este clube construiu um palmarés impressionante até aos dias de hoje, sendo que em todas as décadas desde os anos 20 do século passado sagrou-se campeã nacional, a título de exemplo. Apesar desta popularidade nacional e internacional, não é a Juventus a deter os corações dos verdadeiros nativos de Turim, mas antes o Torino. Tal facto não tem a ver com o número de títulos conquistados, até porque os cetros da Juve são muitos mais do que os do Toro, mas antes pelo envolvimento destes últimos com a cidade, o que lhes valeu a preferência dos adeptos locais. E este aspeto tem uma razão de ser, a qual acontece em 1905, ano em que a Juventus celebra o seu primeiro título de campeão nacional, tendo os seus dirigentes pensado na ideia de levar o clube para fora de Turim, algo que acabou por criar um mau estar não só na cidade como no seio do próprio clube, tendo alguns dos seus integrantes decidido desertar e fundar um novo clube, e assim um ano mais tarde surgia o Torino FC. Os adeptos da cidade passaram então a encarar o Toro como um clube mais envolvido com Turim, ao passo que a Juve passou a granjear o ódio em todas as esquinas da cidade mesmo com todo o sucesso que ia conquistado pelo país fora.   

Porém, o Torino também provou do sabor da glória em algumas ocasiões. o primeiro marco histórico chegou em 1927 quando venceu o primeiro scudetto, um feito repetido um ano depois.

O nascimento do Grande Torino dos anos 40

A equipa do Grande Torino

No entanto, a era dourada do Toro acontece nos anos 40, altura em que é tida não só como a melhor equipa de Itália como de toda a Europa. É a era do Grande Torino, da equipa que venceu quatro campeonatos consecutivos entre 1946 e 1949, além de praticar um futebol vistoso que lhe valeu o título de melhor equipa do Mundo por parte de adeptos, meios de comunicação social e até mesmo dos rivais.

Sob a batuta do lendário treinador Vittorio Pozzo, Il Grande Torino era liderado dentro do campo pelo carismático avançado Valentino Mazzola. Inúmeras façanhas ficam na memória de todos aqueles que viram as obras de arte do Toro na mítica década de 40, a título de exemplo os 125 golos apontados em 47/48, ou a vitória da Itália sobre a então superpotência Hungria em que a Squadra Azzurra era composta por 10 jogadores do Torino. Mas a história deste clube tem tanto de glorioso e mágico como de trágico como mais à frente iremos ver nesta visita a Turim.

Combi
No início do século XX, mais concretamente em 1902, nasce em Turim aquela que pode ser considerada como a primeira lenda, o primeiro grande futebolista a nível nacional e internacional nascido na cidade: Giampiero Combi, o primeiro grande astro das balizas do futebol italiano. Nascido a 20 de Novembro de 1902, Combi desenvolveu toda a sua carreira ao serviço da Juventus, clube por onde percorreu todos os escalões de formação até chegar à formação sénior em 1922. Aí chegado nunca mais largou a baliza da “Velha Senhora” até à data da sua retirada, tendo-se tornado num dos futebolistas de referência do gigante emblema italiano. Durante as 12 temporadas em que defendeu com brilho as cores da Juve venceu cinco scudettos, sendo que o primeiro deles surgiu na época de 1925/26. Os restantes quatro títulos nacionais seriam alcançados na sequência de um poker efetuado pela Juve entre 1930 e 1934.

Apesar de não ser um guarda-redes muito alto – media 1,71m – Combi primava por uma robustez física impressionante que aliada à sua garra e determinação em jogar futebol, por vezes nas condições mais adversas, fizeram dele um dos atletas mais venerados pelos tiffosi (adeptos) daquela altura. Recorde-se neste aspecto uma partida contra o Modena onde actuou com três costelas partidas e um outro encontro ante a Cremonese onde jogou com várias vértebras danificadas.

Possuindo na época um dos conjuntos mais fortes do calcio não era de estranhar que a Juventus fosse um dos principais fornecedores de jogadores às seleções italianas dos anos 30. Uma década de extrema glória para os azzurri que como se sabe arrecadariam dois títulos mundiais (1934 e 1938). E no primeiro deles Combi assumiu-se como um dos atores principais da épica conquista italiana. A jogar em casa a squadra azzurra do lendário treinador Pozzo foi capitaneada e comandada desde a baliza, o mesmo é dizer por Giampiero Combi que nos céus de Roma teve a honra de erguer a primeira Taça do Mundo arrecadada pela Itália. Pela azzurra actuou por 47 ocasiões, tendo-se estreado em 1924 num jogo ante a Hungria, em Budapeste. Para além do título Mundial conquistaria ainda pela equipa nacional a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1928 (Amesterdão).

Abandonou a carreira de futebolista aos 32 anos com um total de 367 jogos no currículo disputados com as cores da sua Juventus. Penduradas as chuteiras Combi continuou ao serviço da Juve por vários anos quer como olheiro quer como colaborador técnico. Morreu em 1956 devido a um enfarte, numa altura em que colaborava com o recém eleito presidente da Juve Umberto Agneli que procurava recolocar a “Velha Senhora” no caminho do sucesso depois de uma fase menos boa do nobre emblema transalpino.

Juve e Toro estabeleceram-se no sul da cidade, com os estádios separados por uma rua. E por falar em estádios não podemos deixar de falar de dois palcos que tiveram uma enorme importância no futebol não só de Turim como da própria Itália.

Communale e Filadelfia, duas catedrais míticas da cidade

Uma imagem atual do Stadio Olimpico
O primeiro viu a luz do dia em 1933, tendo sido construído para o Mundial de1934, e hoje em dia dá pelo nome de Estádio Olímpico, outrora também conhecido como Estádio Communale (municipal). Nesse Mundial de 34 era designado como Benito Mussolini, e tinha capacidade para 65.000 pessoas, tendo acolhido dois jogos do certame, o Áustria - França e o Checoslováquia - Suíça. após a II Guerra Mundial mudou de designação, passando a chamar-se apenas Stadio Communale di Torino, tendo sido na maioria das vezes a casa da Juve.

Este recinto foi palco não só de dezenas de conquistas nacionais como também das primeiras vitórias da Vecchia Signora a nível internacional, e neste aspeto podemos lembrar a primeira conquista europeia, acontecida em 1977, mais concretamente a Taça UEFA, sendo que na primeira mão, ocorrida em Turim, a Juve bateu por 1-0 ao Athletic de Bilbao, tendo perdido a segunda mão em San Mamés por 1-2, mas beneficiando do golo obtido fora de portas para levantar o primeiro caneco internacional. O Communale de Turim foi ainda palco de três encontros do Europeu de 1980, organizado pela Itália, tendo ficado lembrado pelos tristes episódios de holliganismo proporcionado pelos adeptos ingleses cujo quartel general foi instalado precisamente em Turim, onde a seleção dos Três Leões efetuou dois encontros. Com a construção do Estádio Delle Alpi e mais recentemente com a edificação do moderno Juventus Stadium o Communalle perdeu algum brilho, pese embora tenha sido recentemente modernizado para servir de casa ao Torino.

Estádio Filadelfia
Porém, a casa mais emblemática do Toro foi o Estádio Filadélfia, precisamente onde a equipa do Grande Torino encantou as multidões que ali se deslocavam na década de 40. A construção do "Fila", como era conhecido pelos adeptos do Toro, ​​remonta a 1926, a mando do Conde Enrico Marone de Cinzano, presidente do Torino. A obra é de Miro Gamba. 

É um recinto com uma arquitetura muito simples nos sistemas e estruturas, com o aparato decorativo reduzido ao mínimo e limitado ao mastro da bandeira na entrada. A inauguração ocorreu no dia 17 de outubro do mesmo ano, na presença do Príncipe Umberto, da Princesa Maria Adelaide e mais de 15.000 espectadores.

O Filadelfia está intimamente ligada à epopeia do Grande Torino, sendo que para qualquer adversário deste clube sair na década de 40 do Filadélfia invicto era considerado um verdadeiro feito. Ao longo de mais de seis anos o Toro nunca perdeu neste campo.

O desastre aéreo de Superga que acabou com Il Grande Torino

Destroços do avião que transportava 
a equipa do Toro
Esta verdadeira catedral da bola como que morreu com o trágico desaparecimento do Grande Torino no final da década de 40.

A 4 de maio de 1949 o avião Fiat G212 partiu de Lisboa levando a bordo toda a equipa desse mítico Toro. Esta tinha disputado na capital portuguesa um encontro amigável com o Benfica, em homenagem a Francisco Ferreira. O avião transportava 31 passageiros, dos quais 18 eram jogadores do Torino, havendo mais seis homens ligados ao clube e ainda três jornalistas que acompanharam a equipa a Lisboa.

Debaixo e chuva torrencial e nevoeiro cerrado o avião foi visto a sair de um banco de nuvens e a embater na Basílica de Superga, nas montanhas a leste de Turim. Não houve sobreviventes. Esta tragédia feriu o coração não só dos adeptos do Toro mas todos os que gostavam de futebol, foi na verdade um choque para toda a Itália, e a prova disso é que dois dias após o acidente realizou-se o funeral dos jogadores, no Palazzo Madama, tendo a ele assistido meio milhão de pessoas. Esta tragédia pôs fim à melhor equipa de sempre do Toro, e uma das mais brilhantes que o Belo Jogo já teve em termos planetários, tendo o clube passado as duas décadas seguintes afundado no meio da tabela classificativa. Só na década de 70, em 1976 mais concretamente, o Toro volta a dar sinais da sua vitalidade desportiva, quando se sagrou pela última vez, até à data, campeão de Itália. Aliás, a história do Torino está escrita com sangue, não só o que foi derramado em Superga mas igualmente na década de 60, quando um dos maiores símbolos do clube dentro das quatro linhas morreu ainda jovem vítima de um atropelamento rodoviário. O seu nome era Gigi Meroni, considerado então um dos maiores talentos do país.

Juve campeã da Europa em 85
Com o fim do Grande Torino a Juventus ocupou o lugar do seu rival da cidade, muito por culpa da família Agneli, donos do império FIAT. Esta família fez da Juve um colosso à escala planetária, sobretudo a partir das décadas de 70 e 80 do século passado, com contrataçãod e alguns dos melhores futebolistas do Mundo, como Sivori, Boniek, Platini, Altafini, Scirea, ou Paolo Rossi. Na década de 80 a Juve tornou-se, a título de exemplo, na primeira equipa europeia a vencer as três competições da UEFA, isto é, a Taça dos Clubes Campeões Europeus (em 1985), a Taça das Taças (em 1984) e a Taça UEFA (que havia vencido pela primeira vez em 1977). Nos anos 90 a Juventus enriqueceu as suas vitrinas com mais uma Taça dos Campeões Europeus (em 1996), e duas Taças UEFA (em 90 e 93), graças à ajuda de lendas como Roberto Baggio, Zidane, Didier Deschamps, Paulo Sousa, Del Piero, entre outros astros que vestiram a mítica camisola bianconera (preto e branca).

Enquanto a Juventus era cada vez mais um colosso à escala mundial o Torino deambulava ora pela Série B (2.ª divisão) ora pelo meio da tabela da Série A (1.ª divisão), sendo que a última grande campanha do clube foi na temporada de 1991/92 quando chegou à final da Taça UEFA perdida às mãos do Ajax. Os reveses económicos relegaram o Toro para uma equipa ió-ió, isto é, sobe e desce entre as Séries A e B.

Stadio Delle Alpi, hoje demolido
Por esta altura ambos os clubes partilhavam a mesma casa, isto é, o Estádio Delle Alpi, construído em 1990 juntos das montanhas dos Alpes para acolher jogos do Mundial de 1990, realizado em Itália. Com capacidade para 71.000 espectadores o recinto recebeu cinco partidas desse Mundial, inclusive a célebre meia-final entre Alemanha e Inglaterra. Considerado um dos recintos mais frios do Velho Continente não só pelas baixas temperaturas que se fazem sentir naquela zona mas também porque as suas bancadas registaram quase sempre baixas assistências, mesmo nos jogos grandes da Juve, pelo que foi demolido em 2009. A Juventus comprou por 25 milhões de euros o estádio ao Município de Turim, para no lugar dele erguer em 2011 o ultramoderno Juventus Stadium, onde atualmente disputa os seus jogos. recinto este que acolheu já uma final europeia, em 2014, quando o Benfica foi ali derrotado nas grandes penalidades pelo Sevilha na Liga Europa.

Dérbi Della Mole
Juve e Toro seguiram caminhos distintos ao longo dos anos, no entanto, sempre que se encontram no chamado dérbi Della Mole a rivalidade entra em campo e atinge proporções enormes, ou não fosse este o dérbi mais antigo de Itália e considerado o de maior risco.