Uma imagem de um dos muitos dérbis de Évora |
Por tudo isto e por muito mais, jogar um dérbi é sempre especial para qualquer artista da bola, e mais especial se torna quando esse artista tenha já estado dos dois lados da barricada! Este facto faz-nos viajar até Évora, capital do Alto Alentejo, e berço de dois históricos do futebol português, o Lusitano e o Juventude. Clubes que dividem a Cidade a meio no que a paixões futebolísticas toca. Lusitano e Juventude são hoje dois clubes centenários, detentores de uma história repleta de grandes acontecimentos que enobreceram o futebol alentejano. O Lusitano Ginásio Clube é, por exemplo, o clube do Alentejo com mais presenças na 1.ª Divisão Nacional. Pelo mítico Campo da Estrela - casa do popular emblema - passaram entre 1952 e 1966 nomes como Eusébio, Coluna, ou Simões que ali tiveram de suar para levar de vencidos os bravos rapazes que nesses anos envergavam com orgulho e raça a camisola verde-e-branca (listada) do Lusitano.
Tal como Liverpool, Évora tem a particularidade de ver as casas, vulgo estádios, dos seus dois emblemas separados por escassos metros. De um estádio vê-se o seu homólogo da Cidade. Aliás, o parque de estacionamento do Campo da Estrela é um camarote privilegiado para o Estádio Sanches Miranda, a mítica casa do Juventude Sport Cube, emblema que apesar de nunca ter pisado palcos de primeira (divisão) trouxe para Évora em 1951 um título de campeão nacional da 3.ª Divisão.
Os mantos sagrados de Lusitano e Juventude |
Mas para falar das emoções à volta dos dérbis nada melhor do que ouvir quem os viveu por dentro, seja na condição de adeptos ou de jogador, ou neste caso dos dois, já que o nosso convidado além de ter tido a honra de vestir as duas camisolas é um filho de Évora. Sem mais demoras passemos a palavra a Joaquim Macarrão, defesa que nos anos 80 brilhou com as cores do Lusitano e do Juventude e que nesta visita ao Museu desfiou algumas memórias sobre o dérbi eborense.
Joaquim Macarrão |
Joaquim Macarrão (JM): Sou do Lusitano, mas o Juventude marcou-me muito! Tinha um tio que era todo lusitanista e os meus colegas que tal como eu moravam no (bairro) Frei Aleixo também eram. Foi assim que começou a paixão pelo Lusitano ainda em pequeno. Comecei o meu trajeto no futebol nas camadas jovens do Lusitano ainda muito novo, aliás, fiz a minha carreira toda no Lusitano desde os iniciados até à entrada nos seniores.
MVF: Por norma os dérbis, sejam de que cidade forem, são sempre escaldantes, vividos intensamente pelos adeptos. E em Évora, como eram vividos os dérbis?
JM: Os dérbis eram muito marcantes, muito intensos, e falo quer como ex-jogador, quer como adepto. As pessoas passavam por nós (jogadores) e diziam-nos que tínhamos que ganhar o dérbi. Era um ambiente mesmo muito emotivo. Eram jogos diferentes onde a emoção era muito grande. Nós quando entrávamos para o campo este estava repleto de gente e a emoção era muito forte.
Um plantel do Lusitano na década de 80 onde estava incluído Macarrão |
JM: Para mim o Carlos Alhinho foi como um pai! Foi um treinador que me marcou muito. Se não fosse ele tinha sido dispensado (assim que chegou a sénior). Por isso ele teve um papel muito importante na minha carreira, porque se calhar ao ser dispensado tinha ficado por aí na minha carreira de futebolista. Ele deu-me muita confiança.
Macarrão (na fila de baixo ao meio) com as cores do Juventude |
JM: O Juventude fez-me uma proposta muito interessante tanto a nível profissional como financeira.
MVF: … E quando decidiu trocar de clube na cidade, o seu coração de lusitanista não pesou na decisão, não pensou duas vezes? Ou seja, não pensou que estava a trair o seu clube do coração?
JM: Um bocadinho, mas precisava de mudar. Porquê? Porque as pessoas acabam por não nos dar valor, acabamos por ser apenas mais um. Senti que no Lusitano não me estavam a dar o devido valor, e no Juventude foi muito bom. No Juventude tínhamos uma equipa muito boa, tanto a nível profissional como ao nível de camaradagem entre colegas e foram anos muito bons que lá passei. Na altura foi uma decisão difícil a de trocar o Lusitano para o Juventude, mas acho que foi acertada. Acho que na vida há alturas em que temos de arriscar.
MVF: Depois disso viajou para o norte onde representou durante 6 épocas o Vizela mas na parte final da carreira voltou a Évora para o Juventude. Olhando para trás, qual o clube que mais o marcou, o Juventude ou o Lusitano e porquê?
JM: O Juventude. Passei lá anos muito bons, tínhamos uma equipa muito boa, as pessoas trataram-me muito bem, tanto os adeptos como a direção.
MVF: O que significava, ou significa, para um jogador do Lusitano, ou do Juventude, ganhar ao vizinho e rival?
JM: É a melhor coisa para quem é de Évora, tem um sabor especial.
MVF: Tem alguma história curiosa de um dérbi que queria partilhar connosco?
JM: Lembro-me de uma história, mas foi num jogo com o Reguengos, na altura em que jogava no Juventude, em que o jogo estava a acabar e alguém da bancada apitou, eu pensei que foi o árbitro a fazê-lo, agarrei a bola na mão e fiz penalty (risos). Empatámos esse jogo 2-2.
MVF: Há alguns anos que o futebol alentejano está afastado dos grandes palcos. Na sua opinião o que faz falta para que o Alentejo volte a ter o seu nome na elite do nosso futebol?
JM: Mais apoios. No norte as pessoas, os empresários, as câmaras, apoiam muito o futebol. Aliás, quando cheguei ao norte uma das coisas que senti muito em relação a Évora é que no norte as pessoas vivem muito o futebol e no Alentejo na minha opinião não é assim. As pessoas no norte são muito fanáticas pelo futebol.