Algoth Niska |
Algoth NISKA (Finlândia): A par das Ilhas
Faroé, a Finlândia carrega o estatuto de parente
pobre do futebol escandinavo.
Do país
dos mil lagos – o território finlandês tem aproximadamente 188 000 lagos –
pouco reza a história do belo jogo, não reservando mais, talvez, do que pouco
mais do que um par de capítulos onde (na maior parte deles) a personagem
principal dá pelo nome de Jari Litmanen, considerado o melhor futebolista da
História da Finlândia, o qual durante duas décadas (1990-2010) brilhou não só
com a camisola da frágil seleção escandinava como também assumiu papéis
preponderantes em equipas de renome mundial como o Ajax, Liverpool ou
Barcelona.
Porém,
o talento de Kuningas (Rei) – como ficou eternizado Litmanen no desporto
do seu país – não foi suficiente para conduzir a nação finlandesa a uma fase
final de um Mundial ou de um Europeu, estando neste ponto ao mesmo nível das
Ilhas Faroé, como os dois únicos países nórdicos que nunca disputaram qualquer
uma das referidas competições internacionais.
Houve,
no entanto, um período da sua história (desportiva) que a Finlândia teve a
honra – e o privilégio – de partilhar o palco principal do futebol a nível
planetário com as melhores seleções mundiais. Facto ocorrido numa época em que
tanto o Mundial como o Europeu ainda não haviam visto a luz do dia, e
que a nata do futebol mundial se reunia de quatro em quatro anos nos torneios
olímpicos, para muitos, o embrião do
atual Campeonato do Mundo FIFA. Estávamos em 1912, ano em que Estocolmo é palco
da 5.ª edição dos Jogos Olímpicos da Era
Moderna, tendo a competição futebolística, cujo vencedor era endeusado como
o campeão do Mundo, sido integrada por 11 combinados nacionais, entre eles a
estreante Finlândia, ou melhor o Grão Ducado da Finlândia, na altura um Estado
que integrava o Império Russo, mas que nestes Jogos competiu como nação
autónoma!
Teoricamente
olhada como um outsider neste torneio olímpico de 1912, em comparação com os
então pesos-pesados do Planeta da Bola, Itália, Áustria, Dinamarca,
Hungria ou a Grã-Bretanha (campeã olímpica em título), a Finlândia partia para
esta missão com o intuito de aprender com os melhores no palco mais imponente
do desporto rei planetário.
Só
que... o aluno superou o mestre, e no fim os gélidos rapazes do norte da Europa
alcançaram um impensável quarto lugar, ficando muito perto de uma histórica
medalha. O memorável trajeto dos nórdicos começou com o derrube da potência
Itália, liderada (tecnicamente) pelo então emergente génio da tática Vittorio
Pozzo (que duas décadas mais tarde levaria a Squadra Azzurra ao topo do
Mundo com a conquista de dois Campeonatos do Mundo consecutivos), seleção esta que
caiu no prolongamento aos pés dos nórdicos por 2-3. A surpresa estava
instalada. Mas iria ganhar contornos maiores quando nos quartos-de-final o
sorteio ditou que o Grão Ducado da Finlândia enfrentasse a... Rússia! No Tranebergs
Idrottsplats Stadium (um dos três recintos que acolheu o torneio olímpico
desse ano) os súbitos do Império Russo levaram ao tapete os czars graças
a um triunfo por 2-1. Que atrevimento (!) terão pensado algumas figuras do
Poder localizado em Moscovo.
Sem
querer entrar em pormenores daquele que é considerado o maior feito do futebol
finlandês em mais de um século de história, até porque sobre o torneio olímpico
de 1912 já aqui falámos (https://bit.ly/2Cbo4cg), resta dizer que o sonho de
chegar ao título mundial acabou nas mãos dos favoritos britânicos, que nas meias-finais
da competição vergaram os finlandeses a quatro golos sem resposta. A mais bela
página do futebol da nação nórdica terminou às mãos da Holanda, que sob a
batuta de um endiabrado Jan Bos (autor de cinco golos nesse encontro) arrecadou
a medalha de bronze na sequência de uma estrondosa vitória por 9-0.
Esta
breve resenha leva-nos à história de vida de uma das principais figuras dessa
mítica caminhada olímpica por parte da Finlândia. Talvez, para muitos
conhecedores da história do belo jogo
finlandês, ele foi a primeira superstar daquele
país. E com uma boa dose de loucura e rebeldia à mistura, como já iremos
perceber.
Algoth
Niska, a sua graça. Este nativo de Viipuri, nascido em 1888, desenvolveu ao
longo da sua vida duas paixões, o futebol e o mar.
A morte
de seu pai fez com que ainda adolescente, com 15 anos, se mudasse com a
restante família para Helsínquia, tendo ali seguido os passos do seu
desaparecido progenitor, no que às aventuras marítimas dizia respeito. O pai de
Algoth fora capitão da marinha.
Ainda
jovem, a nossa figura lançou-se em aventuras pelo imenso oceano, tornando-se
com o passar dos anos um marinheiro experiente: conheceu países e adquiriu o
conhecimento de vários idiomas.
Quando
não estava em alto mar, Niska dava azo à sua outra paixão: o futebol. Neste
ponto não existem muitos documentos sobre a sua carreira futebolística, apenas
que era esquerdino, atuando como extremo no ataque das equipas por onde passou.
A
primeira coroa de glória nos gélidos
retângulos nórdicos do navegador/futebolista foi alcançada em 1908, ano em que
é disputado o primeiro campeonato nacional da Finlândia, tendo o Unitas Sports
Club sagrado-se o primeiro campeão da história daquela nação. Uma das estrelas
desse conjunto era Algoth Niska, que se havia juntado ao Unitas dois anos após
se ter mudado para Helsínquia. Ali esteve até 1909, altura em que troca de
camisola. Muda-se então para o Helsingfors, por aquela altura já um dos mais
populares emblemas da capital finlandesa.
É já na
década seguinte que Niska alcança a fama que ainda hoje detém na História do
seu país. E esse estatuto pode ser dividido em três atos: as Olimpíadas de 1912, a desobediência à lei que proibia a
venda de bebidas alcoólicas na Finlândia - que entrou em vigor em 1919 – e o
salvamento de judeus das mãos dos nazis no arranque da II Guerra Mundial.
Niska, ao meio, em Estocolmo 1912 |
O
primeiro ato já foi esmiuçado na
introdução desta viagem ao passado, tendo Niska sido um dos 15 jogadores que em
Estocolmo escreveram a página mais brilhante da seleção nacional finlandesa.
O
extremo-esquerdo nascido em Viipuri jogou nas quatro partidas que o combinado
nórdico efetuou naquele que era então o evento mais importante do calendário
futebolístico planetário.
No
plano futebolístico a estrela de Niska praticamente se eclipsou após a
olimpíada, sendo apenas de realçar a conquista do seu segundo título de campeão
nacional, em 1916, ao serviço do Kiffen, o último emblema que se lhe conhece.
Algoth
continuava paralelamente cada vez mais ligado ao mar e quando a I Guerra
Mundial terminou ele obtém uma formação académica na Escola de Navegação de
Helsínquia. E eis que chegamos a 1919, ano em que entra em vigor na Finlândia a
Lei da Proibição, uma legislação que proíbe a venda de bebidas alcoólicas
naquele país, sendo que na Suécia, embora essa venda não fosse proibida, havia
regras rígidas quanto à comercialização de bebidas alcoólicas.
Com a entrada
da lei os lojistas/vendedores de bebidas alcoólicas de Helsínquia logo trataram
de despachar a mercadoria por 3 reis de
mel coado, já que as bebidas teriam de ser eliminadas de circulação com a
entrada da lei.
Um
desses comerciantes vendeu todo o seu vastíssimo stock de álcool a Niska, que a partir daqui abraçava uma nova
profissão: a de contrabandista. Fazendo jus à sua condição de marinheiro
experiente, ele aventurou-se nos mares escandinavos vestindo a pele de pirata do contrabando (de bebidas
alcoólicas).
Viajando
entre a Finlândia e a Suécia - e em algumas ocasiões também para a Alemanha - Niska
enfrentou nos anos que se seguiram o perigo dos mares, e este perigo em duplo
sentido, isto é, à turbulência dos mares nórdicos ele também tinha de driblar a
atenta vigilância da polícia marítima.
Da sua
clientela constava a aristocracia sueca e finlandesa, e a certa altura do
negócio quando o stock começava a
faltar, Niska já conhecia de cor e
salteado os armazéns clandestinos
onde podia abastecer a sua embarcação.
Algoth
Niska era na década de 20 do século passado um afamado pirata do contrabando de álcool e talvez por isso a marcação
serrada da polícia marítima fosse cada vez mais intensa. Até à Lei da Proibição
ser revogada, em 1932, Niska não saiu sempre vencedor dos confrontos com as
autoridades, tendo sido detido e preso algumas vezes, quer na Finlândia, quer
na Suécia.
Niska, os barcos e o mar, uma ligação aventureira |
Com a
revogação da lei o contrabando de bebidas alcoólicas deixou de ser produtivo e
o pirata dos mares nórdicos com queda
para a bola teve de se dedicar a outro negócio: salvar judeus das garras dos
nazis na Alemanha.
Tornou-se
numa espécie de Aristides de Sousa Mendes da Finlândia, mas no seu caso fê-lo para
ganhar a vida. Com o início da II Guerra Mundial, Niska começou a forjar e
contrabandear passaportes finlandeses para que os judeus pudessem abandonar o
território alemão rumo à Finlândia, no sentido de fugirem do Holocausto. Esta
sua atividade clandestina terminou quando um dos judeus contrabandeados foi
descoberto na fronteira finlandesa e Niska passou a estar debaixo de olho das
autoridades policiais. Conta-se que terá salvo cerca de meia centenas de judeus
da morte com esta sua atividade comercial, por assim dizer.
Depois
disto, pouco ou nada se ouviu falar deste homem, a não ser a 28 de maio de
1954, dia em que foi noticiada a sua morte após uma batalha perdida contra um
tumor cerebral que lhe havia sido diagnosticado um ano antes.