É opinião partilhada por muitos dos estudiosos do fenómeno futebolístico do nosso burgo que os anos 20 do século passado trouxeram a maturidade ao então jovem futebol português. Com a expansão da mancha clubística um pouco por todo o país a modalidade começou a acorrentar a si contornos de maior competitividade e interesse com a disputa das primeiras competições ao nível de clubes. Longe pareciam já estar os tempos dos primeiros ensaios que procuravam decifrar os mistérios daquele jogo trazido de Inglaterra na década de 80 do século XIX por Guilherme Pinto Basto, com o povo mais do que familiarizado com a modalidade a mostrar-se nos inícios do século seguinte completamente rendido a ela!
Os duelos entre clubes vizinhos sucediam-se em catadupa, e em volta deles alastrava a fervorosa massa adepta que com o seu entusiasmo conferia uma vida singular às primeiras catedrais – o mesmo é dizer estádios – da bola então construídas.
O mapa futebolístico português começava pois a ser desenhado com maior vivacidade, pese embora com traços de cariz regional. Foram pois regionais os primeiros confrontos a “doer”, os primeiros títulos, as primeiras histórias...
A temporada de 1906/07 assinala o arranque do 1º Campeonato de Lisboa no qual participaram o popular CIF (Clube Internacional de Futebol) fundado pela família Pinto Basto, o Sport Lisboa, o Lisbon Cricket Club e o Carcavelos Club, cabendo a este último emblema a honra de inaugurar a lista de campeões regionais da capital do país.
Estava assim dado o pontapé de saída nas competições regionais, que com o passar dos anos se iam multiplicando por outras regiões nacionais. Com a popularidade dessas mesmas competições surgiu nos anos 20 como que um apelo à criação de uma prova de maior dimensão, um torneio capaz de transpor a fronteira da regionalização, por assim dizer, de colocar frente a frente os pesos pesados locais num certame de âmbito... nacional.
O título de rei da região era já pequeno demais, sabia a pouco, os clubes, os jogadores e sobretudo os adeptos queriam mais, queriam ser os melhores do país. A Associação de Futebol de Lisboa toma mesmo a iniciativa de desafiar a sua congénere do Porto para um “match” entre Benfica e FC Porto, um repto que no entanto seria recusado por estes últimos, muito por culpa do diferendo que opôs sulistas e nortenhos aquando da escolha dos jogadores para integrar a primeira seleção nacional que enfrentou a Espanha em 1921, episódio esse aliás já aqui recordado no Museu Virtual do Futebol . Estava dado contudo o impulso para a criação de uma prova de cariz nacional, capaz de colocar em confronto os melhores clubes e os melhores atletas de cada região.
O nascimento do Campeonato de Portugal
E eis que na época de 1921/22 nasceu aquela que é considerada como a primeira competição de essência nacional: o Campeonato de Portugal. Vencê-lo significava ostentar a coroa de rei de Portugal no futebol. Não foi contudo um parto fácil, já que por aquelas alturas o futebol era desenvolvido de uma forma mais oficial e séria apenas nas associações de futebol de Lisboa e do Porto, e a espaços no Funchal e no Algarve, já que no resto do país a organização do futebol não era mais do que uma miragem. A União Portuguesa de Futebol (UPF) – antecessora da atual Federação Portuguesa de Futebol – sentiu pois algumas dificuldades em colocar em prática a sua ideia, dificuldades essas que no entanto não se afigurariam como entrave para a realização do primeiro CAMPEONATO DE PORTUGAL. Um campeonato integrado apenas pelos campeões regionais das duas associações que levavam mais a sério, por assim dizer, o fenómeno futebolístico em termos de competições organizadas, Lisboa e Porto, já que as associações do Funchal e do Algarve alegariam dificuldades económicas para explicar a não adesão à prova.
A representar as duas principais urbes de Portugal estiveram dois ilustres senhores do futebol lusitano, Sporting e o FC Porto. Ficou assente que o título nacional seria disputado em duas mãos, uma na capital outra na Cidade Invicta, cabendo a esta última as honras de receber o primeiro encontro.
No dia 4 de junho de 1922 o Porto vestiu-se de azul e branco na esperança de ver o seu clube ser o campeão de Portugal e acima de tudo levar a melhor sobre a “rival” Lisboa.
O relógio marcava 16h15 de uma tarde cinzenta salpicada com pingos de chuva. O público nortenho dava largas ao seu entusiasmo e paixão pelo emblema da cidade nas repletas bancadas do Campo da Constituição à espera de uma batalha – muitos encaravam-na dessa forma, ou não estivessem frente a frente os cavaleiros do Porto e de Lisboa – que deveria ter começado às 15h00, não fosse o atraso de um dos melhores jogadores portistas de então, João Nunes, que aproveitara aquele célebre domingo para dar um salto à... romaria do Senhor de Matosinhos. Pequeno atraso que não esmoreceu os intervenientes do encontro que sob a arbitragem de um inglês (Merick Barley) seria ganho pela equipa da casa por 2-1. Portistas que até estiveram a perder, na sequência de um golo de Emílio Ramos, aos 9 minutos, conseguindo no entanto dar a volta ao marcador graças a um “bis” de Tavares Bastos, primeiro aos 25 minutos e o segundo quase em cima do apito final, ao minuto 86.
De pronto foram lançados foguetes pelos eufóricos adeptos portuenses, sim portuenses e não portistas, porque esta foi uma vitória de toda a Cidade do Porto sobre a capital Lisboa, mais parecendo um S. João antecipado.
Sobre a histórica tarde o célebre Ribeiro dos Reis escreveria que: «o jogo decorreu em ambiente apaixonadíssimo, de que os lisboetas, no regresso, se queixaram amargamente». Pudera! Mas nada estava ainda perdido para os campeões de Lisboa.
No domingo seguinte (11 de junho) deu-se a segunda parte da batalha, desta feita em terras alfacinhas, mais precisamente no Campo Grande que em resposta ao cenário edificado uma semana antes no Porto se apresentou cheio como um ovo. Só que desta feita num ambiente 100 por cento hostil para os nortenhos. Outra coisa não seria de esperar, já que era agora a vez do Sporting jogar diante das suas gentes.
Para este jogo a UPF escolheu um árbitro espanhol (!), Montero de seu nome. Empolgados pelo seu público os leões vingaram a derrota na Constituição ao vencer por 2-0 com golos de Henrique Portela e Torres Pereira.
O “tira teimas” pendeu para o FC Porto
Com a contenda empatada a UPF viu-se forçada a agendar um terceiro e decisivo encontro
para uma semana mais tarde (18 de junho). Foi então sorteado o local do “tira teimas”, tendo a sorte ficado posteriormente do lado do FC Porto já que o palco da finalíssima foi o Campo do Bessa, situado no... Porto. Mas nem o facto de ter de viajar novamente até ao terreno do rival parece ter incomodado as gentes de Lisboa, e muito em particular a imprensa da capital, a qual a julgar pelo que viu no Campo Grande não tinha dúvida em rotular o Sporting como o principal candidato à vitória. «Vaticinamos nova vitória para o Sporting, pois o FC Porto é, inegavelmente, inferior», titulava o jornal desportivo “Os Sports”. Como estavam enganados.
Na véspera deste decisivo encontro Portugal escrevia uma das páginas mais belas da sua história com a conclusão da primeira travessia aérea entre Portugal e o Brasil protagonizada pela “dupla” composta por Gago Coutinho e Sacadura Cabral. No Porto, como em todo o país, certamente, estalaram foguetes para comemorar tal façanha, com o povo a sair em grande número para as ruas dando assim um colorido mais intenso à festa. Quem parece não ter achado muita graça à onda de festividades foi o Sporting, cujos jogadores se queixam não ter pregado o olho durante a noite devido aos ruidosos festejos. Propositadamente ou não esses festejos teriam contornos mais intensos junto ao hotel onde estava instalada a comitiva sportinguista. Casualidade ou não? O lisboeta “Os Sports” achava que não.
Dia de jogo e o Campo do Bessa a arrebentar pelas costuras... com os entusiastas adeptos do FC Porto, naturalmente. Ambiente quente que ainda ficou mais escaldante ao minuto 51 quando Balbino fez o primeiro golo da tarde para os portistas. Vantagem que não foi ampliada cinco minutos mais tarde devido ao preciosismo do árbitro Neves Eugénio, que por sinal era um dos notáveis jogadores/dirigentes do... Académico do Porto. O juiz manda repetir uma grande penalidade que Artur Augusto converte inicialmente em golo com a justificação de que não havia dado ordem para a sua marcação. Na repetição o mesmo Artur Augusto envia violentamente a bola à trave!
Talvez empolgado pela falha do rival o Sporting aventura-se no ataque e aos 70 minutos Emílio Ramos repõe a igualdade no marcador.
O relógio não parava e no final dos 90 minutos o marcador indicava uma igualdade a uma bola. Parecia maldição, mas ainda não havia campeão! Veio o prolongamento e o FC Porto voltou a adiantar-se no marcador à passagem do minuto 100, desta feita por João Nunes, o tal que no primeiro jogo havia chegado atrasado por ter dado um salto à romaria do Senhor de Matosinhos. Um pouco tardio ou não parece que o efeito da ida do jogador à festa do milagroso santo parecia dar agora os seus frutos! O Sporting esmoreceu e dois minutos depois o capitão dos portistas João de Brito deu a machadada final no jogo ao apontar o 3-1 final.
Quando Neves Eugénio apitou pela última vez a loucura foi total. O campo mais parecia uma bomba a explodir de alegria, o FC Porto sagrava-se CAMPEÃO DE PORTUGAL, o primeiro CAMPEÃO DE PORTUGAL. A festa prolongou-se pela madrugada dentro na Cidade Invicta. Para a eternidade ficavam os nomes de Lino Moreira (guarda-redes), Júlio Cradoso, Artur Augusto, José Mota, Velez Carneiro, Floreano Pereira, João de Brito, Balbino Silva, Alexandre Cal, Tavares Bastos, João Nunes, e Adolphe Cassaigne (treinador).
Nomes e números da final:
FC PORTO – SPORTING, 2-1
4-6-1922, Porto (Campo da Constituição)
Árbitro: Merick Barley (Inglês)
Marcadores: 0-1 Ramos (9), 1-1 Bastos (25), 2-1 Bastos (86)
FC Porto: Lino Moreira; Júlio Cardoso e Artur Augusto; José Mota, Velez Carneiro e Floreano Pereira; João Brito cap, Balbino Silva, Tavares Bastos, João Nunes e Alexandre Cal. Treinador: Adolphe Cassaigne
Sporting: Amadeu Cruz; Joaquim Ferreira e Jorge Vieira; João Francisco, José Filipe e Henrique Portela; Torres Pereira, Francisco Marques, Francisco Stromp (cap), Emílio Ramos e José Leandro. Treinador: Charles Bell
SPORTING – FC PORTO, 2-0
11-6-1922, Lisboa (Campo Grande)
Árbitro: Montero (espanhol)
Marcadores: 1-0 Portela, 2-0 Pereira
Sporting: Amadeu Cruz; Joaquim Ferreira e Jorge Vieira; João Francisco, José Filipe e Henrique Portela; Torres Pereira, Jaime Gonçalves, Francisco Stromp cap, Emílio Ramos e José Leandro. Treinador: Charles Bell
FC Porto: Lino Moreira; Júlio Cardoso e Artur Augusto; José Mota, Velez Carneiro e Floreano Pereira; João Brito cap, Balbino Silva, Tavares Bastos, João Nunes e Alexandre Cal. Treinador: Adolphe Cassaigne
FC PORTO – SPORTING, 3-1 (após prolongamento)
18-6-1922, Porto (Campo do Bessa )
Árbitro: Neves Eugénio (Académico do Porto)
Marcadores: 1-0 Balbino (51), 1-1 Ramos (70), 2-1 Nunes (100), 3-1 Brito (102)
FC Porto: Lino Moreira; Júlio Cardoso e Artur Augusto; José Mota, Velez Carneiro e Floreano Pereira; João Brito cap, Balbino Silva, Alexandre Cal, Tavares Bastos e João Nunes. Treinador: Adolphe Cassaigne
Sporting: Amadeu Cruz; Joaquim Ferreira e Jorge Vieira; João Francisco, Filipe dos Santos e Henrique Portela; Torres Pereira, Jaime Gonçalves, Francisco Stromp cap, Emílio Ramos e José Leandro. Treinador: Charles Bell
Legenda das fotografias:
1-A equipa do FC Porto que venceu o primeiro Campeonato de Portugal
2-Tavares Bastos, autor dos dois golos do jogo da 1ª mão e um dos melhores jogadores portistas da época
3-A fachada principal do reduto dos Dragões, o Campo da Constituição...
4-...e uma vista aérea do Campo Grande (Lisboa)
5-A equipa do Sporting que vendeu cara a derrota na primeira prova de âmbito nacional organizada em Portugal
Os duelos entre clubes vizinhos sucediam-se em catadupa, e em volta deles alastrava a fervorosa massa adepta que com o seu entusiasmo conferia uma vida singular às primeiras catedrais – o mesmo é dizer estádios – da bola então construídas.
O mapa futebolístico português começava pois a ser desenhado com maior vivacidade, pese embora com traços de cariz regional. Foram pois regionais os primeiros confrontos a “doer”, os primeiros títulos, as primeiras histórias...
A temporada de 1906/07 assinala o arranque do 1º Campeonato de Lisboa no qual participaram o popular CIF (Clube Internacional de Futebol) fundado pela família Pinto Basto, o Sport Lisboa, o Lisbon Cricket Club e o Carcavelos Club, cabendo a este último emblema a honra de inaugurar a lista de campeões regionais da capital do país.
Estava assim dado o pontapé de saída nas competições regionais, que com o passar dos anos se iam multiplicando por outras regiões nacionais. Com a popularidade dessas mesmas competições surgiu nos anos 20 como que um apelo à criação de uma prova de maior dimensão, um torneio capaz de transpor a fronteira da regionalização, por assim dizer, de colocar frente a frente os pesos pesados locais num certame de âmbito... nacional.
O título de rei da região era já pequeno demais, sabia a pouco, os clubes, os jogadores e sobretudo os adeptos queriam mais, queriam ser os melhores do país. A Associação de Futebol de Lisboa toma mesmo a iniciativa de desafiar a sua congénere do Porto para um “match” entre Benfica e FC Porto, um repto que no entanto seria recusado por estes últimos, muito por culpa do diferendo que opôs sulistas e nortenhos aquando da escolha dos jogadores para integrar a primeira seleção nacional que enfrentou a Espanha em 1921, episódio esse aliás já aqui recordado no Museu Virtual do Futebol . Estava dado contudo o impulso para a criação de uma prova de cariz nacional, capaz de colocar em confronto os melhores clubes e os melhores atletas de cada região.
O nascimento do Campeonato de Portugal
E eis que na época de 1921/22 nasceu aquela que é considerada como a primeira competição de essência nacional: o Campeonato de Portugal. Vencê-lo significava ostentar a coroa de rei de Portugal no futebol. Não foi contudo um parto fácil, já que por aquelas alturas o futebol era desenvolvido de uma forma mais oficial e séria apenas nas associações de futebol de Lisboa e do Porto, e a espaços no Funchal e no Algarve, já que no resto do país a organização do futebol não era mais do que uma miragem. A União Portuguesa de Futebol (UPF) – antecessora da atual Federação Portuguesa de Futebol – sentiu pois algumas dificuldades em colocar em prática a sua ideia, dificuldades essas que no entanto não se afigurariam como entrave para a realização do primeiro CAMPEONATO DE PORTUGAL. Um campeonato integrado apenas pelos campeões regionais das duas associações que levavam mais a sério, por assim dizer, o fenómeno futebolístico em termos de competições organizadas, Lisboa e Porto, já que as associações do Funchal e do Algarve alegariam dificuldades económicas para explicar a não adesão à prova.
A representar as duas principais urbes de Portugal estiveram dois ilustres senhores do futebol lusitano, Sporting e o FC Porto. Ficou assente que o título nacional seria disputado em duas mãos, uma na capital outra na Cidade Invicta, cabendo a esta última as honras de receber o primeiro encontro.
No dia 4 de junho de 1922 o Porto vestiu-se de azul e branco na esperança de ver o seu clube ser o campeão de Portugal e acima de tudo levar a melhor sobre a “rival” Lisboa.
O relógio marcava 16h15 de uma tarde cinzenta salpicada com pingos de chuva. O público nortenho dava largas ao seu entusiasmo e paixão pelo emblema da cidade nas repletas bancadas do Campo da Constituição à espera de uma batalha – muitos encaravam-na dessa forma, ou não estivessem frente a frente os cavaleiros do Porto e de Lisboa – que deveria ter começado às 15h00, não fosse o atraso de um dos melhores jogadores portistas de então, João Nunes, que aproveitara aquele célebre domingo para dar um salto à... romaria do Senhor de Matosinhos. Pequeno atraso que não esmoreceu os intervenientes do encontro que sob a arbitragem de um inglês (Merick Barley) seria ganho pela equipa da casa por 2-1. Portistas que até estiveram a perder, na sequência de um golo de Emílio Ramos, aos 9 minutos, conseguindo no entanto dar a volta ao marcador graças a um “bis” de Tavares Bastos, primeiro aos 25 minutos e o segundo quase em cima do apito final, ao minuto 86.
De pronto foram lançados foguetes pelos eufóricos adeptos portuenses, sim portuenses e não portistas, porque esta foi uma vitória de toda a Cidade do Porto sobre a capital Lisboa, mais parecendo um S. João antecipado.
Sobre a histórica tarde o célebre Ribeiro dos Reis escreveria que: «o jogo decorreu em ambiente apaixonadíssimo, de que os lisboetas, no regresso, se queixaram amargamente». Pudera! Mas nada estava ainda perdido para os campeões de Lisboa.
No domingo seguinte (11 de junho) deu-se a segunda parte da batalha, desta feita em terras alfacinhas, mais precisamente no Campo Grande que em resposta ao cenário edificado uma semana antes no Porto se apresentou cheio como um ovo. Só que desta feita num ambiente 100 por cento hostil para os nortenhos. Outra coisa não seria de esperar, já que era agora a vez do Sporting jogar diante das suas gentes.
Para este jogo a UPF escolheu um árbitro espanhol (!), Montero de seu nome. Empolgados pelo seu público os leões vingaram a derrota na Constituição ao vencer por 2-0 com golos de Henrique Portela e Torres Pereira.
O “tira teimas” pendeu para o FC Porto
Com a contenda empatada a UPF viu-se forçada a agendar um terceiro e decisivo encontro
para uma semana mais tarde (18 de junho). Foi então sorteado o local do “tira teimas”, tendo a sorte ficado posteriormente do lado do FC Porto já que o palco da finalíssima foi o Campo do Bessa, situado no... Porto. Mas nem o facto de ter de viajar novamente até ao terreno do rival parece ter incomodado as gentes de Lisboa, e muito em particular a imprensa da capital, a qual a julgar pelo que viu no Campo Grande não tinha dúvida em rotular o Sporting como o principal candidato à vitória. «Vaticinamos nova vitória para o Sporting, pois o FC Porto é, inegavelmente, inferior», titulava o jornal desportivo “Os Sports”. Como estavam enganados.
Na véspera deste decisivo encontro Portugal escrevia uma das páginas mais belas da sua história com a conclusão da primeira travessia aérea entre Portugal e o Brasil protagonizada pela “dupla” composta por Gago Coutinho e Sacadura Cabral. No Porto, como em todo o país, certamente, estalaram foguetes para comemorar tal façanha, com o povo a sair em grande número para as ruas dando assim um colorido mais intenso à festa. Quem parece não ter achado muita graça à onda de festividades foi o Sporting, cujos jogadores se queixam não ter pregado o olho durante a noite devido aos ruidosos festejos. Propositadamente ou não esses festejos teriam contornos mais intensos junto ao hotel onde estava instalada a comitiva sportinguista. Casualidade ou não? O lisboeta “Os Sports” achava que não.
Dia de jogo e o Campo do Bessa a arrebentar pelas costuras... com os entusiastas adeptos do FC Porto, naturalmente. Ambiente quente que ainda ficou mais escaldante ao minuto 51 quando Balbino fez o primeiro golo da tarde para os portistas. Vantagem que não foi ampliada cinco minutos mais tarde devido ao preciosismo do árbitro Neves Eugénio, que por sinal era um dos notáveis jogadores/dirigentes do... Académico do Porto. O juiz manda repetir uma grande penalidade que Artur Augusto converte inicialmente em golo com a justificação de que não havia dado ordem para a sua marcação. Na repetição o mesmo Artur Augusto envia violentamente a bola à trave!
Talvez empolgado pela falha do rival o Sporting aventura-se no ataque e aos 70 minutos Emílio Ramos repõe a igualdade no marcador.
O relógio não parava e no final dos 90 minutos o marcador indicava uma igualdade a uma bola. Parecia maldição, mas ainda não havia campeão! Veio o prolongamento e o FC Porto voltou a adiantar-se no marcador à passagem do minuto 100, desta feita por João Nunes, o tal que no primeiro jogo havia chegado atrasado por ter dado um salto à romaria do Senhor de Matosinhos. Um pouco tardio ou não parece que o efeito da ida do jogador à festa do milagroso santo parecia dar agora os seus frutos! O Sporting esmoreceu e dois minutos depois o capitão dos portistas João de Brito deu a machadada final no jogo ao apontar o 3-1 final.
Quando Neves Eugénio apitou pela última vez a loucura foi total. O campo mais parecia uma bomba a explodir de alegria, o FC Porto sagrava-se CAMPEÃO DE PORTUGAL, o primeiro CAMPEÃO DE PORTUGAL. A festa prolongou-se pela madrugada dentro na Cidade Invicta. Para a eternidade ficavam os nomes de Lino Moreira (guarda-redes), Júlio Cradoso, Artur Augusto, José Mota, Velez Carneiro, Floreano Pereira, João de Brito, Balbino Silva, Alexandre Cal, Tavares Bastos, João Nunes, e Adolphe Cassaigne (treinador).
Nomes e números da final:
FC PORTO – SPORTING, 2-1
4-6-1922, Porto (Campo da Constituição)
Árbitro: Merick Barley (Inglês)
Marcadores: 0-1 Ramos (9), 1-1 Bastos (25), 2-1 Bastos (86)
FC Porto: Lino Moreira; Júlio Cardoso e Artur Augusto; José Mota, Velez Carneiro e Floreano Pereira; João Brito cap, Balbino Silva, Tavares Bastos, João Nunes e Alexandre Cal. Treinador: Adolphe Cassaigne
Sporting: Amadeu Cruz; Joaquim Ferreira e Jorge Vieira; João Francisco, José Filipe e Henrique Portela; Torres Pereira, Francisco Marques, Francisco Stromp (cap), Emílio Ramos e José Leandro. Treinador: Charles Bell
SPORTING – FC PORTO, 2-0
11-6-1922, Lisboa (Campo Grande)
Árbitro: Montero (espanhol)
Marcadores: 1-0 Portela, 2-0 Pereira
Sporting: Amadeu Cruz; Joaquim Ferreira e Jorge Vieira; João Francisco, José Filipe e Henrique Portela; Torres Pereira, Jaime Gonçalves, Francisco Stromp cap, Emílio Ramos e José Leandro. Treinador: Charles Bell
FC Porto: Lino Moreira; Júlio Cardoso e Artur Augusto; José Mota, Velez Carneiro e Floreano Pereira; João Brito cap, Balbino Silva, Tavares Bastos, João Nunes e Alexandre Cal. Treinador: Adolphe Cassaigne
FC PORTO – SPORTING, 3-1 (após prolongamento)
18-6-1922, Porto (Campo do Bessa )
Árbitro: Neves Eugénio (Académico do Porto)
Marcadores: 1-0 Balbino (51), 1-1 Ramos (70), 2-1 Nunes (100), 3-1 Brito (102)
FC Porto: Lino Moreira; Júlio Cardoso e Artur Augusto; José Mota, Velez Carneiro e Floreano Pereira; João Brito cap, Balbino Silva, Alexandre Cal, Tavares Bastos e João Nunes. Treinador: Adolphe Cassaigne
Sporting: Amadeu Cruz; Joaquim Ferreira e Jorge Vieira; João Francisco, Filipe dos Santos e Henrique Portela; Torres Pereira, Jaime Gonçalves, Francisco Stromp cap, Emílio Ramos e José Leandro. Treinador: Charles Bell
Legenda das fotografias:
1-A equipa do FC Porto que venceu o primeiro Campeonato de Portugal
2-Tavares Bastos, autor dos dois golos do jogo da 1ª mão e um dos melhores jogadores portistas da época
3-A fachada principal do reduto dos Dragões, o Campo da Constituição...
4-...e uma vista aérea do Campo Grande (Lisboa)
5-A equipa do Sporting que vendeu cara a derrota na primeira prova de âmbito nacional organizada em Portugal
Um comentário:
Grande trabalho, como sempre. Desta vez, com a particularidade de me levar a comentar, naturalmente por me tocar mais, muito mais...
Postar um comentário