Vista da cidade da Horta no início da década de 20 do século passado |
Mas
antes de aprofundarmos este capítulo da história, não será por demais olhar para outro que nos
saltou à vista durante esta estadia nos Açores. Um facto que não é 100 por
cento claro, pois há apenas ligeiros vestígios de que pode ser verídico, mas que há sê-lo pode alterar e muito o início da história do futebol português.
Terá sido nos Açores que se jogou futebol em Portugal pela primeira vez?
A capa do livro "My Sweet Fayal", onde consta que na década de 50 do século XIX se jogou futebol naquela ilha |
Quem
o disse foi o famoso banqueiro norte-americano John Pierpont Morgan (1837 –
1913), que durante a sua estadia na citada ilha, entre 1852 e 1853, deu nota de
que marinheiros ingleses que por ali passavam nos tempos livres divertiam-se a
jogar... football. Morgan relatou
este e outros factos no diário que escreveu durante a sua permanência (por motivos de saúde) na ilha, quando contava então com apenas 15 anos de idade. Diário
esse que foi num passado recente descoberto pela professora Elisa Gomes da
Torre, e que foi transformado no livro "My
Sweet Fayal". Obra esta - da autoria de Elisa Gomes da Torre - onde são
transcritos vários momentos da permanência de Morgan na ilha, entre cartas e outros
documentos manuscritos do futuro banqueiro, o qual, inclusive, dá nota de que
no convívio diário com outros habitantes ilustres do local passava o tempo a jogar
bowling, ténis e a pontapear num relvado uma bola de football. Isto não só deita por terra a teoria de que o futebol
chegou aos Açores em 1895, como, e principalmente, faz eclipsar a ideia de que tenha
sido na Madeira (1875) ou no continente (1888) que o futebol tenha sido jogado
pela primeira vez em Portugal. É um ponto de interrogação, é certo, mas este
depoimento de J.P. Morgan pode alterar o curso da nossa história futebolística.
Casa Pia recebido em clima de euforia no Faial
Fayal SC, o mais antigo clube açoriano, em 1909 |
O
Fayal Sport Club foi criado por 21 jovens, na sua maioria estudantes, aos quais
se juntaram três cabografistas, um empregado comercial, um tipógrafo, um
maquinista e um barbeiro, quase todos eles faialenses.
Treze
anos volvidos da sua formação o emblema açoriano endereçou o simpático convite
ao campeão de Portugal da temporada de 21/22, o Sporting, para realizar na
Horta três jogos amigáveis. O Fayal Sport Club era então treinado por um
funcionário da companhia inglesa do cabo submarino, o inglês R. A. Peck. Porém,
uma indisponibilidade de última hora dos campeões de Portugal fez com que o
Casa Pia viajasse no lugar dos leões
para o Faial a fim de medir forças com o até então único clube daquela ilha. A
expectativa dos faialenses era enorme, não só porque pela primeira vez um clube
do continente os visitava, mas também porque os casapianos eram um emblema de peso. O clube
capitaneado pelo mestre Cândido de Oliveira
viajou para os Açores a bordo do navio "Roma", que atracaria na Horta
em véspera de São João - 23 de junho. A comitiva casapiana era integrada pelos
seguintes futebolistas: Clemente Guerra, António Pinho, José Gomes dos Santos,
Henrique Gouveia, José Maria Gralha, Silvestre Rosmaninho, Alberto Loureiro,
Aníbal Santos, Aníbal Cordeiro, Pinto de Magalhães, Manuel Cruz, Carlos Melo,
Augusto Luís Gomes e Cândido de Oliveira. Os continentais estiveram cerca de
uma semana no Faial, tendo ficado hospedados no Faial Hotel. Na chegada à Horta
foram recebidos por uma multidão em êxtase, tendo sido brindados com flores e foi-lhes oferecido nessa noite uma taça de champanhe na Sociedade "Amor da
Pátria", um edifício imponente e majestoso com um longo e vasto currículo
político e cultural na ilha do Faial.
A famosa equipa do Casa Pia, no início dos anos 20 |
Cândido de Oliveira era já por aquela altura um dos nomes sonantes do futebol luso, na
condição de atleta, tendo nesta sua passagem pelos Açores concedido uma
entrevista ao jornal local O Telégrafo, onde
anteciparia um futuro promissor ao futebol da ilha: «O futebol no Faial, pelo
que me foi dado observar nestas três agradáveis partidas, adquiriu já um
desenvolvimento que muito deve lisonjear os faialenses. E levo, até, desta
visita, a impressão que dentro em alguns anos o futebol faialense não
representará só um valor que não devemos desprezar no continente, mas, também,
um dos mais vigorosos esteios deste belo desporto no nosso país». Ao mesmo
jornal o capitão dos gansos dizia também que o Faial possuía «um bom núcleo de
jogadores, um público numeroso e assaz educado e a simpatia das damas
faialenses».
No Faial os casapianos foram tratados como ilustres visitantes, tendo-lhes sido feitas visitas guiadas pela ilha e prestado várias homenagens. Cordialidades que não foram esquecidas por mestre Cândido, que no regresso a Lisboa a bordo do navio "Lima" escreveria um postal ao amigo e atleta do Fayal Sport Club, Luiz Morisson, onde dizia que «passamos bons bocados a recordar-vos e à vossa terra. Todos eles (jogadores do Casa Pia) têm muitas saudades daí e comigo sucede outro tanto. Muito gostaria que em vez de 9 dias aí pudéssemos passar um ou dois meses».
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