terça-feira, janeiro 12, 2021

Grandes lendas do futebol mundial (15)... Vítor Baptista - O Maior

É comum dizer-se que todos os génios, seja em que área for, têm a sua dose de loucura. E a história do futebol está cheia deles! Lendas que dentro do campo pintaram cenários de verdadeira e sã loucura com a bola nos pés, jogadas e golos geniais que deixaram de queixo caído todos aqueles que tiveram o privilégio de os ver jogar. Mas de igual modo lendas que fora do terreno de jogo viviam vidas excêntricas, sempre no fio da navalha, como se o amanhã nunca houvesse.

E o génio que hoje visitamos é um desses exemplos, uma figura ímpar cuja maneira de ser o levou à ruína, contrariando uma habilidade futebolística magistral que o poderia ter levado a patamares ainda maiores do que aqueles que pisou. É com redobrado prazer que o Museu Virtual do Futebol olha hoje para a vitrina das lendas, onde repousa Vítor Baptista.


Auto-intitulou-se de "O Maior", e se não o foi - no seu tempo - foi um dos maiores, sem margem para dúvidas. Pagou caro a sua louca excentricidade, e não fosse isso quem sabe onde ele poderia ter chegado no futebol... e na vida. Nasceu no seio de uma família pobre, em Setúbal, no dia 18 de outubro de 1948. O pai, Sebastião Baptista, trabalhava na lota de Setúbal e a mãe, Cecília Baptista, ganhava a vida numa fábrica de peixe naquela mesma cidade situada nas margens do Rio Sado. Vítor era o mais novo de três irmãos. O Eduardo, era dez anos mais velho, enquanto que o Idaliano, era cinco anos mais velho. Viviam numa barraca com um só quarto, uma cozinha e uma pequena sala. Uma vida de miséria onde a fome era o prato do dia. Talvez por isso, com tenra idade, aos 10 anos, e somente com a quarta classe, teve de ir trabalhar para ajudar a pôr o pão na mesa. Teve, porque o pai morreu cedo, por essa altura. Vítor foi eletricista, carpinteiro, canalizador, entre outros duros ofícios. Mas onde era bom... era no futebol. Na rua, com os amigos de infância Pedro, Jaime e o Florival, o Vítor destacava-se. Era o maior. Rápido, forte, habilidoso, era impossível não dar nas vistas sempre que pegava na bola.

Das ruas de Setúbal até ao estrelato na catedral da Luz

Até que um dia o clube da terra, o Vitória Futebol Clube, descobriu aquele talento que despontava em Setúbal na rua e nos torneios de futebol de salão que se organizavam de forma popular. Com 14 anos viu o Vitória pagar-lhe a pensão onde então passou a residir assim que saiu de casa, e dois anos mais tarde além do aluguer do quarto o clube dava-lhe também 500 escudos mensais. Por causa da bola tinha ficado para trás o Vítor eletricista, mas como o próprio chegou a recordar não se perdeu grande coisa, porque não tinha muito jeito para este ofício.

Aos 17 anos o Vitória subiu-lhe o ordenado para três contos e a vida começou a melhorar... ou talvez não. Independente, sem pai e a viver longe da mãe e dos irmãos, Vítor caiu nas amarras da vida mundana. Começou a fumar, a beber, a sair à noite... em suma, deu os primeiros passos para aquele que haveria de ser o seu triste fim.

Mas dentro do campo era o maior. Em 1967 ainda com idade de júnior ajuda o Vitória a vencer a Taça de Portugal naquela que foi a final mais longa da história da prova rainha do futebol português. Contra a Académica de Coimbra os sadinos venceram por 3-2 ao fim de 144 minutos (90 minutos e dois prolongamentos). Por essa altura, Vítor espalhava magia pelos retângulos do futebol português. E nessa mítica final rezam as crónicas que fez um jogão! Continuou por Setúbal nos quatro anos seguintes a encantar todos aqueles que gostavam de futebol espetáculo. Foi pelo Vitória que chegou a internacional AA pela primeira vez, em 17 de fevereiro de 1971 num encontro diante da Bélgica (0-3) em Bruxelas. Ao todo foi internacional por Portugal em 11 ocasiões (3 pelo Vitória e 8 pelo Benfica). E foi precisamente em 1971 que o Benfica perdeu a cabeça por ele. Pelo seu passe o Vitória recebeu então 3000 contos, mais o passe dos jogadores José Torres, Praia e Matine, então ligados ao emblema da capital. Foi, na época, a transferência mais cara do futebol português. No Benfica partilhou o balneário com outras lendas do futebol luso, casos de Néné, Jordão, Artur Jorge ou o rei Eusébio durante sete épocas consecutivas. Com eles construiu algumas das mais temidas linhas avançadas que o país futebolístico viu até então, aterrorizando as defesas adversárias com jogadas e golos magistrais.

No Benfica raramente não era titular e quando não jogava era por motivos de ordem física. Em sete temporadas no Benfica fez 150 jogos, marcou 62 golos, conquistou 5 campeonatos e uma Taça de Portugal.

Aparte do seu deslumbrante futebol, Vítor continuava um rebelde, um homem excêntrico. Aparecia no Estádio da Luz de Jaguar e motorista, foi aliás, o primeiro futebolista português a comprar um carro daqueles na década de 70, e por vezes levava um cão para os treinos e amarrava-o a uma baliza! Vestia-se como uma autêntica popstar: usava sandálias de tacão alto, calças rasgadas, camisas abertas, brincos, amuletos ao pescoço, cabelo e barba compridos, sendo que mais parecia um dos famosos irmãos Gibb, dos Bee Gees. As mulheres adoravam-no e os homens também! A par de toda esta excentricidade outro vício não largava o génio de Vítor Baptista: a droga. Confessou, numa entrevista, que caiu pela primeira vez nas teias da droga em 1972, em África, numa digressão que ali fez ao serviço do Benfica. À liamba seguiu-se a cocaína, a heroína, o LSD, e por aí fora. Vítor experimentou de tudo. Viveu no limite, sempre. Mas na cabeça dele continuava a ser o Maior, como ele próprio se designava quando alguém mexia com ele, fossem treinadores ou colegas.

A história do brinco perdido no relvado

As histórias rocambolescas que criou à volta foram mais do que muitas, como por exemplo a do brinco perdido em plano relvado do Estádio da Luz. Aconteceu a 12 de fevereiro de 1978, num célebre jogo contra o Sporting. Vítor fez um golo de levantar o estádio: domina a bola com o peito, roda e sem a deixar cair faz um golo de bandeira. Ao invés de festejar uma obra de arte daquelas Vítor andou de gatas pelo relvado à procura de um brinco que havia perdido. O jogo esteve parado durante cinco minutos por causa da relíquia, que havia custado uma fortuna, segundo o craque, com Toni, Humberto Coelho e outros craques do Benfica a andarem de rabo para o ar à procura do brinco!

Este foi mesmo o último episódio caricato da sua passagem pelo Benfica pois pouco tempo depois voltava ao seu Vitória, porque o clube da Luz não queria aumentar o ordenado nem dar-lhe o Porsche que tanto queria.

Vítor regressou a Setúbal graças a três anónimos beneméritos que contribuíram com 400 contos para fazer regressar o filho prodígio ao Bonfim. Esteve lá dois anos, mas já não era o mesmo. A droga aliada à excentricidade faziam efeito dentro do campo onde ele já não era o mesmo, mas antes um jogador lento e preguiçoso. Espatifou carros, esbanjou dinheiro no jogo e na droga, perdeu vezes sem conta a cabeça. Até que em meados de 1979 o Major Valentim Loureiro deita-lhe a mão, levando-o para o seu Boavista. Pouco tempo lá esteve. Pouco depois e mais uma vez foram os amigos, os antigos companheiros de equipa a ajudarem-no, como por exemplo, António Simões, lenda do Benfica e da seleção nacional que em abril de 1980 o convence a ir para a Califórnia, nos Estados Unidos da América, para representar o San Jose Earthquakes, da NASL, clube cujo diretor desportivo era o próprio Simões.

Era o tempo em que o soccer dos States contratava velhas glórias da Europa para abrilhantar a galática NASL. Os Earthquakes eram propriedade de um multimilionário qualquer que gostava de contratar estrelas de futebol excêntricas, como Vítor Baptista e um tal de George Best, outro génio a quem a cabeça não deu juízo e que alinhava então nesta mesma equipa. Na América Vítor deslumbrou-se. Exigiu um Corvette descapotável e teve-o, mas pouco tempo usufruiu dele, pois duas semanas depois foi recambiado para Portugal. Veio representar o Amora, o último clube pelo qual pisou um relvado na 1.ª divisão nacional. Depois disso foi sempre a cair. Atlético da Malveira, União de Tomar, Montijo, Monte da Caparica, ou Estrelas do Faralhão, foi este o caminho descendente de um homem que com o passar do tempo se afundava cada vez mais em droga e mais droga. Pediu esmolas nas ruas de Setúbal, participou em assaltos, esteve preso por diversas ocasiões, tornou-se num marginal, tudo para sustentar o vício. Vezes sem conta os amigos tentaram dar-lhe a mão, leva-lo por outros caminhos menos duros, mas Vítor nunca se orientou e viveu até ao fim na corda bamba. A estrela apagou-se no dia 1 de janeiro de 1999 na sequência de um AVC.