sexta-feira, abril 27, 2012

Efemérides do Futebol (11)...

A primeira indeminização da História do futebol

Quando a 12 de março de 1881 as equipas do Moyola Park FC Castledawson e do Alexander FC Limavady se enfrentaram num duelo alusivo à Taça da Irlanda um dos jogadores desta última equipa sofreu uma fratura numa das pernas em consequência de uma entrada mais dura de um rival. Quatro dias depois a Federação Irlandesa de Futebol decidiu que o jogador lesionado tinha de ser indemnizado em... 1 libra, o equivalente atual a 1 euro e 20 cêntimos! No entanto, este era um valor alto para aquela altura, se atendermos ao facto de que um bilhete para um jogo de futebol custava 12 cêntimos!  

terça-feira, abril 17, 2012

Catedrais Históricas (11)... Campo da Rua da Rainha


Para muitos esta é uma dúvida que resiste teimosamente em ascender ao patamar do concreto, dando por vezes aso a acérrimas discussões, em particular quando o braço de ferro opõe o “norte” ao “sul”. Qual o primeiro campo relvado em Portugal? «O Lima», atiram de pronto uns, ao passo que do outro lado o contra ataque é pronto a ser colocado em ação, «foram as Salésias».
Sem tomar partido de uns ou de outros confesso que também eu durante anos me inclinei para a primeira opção, o mítico Estádio do Lima, como consequência natural da dezenas de histórias em redor da lendária catedral que fui recolhendo dos afortunados que conviveram com o desaparecido recinto portuense. Vasculhando a(s) história(s) do futebol em Portugal pude perceber mais tarde que nem o Lima nem as Salésias são detentores do orgulho de terem sido os primeiros a exibir um manto verde nos seus campos de batalha.
Mas mesmo não vencendo este particular braço de ferro que opõe o Lima às Salésias, ou vice-versa, bem se poderá dizer que os nortenhos ficam a ganhar no “total da eliminatória” já que foi no Porto que por volta de 1906 se viria a estender o primeiro tapete verde sobre um retângulo de jogo em Portugal. A “obra” nasceu pela mão do FC Porto, ou melhor, pela ambição desmedida de José Monteiro da Costa, um aristocrata portuense dos inícios do século XX que precisamente em 1906 ressuscitou – depois de um período de inatividade de 12 anos – aquele que é hoje em dia o maior clube da urbe tripeira, e um dos maiores de Portugal... e do Mundo. Estatuto este (bem) real nos dias de hoje mas que naquele início de século não era mais do que um sonho de Monteiro da Costa, que sabendo da existência de uns terrenos alugados pela Companhia Hortícola Portuense para viveiro de plantas na Rua da Rainha – a qual com a proclamação da República em 1910 passou a denominar-se de Rua Antero de Quental – que não estavam a ser totalmente utilizados pela citada empresa não sossegou enquanto não fez daquela a primeira casa do seu clube.
Arrendado então o pequeno terreno cujas medidas rondavam os 50x30 metros Monteiro da Costa logo tratou de retratar naquele humilde palco as cenas do belo jogo por quem morreu de amores aquando da sua passagem tempos antes por Inglaterra. Desenhado no terreno um retângulo de jogo, erguidos meia dúzias de paus transformados posteriormente em balizas, ai estava edificada a primeira casa do FC Porto, o Campo da Rua da Rainha. De forma um pouco tosca e desogarnizada a bola (re)começava a saltitar na Cidade Invicta por iniciativa do grupo de Monteiro da Costa.
Tempos mais tarde sabendo da intenção da Companhia Hortícola Portuense em transferir todos os seus viveiros para outra zona da cidade o principal impulsionador do Football Club do Porto puxou mais uma vez dos seus galões de diplomata para arrendar o restante espaço deixado vago e assim ampliar a casa do clube, que deixava de habitar numa pequena “caixa de fósforos” para passar a ocupar aquilo o que na época já poderia ser considerado como um razoável parque de jogos... por um aluguer anual de 1200 reis. De pronto foram iniciadas as obras para a ampliação do complexo. Balneários, um bufete, um amplo vestiário, um ginásio, courts de ténis, um espaço para a prática do cricket, entre outras mordomias, foram então edificados. Ah, e o retângulo de jogos, esse passou a deter as medidas regulamentares oficiais de um verdadeiro campo de “football”. E para ser um verdadeiro campo de futebol tinha de haver relva, tal como Monteiro da Costa viu em Inglaterra, onde os recintos destinados à prática do belo jogo eram na época já quase todos relvados! E uma vez mais a vontade deste homem foi cumprida, o retângulo do Campo da Rua da Rainha vestiu-se de verde, o primeiro a fazê-lo em Portugal.
Bancadas foram igualmente pensadas, «num nível superior ao rectângulo do jogo e no máximo do comprimento, dos dois lados, uma fila de bancos assentes em tijolos pintados de branco, que acomodavam cerca de 500 a 600 pessoas (...) ao centro do terreno, porém, do lado poente, erguia-se uma tribuna destinada aos convidados de honra. Era majestosa.», assim retrata Rodrigues Teles num dos primeiros livros publicados sobre a História do FC Porto. Diz o mesmo autor que as «magníficas instalações» foram inauguradas num “match” diante dos vizinhos do Boavista Footballers Club, o embrião daquele que mais tarde viria a ser o Boavista Futebol Clube dos nossos dias. O resultado desse dia de festa? Desconhecido! Mas pouco importava, o mais importante é que o sonho de José Monteiro da Costa em erguer um grande clube – sob diversos aspetos – tornava-se aos poucos realidade.
Para a história fica igualmente o facto de ter sido no Campo da Rua da Rainha que foi disputado o primeiro encontro de futebol internacional no nosso país. Tal facto ocorreu a 15 de dezembro de 1907, data em que o FC Porto recebeu e venceu (por 4-1) o Real Fortuna de Vigo (Espanha). Esta casa que além de futebol foi palco para corridas de bicicletas, e de burros (!) foi utilizada pelo FC Porto entre 1906 e 1912, altura em que os “dragões” foram obrigados a deixa-la porque no local iria nascer... uma fábrica. Fizeram então as malas e mudaram-se para o Campo da Constituição em contínua perseguição da senda do sucesso. 

Legenda das fotografias:
1-Um aspeto geral do relvado do Campo da Rua da Rainha
2-A "majestosa" tribuna de honra 

sexta-feira, abril 13, 2012

Museu Virtual do Futebol cumpre 6 anos de vida!


A crise pode até continuar a espreitar pela janela da casa de cada um de nós na ansia de fazer um novo prisioneiro – se é que já não somos todos – mas não nos tira a alegria e o entusiasmo de continuar há 6 anos consecutivos com as portas abertas – a todos, sem exceção – a recordar aquilo a quem alguém um dia chamou de “ópio do povo”: o FUTEBOL.

Emblemas históricos (10)... Racing Club de Paris


De distinto membro da nobreza no passado a (quase) ignorado mendigo no presente, uma frase que poderia muito bem caracterizar a linha da vida do histórico emblema que hoje visitamos: o Racing Club de France. Recorda-lo faz-nos viajar até umas das cidades mais deslumbrantes do Mundo, Paris, a bela e sedutora Paris, eterna “mademoiselle” repleta de “glamour” que fez despoletar paixões arrebatadoras a grande parte dos comuns mortais que um dia (nem que fosse por um simples minuto) tiveram a fortuna de contempelar de perto da sua beleza, de sentir o seu inigualável perfume, e de se deixar cair nos seus sensuais braços.
Paris guarda um tesouro de histórias várias, da arte à literatura, passando pela pintura, pela ciência, pela política ou pela História, Paris é uma enciclopédia deliciosa. Foram muitos os artistas que por ela se enamoraram, assim à primeira vista lembramo-nos da Geração Perdida, composta por um leque de (hoje) celebridades literárias que nos anos 20 e 30 do século passado teve em Paris a sua principal fonte de inspiração para criar algumas das mais emblemáticas obras de arte literária do planeta. Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Ezra Pound, T. S. Eliot, ou James Joyce, todos eles se tornaram filhos adotivos desta cidade naquele período dourado. Mas também o futebol viveu tempos inolvidáveis naqueles “loucos” anos 20 e 30.
Foi em Paris que o Mundo ficou a conhecer a “Maravilha Negra” José Leandro Andrade, futebolista uruguaio que em 1924 deslumbrou os parisienses com a magia do seu futebol no Torneio Olímpico que coroou o Uruguai como... campeão do Mundo. Por esta altura Paris era habitada por um nobre do futebol francês, uma figura aristocrata que honraria nestes anos o já de si pomposo nome do seu berço, nobre esse batizado de Racing Club de France.
Nascera em 1882, em berço de ouro, concebido por membros da alta sociedade parisiense que dentro de si traziam a ambição de dar a Paris um clube condizente com a sua grandeza. Mas queriam fazê-lo... no atletismo. É verdade, o atletismo foi a razão do nascimento do Racing, que só em 1886 decidiu abraçar o futebol. E em boa hora o fez pois desde cedo fez parte do pelotão da frente do futebol francês, tendo sido um dos membros fundadores da 1ª Divisão gaulesa. Tal e qual um camaleão o Racing teve várias “peles” ao longo da sua existência, o mesmo será dizer várias designações, mas sempre a mesma ambição de vencer... nem sempre conseguida, como mais à frente veremos.
Precisamente no ano que o “desporto rei” passou a fazer parte do ADN do clube, este fundiu-se com o Stade Français, tendo sido um dos criadores da União de Sociedades Francesas Desportivas e Atléticas (USFDA). Entidade esta da qual saiu a já citada 1ª Divisão francesa, o primeiro campeonato (ainda que não oficial) daquele país. O Racing participou pela primeira vez nesta competição em 1889 e em 1907 obteve a sua primeira coroa de glória, o título de campeão do certame organizado pela USFDA.
Uma curiosidade na história do clube reside no facto de que este sempre viveu em “mansões” de luxo e carregadas de misticismo para o desporto mundial. O primeiro lar do Racing, o estádio Croix-Catelan, recebeu vários eventos desportivos alusivos aos Jogos Olímpicos de 1900, ao passo que a sua segunda casa, esta bem mais ilustre, guarda inúmeras páginas de ouro do futebol mundial, falamos do Stade des Colombes.
Nos anos que se seguiram ao campeonato da USFDA títulos oriundos de torneios de menor dimesão enfeitaram as vitrinas do Racing. Até que eclodia a I Grande Guerra Mundial e o futebol ficava paralizado.
Em 1917 o Racing é um dos integrantes da 1ª edição da Taça de França numa altura em que o profissionalismo começava a ditar leis. Sonhado e criado sob os ideais do amadorismo o clube começava a sentir dificuldades para fazer frente aos ventos do profissionalismo.

A gloriosa década de 30

Em 1932 a Federação Francesa de Futebol leva a cabo o primeiro campeonato profissional, e os amadores do Racing tiveram de repensar a sua existência. Foi então que surgiram com uma nova identidade, quase como um novo clube, distinto do amador Racing Club de France, com o nome de Racing Club de Paris. E seria precisamente com esta identidade que o clube iria viver os melhores anos da sua vida. Construindo um “exército” capaz de lutar de igual para igual contra os melhores o clube parisiense destacou-se nos patamares mais altos do futebol gaulês. Com jogadores lendários como o temível avançado Roger Couard ou o guarda redes da “equipa maravilha” da Áustria treinada por Hugo Meisl, Rudolf Hiden, o Racing atingiu a sua maior glória na época de 1935/36 com a conquista de uma histórica “dobradinha”, isto é, o campeonato e a taça. O único título de campeão nacional foi conquistado com um total de 44 pontos, apenas mais 3 que o vice campeão Lille, enquanto que na final da “Coupe de France” os parisienses batiam o Charleville por uma bola a zero, com um tento do inevitável Couard, num duelo ocorrido na então catedral do futebol francês, o Stade des Colombes, que então era já a casa do próprio Racing.
Até ao final da década mais duas taças francesas seriam guardadas nas vitrinas do clube, a de 1939 na sequência de uma vitória deslumbrante sobre o Lille por 3-1, com golos do argentino José Perez, de Emile Veinante, e do lendário franco-húngaro Jules Mathé, ao passo que na época seguinte a vítima foi o Marselha que na catedral des Colombes foi vergado por um super Racing por 2-1.
Na década seguinte o clube continuou a passear classe pelos campos de futebol da França, sendo que em termos desportivos mais duas taças gaulesas viajariam para Paris pelas mãos do Racing. A primeira delas em 1945, mais uma vez nos Colombes, perante o olhar de 50 000 pessoas, o Lille voltaria a sair da capital humilhado, desta feita por 3-0. Em 1949 foi arrecadada a quinta Taça de França, a última coroa de glória para o emblema parisiense. Depois disto o Racing entrou numa autêntica montanha russa, com mais “baixos” do que “altos”.

Declínio... ascenção... declínio

Quatro anos depois de vencer a sua última Taça de França o Racing batia no fundo com a despromoção à 2ª Divisão. A garra e o orgulho do seu recente passado foram no entanto atributos suficientes para que rapidamente o emblema voltasse ao convívio entre os grandes, e as luzes da ribalta se acendessem novamente perante a sua passagem na década de 60. Em 61/62 estão perto de somar o seu segundo título de campeão nacional, aliás, muito perto, já que este foi perdido para o Stade Reims apenas pela diferença... de golos marcados e sofridos!
Nesta altura a estrela da equipa era o polaco Thadée Cisowski, uma autêntica máquina de fazer golos que nas 8 temporadas em que vestiu a mítica camisola do clube fez 167 golos! Duas épocas mais tarde o Racing de Paris estreia-se oficialmente na Europa, o mesmo é dizer, nas provas da UEFA, uma presença há muito merecida para um emblema que havia já atraído até si... fama internacional pelas suas exibições dentro de portas num passado não muito longínquo. Seria no entanto uma aventura curta, já que na 1ª eliminatória da antiga Taça das Cidades com Feira (antecessora da Taça UEFA) o Racing seria eliminado pelo Rapid de Viena. Seguiu-se mais uma vez o declínio, e a consequente queda à 2ª Divisão. Problemas financeiros estiveram na origem desta nova descida ao inferno. No final da década de 60 o Racing Club de Paris morria, e no seu lugar surgia o Racing France que se viu obrigado a recomeçar do zero, isto é, nos escalões amadores (!), onde permaneceu durante 15 anos consecutivos.

Um desejo milionário pouco durador

Na década de 80 os clubes de futebol começavam cada vez mais a ser alvo apetecível para grandes magnatas ou megas empresas multinacionais. A Matra era por aqueles dias uma milionária empresa ligada à indústria automóvel, liderada pelo magnata Jean-Luc Lagardère, que em 1982 compra o clube com o objetivo de o fazer regressar aos velhos tempos de glória, sonhando fazer dele aquilo o que os seus fundadores haviam idealizado nos finais do século XIX: um clube de renome internacional. Para isso não se poupou a esforços, ou melhor a trocos, contratando uma série de notáveis jogadores que haveriam de recolocar o Racing entre os maiores do futebol francês. Entretanto, mais uma vez o clube era rebatizado, passando a partir daqui a chamar-se de Matra Racing. Nada mais natural. O argelino Rabah Madjer, que havia brilhado com intensidade no Mundial de 82, é a estrela da companhia de Lagardère, que num curto espaço de tempo quer recolocar Paris no mapa do futebol internacional pela mão do seu Matra.
Convém dizer que por esta altura dava os primeiros passos um promissor projeto futebolístico que tinha uma meta muito semelhante à de Lagardère, projeto esse que dava pelo nome de Paris Saint-Germain.
Os esforços do rico empresário francês deram frutos em 1984, altura em que o Matra Racing voltou à 1ª Divisão. A euforia foi grande e Lagardère voltou a abrir os cordões à bolsa nos anos seguintes, contratando estrelas de topo mundial como o alemão Littbarski, os internacionais franceses Pascal Olmeta e Maxime Bossis, o holandês Sonny Siloy, ou o “príncipe” uruguaio Enzo Francescoli. E para comandar uma constelação de estrelas ninguém melhor que o treinador que em 1987 chocou a Europa após ajudar o FC Porto a conquistar diante do poderoso Bayern de Munique a Taça dos Clubes Campeões Europeus, Artur Jorge. Os resultados obtidos foram... medianos, um pouco longe da meta sonhada por Lagardère, já que o meio da tabela era o habitat natural do milionário Matra. Isto levou a que a pouco e pouco o entusiasmo do milionário empresário em volta do clube começasse a arrefecer, e a última grande aparição do emblema foi na final da Taça de França de 1990, perdida para o Montepellier.
Depois disto nova queda à 2ª Divisão e Lagardère desapareceu de vez, deixando o Racing – que com a “fuga” do seu rico proprietário deixará de ser Matra – orfão e de volta aos tempos de penúria. Falido o clube começou a cair a pique pelos escalões secundários do futebol francês nos anos seguintes. Fizeram-se várias tentativas para o recolocar em patamares mais altos, mas em vão. Os campeonatos amadores seriam o cruel destino do emblema parisiense.
Em 2009 é feito um novo acordo, desta feita com a cidade de Levallois, cuja câmara municipal aceita ajudar o clube a combater as inúmeras dificuldades financeiras que vão surgindo pelo caminho. Dá-se então nova mudança de nome no “bilhete de identidade”: Racing Club de France - Levallois 92. E é desta forma que este nobre emblema continua a (sobre)viver... na 2ª Divisão do futebol amador de França. 

Legenda das fotografias:
1-Emblema do RCP
2-A histórica equipa que em 36 conquistou a Taça e o Campeonato de França
3-O lendário guarda redes austriaco Rudolf Hiden
4-Um dos primeiros grupos do milionário Matra Racing onde pontificava a estrela Rabah Madjer
5-O príncipe uruguaio Enzo Francescoli
6-O Matra liderado pelo português Artur Jorge em 1987/88

terça-feira, abril 10, 2012

Futebol nos Jogos Olímpicos (2)... Estocolmo 1912

Em 2012 assinalam-se precisamente os 100 anos da ocorrência da 5ª edição das Olimpíadas da Era Moderna. Estocolmo foi então o palco escolhido para levar à cena um evento cujo interesse em seu redor crescia a olhos vistos um pouco por todo o Mundo. Terá sido esta uma das razões para que na “Veneza do Norte” – assim é retratada mundialmente a cidade sueca – pela primeira vez atletas vindos dos cinco continentes do globo tivessem participado nos Jogos Olímpicos. Com uma estrutura organizacional nunca dantes vista estes jogos serão para sempre recordados como os primeiros em que a abertura seria abrilhantada por uma cerimónia coreografada antes da entrada das delegações das 28 nações participantes no estádio olímpico.
Estreia foi também o sistema sonoro de alto-falantes instalado não só no complexo olímpico como também por toda a cidade de Estocolmo com a intenção de transmitir os resultados das 14 modalidades desenvolvidas.
E no futebol a novidade também foi uma característica que se fez notar desde logo. A principal foi o facto de o número de seleções integrantes do torneio olímpico ter duplicado em relação às Olimpíadas de 1908. No total foram 11 os combinados nacionais que em Estocolmo lutaram pelo ouro, sendo que à semelhança do que acontecera quatro anos antes em Londres todos eles eram oriundos da Europa. E já que se fala em novidade há que dar conta de uma segunda competição futebolística dentro do próprio torneio olímpico, denominada de Torneio de Consolação, destinada às seleções eliminadas na 1ª fase e nos quartos-de-final da prova principal.

Surpresa a abrir

A 29 de junho foi dado então o pontapé de saída do torneio de futebol dos jogos de 1912, e logo com uma tremenda surpresa. Em jogo alusivo à 1ª fase a forte Itália liderada pelo lendário treinador Vittorio Pozzo – que na década de 30 haveria de conduzir a Squadra Azzurra à conquista de dois Campeonatos do Mundo consecutivos – sucumbia aos pés da frágil Finlândia (!) por 2-3 após prolongamento e ficava desta forma arredada da possibilidade de lutar pelo título. Nota curiosa o facto deste encontro inaugural ter sido arbitrado por outra lenda das táticas, o austríaco Hugo Meisl.
Célebre treinador que neste mesmo dia iria conduzir a Áustria a um esmagador triunfo sobre a Alemanha por 5-1. O terceiro e último encontro da ronda inicial – também realizado no dia 29 – colocou frente a frente no Estádio Olímpico de Estocolmo a equipa da casa, a Suécia, e a medalha de bronze dos Jogos Olímpicos de 1908, a Holanda. Bem disputada e pautada pelo signo do equilíbrio a partida só seria ganha pelos homens do “país das tulipas” no prolongamento, por 4-3.

Grã-Bretanha não brincou em serviço

Passada a fase pré-eliminar, a qual há que dizê-lo causou grande contestação entre a maioria das seleções, pelo facto de o sorteio ter emparelhado as equipas mais fortes (Itália, Suécia, Holanda, Áustria, ou Alemanha) e deixado de fora os conjuntos mais fracos (como Noruega, ou Rússia), o que significava desde logo que alguns dos teoricamente candidatos ao título iriam sair mais cedo da competição, eis que o torneio olímpico entra na sua fase final propriamente dita.
E quem entrou a todo o gás foram mesmo os campeões olímpicos em título, a Grã-Bretanha, que no Estádio Rasunda, nos arredores de Estocolmo, cilindrava a Hungria por 7-0. Neste duelo o sublinhado maior vai para o avançado inglês Harold Walden que à sua conta apontou 6 dos 7 tentos da armada britânica. Com mais 5 tentos apontados nos restantes dois encontros disputados Walden haveria de se sagrar no artilheiro destes Jogos Olímpicos com um total de 11 remates certeiros.
Quem também continuava a não brincar em serviço era a Finlândia. Depois de afastar a poderosa Itália os finlandeses bateram no Estádio Traneberg os vizinhos da Rússia por 2-1 na sequência de mais uma grande exibição, conforme rezam as raras crónicas da época, continunado desta forma no trilho do sonho em chegar a pelo menos uma medalha.
Sete foi também a “chapa” usada pela Dinamarca – vice campeã olímpica em 1908 – para bater a frágil Noruega com destaque para dois golos de Sophus Nielsen, o melhor marcador do torneio anterior. Por último, a Holanda eclipsava o sonho do mestre Hugo Meisl em levar a Áustria ao topo do Mundo, após uma vitória de 3-1.

Pódio final igual ao de Londres 1908

Depois de dois intensos dias de futebol (29 e 30 de junho) o torneio olímpico fazia uma pausa antes das empolgantes meias finais. Pausa no torneio olímpico mas não no futebol, já que a 1 de julho jogou-se a 1ª fase do recém criado Torneio de Consolação, integrado pelas equipas eliminadas até então. E se Itália e Áustria conseguiram vitórias sofridas (por 1-0) ante, respetivamente, Suécia e Noruega, já a Alemanha tirou a barriga de misérias e esmagou a Rússia por 16-0 (!). Um jogo onde o alemão Gottfried Fuchs teve o seu minuto de fama enquanto futebolista ao apontar nada mais nada menos do que 10 dos 16 tentos da sua equipa. Com esta performance Fuchs igualava o dinamarquês Sophus Nielsen que quatro anos antes havia apontado o mesmo número de golos no jogo da meia final diante da França.
A 2 de julho disputaram-se então as tão esperadas meias finais do torneio olímpico. E tal como o ocorrido em 1908 Grã-Bretanha e Dinamarca qualificaram-se para o jogo decisivo após inquestionáveis vitórias sobre Finlândia (4-0, com quatro golos da autoria de Harold Walden) e Holanda (4-1), respetivamente.
Holandeses que tal como em Londres haveriam de ficar com o bronze, depois de no dia 4 de julho terem goleado em Rasunda a Finlândia por 9-0, um pesado score onde se destacou Jan Vos, autor de cinco golos.
E nesse mesmo dia, no Estádio Olímpico, perante o olhar de 25 000 espetadores, britânicos e dinamarqueses repetiram a final de 1908 em busca do ouro. E tal como então a Grã-Bretanha foi... mais forte. Como se já não bastasse o azar de não poder contar com um dos seus principais jogadores, Poul Nielsen, a Dinamarca viu-se reduzida a 10 elementos à passagem do minuto 15 em virtude do médio Charles Buchwald ter abandonado o relvado lesionado. Ora, como na época não eram permitidas substituições os nórdicos tiveram de enfrentar a forte armada britânica com menos um atleta, complicando ainda mais a missão de chegar ao ouro.
Cinco minutos antes do infortúnio de Buchwald já a Grã-Bretanha se havia adiantado no marcador graças a um remate do goleador Harold Walden. Ainda na etapa inicial Gordon Hoare dilataria a vantagem dos campeões olímpicos à passagem do minuto 22, para 5 minutos volvidos Ole Anthon Olsen reduzir para os nórdicos. O carrossel britânico não iria ficar por aqui, e ainda antes do intervalo Gordon Hoare e Arthur Berry davam mais duas machadadas nos fragilizados dinamarqueses ao ampliarem o marcador para 4-1, e dissipando praticamente as dúvidas quanto ao vencedor do torneio olímpico. Perante o cenário que estava a ser edificado em Estocolmo só mesmo uma catástrofe iria impedir os britânicos – conduzidos pelo seu capitão de equipa, e principal referência, Vivian Woodward – de sucederem a si próprios no trono do futebol olímpico. E assim foi. O melhor que a Dinamarca conseguiu fazer na etapa final foi reduzir as desvantagem para 2-4, graças a um novo golo de Ole Anthon Olsen, insuficiente para impedir a (re)coroação da Grã-Bretanha como a melhor seleção do Mundo.
Já o torneio de consolação seria ganho no dia seguinte à principal final pela Hungria, que no encontro decisivo batia a Áustria por 3-0.
Mas para a história Grã-Bretanha seria o nome que mais iria reluzir na altura de recordar o torneio olímpico de Estocolmo em 1912, o da Grã-Bretanha e dos seguintes artesões de mais um memorável momento do futebol de terras de Sua Majestade: Ronald Brebner, Arthur Berry, Thomas Burn, Joseph Dines, Edward Hanney, Gordon Hoare, Arthur Knight, Henry Littlewort, Douglas McWhirter, Ivan Sharpe, Harold Stamper, Harold Walden, Vivian Woodward, e Edward Wright.

A figura: Gottfried Fuchs

A nível individual o inglês Harold Walden pode ter vencido o prémio de melhor marcador do(s) torneio(s) mas as luzes da ribalta foram direcionadas para o alemão Gottfried Fuchs, o homem que no primeiro jogo da sua seleção no certame dos derrotados, isto é, o Torneio de Consolação, apontou 10 dos 16 golos com que os alemães bateram a Rússia. Este foi mesmo o “minuto de fama” de Fuchs no planeta da bola, um homem que nasceu a 3 de maio de 1889 em Karlsruher e que cujo currículo de futebolista não vai além daquele célebre jogo das Olímpiadas de Estocolmo onde igualou o recorde do dinamarquês Sophus Nielsen. Judeu, Fuchs foi forçado a deixar o seu país pouco depois da façanha obtida diante da Rússia, para fugir ao Holcausto que vitimou milhares de judeus. O Canadá acolheu Gottfried Fuchs, que viria a morrer em Montreal em 1972, com 82 anos de idade.

Futebol português fez-se representar... no atletismo

Por esta altura do século XX Portugal ainda não havia criado o seu combinado nacional, algo que só viria a acontecer em 1921. Porém um ilustre futebolista lusitano daquela época viajou até Estocolmo para representar as cores nacionais. De seu nome Francisco Stromp, nome mítico do futebol do Sporting Clube Portugal da década de 10 do século passado que esteve em Estocolmo como praticante de... atlestismo. A aventura de Stromp foi no entanto curta, já que não foi além das eliminatórias da prova dos 100m, explicando no seu regresso a Portugal que esta eliminação precoce se tinha ficado a dever ao facto da prova em que participou ter decorrido pouco depois da cerimónia de abertura dos jogos, cerimónia essa onde ele havia ficado cerca de uma hora e meia de pé debaixo de um calor insuportável!


Resultados (Torneio Olímpico):

1ª Fase

29 de junho


Itália – Finlândia: 2-3
(Golos: Bontadini, Sardi / Ohman, Soinio, Wiberg)

Alemanha – Áustria: 1-5
(Golos: Jager / Merz (2), Studnicka, Neubauer, Cimera)

Suécia – Holanda: 3-4
(Golos: Swensson (2), Borjesson / Vos (2), Bouvij (2)

Quartos-de-final

30 de junho


Rússia – Finlândia: 1-2
(Golos: Butusov / Wiberg, Ohman)

Grã-Bretanha – Hungria: 7-0
(Golos: Walden (6), Woodward)

Dinamarca – Noruega: 7-0
(Golos: Olsen (3), Nielsen (2), Wolfhagen, Middelboe)
Holanda – Áustria: 3-1
(Golos: Vos, Ten Cate, Bouvij / Mueller)

Meias-finais

2 de julho

Grã-Bretanha – Finlândia: 4-0
(Golos: Wladen (4))
Dinamarca – Holanda: 4-1
(Golos: Jorgensen, Olsen (2), Nielsen / Hansen (p.b.))

Medalha de bronze

4 de julho


Holanda – Finlândia: 9-0
(Golos: Vos (5), Van der Sluis (2), De Groot (2))

Medalha de Ouro (final)

4 de julho

Grã-Bretanha – Dinamarca: 4-2


Estádio: Olímpico de Estocolmo (Suécia)

Árbitro: Christiaan Groothoff (Holanda)

Grã-Bretanha: Ronald brebner, Thomas Burn, Arthur Knight, Douglas McWhirter, Horace Littlewort, James Dines, Arthur Berry, Vivian Woodward, Harold Walden, Gordon Hoare, Ivan Sharpe.

Dinamarca: Sophus Hansen, Nils Middelboe, Harald Hansen, Charles Buchwald, Emil Jorgensen, Paul Berth, Oskar Nielsen, Axel Thufvesson, Ole Anthon Olsen, Sophus Nielsen, Vilhelm Wolfhagen

Golos: 1-0 (Walden, aos 10m), 2-0 (Hoare, aos 22m), 2-1 (Olsen, aos 27m), 3-1 (Hoare, aos 41m), 4-1 (Berry, aos 43m), 4-2 (Olsen, aos 81m)

Vídeo: GRÃ-BRETANHA - DINAMARCA (Final)

Resultados (Torneio de Consolação):

1ª Fase

1 de julho


Áustria – Noruega: 1-0
(Golo: Neubauer)

Suécia – Itália: 0-1
(Golo: Bontadini)

Alemanha – Rússia: 16-0
(Golos: Fuchs (10), Forderer (4), Burger, Oberle)

Meias-finais

3 de julho


Alemanha – Hungria: 1-3
(Golos: Forderer / Schlosser (3))

Itália – Áustria: 1-5
(Golos: Berardo / Grundwald (2), Mueller, Hussak, Studnicka)

Final

5 de julho


Hungria – Áustria: 3-0
(Golos: Bodnar, Schlosser, Pataki)

Legenda das fotografias:
1-Cartaz oficial dos Jogos Olímpicos de 1912
2-A pomposa cerimónia de abertura
3-O inglês Harold Wladen, melhor marcador dos jogos com 11 golos
4-Imagem da final entre Grã-Bretanha e Dinamarca
5-Nova imagem do jogo do título
6-O alemão Fuchs, autor de 10 golos num único jogo
7-Um lance entre italianos e finlandeses
8-Imagem do Áustria - Alemanha
9-Momento do equilibrado duelo entre suecos e holandeses
10-Britânicos não vassilaram ante os magiares
11-Seleção austríaca
12-Duelo entre britânicos e finlandeses
13-A equipa da Holanda
14-Britânicos tentam atacar a baliza dinamrquesa durante a final olímpica
15-Os campeões olímpicos de 1912
16-Seleção russa
17- Hungria, a campeã do Torneio de Consolação

sexta-feira, abril 06, 2012

Histórias do Futebol em Portugal (6)... A orquestra mais virtuosa do futebol lusitano

Equipas há que pelo virtuosismo desenhado num retângulo de jogo são capazes de transportar a nossa imaginação para a “degustação” de um concerto de música clássica. Ao longo da sua história o futebol deu-nos muitos e grandes tenores, inolvidáveis maestros, ou incomparáveis solistas, mas raras vezes nos terá dado uma orquestra tão afinada e virtuosa como a dos “Cinco Violinos”.
Esta foi a designação dada pelo conceituado treinador/jornalista Tavares da Silva ao quinteto mais célebre do futebol português, e porque não dizê-lo do futebol mundial, formado por um grupo de notáveis e virtuosos jogadores de futebol que na década de 40 encantou multidões nos campos nacionais defendendo as cores do Sporting Clube de Portugal. Fernando Peyroteo, Vasques, Albano, Jesus Correia e José Travassos são os cinco famosos violinistas dessa memorável orquestra que entre 1946 e 1949 tornou o leão num animal impossível de domar.
Um quinteto que atuando no setor ofensivo do terreno de jogo ofereceu ao clube de Alvalade a glória na sequência de centenas de golos, saborosos títulos, e acima de tudo momentos deslumbrantes de futebol baseados num exímio entrosamento aliado a um elevado grau de qualidade futebolística de todos os seus elementos nunca dantes visto no “desporto rei”. Quem teve o privilégio de assistir aos recitais desta orquestra afirma não ter dúvidas em rotular este como um dos períodos mais dourados do futebol nacional, lamentando apenas que estes cinco artistas não tenham tido a oportunidade de actuar juntos mais do que as três épocas em que fizeram furor de leão ao peito.
Tempo suficiente para conferir ao Sporting a grandeza sonhada pelo seu fundador José de Alvalade. Com os “Cinco Violinos” em campo os leões foram sempre campeões, degulando no campo de batalha, domingo após domingo, adversários atrás de adversários, fossem eles quem fossem.
A saga destes homens também conheceu alguns episódios na Selecção Nacional, embora sem o sucesso granjeado com a camisola verde-e-branca.
Fernando Peyroteo era talvez a estrela mor dos violinos de Alvalade, o homem que dava as pinceladas finais nas obras de arte criadas pelo quinteto, o mesmo é dizer, o goleador da equipa. Para o grande mestre do futebol português, Cândido de Oliveira, ele era uma máquina de fazer golos. Ao longo da sua carreira fez mais de 500 golos, 529 para sermos mais precisos, sendo que destes 331 (mais 22 do que Eusébio) foram apontados no campeonato. Nasceu em Humpata, Angola, a 10 de Março de 1918, e estreou-se de leão ao peito a 12 de Outubro de 1937 num jogo diante do Benfica onde apontou dois golos, apresentando desde logo o seu cartão de visita. O seu poder de remate (forte e colocado) aliado a um excelente jogo de cabeça fizeram com por seis ocasiões fosse rei dos marcadores do campeonato nacional, e entre muitos outros factos históricos ficam os 9 golos apontados num só jogo ante o Leça.
A completar a orquestra figuarava ainda o “pintor Malhoa”, a alcunha recebida por Vasques, o jogador mais tecnicista da célebre equipa, o elemento mais artístico dos violinos que entre 1946 e 1959 apontou 221 golos pelo seu Sporting. Do Seixal veio o veloz Albano, um criativo senhor de um drible desconcertante que disputou mais de 500 jogos com a camisola dos leões.
Fabuloso foi também o Zé da Europa, ou melhor, José Travassos, um galã que entrava em campo sempre com o seu famoso penteado brilhantina que na qualidade de interior-direito criava obras de arte do outro Mundo que o levariam a tornar-se no primeiro jogador português a representar uma Selecção da Europa, ganhando assim a alcunha de Zé da Europa.
A fechar a orquestra o multifacetado Jesus Correia, que dividia o seu talento pelo futebol e pelo hóquei em patins, sendo que na primeira modalidade o Necas – como era tratado pelos seus colegas de equipa – além de ter apontado mais de 250 golos com as cores do leão fez furor através dos seus magistrosos cruzamentos para o letal Peyroteo.

 Vídeo: DOCUMENTÁRIO SOBRE OS "5 VIOLINOS"

terça-feira, abril 03, 2012

Histórias do Futebol em Portugal (5)... À quinta foi de vez: Portugal, finalmente, chega às vitórias

Contrariamente ao que diz o velho ditado de que «à terceira é sempre de vez» só à quinta tentativa é que a seleção portuguesa de futebol alcançou a primeira vitória da sua história. E fê-lo contra uma poderosa Itália que não muito tempo após este histórico momento do futebol lusitano haveria de dominar o planeta da bola na sequência da conquista de dois Campeonatos do Mundo consecutivos.
Antes do confronto com a “squadra azzurra” Portugal havia disputado quatro encontros particulares, todos diante da vizinha Espanha... e todos concluidos com derrotas para as cores portuguesas. Porém, na tarde de 28 de junho de 1925 a sorte mudou para a armada lusitana. Na “catedral” do Lumiar, em Lisboa, Portugal disputava mais um particular, desta feita diante de um novo adversário. Desafio que à boa moda portuguesa seria antecedido de alguns episódios caricatos, desde logo a chacota pública de que foi alvo a decisão do selecionador nacional de então, Ribeiro dos Reis, em levar os atletas escolhidos para um estágio. Militar de profissão Ribeiro dos Reis impôs então um rigoroso programa de treinos aos homens por si escolhidos, à moda daquilo o que se fazia... no exército! Foram realizados retiros rigorosos para localidades fora da capital, um não menos rigoroso regime de (uma saudável) alimentação, e duras caminhadas por serras e montes acompanhadas de longas sessões de exercícios físicos.
A opinião pública, espicaçada em parte pela imprensa da época e por alguns “inimigos” da seleção (!), lançava faíscas de ironia dizendo que tal procedimento mais «parecia a tropa!», ou que «o estágio é uma paródia, as massagens dão cabo dos homens de barba rija, ovomaltine e chocolates são para crianças!». Não se sabendo se terá sido ou não devido ao estágio o que é certo é que perante 16 000 almas Portugal bateu a Itália por 1-0, alcançando assim o primeiro triunfo da sua curta vida futebolística (recorde-se que a estreia da seleção havia sido em dezembro de 1921 diante da Espanha, em Madrid, capítulo esse que o Museu já aqui recordou noutras viagens ao passado). Esta vitória foi engolida em seco pelos críticos da época, pois... dali em diante os estágios foram uma constante para as equipas de futebol nacional. Ah, falta o golo, esse foi da autoria do sportinguista João Francisco Maia.
Novidade para a época foi também o facto da imprensa ter dado um destaque especial a este jogo, pois além de uma ampla cobertura dos acontecimentos nele ocorridos apresentou uma análise individual de cada um dos onze guerreiros lusitanos que entraram em campo. Uma banalidade nos dias de hoje pouco comum para aquela época levada a cabo pelo jornal O Sport de Lisboa.
Aqui fica pois na integra (com as “regras” ortográficas da época) essa histórica análise individual daqueles imortais heróis lusitanos:

Francisco Vieira, do Sport Lisboa e Benfica: Pareceu-nos possuido de um nervosismo, que não lhe conheciamos. Possivelmente, falta de confiança. Foi valente e arrojado. Teve algumas defesas de encaixe que lhe falharam, deixando resvalar a bola das mãos; valeu-lhe o facto de os avançados italianos não o carregarem. A par destes escapanços, e compensando-os, executou defesas de valor. E entrou amiude em acção, na segunda parte. As suas mais difíceis defesas foram, porém, realizadas no primeiro tempo, a dois livres. Em geral, viu o seu trabalho facilitado por não ser carregado. A característica marcante do ataque italiano – denunciar o remate – permitiu-lhe boas defesas. Foi brilhante, umas vezes; e mediocre, outras.



Anónio Pinho, do Casa Pia A.C.: Um começo difícil. Depois, achou-se. A formidável actuação do seu médio, reduziu-lhe sensivelmente o número de entradas em disputa de jogo: foi seguro.
No geral, segurança e valentia, comquanto pouco usado. Útil na defesa e feliz nas jogadas do contra-ataque.






Jorge Vieira, do Sporting Clube de Portugal: Em competência com uma aza perigosa e compenetrada, que gastou muita energia ao médio, Jorge foi obrigado a entrar em jogo muitas mais vezes que o seu companheiro. Sempre brilhante e sempre oportuno. Capitão magnífico; incitando e instruindo.






Raul Figueiredo, do Sporting Clube Olhanense: O melhor dos portuguêses; o mais brilhante em campo. O melhor dos nossos porque não há um erro sequer a desculpar-se-lhe; o mais brilhante em campo, porque de todos os jogadores italianos e nossos, foi aquele que melhor dominou a bola e aquele que executou com mais perfeição. Possue o estofo de internacional.






Augusto Silva, do Clube de Futebol “Os Belenenses”: No geral, foi um trabalhador esforçado, batido nas jogadas de defesa, lembremos que quando um médio-centro joga contra um trio interior bem compenetrado, como o de Itália, há-de forçosamente ter pouca acção nas jogadas de defesa; passa o tempo à procura da bola mas é batido naturalmente; e a intercepção quando se dá, deriva mais dum passe, mal colocado, por qualquer desses três homens, que pela própria acção do médio.
Ora, Silva foi batido na defesa e não conseguiu no decurso do jogo três aberturas às pontas. Dizendo-se que durante o encontro muitas e muitas vezes, Silva bateu o médio contrário, denunciou a abertura aos extremos, e acabou por dar um pontapé tortíssimo no adversário (???), cremos pronunciar a verdade, considerando natural a má saída do jogo da defesa e mal sucedido o jogo de contra-ataque que ele com inteligência esboçou.




César de Matos, do Clube de Futebol “Os Belenenses”: Receoso, desde os primeiros momentos. A aza direita italiana utilizou-o a seu bel prazer. Só nas jogadas altas César teve vantagem. Poucas, muito poucas vezes, César lançou o seu ponta. Mostrou-se pouco decidido nas entradas ao lançamento do extremo contrário.






Domingos Neves, do Sporting Clube Olhanense: O aspecto principal da sua exibição foi: apatia. Internou-se pouco. Centrando, cometeu várias vezes o erro de atirar em completas condições de desiquilibrio, originando assim um número elevado de pontapés altos e atrazados.
Foi batido pelo médio contrário por teimar em receber a bola sem ir ao seu encontro, isto é, esperar que ele fosse ter consigo, junto à linha lateral, onde estava postado.





Mário de Carvalho, do Sport Lisboa e Benfica: Pareceu-se muita a sua exibição com a de Augusto Silva. Foi muitas vezes mal sucedido. Recebia a bola do médio, esboçava um ataque, mas quando passava, dava à bola efeitos que não vinham ao caso. E, em geral, esqueceu-se de apontar às redes, principalmente no primeiro tempo.





João Francisco Maia, do Sporting Clube de Portugal: Apezar de ter marcado a bola, que deu a vitória às nossas novas côres, Maia foi um avançado-centro que teve a sua melhor acção na defesa, junto a qualquer da linha intermédia. Trabalhou muito jogo da defesa até à linha de ataque; chegando à altura dos seus companheiros da frente; foi umas vezes incompreendido; outras, incompreensível.
O mais esforçado de toda a linha de Portugal; constantemente em jogo, do príncipio até ao fim.





José Delfim, do Sporting Clube Olhanense: Foi o mais perfeito da linha da frente. As melhores avançadas foram obra sua. Dominou bem a bola.

É um jogador de grande futuro.






Manuel Fonseca, do Académico Futebol Clube (do Porto): Muitíssimo infeliz. A julgar pelo que fez nos treinos de Lisboa e das Caldas, deve ser atribuída a uma má tarde, a sua má exibição de quinta-feira. Talvez um tanto de nervosismo, proveniente da estreia.






Legenda das fotografias:
1-O "onze" nacional saudando o público após a histórica vitória sobre a Itália
2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12- Um a um, os grandes obreiros do triunfo lusitano sobre a squadra azzurra