sexta-feira, janeiro 31, 2014

Europeu de Futsal/Bélgica 2014 (6)...

Grupo B

Holanda - Portugal: 0-5

Golos: Bruno Coelho (2), João Matos, Cardinal, Joel Queirós

Lusos garantem apuramento para a fase seguinte à primeira tentativa. Holanda faz as malas e regressa a casa....

Europeu de Futsal/Bélgica 2014 (5)...

Grupo A

Roménia - Ucrânia: 0-1

Golo: Sorokin

Ucranianos suaram para segurar a mínima mas preciosa vantagem no seu jogo de estreia...

quinta-feira, janeiro 30, 2014

Europeu de Futsal/Bélgica 2014 (4)...

Grupo D

Espanha - Croácia: 3-3

Golos: Lin (2), Aicardo / Babic, Jelovcic, Capar

Campeões da Europa em título tropeçam na estreia...

Europeu de Futsal/Bélgica 2014 (3)...

Grupo C

Itália - Eslovénia: 2-3

Golos: Fortino, Saad / Vrhovec, Cujec, Osredkar

Surpresa mascarada de escândalo em Antuérpia: Eslovénia alcança vitória histórica ante a poderosa Squadra Azzurra....

quarta-feira, janeiro 29, 2014

Europeu de Futsal/Bélgica 2014 (2)...

Grupo B

Rússia - Holanda: 7-1

Golos: Cirilo (2), Lima (2), Lyskov, Robinho, Sergeev / Attaibi

Ao ritmo de um treino Rússia mostra atributos de candidata ao título...

Europeu de Futsal/Bélgica 2014 (1)...

Grupo A

Bélgica - Roménia: 1-6

Golos: Rahou / Raducu, Matei, Lupu, Sotarca, Iancu, Salhi

Romenos estragam a festa dos anfitriões...

quinta-feira, janeiro 23, 2014

Competições jovens (2)... Campeonato do Mundo de Sub-20/Japão 1979

Diego Armando Maradona,
a figura central do Mundial
de júniores de 1979
Descrever a segunda edição do Campeonato do Mundo de Sub-20 numa só palavra afigura-se como um exercício mental demasiado simples para os verdadeiros amantes do futebol espetáculo. Maradona, ai está a mágica palavra que salta de imediato à memória quando se olha para trás no tempo ao recordar os momentos do Japão 1979, a primeira grande aparição internacional daquele que muitos consideram como o maior génio da história do futebol. O Deus do desporto rei. Não duvidamos. A performance de Maradona e da sua Argentina no Mundial realizado no país do Sol Nascente assume contornos de cartaz principal quando se fala dos campeonatos mundiais desta categoria. O que se viu no Japão foi algo de sublime, inolvidável, foi o futebol no seu estado mais encantador.
Kobe, Omiya, Yokohama, e Tóquio foram as quatrro cidades encarregadas de acolher uma competição que começava a atrair os olhares dos principais atores do futebol internacional, que encaravam o torneio como uma autêntica mina de diamantes no seu estado bruto, prontos a lapidar nas grandes joalharias planetárias. Disputada entre agosto e setembro de 79 a prova causou grandes dificuldades à maior parte das seleções presentes, desde logo o fator calor (extremo) aliado ao fuso horário, que mesmo assim não impediu que nos relvados nipónicos se edificassem grandes espetáculos futebolísticos, não só por intermédio da cintilante seleção argentina, como também da campeã mundial em título União Soviética, da Polónia, ou do Uruguai.
Para nós, portugueses, este Mundial fica igualmente na história, por ter sido nesta edição que uma seleção nacional marcou pela primeira vez presença numa competição da qual viria num futuro próximo a sagrar-se bi-campeã. Mas isso são outras histórias para outros capítulos... da história. Foquemos por agora os olhos no Japão 79.

Argélia surpreende vice-campeões do Mundo

O cartaz oficial do Japão 79
O dia 25 de agosto marca o arranque do certame chancelado pela FIFA, tendo a capital Tóquio servido de palco de dois dos primeiros quatro jogos da jornada inaugural. No Grupo A estava a teoricamente frágil - e desconhecida - seleção da casa, o Japão, que enfrentava na estreia uma das favoritas da chave, a Espanha. Orientada tecnicamente pelo tetra campeão europeu - enquanto jogador - ao serviço do lendário Real Madrid dos finais da década de 50, o uruguaio José Santamaria, os castelhanos sentiram grandes dificuldades para derrotar os esforçados nipónicos, não se sabendo se estas mesmas dificuldades se ficaram a dever às complicadas condições atmosféricas, à enorme diferença horária, ou se ao empenho dos jogadores da casa. O que é certo é que la Rojita não foi além de uma magra vitória por 1-0, graças a um tento arrancado a ferros no início do segundo tempo por intermédio do médio Zúñiga.
No outro encontro ocorrido na Estádio Nacional de Tóquio a supresa pairou no ar. Os vice-campeões mundiais, o México, e apontados pela crítica como um dos selecionados favoritos a arrecadar a coroa de campeão baqueou diante da modesta Argélia. Uma igualdade a uma bola premiou o atrevimento dos africanos, que nunca baixaram os braços ao longo de um encontro onde até estiveram atrás no marcador desde o minuto 24.
Dois dias depois, e no mesmo estádio, tem lugar a segunda ronda, a qual teve início com a Espanha a carimbar o passaporte para os quartos-de-final à custa do desolador México. A cerca de 15 minutos do apito final do brasileiro Ramiz Wright o avançado nascido em Valladolid, Luís Gail, apontou o 2-1 final, que não só colocava os castelhanos na fase seguinte como obrigava os mexicanos a vencer o terceiro e último jogo do grupo. Isto, porque no outro encontro da segunda ronda a Argélia voltava a somar um pontinho, desta feita na sequência de uma igualdade a zero ante os japoneses. E como diz o ditado: "grão a grão enche a galinha o papo".

Uma imagem aérea
do Estádio Nacional de Tóquio

Com molduras humanas consideráveis - sempre a rondar os 30 000 espetadores, em especial quando a seleção da casa entrava em ação - o Estádio Nacional engalanou-se para a decisiva terceira jornada do Grupo A.  Ronda que serviu para confirmar o desnorte mexicano, que a precisar de uma vitória como do pão para a boca voltou a tropeçar, desta feita ante os nipónicos, na sequência de um confrangedor empate a um. E nem a temível dupla de avançados mexicanos (Enrique) Hernandez & (Javier) Hernandez - este último pai do atual internacional mexicano do Manchester United, Chicharito Hernandez - salvou os centro-americanos, que desta forma iam mais cedo para casa. E no seu lugar para os quartos-de-final viajou a surpreendente Argélia, que com um golo solitário de Bendjaballah, aos 15 minutos, derrotava a Espanha e agarrava o segundo lugar, com os mesmos quatro pontos somados que os europeus.

O tango mágico de Maradona e companhia

Maradona põe os olhos em bico
a um indonésio
Patenteando um futebol de passes curtos e rápidos, com dribles mágicos e desconcertantes para os oponentes, os argentinos cedo cativaram os olhares do Mundo que seguia este campeonato. Orientada pelo homem que um ano antes havia levado a principal seleção das Pampas ao título mundial, César Luís Menotti, a Argentina cedo mostrou ao que vinha. A primeira vítima foi a frágil Indonésia, que em Omiya foi varrida pelo vendaval de futebol espetáculo dos chiquitos de Menotti. Ramón Díaz, com três golos, e o capitão Diego Maradona com dois, foram os principais atores de uma fácil goleada de 5-0. A equipa funcionou em perfeição, titulavam os jornais argentinos após esta estreia, sendo que pelo futebol praticado a imprensa - não só argentina, como também a internacional - apontava os sul-americanos como naturais candidatos ao ceptro. Tinham um bom naipe de jogadores (Maradona, Ramón Díaz, Osvaldo Escudero, Juan Símon, ou Gabriel Calderón), um treinador campeão do Mundo de futebol sénior, e acima de tudo praticavam um futebol de excelência, argumentos juntos que punham por aquela altura toda a nação argentina em euforia, a sonhar com um novo título mundial. Estado de espírito do povo argentino que chegava ao Japão, e conhecedor desse facto o capitão Maradona dizia ao jornal Clarín que «nos llegaron noticias de que hay una gran euforia en Argentina. Somos conscientes de que tenemos una gran responsabilidd, pero eso no nos va a afectar. Estamos muy tranquilos». Palavra de astro... que já o era.
No outro jogo do Grupo B apareceu outra das boas lembranças deste Mundial de 79. A Polónia, fiel intérprete do frio mas tremendamente eficaz futebol do leste europeu mostrou-se ao Mundo com uma categórica vitória por 2-0 ante outra seleção tradicionalmente muito talentosa, a Jugoslávia.

Tomislav Ivkovic
Jugoslavos cuja baliza era guardada por um jovem mas já deveras talentoso keeper, de nome Tomislav Ivkovic, que anos mais tarde defenderia com vincada perícia a baliza da seleção principal em fases finais de Europeus e Mundiais. E na segunda jornada a equipa europeia mediu forças com a Argentina de Maradona, nascendo aqui um duelo pessoal que viria a ter outros capítulos nos anos próximos. Um mano a mano disputado precisamente entre Ivkovic - que iria desenvolver grande parte da sua carreira no futebol português - e Diego Maradona. Os encontros entre estes dois jogadores ganharam contornos de história em finais dos anos 90, 1989 para sermos mais precisos, ano em que o Sporting de Ivkovic enfrentou o Nápoles de Maradona numa eliminatória da Taça UEFA. Eliminatória essa decidida nas grandes penalidades, e regista a história que quando Diego Maradona se abeira da bola para converter o seu castigo máximo o guardião jugoslavo dele se aproxima e lança-lhe o desafio em como o argentino não o iria bater. Ivkovic apostou 100 dólares em como defenderia a grande penalidade. Maradona aceitou de pronto... e falhou. Ivkovic ganhou. E voltaria a ganhar um ano depois na fase final do Mundial de Itália, quando voltou a defender um penalti do número 10 argentino. Porém, em 1979 não consta que tenha havido qualquer aposta entre os dois atletas, certo sim é que a Argentina voltou a ganhar... e a encantar. 1-0, golo de Escudero. No outro encontro não houve grande história para contar, ou melhor, a história resumiu-se a uma tremenda goleada (6-0) polaca à seleção mais fraca deste torneio, a Indonésia. 


Maradona celébra com
os companheiros mais uma vitória
Com estes dois triunfos Argentina e Polónia estavam desde logo qualificadas para a fase seguinte, sendo que o duelo da última jornada entre ambas as seleções servia apenas para definir quem ficaria em primeiro do grupo. Assistiu-se então a mais um recital de futebol espetáculo dos chicos de Menotti, que iriam alcançar uma nova goleada, desta feita por 4-1, com Maradona a fazer o gosto ao pé pela terceira ocasião neste Mundial. O número 10 da seleção das Pampas era já uma estrela em ascensão no futebol, tendo viajado para o Japão com um cameraman particular, que filmava todos os seus passos em solo nopónico. Fazia-se acompanhar igualmente por um empresário particular, prevendo já as chorudas propostas de que seria alvo após o torneio. Não podia sair do hotel, que era de imediato cercado por dezenas de caçadores de autógrafos, além de inúmeros jornalistas oriundos dos mais diversos lugares do globo que procuravam uma declaração sua fosse sobre o que fosse. Maradona, com 18 anos de idade, era já uma figura mediática do planeta da bola, não só pelo - muito - que jogava, mas pelo protagonismo que granjeava fora das quatro linhas. Indiscutível.
No último jogo do grupo a Jugoslávia despediu-se da competição com uma goleada de 5-0 aplicada à débil Indonésia. Com esta pobre aparição os indonésios fizeram história na competição, já que até hoje são a seleção que mais golos sofreu numa fase final, 16 para sermos mais exatos. 

Portugal com estreia positiva


A seleção júnior portuguesa de 1979
1966 havia sido um ano dourado para o futebol português no que a seleções dizia respeito. Ano em que os Magriços de Eusébio e companhia puseram o planeta de boca aberta na sequência de uma brilhante prestação no Campeonato do Mundo (sénior) ocorrido em Inglaterra. 13 anos volvidos Portugal voltava a marcar presença na alta roda do futebol internacional, mas desta vez em júniores. A presença lusa no Japão terá sido encarada com algum interesse, a julgar pela cobertura que jornais como o Record, e A Bola terão dado, sendo que este último meio de comunicação enviou ao Oriente um jornalista (Aurélio Márcio) para cobrir de forma intensiva o torneio e em particular os selecionados de Peres Bandeira, o técnico luso. 
Estreia portuguesa que foi para esquecer, já que em Kobe - cidade onde decorreu toda a ação do Grupo C - o Canadá derrotou os portugueses por claros 3-1. O tento lusitano seria apontado por um tal de João Grilo, avançado que na época atuava nos júniores do Sporting. Aliás, a seleção portuguesa era composta na sua maioria por atletas pertencentes a equipas secundárias do futebol nacional, com destaque para a presença de dois atletas (Artur e Jorge Oliveira) que integravam os plantéis de equipas da 3ª Divisão!


Romerito, a maior estrela
do futebol paraguaio de
todos os tempos mostrou-se
ao Mundo no Japão
Na outra partida do grupo apareceu aquela que muitos consideram como a maior figura de sempre do futebol paraguaio: Júlio César Romero, também conhecido - sobretudo no Brasil, onde foi estrela ao serviço do Fluminense - como Romerito. Apontou um dos três golos com que o Paraguai bateu a Coreia do Sul, sendo que os outros foram da autoria de Roberto Cabañas. 
Paraguai que na jornada seguinte mediu forças com o combinado de Peres Bandeira, que face ao precalço da partida inaugural precisava urgentemente de um triunfo para continuar a sonhar com o apuramento. O jogo foi complicado para ambos os conjuntos, muito disputado e de certa forma pautado pelo equilíbrio, sendo apenas desamarrado por um golo solitário de Nascimento, que devolvia desta forma a alegria à nação portuguesa. 
A Coreia do Sul baralhou por compelto as contas do grupo com o seu triunfo (1-0) diante do Canadá, sendo que à entrada para a terceira e decisiva jornada da fase de grupos as quatros seleções tinham hipóteses matemáticas de se qualificar para a fase seguinte. Para isso precisavam apenas de vencer os seus respetivos duelos. E foi precisamente isso o que o Paraguai fez diante do Canadá, última seleção esta que não encontrou o antídoto para travar o craque Romerito, autor de dois dos três golos dos sul-americanos. 
Quanto aos portugueses um empate a zero bolas ante os sul-coreanos bastou para garantir a qualificação, tendo os lusos sido apurados por deterem um melhor goal-average (diferença entre golos marcados e sofridos) que os seus opositores. 

Campeões do Mundo aliam-se aos talentosos charrúas


Oleksandr Zavarov
Por fim, Yokohama acolheu os jogos do Grupo D, o grupo onde morava a seleção que dois anos antes havia vencido a primeira edição do Mundial de júniores, a União Soviética. Para o selecionado do leste europeu a concorrência era de peso, em especial a que vinha da América do Sul. Uruguai era pois o principal oponente dos soviéticos, como se veio a verificar, e apesar de não exibirem o futebol espetáculo patenteado pelos vizinhos argentinos eram uma seleção muito talentosa, onde viria a sobressair o nome do avançado Rúben Paz, um habilidoso e letal avançado que era já um dos rostos principais do Peñarol. Uruguaios e soviéticos que desde cedo mostraram que dificilmente a qualificação lhes iria fugir, entrando ambas no torneio de forma avassaladora. A chapa 5 foi usada por ambas as seleções, os uruguaios diante da Guiné-Conacri (5-0) e os europeus ante a Hungria (5-1). Neste último particular há que destacar a atuação soberba do médio Oleksandr Zavarov, que mais tarde iria brilhar ao serviço do mítico Dynamo de Kiev orientado pelo mestre Valeriy Lobanovskyi e da Juventus. 
Os apurados ficariam definidos na ronda seguinte fruto de mais duas vitórias incontestáveis dos favoritos Uruguai e União Soviética. Os primeiros derrotaram a Hungria por 2-0 - um dos golos foi do craque Paz - ao passo que os segundos levaram a melhor sobre a Guiné-Conacri por 3-0. 
Assim sendo, o jogo entre as duas equipas vitoriosas do grupo na entrada para a última jornada assumia contornos de final, cujo prémio era o primeiro lugar da chave. Venceram os sul-amercicanos - num encontro arbitrado pelo português César Correia Dias da Luz - graças a mais uma excelente atuação coletiva, pese embora os soviéticos se tenham batido muito bem. A Hungria ficou no terceiro posto do grupo, após ter derrotado a Guiné-Conacri por 2-0. 

Portugueses dizem adeus em dia de novo vendaval argentino


Ramón Díaz,
o artilheiro do
Mundial
O início de setembro - dia 2 para sermos precisos - dita o arranque da segunda fase do certame, no caso os quartos-de-final. O primeiro embate, em Omiya, é pautado pelo equilíbrio e pelas cautelas patenteadas por Espanha e Polónia, conforme explica o nulo no final dos 120 minutos (tempo regulamentar mais prolongamento). A lotaria das grandes penalidades saiu aos polacos. 
No Estádio Nacional de Tóquio os 20 000 espetadores presentes puderam deliciar-se com mais um grande recital de futebol da equipa de Maradona. 5-0 à equipa sensação da primeira fase do Mundial, a Argélia, que não teve argumentos para eclipsar a magia de El Pibe - autor de um golo - e a veia goleadora de Ramón Díaz, autor de três, ele que haveria de se sagrar o melhor marcador do torneio com um total de oito remates certeiros. Equilibrado e decidido igualmente nas grandes penalidades foi o embate entre União Soviética e Paraguai, que terminou empatado a duas bolas no final dos 120 minutos. No tiro ao alvo os campeões do Mundo levariam a melhor, de nada valendo mais uma atuação valorosa de Romerito.


Rúben Paz mandou os portugueses
para casa
Por fim, o Portugal - Uruguai, outro encontro onde o equilíbrio pairou sobre o relvado do estádio de Yokohama, onde a partida teve lugar. O artista Rúben Paz, aos quatro minutos do prolongamento põe fim à primeira aventura portuguesa num Mundial de Sub-20, fazendo o único tento desse encontro. Mesmo não tendo tido uma atuação brilhante ao longo da competição a seleção lusa teve uma participação digna, acabando o torneio entre as oito melhores seleções, o que atesta bem o valor que o futebolista português iria ter além fronteiras sobretudo na década de 90 e já no novo milénio. Isto, apesar de grande parte da equipa de 1979 se ter eclipsado nos caminhos secundários do futebol português, não se sabendo, por exemplo, que trajeto seguiram João Grilo, Manuel Galhofas, João Santos, ou Jorge Oliveira, sendo que outros nunca conseguiram sair da segunda linha do futebol nacional, ao passo que muitos poucos (Zé Beto, Quim, e Diamantino, por exemplo) conseguiram ascender ao topo do futebol nacional e internacional nos anos que se seguiram.

Maradona derrota o vizinho e rival Paz


Lá vai Maradona... sem que
os uruguaios o consigam travar
Nas meias-finais o jogo cabeça de cartaz foi naturalmente o Argentina - Uruguai, clássico das américas, duelo entre os dois velhos inimigos do Rio de La Plata. Como era - e continua a ser - apanágio nos embates entre os dois vizinhos da América do Sul o jogo foi duro, como demonstram os sete cartões amarelos exibidos pelo árbitro espanhol Lamo Castillo, mas também teve momentos de pura magia futebolística. O mágico principal? Diego Maradona, pois claro. Ramón Díaz apontou aos 52 minutos o primeiro tento do encontro, ao passo que Maradona, aos 74, setenciou a partida, com um golo de cabeça que colocou toda a Argentina em absoluto delírio, uma nação inteira que tinha ficado de pé em frente à televisão madrugada fora.
O rival dos chiquitos de Menotti na grande final de Tóquio foi encontrado em Kobe, cidade onde a União Soviética se desenvencilhou a muito custo da Polónia graças a um tento solitário de Ponomarev no início do segundo tempo. 

A merecida consagração de Maradona e companhia

Deus (Maradona) carregado em ombros
pelos seus companheiros após o triunfo
na final ante a União Soviética
52 000 pessoas lotaram no dia 7 de setembro de 1979 o Estádio Nacional de Tóquio para assistir à grande final. Isto, um dia depois do Uruguai ter garantido neste mesmo recinto a medalha de bronze, após um batalha ante a Polónia decidida no desempate das grandes penalidades (5-3). Mas voltando à grande final, a qual após uma primeira parte pautada pelo equilíbrio, e sem golos, explodiu na etapa complementar. Ponomarev colocou ao minuto 52 os campeões do Mundo em título na frente do marcador, golo que terá espicaçado os chicos de Menotti que em seguida partiram para uma exibição fabulosa. Cerca de um quarto de hora volvido o defesa Hugo Alves repõe a igualdade na sequência da conversão de uma grande penalidade, para três minutos depois o goleador do campeonato, Ramón Díaz, colocar os sul-americanos em vantagem depois de correr metros com a bola ao mesmo tempo que deixava uma série de soviéticos para trás. E aos 76 minutos, o génio Maradona deixaria a sua marca no jogo. Livre à entrada da área descaído para a esquerda da baliza de Victor Chanov, o diez argentino parte para a bola, remata forte, a bola fura a barreira e... gooooolllllllllllllllllllll de Argentina! Diego Armando Maradona. Estava feito o resultado final, e encontrado o novo e justo campeão mundial de júniores. 

Maradona, com a taça nas mãos, é recebido
com a restante seleção argentina na Casa do Governo
pelo chefe de Estado, o general Videla
Depois de em 78 ter conquistado em casa (no Estádio Monumental de Buenos Aires, diante da Holanda) a coroa de rei do Mundo no que a seleções seniores dizia respeito, Menotti arrecadava agora a coroa de príncipes do planeta para o país das Pampas que ficou em completo delírio. O povo argentino rendia-se ao seu novo Deus, que dava pelo nome de Diego Armando Maradona. Chegados a Buenos Aires os chiquitos foram recebidos e homenageados na Caso do Governo pelo chefe de Estado argentino, o temível ditador general Videla. 

A figura: Diego Armando Maradona

Nos Cebollitas
Diego Armando Maradona não precisa de apresentações, a sua lendária carreira fez dele um dos principais - senão mesmo o principal - ícones do belo jogo. Falar dele dava um livro, melhor dizendo, a sua vida já deu origem a vários livros. Por isso não nos vamos alongar muito nas palavras que traçam a biografia do homem a quem ainda hoje chamam de Deus. Nasceu pobre, a 30 de outubro de 1960, em Lanús, nos subúrbios de Buenos Aires. O seu inigualável talento com a bola já se fazia notar aos 9 anos de idade, altura em que era já o ídolo - de pequenos e graúdos - da favela onde viva, encantando aquela pobre gente com a camisola da equipa de bairro Los Cebollitas, o seu primeiro clube, por assim dizer. Ainda com 9 anos foi prestar provas aos Argentinos Juniors, pequeno clube da capital mas já na época mundialmente (re)conhecido pelo seu notável trabalho nos escalões de formação. Assim que o viram com la pelota nos pés os técnicos daquele emblema ficaram abismados. Será que ele tem mesmo 9 anos? Perguntaram-se na altura uns aos outros, enquanto olhavam incrédulos para aquele diamante raro. Não mais largaram Dieguito, acompanhado-no a casa para perguntar à sua mãe se aquele menino tinha mesmo 9 anos de idade. Dúvida desfeita tentaram de imediato convercer os pais do jovem Maradona a deixar o filho entrar para as equipas de base do Argentino Juniors. Assim foi.

Craque aos 16 anos
no Argentino Juniors
Revelava dotes nunca dantes vistos num futebolista. Um pé esquerdo absolutamente fabuloso, um exímio marcador de livres, um encantador driblador, um mestre na arte de colocar a bola quer fosse a longa ou a curta distância, um temido rematador, e um feroz goleador. Com esta combinação de atributos num só jogador seria este chico humano? Era esta a pergunta de todos aqueles hinchas que pulavam e gritavam de alegria nas bancadas sempre que o viam atuar. Aos 16 anos era já a estrela da equipa principal do Argentino Juniors. Em 1977, com apenas 17 anos, é chamado à seleção principal do seu país, e por aqueles dias ninguém duvidava que o selecionador César Luis Menotti o iria convocar para o Campeonato do Mundo que um ano depois iria ter lugar no país das Pampas. Porém, o prodígio argentino é riscado da convocatória para espanto de toda a nação! Incompreensivelmente Diego não vestiu a camisola 10 que lhe estava reservada naquele Mundial, a qual seria envergada por Mario Kempes, que viria contudo a tornar-se no herói nacional após ter dado um grande contributo para que a Argentina conquistasse o seu primeiro Campeonato do Mundo da FIFA. O facto de não ter feito parte da seleção que conquistou o Mundo foi o maior desgosto da carreira de Maradona, o qual, ainda hoje, não perdoou a Menotti. Nem mesmo quando este lhe entregou a batuta da seleção de júniores que em 1979 encantou o planeta da bola com o seu futebol de altíssima qualidade na fase final do Campeonato do Mundo da categoria. No Japão Maradona deslumbrou, e conquistou de vez um lugar no Olimpo do futebol. Foi campeão, e também o melhor jogador do torneio. Era já - há muito - a atração principal do Argentino Juniors, clube ao serviço do qual se iria sagrar o melhor marcador do campeonato argentino desse ano de 79. Este foi aliás um ano inolvidável na vida de Diego, já que seria nomeado pela primeira vez como o melhor jogador da América do Sul. 

Com a camisola do seu amado Boca Juniors
Em 1980 concretiza um dos seus maiores sonhos: vestir a camisola do Boca Juniros, o seu clube do coração. Em La Bombonera - mítica casa do Boca - Diego rapidamente se torna na atração principal para todos os que lotavam o estádio sempre que o popular clube de Buenos Aires ali jogava. Pelo Boca Diego marca golos (muitos), faz assistências, jogadas que deixam os adversários à deriva no retângulo de jogo, e ganha títulos. Volta a conquistar prémios individuais, e o Mundo fica rendido de vez aos seus encantos. Talvez por isso tenha sido com alguma desilusão que no Campeonato do Mundo de 1982, ocorrido em Espanha, a prestação medíocre da Argentina tenha trazidos alguns amargos de boca a todos os amantes do futebol espetáculo, e sobretudo aos muitos fãs que Diego Maradona, o genial dono da camisola 10 da seleção das Pampas, havia já conquistado em todo o planeta. Em Espanha El Pibe de Oro, como entretanto havia sido batizado, não foi feliz com a sua seleção, mas nem por isso o colosso Barcelona deixou de lhe lançar o canto da sereia no final desse Mundial. O Barça via em Maradona um messias, e a chave para voltar a abrir as portas dos grandes títulos nacionais e internacionais.

No Barça
Diego permanece somente duas temporadas em Camp Nou. Não foi feliz. Uma hepatite na primeira temporada - que o atira para fora dos relvados durante três meses - e uma brutal agressão do basco Andoni Goikoetxea na segunda - que provocou uma lesão que o afastou durante quatro meses - impediram-no de mostrar o seu real valor. Ainda assim juntou ao seu currículo uma Taça do Rei e uma supertaça espanhola. Pouco para quem tinha sede de títulos. Deixou Barcelona com 44 golos em duas temporadas, e rumou até ao sul de Itália, para ai se juntar ao Napoli, mediano clube que pagou na época cerca de 1,2 milhões de doláres - uma fortuna, na altura - pelo passe de El Pibe. Dinheiro abençoado dirão hoje em dia os adeptos napolitanos, já que com a camisola celeste do clube vestida Diego Maradona viveu quiçá os seus melhores anos de futebol. Maradona conduziu o Napoli a mares nunca dantes navegados pelo clube, tornando-se num autêntico Deus para os seus ferrenhos adeptos. 
Venceu dois campeonatos de Itália, uma taça e uma supertaça italiana, e arrecadou a Taça UEFA em 1988. Fez quase 260 jogos com o clube, e apontou 115 golos. Com Maradona ao leme o Napoli foi um grande do futebol mundial. Ainda hoje ele tem a cidade a seus pés, uma cidade que o venera como um Deus, maior que o próprio Deus


Deus com a camisola do Napoli
Em 1986 ele atinge o ponto alto de uma brilhante carreira, quando no México, comanda a sua seleção no assalto ao título mundial. Pela mão - literalmente - de Diego a Argentina vence pela segunda vez na história o Mundial, ficando célebre o golo obtido com a mão ante a Inglaterra nos quartos-de-final da competição. Um golo com a mão que ficaria eternizado como a mão de Deus. Inolvidável, nesse mesmo jogo ante os europeus, a jogada que deixa por terra quase toda a equipa inglesa e termina com a bola a beijar as redes da baliza de Shilton, tento esse que seria mais tarde considerado como o golo do século XX! Um golo só ao alcance dos deuses... sem dúvida. Maradona volta a estar presente na fase final de um Campeonato do Mundo quatro anos depois, no país que o acolhera de braços abertos, a Itália, e para a história desse campeonato fica a meia-final entre a Argentina e a seleção da casa, jogo realizado na casa de Maradona, Napóles. Os napolitanos ficam divididos: apoiam a sua seleção ou o seu Deus (Maradona)? Os apoios dividem-se e o que é certo é que a Argentina elimina a Squadra Azzurra e atinge de novo a final, e de novo contra a República Federal da Alemanha (RFA), que quatro anos antes havia caído no Estádio Azteca ante Deus e os seus discípulos. Desta feita a RFA leva a melhor, e as lágrimas de Diego correm o Mundo após a final de Roma. Era também um indicador de um certo declínio da carreira de El Pibe, que em 1991 choca o Mundo quando num controlo antidopping acusou cocaína. Foi suspenso durante 15 meses e preso na chegada à Argentina por posse de cocaína. 


O momento mais alto da sua carreira
Os problemas - de ordem vária - começaram a fazer parte da vida do astro, que em 92/93 ainda passa pelo Sevilla na tentativa de relançar a sua carreira, mas em vão. Uma época mais tarde regressa ao seu país para representar o Newell's Old Boys com a intenção clara de se preparar para o Mundial de 94, onde viria a realizar somente dois jogos. No primeiro faz um dos seus golos geniais, diante da Grécia, e após o segundo - ante a Nigéria - acusou o uso de substâncias proibidas, que lhe valeu de imediato a suspensão da atividade. Terminava assim uma relação de amor (e ódio?) de Diego com a sua seleção. Após cumprir mais 15 meses de suspensão voltou aos relvados com a camisola do seu amado Boca Juniors, mas já sem a ginga de outros tempos - mais pesado, sobretudo - acaba por se refugiar na droga, de novo. Abandona de vez o jogo, e refugia-se em Cuba para uma desentoxicação. Inicia posteriormente uma carreira como treinador - chega a orientar a sua seleção na fase final do Mundial de 2010 - mas sem a mesma arte e engenho que fizeram dele um dos maiores - ou o maior, mesmo - jogadores de futebol de história. Se Deus um dia jogou futebol fê-lo na pele de Diego Armando Maradona, disso não há dúvidas. 

Nomes e números:

Grupo A

1ª Jornada

México - Argélia: 1-1
(Enrique Hernandez, aos 24m)
(Yahi, aos 67m)

Japão - Espanha: 0-1
(Zúñiga, aos 51m)

2ª Jornada

Espanha - México: 2-1 
(Paichardo, aos 8m, Gail, aos 74m)
(Díaz, aos 56m)

Argélia - Japão: 0-0

3ª Jornada

Espanha - Argélia: 0-1
(Bendjaballah, aos 15m)

Japão - México: 1-1
(Mizunuma, aos 58m)
(Romero, aos 69m)

Classificação:

1-Espanha: 4 ponts
2-Argélia: 4 pontos
3-México: 2 pontos
4-Japão: 2 pontos

Grupo B

1ª Jornada

Polónia - Jugoslávia: 2-0
(Palasz, aos 49m, Frankowski, aos 76m)

Argentina - Indonésia: 5-0
(Ramón Díaz, aos 10m, aos 23, aos 25m, Maradona, aos 19m, aos 39m)

2ª Jornada

Jugoslávia - Argentina: 0-1
(Escudero, aos 55m)

Polónia - Indonésia: 6-0
(Baran, aos 22m, aos 31m, Palasz, aos 11m, aos 37m, Janiec, aos 12m, Buda, aos 73m)

3ª Jornada

Polónia - Argentina: 1-4
(Palasz, aos 27m)
(Calderón, aos 23m, aos 70m, Maradona, aos 7m, Simón, aos 35m)

Jugoslávia - Indonésia: 5-0
(Milosavljevic, aos 19m, aos 63m, Smajic, aos 5m, aos 77m, Mlinaric, aos 73m)

Classificação:

1-Argentina: 6 pontos
2-Polónia: 4 pontos
3-Jugoslávia: 2 pontos
4-Indonésia: 0 pontos

Grupo C

1ª Jornada

Canadá - Portugal: 3-1
(Segota, aos 7m, aos 66m, Nagy, aos 79m)
(Grilo, aos 46m)

Paraguai - Coreia do Sul: 3-0
(Cabañas, aos 70m, aos 74m, Romerito, aos 5m)

2ª Jornada

Portugal - Paraguai: 1-0
(Nascimento, aos 23m)

Coreia do Sul - Canadá: 1-0
(Lee, aos 63m)

3ª Jornada

Paraguai - Canadá: 3-0
(Romerito, aos 37m, aos 58m, Isasi, aos 40m)

Portugal - Coreia do Sul: 0-0

Classificação

1-Paraguai: 4 pontos
2-Portugal: 3 pontos
3-Coreia do Sul: 3 pontos
4-Canadá: 2 pontos

Grupo D

1ª Jornada

União Soviética - Hungria: 5-1
(Taran, aos 71m, aos 78m, Ponomarev, aos 24m, Stukashev, aos 41m, Zavarov, aos 57m)
(Kardos, aos 9m)

Uruguai - Guiné-Conacri: 5-0
(Revelez, aos 22m, aos 74m, Paz, aos 53m, Vargas, aos 76m, Molina, aos 7m)

2ª Jornada

Hungria - Uruguai: 0-2
(Vargas, aos 23m, Paz, aos 35m)

Guiné-Conacri - União Soviética: 0-3
(Olefirenko, aos 6m, Mikhalevsky, aos 59m, Radenko, aos 80m)

3ª Jornada

União Soviética - Uruguai: 0-1
(Martinez, aos 66m) 

Hungria - Guiné-Conacri: 2-0
(Segesvar, aos 17m, Kerepeczky, aos 80m)

Classificação:

1-Uruguai: 6 pontos
2-União Soviética: 4 pontos
3-Hungria: 2 pontos
4-Guiné-Conacri: 0 pontos

Quartos-de-final

Espanha - Polónia: 0-0 (3-4 nas grandes penalidades)

Argentina - Argélia: 5-0 
(Ramón Díaz, aos 39m, aos 51m, aos 66m, Maradona, aos 25m, Calderón, aos 34m)

Paraguai - União Soviética: 2-2 (5-6 nas grandes penalidades)
(Romerito, aos 7m, Achucarro, aos 22m)
(Dumansky, aos 3m, Ponomarev, aos 70m)

Uruguai - Portugal: 1-0
(Paz, aos 94m)

Meias-finais

Argentina - Uruguai: 2-0
(Ramón Díaz, aos 52m, Maradona, aos 74m)

Polónia - União Soviética: 0-1
(Ponomarev, aos 50m)

Jogo de atribuição dos 3º e 4º lugares

Uruguai - Polónia: 1-1 (5-3 nas grandes penalidades)
(Paz, aos 9m)
(Palasz, aos 26m)

Final

Argentina - União Soviética: 3-1

Data: 7 de setembro de 1979

Estádio: Nacional de Tóquio

Árbitro: Ramiz Wright (Brasil)

Argentina: Sergio García; Abelardo Carabelli, Juan Simón, Rubén Rossi e Hugo Alves; Juan Barbas, Osvaldo Rinaldi (Juan José Meza, aos 49m) e Diego Maradona; Osvaldo Escudero, Ramón Díaz e Gabriel Calderón. Treinador: César Luís Menotti

União Soviética: Chanov, Yanushevsky (Olefirenko, aos 56m), Khachatrian, Paolukarov, Dumansky (Mikhalevsky, aos 60m), Ponomarev, Taran, Gurinovich, Stukashev, Ovchinnikov, e Radenko. Treinador: Sergei Korshunov

Golos: 0-1 (Ponomarev, aos 52m), 1-1 (Alves, aos 68m), 2-1 (Ramón Díaz, aos 71m), 3-1 (Maradona, aos 76m)
Seleção argentina que se sagrou campeã
mundial de júniores em 1979


Vídeo: ARGENTINA - UNIÃO SOVIÉTICA

terça-feira, janeiro 21, 2014

Catedrais Históricas (14)... Campo do Ameal

A imagem de marca do Ameal: a sua bela bancada central
ornamentada com o imponente relógio no topo.
É apontado como um dos cenários mais idílicos do futebol português da primeira metade do século XX. Recordar a sua história é ainda hoje um motivo de orgulho para os afetos ao centenário e histórico Sport Progresso, um dos populares emblemas da cidade do Porto. Levar o nosso pensamento a fazer uma visita ao mítico recinto é igualmente uma oportunidade para recordar as aventuras futebolísticas de nomes como Mihaly Siska, Norman Hall, Acácio Mesquita, Augusto Silva, Pepe, e tantas outras lendas do futebol luso desses saudosos anos. Sem mais demoras abram-se as portas do Campo do Ameal, a catedral história que hoje iremos visitar.
Falar do Ameal é lembrar também grande parte da vida do agremiação desportiva que lhe deu o ser, o Sport Progresso, emblema da freguesia de Paranhos fundado a 15 de agosto de 1908, que noutros tempos chegou calcarrear os patamares mais altos do desporto rei lusitano, mas que hoje vive quase esquecido nos caminhos secundários do futebol distrital. Foi pois nos tempos de maior glamour do Sport Progresso, dirigido naqueles longínquos anos 20 por gente dinâmica e empreendedora, que o Campo do Ameal passou do sonho à realidade.
A primeira pedra é lançada em 1922, e um ano mais tarde o sonho dá então lugar à realidade. É inaugurado oficialmente a 10 de junho desse ano de 1923, e para a festa o Progresso convida os gigantes vizinhos do FC Porto, Boavista, e Salgueiros, que entre si disputam uma amistosa e animada maratona de jogos de futebol.
Uma vista panorámica do retângulo de jogo
O Campo do Ameal destacava-se desde logo pela beleza da sua bancada central, ornamentada com um imponente relógio na parte superior da estrutura que se fazia sobressair como a sua imagem de marca. De certa forma a lembrar os míticos recintos do futebol britânico. A modernidade e beleza do Ameal não passaram despercibidos aos dirigentes do futebol português daqueles anos, que para o seu retângulo de jogo agendaram inúmeros e decisivos encontros do Campeonato de Portugal, na altura a competição mais importante do reino da bola lusitano. Um desses encontros ficou mesmo para a história da citada competição, tendo ocorrido na temporada de 1925/26, altura em que a União Portuguesa de Futebol (UPF) decidiu que a final do campeonato dessa época seria jogado no Ameal.
Frente a frente estiveram Belenenses e Marítimo, duas equipas que disputaram uma partida que durou apenas 60 minutos!!! Sobre ela o Museu Virtual do Futebol já traçou algumas linhas aquando da recriação desse Campeonato de Portugal numa outra visita ao passado, linhas essas que passamos então a recordar.

Marítimo ataca a baliza belenense
na final dos 60 minutos
(...) jogo decisivo que a UPF agendou para o Porto, mais precisamente para o Campo do Ameal, propriedade do Progresso. Decisão que fez estalar o verniz entre jogadores e dirigentes belenenses. Cientes da intensa rivalidade entre Lisboa e Porto os homens da Cruz de Cristo receavam ser... mal recebidos na Invicta, e como tal protestaram o palco da final. A UPF fez ouvidos moucos e os belenenses lá foram contrariados para o Porto onde - tal como haviam previsto - foram recebidos com uma cruel hostilidade pelo público portuense. Adeptos estes que, esquecendo a humilhação que o Marítimo havia aplicado ao FC Porto semanas antes, tomaram partido do conjunto da Madeira do príncipio ao fim do jogo ocorrido a 6 de junho.
Os jogadores de Belém entraram no Ameal debaixo de um coro ruidoso de assobios e apupos, ambiente que desde logo os enervou, e condicionaria em grande parte do encontro. O portuense José Guimarães foi o árbitro de um jogo que até começou equilibrado, com luta intensa a meio campo. Com o avançar do relógio, e com os gritos de incentivo ao Marítimo como som de fundo, a partida foi endurecendo, o que favorecia os rapazes da ilha da Madeira, mais resistentes do ponto de vista físico. Madeirenses que aos 35 minutos dispuseram de uma oportunidade sublime para chegar à vantagem, na sequência de uma grande penalidade assinalada a castigar uma falta belenense. Oportunidade que seria desperdiçada, e o encontro lá continuou com o nulo no marcador até ao intervalo. 


Mais uma investida madeirense às redes azuis
Na etapa complementar o Belenenses entrou melhor, mas seria o Marítimo a chegar ao golo à passagem do minuto 55 por intermédio de José Fernandes, na cobrança de um livre direto.
Cinco minutos volvidos Ramos faria o 2-0, e o Campo do Ameal explodiu de alegria, ao mesmo tempo em que os jogadores lisboetas eram provocados e ridicularizados pelo público ali presente. Belenenses que protestaram vincadamente o segundo golo insular, alegando irregularidades. Augusto Silva, um dos melhores jogadores dos azuis, terá mesmo puxado o braço do árbitro, pedindo-lhe satisfações, ao que este sem mais demora deu ordem de expulsão ao belenense. Silva recusou-se a sair do campo, e a desordem instalou-se no Ameal. O público continuava a insultar os lisboetas, agora mais do que nunca, e só a intervenção pronta da polícia a cavalo terá evitado males maiores. Augusto Silva continuava a recusar sair do campo, e assim sendo, o árbitro, após consultar os dirigentes da UPF ali presentes, decidiu por encerrar o jogo, e consequentemente atribuir o título de campeão ao Marítimo.

A festa estalou de pronto. Era como se os madeirenses estivessem a jogar em casa! Os lisboetas não calaram a sua revolta, e no dia seguinte a imprensa da capital saia mais uma vez em defesa dos seus: «Caído o verniz da compustura, os facciosos portuenses deram largas ao seu despeito e ao seu rancor a Lisboa, os jogadores do Belenenses tiveram de passar por entre alas de público que os cobriu de vaias, dirigindo-lhes  os insultos mais soazes. Estiveram iminentes vários conflitos...», assim escrevia Ribeiro dos Reis no Sport de Lisboa. 


Uma imagem triste: a demolição
do histórico Campo do Ameal
Polémica q.b. a única final realizada no Ameal. Sem dúvida. O seu retângulo de jogo iria receber nas épocas seguintes mais alguns encontros do Campeonato de Portugal, muito por culpa do FC Porto, o principal emblema da cidade, que face às reduzidas dimensões do seu Campo da Constituição se viu obrigado a bater à porta do vizinho Progresso para que este lhe cedesse o seu mítico campo para ali disputar as partidas de maior cartaz. E momentos de glória foi coisa que não faltou aos portistas naquela casa...
Mas como quase tudo na vida também o Ameal teve o seu fim. Por volta de 1934 o Sport Progresso começava a enfrentar graves problemas financeiros que colocavam em causa a sua sobrevivência. Atolado em dívidas, e sem condições para manter o campo em funciomaneto, o clube tenta encontrar compradores para o recinto. Seguem-se nos anos seguintes um rol de peripécias, avanços e recuos, o campo chega a ter três proprietários (!), mas não recupera o charme da década anterior, ao qual nem a seleção nacional conseguiu resistir, já que também no seu retângulo mágico efetuou alguns jogos internacionais.
Em 1947 o Sport Progresso muda-se de armas e bagagens para o outro lado Circunvalação - zona onde se situava o recinto - e ai assenta arraiais no seu novo campo de jogos, o Queirós Sobrinho, que ainda hoje se encontra de pé. Quanto ao velhinho e mítico Ameal, sem utilização nem consequente rentabilidade, acaba por ser demolido pouco tempo mais tarde, aparecendo no seu lugar uma triste e cinzenta urbanização que eclipsou de vez as alegres e coloridas bancadas do Ameal sempre que o seu retângulo de jogo era palco de momentos de magia futebolística.

segunda-feira, janeiro 13, 2014

Histórias do Planeta da Bola (1)... A primeira traição numa relação com mais de um século de existência

Alfonso Albéniz (com a camisola do Barça) é o primeiro na fila de cima
a contar da esquerda para a direita
Desconhece-se por completo se foi um bom, médio, ou mau intérprete do belo jogo, já que os ecos da sua perfomance com uma bola nos pés são uma autêntica raridade. A única certeza em relação à sua figura é de que ele foi o primeiro traidor de uma centenária e apaixonante relação que hoje em dia centra em si os olhares de todo o planeta da bola. O nome do traidor? Alfonso Albéniz, o homem que em 1902 leva a cabo o então banal ato de se transferir de um clube para outro, mas que hoje seria encarado como um pecado mortal: trocou o FC Barcelona pelo Madrid FC, último emblema este que mais tarde seria rebatizado com Real Madrid. 
Alfonso Albéniz Jordana, de seu nome completo, nasceu precisamente em Barcelona, a 1 de janeiro de 1886, sendo o mais velhos dos três filhos do famoso compositor catalão Isaac Albéniz. Ainda com a tenra idade de 16 anos o jovem Albéniz é convidado a integrar o team do não menos jovem FC Barcelona, emblema da cidade que havia visto a luz do dia em 1899 pela mão do suíço Hans Gamper. Estávamos em 1901, uma época onde a esmagadora maioria dos países do globo dava ainda os primeiros pontapés na bola que há mais de três décadas deixava os britânicos loucos de entusiasmo.
Começavam pois a nascer as primeiras competições entre clubes no plano interno, despoletavam rivalidades que iriam perdurar até aos dias de hoje, e os primeiros génios da bola mostravam-se ao Mundo. Não se sabe - e voltamos a sublinhá-lo - se terá sido o caso de Alfonso Albéniz, certo é que ele foi preponderante numa das primeiras conquistas daquele que é hoje um colosso do futebol planetário, o Barça, que a 6 de janeiro de 1902 vencia a Copa Macaya após um triunfo por 4-2 ante o Hispania. Albéniz fez a sua estreia pelos blue grana nesse encontro, tendo da sua autoria sido o primeiro golo catalão nessa tarde de glória. Que estreia!
Cerca de quatro meses depois dessa epopeia dá-se o primeiro encontro entre aqueles que com o passar dos anos se converteram em inimigos de morte, protagonistas de uma relação que apaixona adeptos não de Espanha como da restante aldeia global. FC Barcelona e Madrid FC enfrentam-se pela primeira vez num jogo oficial, referente às meias-finais da primeira edição da Copa de la Coronación - mais tarde rebatizada como Copa del Rey - e que terminaria com a vitória catalã por 3-1. O Barça viria a perder a final ante os bascos do Club Viscaya por 1-2, tendo sido esse o derradeiro encontro de Albéniz com a camisola blue grana. Uma semana depois faz as malas e parte para a capital, para ai continuar a sua vida académica, e consigo levou a paixão pelo jovem football, não sendo de estranhar que assim que chega a Madrid um dos seus primeiros atos é vestir o manto sagrado do Madrid Foot Ball Club. A notícia é dada da seguinte forma em breves linhas:  

«Hemos sabido que ha ingresado en la Sociedad Madrid Foot Ball Club el notable y entusiasta jugador señor Albéniz, que perteneció al Barcelona y, además, otros buenos jugadores cuyos nombres sentimos no recordar, pero ya los citaremos en las reseñas de los partidos en que tomen parte.»

Contudo, Albéniz nunca chegou a vestir de branco em termos oficiais, sabendo-se apenas que não muito mais tarde passaria a integrar a direção do clube merengue. Como dirigente distinguiu-se ainda na qualidade de presidente do Colégio Nacional de Árbitros, cargo que ocupava aquando da realização da primeira edição do Campeonato Nacional de Espanha, na temporada de 1928/29, cerca de uma década antes de vir a falecer em solo português, mais concretamente no Estoril. 
Depois de Albéniz largas dezenas de outros jogadores fizeram a arriscada viagem entre Barcelona e Madrid, e vice-versa, algumas dessas viagens mais mediáticas do que outras, casos da de Michael Laudrup, Bernd Schuster, Luís Enrique, ou de Luís Figo, quiçá a mais atribulada da história.

sexta-feira, janeiro 10, 2014

ENTREVISTA: Carlos Metidieri, o rei que Pelé substituiu no trono da velha NASL


Carlos Metidieri
Quando abordamos a história do soccer dos Estados Unidos da América (EUA) é impiedoso dedicarmos longas linhas à primeira versão, digamos assim, da North American Soccer League, popularmente conhecida como NASL. Foi digamos que a era de maior glamour, de maior mediatismo de uma modalidade que num passado não muito distante era olhada com alguma desconfiança numa nação que estranhamente teimava - e de certa forma ainda hoje oferece alguma resistência - em aceitá-la como o verdadeiro desporto rei. Foi graças a este mediático campeonato que entre 1968 e 1984 - os anos em que a primeira versão da NASL viveu - os EUA vivenciaram a febre do soccer, muito por culpa das mega estrelas do futebol planetário que para lá foram dar uns pontapés na bola na fase terminal das suas carreiras.
Edificou-se o belo jogo em estádios gigantescos - ainda uma raridade na Europa daquele tempo - que rapidamente esgotavam as suas lotações para ver em ação as lendas da bola, casos Johan Cruyff, George Best, Eusébio, António Simões, Carlos Alberto, Rivelino, Giorgio Chinaglia, Teófilo Cubillas, Gordon Banks, Gerd Muller, Franz Beckenbauer, Bobby Moore, Johan Neeskens, Ruud Krol, e claro, Pelé. A extensa cobertura televisiva, a publicidade, o popular show biz norte-americano, tudo junto ajudou a que a NASL da década de 70 - sobretudo - fosse a competição de clubes mais mediática - e extravagante - do planeta... sem dúvida. A febre do soccer de grande parte dos anos 70 levou estrelas internacionais da música e do cinema a perder a cabeça e investir fortunas na fundação e/ou aquisição de clubes, equipando estes seus novos brinquedos com algumas das lendas que atrás citamos.  
Hoje, o Museu Virtual do Futebol recebe com vincada honra uma das primeiras lendas da popular competição norte-americana, o homem que ocupou o trono de rei da NASL antes de... Pelé o reclamar para si. Essa figura é Carlos Metidieri, um artista brasileiro, um predador avançado que foi imortalizado nos relvados - na sua maioria sintéticos - do soccer da América do Norte como Topolino. Encontrámo-lo nos caminhos virtuais do autêntico bairro virtual que é hoje em dia a rede social facebook, convidámo-lo a visitar o museu, aceitou, e connosco partilhou memórias que fazem hoje dele um ícone da extinta e saudosa NASL. Numa longa, descomprimida, deveras agradável, e sobretudo divertida conversa Il Topolino recorda outras lendas com quem o privilégio de jogar - e de privar -, os momentos dourados - e divertidos - do seu trajeto no soccer, entre outras inúmeras lembranças. Il Topolino tem a palavra...

Museu Virtual do Futebol (MVF): Como todas as histórias também a sua tem um início. O ponto de partida é Votorantim, cidade (do interior) do estado de São Paulo onde a 18 de dezembro de 1942 nasceu José Carlos Metidieri. Como foram os primeiros passos do lendário Topolino no mundo do futebol?
Carlos Metidieri (CM): Comecei a jogar nos escalões de formação do Palmeiras, o time do qual era adepto desde criança, em 1958. Mais tarde passei para o Esporte Clube São Bento, que jogava na Divisão Especial, hoje 3ª Divisão, e foi lá que fiz a estreia no futebol sénior.

MVF: Nessa época o futebol paulista era abrilhantado por um tal de Pelé...
CM: Sim, e joguei contra ele várias vezes. Pelo São Bento cheguei a vencer o Santos dele. Aliás, eu era um fã de todo aquele famoso time do Santos. Mas convém dizer também que o São Bento era um dos grandes times do futebol paulista daquele tempo.

MVF: Depois do São Bento seguiu-se?
CM: Itália, mas não tive muita sorte lá. Fui em 1963, e recordo que no mesmo avião em que eu viajava iam o Jair da Costa (que mais tarde seria bi-campeão europeu pelo Inter de Milão, em 1964 e 1965) e o famoso massagista da seleção brasileira Mário Américo, um cara muito bacana e amigo, que na altura acompanhava o Jair. Mas como dizia, cheguei em Itália e não tive muita sorte. No Napoli, o meu destino inicial, estive somente seis meses, e depois fui para o Como, mas lá também tive pouca sorte.

MVF: O que faltou para dar de caras com a sorte?
CM: Era muito novo na altura, além de que naquela época era muito difícil jogar numa equipa italiana devido à restrição do número de atletas estrangeiros. Não é como agora, que o mercado é livre, e uma equipa pode até jogar só com jogadores estrangeiros. Naquele tempo só eram permitidos dois estrangeiros e um oriundi (atleta descendente de italianos) por equipa...

MVF: ... O Carlos era oriundi...
CM: Sim, sou descendente de italianos, os meus avós paternos eram da Calabria. Mas como dizia, além dessa restrição a jogadores estrangeiros, e de ter ido para Itália cedo demais, tive a infelicidade de partir um braço. A recuperação foi muito longa, e como o campeonato italiano estava já em andamento tive de escolher outro caminho para continuar a minha carreira. E foi ai que surgiu a hipótese de ir para o Canadá.

MVF: Canadá? Porquê? À primeira vista parece tratar-se de um país onde o futebol não tem grande expressão...
CM: Não é bem assim. Na altura eu tive de decidir entre França e Canadá, os países de onde recebi propostas. Optei pelo Canadá. Era um moleque (de 20 anos), não tinha experiência, nem empresário, e o que me fascinou foi o facto de na liga canadense jogarem na época diversas lendas do futebol mundial, casos do Kubala, ou de Sir Stanley Matthews. Isso atraiu-me. A liga do Canadá tinha bons jogadores, oriundos do Brasil, Argentina, etc. Era um campeonato muito forte, desconhecido, mas muito bom.

MVF: Não fazia ideia...
CM: É, as equipas europeias quando lá iam fazer digressões levavam pau, inclusive o grande Benfica de Eusébio e companhia, da primeira metade da década de 60, bi-campeões da Europa, foi lá e perdeu connosco...

MVF: Quando diz connosco fala do Toronto Italia, a equipa que o contratou, certo?
CM: Certo, passei lá três anos maravilhosos, entre 63 e 66. Fui campeão nacional pelo Toronto Italia, além de ter sido (por mais do que uma vez) o melhor marcador e o jogador mais valioso do campeonato. Mas como estava a dizer as equipas da Europa iam lá em digressão e perdiam. Foi assim com o Benfica, em 1963, ou 1964, não me recordo bem, mas lembro a propósito que após uma vitória da minha equipa sobre esse grande time benfiquista os jornais do dia seguinte titulavam o seguinte: "Viemos ver Eusébio, mas vimos Metidieri". (risos)

MVF: O Carlos eclipsou o Pantera Negra...
CM: ...Toda a gente queria ver o grande Eusébo, mas eu acabei por fazer uma exibição fantástica nesse jogo. Lembro também que outra vez fiz três golos ao Varzim, que também lá foi derrotado.

MVF: O Canadá pode, portanto, ser olhado como o passaporte para a grande carreira que viria a desenvolver nos anos seguintes?
CM: Foi uma ótima experiência. Deixei lá grandes amigos. Foram tempos memoráveis, inclusive assisti lá a um concerto dos Beatles na primeira digressão que eles fizeram à América do Norte. (risos) Lembro-me que competia durante seis meses lá e os outros seis estava ao Brasil, onde jogava pelo São Bento, um clube que era propriedade da minha família...

MVF: ... eram os Abramovich do São Bento (risos)
CM: (risos) A minha família sempre esteve ligada ao futebol. O meu tio, Alfredo Metidieri, era o presidente da Federação Paulista de Futebol, e o meu primo Gilson Metidieri, que foi um grande jogador, também jogou comigo nos EUA. Como a temporada de futebol no Canadá só durava seis meses eu voltava sempre ao Brasil para jogar pelo São Bento, que aliás tinha um timão nessa época, com jogadores como Marinho Peres (que foi internacional pela seleção do Brasil e jogou no Barcelona, tendo mais tarde treinado inúmeras equipas do futebol português), o Paraná, ou o Cabralzinho.

MVF: O sucesso que alcançou no Canadá não lhe reabriu as portas do futebol europeu?
CM: Esteve quase. Recebi propostas de muitas equipas, não só da Europa como de outros pontos do globo. Da Argentina o Independiente (na época campeão da Copa Libertadores) tentou contratar-me para jogar a final da Taça Intercontinental (que naqueles anos era jogada a duas mãos, uma na América do Sul, outra na Europa) com o Inter de Milão. Da Europa também recebi algumas propostas para regressar, e recordo que o Celtic de Glasgow foi um dos clubes que tentou esse regresso. Da Austrália também chegou um convite.

MVF: Mas o que é certo é que continuou pela América do Norte. Porque não regressou ao Velho Continente, por exemplo?
CM: Sobretudo por não ter um empresário que me representasse. Mas também porque no Canadá, e como já disse, a temporada só durava seis meses, pelos que os outros seis eu voltava para casa, para o Brasil, e dava para matar saudades da família. E como eu tinha saudades da família...

Os Boston Rovers
(camisola listada) em ação

MVF: O próximo passo na carreira acabou por ser curto, já que só teve de atravessar a fronteira para os EUA...
CM: É, nessa altura (por volta de 1967) estava no Brasil, pois o Toronto Italia decidiu nesse ano não jogar. O telefone tocou, e do outro lado estava alguém a fazer-me o convite para ir para Boston. Foi precisamente na altura em que NASL estava prestes a começar. Recordo que na época a equipa que representava a cidade de Boston era o Shamrock Rovers, da Irlanda, dai o time pelo qual assinei se chamar Boston Rovers.

MVF: Era o que se chama agora de um clube satélite...
CM: Sim, mais ao menos. Passei um bom tempo com os irlandeses. Como eles bebiam!!! (risos)

MVF: Como bons irlandeses uma boa dose de cerveja Guinness não devia faltar na hora de festejar as vitórias, certo?
CM: Eles bebiam de tudo. Lembro-me que quando íamos jogar a outras cidades o autocarro da equipa parava e todos saíam para comprar bebidas - alcoólicas, claro. Depois, antes dos jogos, misturavámos tudo na banheira do treinador, no balneário, púnhamos gelo lá dentro, e saltávamos todos para o interior da banheira. Depois, íamos para o campo, jogar (risos). Após o jogo, no regresso ao hotel, vínhamos todos a cantar no autocarro. Eu só cantava a La Bamba (música celebrizada por Ritchie Valens). (risos)

MVF: Que grande época deve ter sido essa (risos). 
CM: Aquela equipa estava sempre em festa.

MVF: Perdessem ou ganhassem?
CM: Perdêssemos ou ganhássemos.

MVF: Em 1968 dá-se então o início da NASL, a primeira edição da célebre competição. Nesse ano o Carlos atravessa os EUA, foi de costa a costa, como se costuma dizer, aterrando em Los Angeles (LA), onde teve a sua primeira grande explosão no soccer norte-americano, a julgar pelos (muitos) golos que marcou e que o tornaram no goleador da equipa nesse ano. 
CM: Sim, estive lá um ano ao serviço dos Los Angeles Wolves. Recordo-me que o treinador era o Ray Wood, um dos sobreviventes do desastre de avião que em 1958 vitimou grande parte da equipa do Manchester United. A equipa tinha grandes jogadores, como o meu primo Gilson, o argentino Jorge Piotti, ou o peruano Jorge Benitez.

MVF: Viver em L.A., conhecida mundialmente como a cidade dos anjos... e dos demónios (risos), deve tê-lo marcado. Viver tão próximo das estrelas de Hollywood, dos mitos da música, como The Doors, por exemplo...
CM: Lorne Greene, um dos protagonistas da série Bonanza, era o dono do clube. Andava sempre com cada mulher!!! oh oh (risos). Ele era ainda o proprietário dos Lakers, e dos Kings, respetivamente equipas de basquetebol e de hóquei no gelo. Mas, nós, jogadores, éramos calmos, não entrávamos naquele mundo louco de L.A.

MVF: Nada de divas de Hollywood, portanto?
CM: Isso era mais para o Lorne Greene, que trazia cada gata para as festas! (risos). Ele adorava festas. Nós, gostávamos de curtir uma praia, tomar uns chopes com estrelas de outras áreas, como por exemplo o Johnny Mathis (popular cantor norte-americano).

MVF: Tinham aquilo o que se chama de uma vida hollywoodesca.
CM: Sim, de certa forma.

MVF: E o futebol, como era a relação entre aquela espampanante cidade multicultural e uma modalidade de certo modo estranha (na altura) para aquele país?
CM: Los Angeles tinha uma grande comunidade de imigrantes, sobretudo mexicanos, comunidade essa que apreciava bastante o futebol. Os norte-americanos, propriamente ditos, ligavam pouco ao soccer, ao contrário do que acontece agora. Lembro-me que os jogos dos Wolves eram disputados no Rose Bowl, de Pasadena, um estádio que tinha capacidade para 100 000 pessoas, mas quando lá jogávamos não havia mais de 10 000 ou 15 000 espetadores a assistir. O estádio parecia vazio. Coincidência ou não os Los Angeles Wolves acabariam nesse ano de 68.
A equipa dos Rochester Lancers que em 1970 conquistou o título de campeão da NASL.
Metidieri é o jogador que na fila de baixo segura a bola e enverga a camisola número 11
MVF: Como tal, a permanência em L.A. foi, à semelhança de Boston, curta. Depois da aventura californiana seguiram-se quiçá os seus anos dourados no mundo da NASL, uma competição que começava a atrair os olhares do showbiz norte-americano. 
CM: Depois de L.A. regressei ao Brasil, onde algum tempo mais tarde o telefone voltou a tocar, e mais uma vez alguém do outro lado convidou-me para voltar aos States. Desta vez para Rochester, onde de facto fui muito feliz durante os quatro anos que lá passei envergando a camisola dos Lancers. Passei, aliás, grande parte da minha vida naquela cidade, mesmo depois de ter encerrado a minha carreira de futebolista. Ali casei-me, ali nasceram os meus filhos, ali tive negócios. Ainda hoje, gosto de voltar a Rochester sempre que posso. Sou bem recebido...

MVF: ...Como um verdadeiro ídolo?
CM: Sim, é verdade, tratam-se com carinho, o que para mim é um orgulho.

MVF: Bem diferente de L.A., onde o soccer, na altura, não pegou de imediato de estaca.
CM: Sim. Ao contrário de Los Angeles, Rochester era uma cidade pequena (pertence ao Estado de Nova Iorque), que tinha nos Lancers o seu único time profissional. Viviam lá muitos imigrantes, que gostavam de futebol, e como tal tínhamos muito apoio nos jogos que disputávamos em casa.

A lendária camisola número 11
dos Rochester Lancers, eternizada
por Carlos Metidieri
MVF: Uma cidade que de facto lhe diz muito, onde chegou, viu, e venceu, já que no seu primeiro ano (1970) ao serviço dos Rochester Lancers foi campeão da NASL.
CM: É verdade, tínhamos uma boa equipa, com muitos brasileiros, uruguaios, africanos, mexicanos, europeus (italianos, ingleses, escoceses), mas sobretudo éramos um grupo de bons amigos. Combinávamos bem uns com os outros, mas também vencemos aquela liga porque grande parte das outras equipas faziam a estreia na NASL, não tinham muito experiência numa competição que então dava os primeiros passos. Mas mesmo assim recordo-me de um ou outro grande time daquele ano, como por exemplo os Washington Darts (que os Lancers derrotaram na final do campeonato).

MVF: Foi aliás em Rochester que o Carlos Metidieri estabeleceu um recorde no futebol norte-americano que ainda hoje perdura, ao conquistar em dois anos seguidos (1970 e 1971) o título de MVP (Most Valuable Player) da liga, que traduzindo para português significa dizer que foi o melhor jogador do campeonato. Um feito que nenhum outro jogador que passou pela famosa NASL da década de 70 alcançou, nem mesmo Pelé, que ali chegou em 1975. 
CM: Sim, esse recorde ninguém me tira (risos). Em 71 fui o MVP e o melhor marcador da liga em simultâneo. São boas lembranças, acima de tudo. Ainda hoje aquele título de campeões da NASL é lembrado na cidade como o mais importante no plano desportivo.

MVF: Quando o seu nome é invocado em Rochester outro episódio que salta de imediato à memória dos que o viram jogar pelos Lancers foi um célebre golo apontado aos Dallas Tornado aos 176 minutos de jogo!!!
CM: É verdade. Foi em 1971, no primeiro jogo das meias-finais da NASL, contra os Dallas Tornado, como disse. Foi marcado ao minuto quinze do sexto prolongamento (!), aos 176 minutos, portanto. Um jogo que ficou para a história da NASL como o mais longo da competição. O encontro só terminaria quando uma das equipas maracasse o golo da vitória (no final dos 90  minutos o resultado era de 1-1). Lembro-me que começámos a jogar às 20H00 e terminámos às 23H55!

MVF: Quase quatro horas seguidas de futebol!! Que loucura!!!
CM: É, cheguei ao final e cai de joelhos, mas consegui chegar ao fim.

Topolino com outro lendário rato: Mickey Mouse
MVF: 78 jogos disputados, 40 golos apontados, e um título nacional conquistado. Este é o registo que faz do Topolino uma lenda viva de Rochester. A propósito, e não podia deixar de lhe fazer esta pergunta, foi nesses anos dourados de Rochester que nasceu o peculiar nickname (alcunha) de Topolino? E já agora explique-nos porquê Topolino?
CM: Não, a alcunha de Topolino foi-me dada quando jogava em Toronto, pelos torcedores italianos que lá viviam e apoiavam o Toronto Italia. Topolino significa pequeno rato em italiano, e assim era chamado não só por eu ser de estatura baixa mas sobretudo porque era muito rápido com a bola nos pés. Ainda em termos de características pessoais fiquei igualmente conhecido por ter um bom drible, e um forte poder de remate.

MVF: E assim nascia a lenda do Topolino. Rochester não foi porém o seu derradeiro capítulo na NASL. Regressou a Boston em 1974, para ai atuar dois anos pela equipa dos Minutemen, a mesma onde pouco mais tarde jogariam algumas estrelas portuguesas de então, casos de António Simões, ou de Eusébio. O nome do Pantera Negra não podia deixar de estar presente nesta pequena conversa entre o Museu Virtual do Futebol e o Topolino. Sobretudo hoje, pouco tempo depois de ele deixado o mundo terrestre, e de o planeta da bola ainda chorar a sua morte. Fale-nos de Eusébio...
CM: Não chegámos a jogar juntos na NASL. Fizemo-lo sim na Major Indoor Soccer League (futebol indoor, modalidade tão pouplar nos EUA) ao serviço dos Buffalo Sttalions, onde ainda estive uns dois anos (1979 e 1980). Foi um prazer jogar ao lado de Eusébio. Lembro-me que ele gostava muito de jogar poker, e muitas noites lá ia eu jogar uma partidinha com ele. Adorava uma cervejinha, e recordo-me que nessa época o meu irmão Paulo tinha uma pizzaria em Rochester, e em várias ocasiões ia de propósito a Buffalo levar-nos umas pizzas para acompanhar o poker e a cervejinha (risos). O Eusébio era um cara muito sincero e amigo, era capaz de tirar a camisa do corpo para ta dar. Tal como o Garrincha, com quem também joguei indoor soccer, também ele era uma pessoa humilde. Que Deus o tenha em bom lugar.

MVF: Como já dissemos, em 1975 Pelé chega aos EUA, contratado pelo Cosmos de Nova Iorque, e a euforia em torno do soccer subiu de tom. Parecia que o país tinha finalmente descoberto uma modalidade que no resto do Mundo era já de há longas décadas àqueles dias o chamado desporto rei. De repente o futebol tornou-se quase no desporto mais popular da América, e depois de Pelé outras lendas (algumas delas já mencionadas na entrada desta entrevista) rumaram aos States. Pode dizer-se que Pelé apagou a forma quase desprezível como os nativos americanos olhavam para o soccer?
CM: É certo que a chegada dele à América atraiu mais gente aos estádios para ver futebol. Pelé acrescentou de certa forma valor à NASL, abrindo portas para que outros craques da época do futebol internacional viessem para os States. Jogadores como Beckenbauer, Carlos Alberto, ou Chinaglia eram grandes atrações para o público que passou a lotar os estádios. Eles, e muitos outros grandes jogadores que entretanto iam chegando aos EUA, deram um forte contributo para que o futebol crescesse neste país. Formaram-se outras ligas, a modalidade desenvolveu-se nas escolas, e as crianças do país começaram a pratica-la, sendo aliás que muitas delas tornar-se-iam anos mais tarde jogadores profissionais que atuaram, ou ainda atuam, na Europa, por exemplo.

O rápido Topolino
com a camisola dos Boston Minutemen

MVF: Nessa segunda metade da década de 70 o futebol estado-unidense viveu a fase de maior glamour da sua história. Estrelas do mundo do cinema e da música investiam fortunas em equipas, na contratação de algumas lendas do futebol mundial. Os jogadores eram tratados como verdadeiros deuses. Viajavam em limousines nas grandes cidades; eram convidados para festas juntamente com lendas do rock n'roll, de Hollywood, ou da política; eram frequentemente capas nas mais importantes revistas e jornais dos EUA. Em suma, aquela foi a era da febre do soccer. Pelé, como já foi dito, deu um forte contributo para que a doença do futebol contaminasse a nação americana, mas o Carlos, e hoje pode afirmar-se isso com certeza ao olhar para o seu trajeto na NASL, foi um dos grandes responsáveis pelo aparecimento dessa tal febre do soccer, digamos que os seus golos, as suas jogadas, os seus prémios, foram as bases daquilo o que Pelé mais tarde viria a construir. 
CM: A minha fase na NASL foi um pouco mais calma do que a era do Pelé e de outros jogadores que já mencionei. O mediatismo do futebol do meu tempo era um pouco menor. Mas ainda assim digamos que eu e outros jogadores da minha época abrimos os caminhos para aquilo o que o futebol nos EUA é hoje. Abrimos os caminhos para que hoje encham os bolsos de dinheiro. (risos) Eu ajudei a plantar as sementes, e agora colhem os frutos na Major League Soccer (a mais importante competição profissional da atualidade no soccer dos States).

MVF: Ainda hoje, muita gente - sobretudo na Europa - tem a ideia de que aquela NASL era somente um campeonato que juntava muitas estrelas internacionais em idade de reforma, e que de futebol (bem jogado) pouco ou nada se via. Concorda?
CM: Não. Havia equipas muito fortes, que jogavam muito. Como disse no início, as equipas europeias faziam muitas digressões pela América do Norte, isto é, Canadá e EUA, e quando lá chegavam perdiam com as nossas equipas. Eu venci algumas equipas da Europa tanto no Canadá como nos States. A NASL era uma liga que se formava muito rápido e terminava cedo, onde os jogadores que ali chegavam tinham pouco tempo para se adpatar. A maior parte dos times eram formados por jogadores estrangeiros, mas aos poucos os jogadores de origem norte-americana iam-se infiltrando e jogando nessas equipas. Como já referi a NASL contribuiu muito para que o futebol nos EUA crescesse.

MVF: Ainda na atualidade o futebol norte-americano é olhado com alguma desconfiança por parte dos europeus, pois a ideia que vamos tendo é de os norte-americanos não vão muito à bola com... o futebol.
CM: Não, hoje em dia já não é assim. Eles aprenderam aos poucos a gostar do nosso futebol, a pratica-lo, como eu disse antes, a saber interpreta-lo, e a prova é que nos dias de hoje a seleção nacional é uma presença assídua nas Copas do Mundo. Eles vão estar na copa do Brasil este ano. Hoje, os estádios de soccer nos EUA estão sempre cheios, o que antes não acontecia, com exceção aos tempos do Pelé na NASL. A nova geração está a crescer com o gosto pelo soccer no sangue.

MVF: Como todas as febres também a febre da mediática NASL de Pelé e companhia - quiçá o campeonato nacional mais cintilante da história da modalidade a nível planetário (!), pois hoje em dia nem em Espanha, nem em Inglaterra, nem na Alemanha, ou em Itália vemos jogar juntos um leque de estrelas de gabarito internacional tão vasto como o da velha NASL - chegou ao fim. Na entrada para a década de 80 o campeonato foi perdendo fulgor e sobretudo entusiasmo por parte do público. Aos poucos os multimilionários que investiram fortunas em equipas e jogadores mediáticos foram desaparecendo do cenário da competição, a qual iria conhecer a sua derradeira edição em 1984. O que matou a NASL?
CM: Começou a pagar-se muito dinheiro pelo que valia pouco! Creio que a entrada de empresários para a venda e compra de jogadores também foi prejudicial para a continuidade da liga. Digamos que a NASL foi um sonho curto, num dia acordámos e tudo tinha acabado.

Uma imagem constante ao longo
da sua carreira: receber prémios
MVF: Falou em Pelé, Carlos Alberto, Chinaglia, e Beckenbauer, quatro mega estrelas que co-habitaram o mesmo espaço naquela que hoje é comum denominar-se como uma equipa galática, o Cosmos de Nova Iorque, muito provavelmente a equipa mais popular - e consequentemente com mais adeptos - da história da NASL e do próprio futebol norte-americano. Como grande estrela do soccer  dos States nunca pensou voltar ao ativo e vestir a célebre camisola dos galáticos do Cosmos?  
CM: Não, eu já estava na fase final da minha carreira (jogava na Major Indoor Soccer League ainda), passava muito fora de casa, e já tinha os meus negócios em Rochester, além de que já estava na hora de ser pai (risos). Era altura de parar.

MVF: Agora, uma pergunta obrigatória a qualquer futebolista brasileiro que alcance o patamar do estrelato no plano internacional, tal e qual o Carlos alcançou. Vestir a mítica camisa amarelinha (da seleção brasileira) foi algo que lhe passou pela cabeça naqueles dias de glória?
CM: Passou, claro, mas vestir a amarelinha era difícil, especialmente porque eu jogava nos States. Acabei no entanto por jogar pela seleção nacional dos EUA. Estava a passar por uma boa fase a nível pessoal e a federação convidou-me a representar o país em alguns jogos particulares numa digressão que a seleção estado-unidense fez à Bermuda e à Polónia em 1973. Naturalizei-me, e aceitei o convite. Recordo-me que essa seleção era quase toda formada por atletas estrangeiros naturalizados. No jogo que fizemos em Varsóvia, contra a seleção polaca, os adeptos locais chamaram-me de americanisk Muller (risos).

MVF: De facto, confere, não só pelas semelhanças físicas (Gerd Muller e Metidieri são ambos baixos e na época usavam cabelos longos) mas também pelas características idênticas enquanto futebolistas...
CM: Certo, mas eu era mais sexy (risos). 

MVF: (risos) Penduradas as chuteiras o Carlos ficou-se pelos States até hoje...
CM: Sim, como disse antes aqui casei, nasceram os meus quatro filhos, tive os meus negócios, e hoje digo até que sou mais americano do que brasileiro (risos). Gosto de estar aqui, os meus filhos estão cá, tenho aqui muitos amigos, por isso é natural que esteja por aqui. E já cá estou há quase 50 anos! Claro que sempre que posso vou até ao Brasil, visitar a família que ainda vive lá, mas a minha casa é aqui.

MVF: Falou em negócios, algum deles teve a ver com futebol?
CM: Não, depois de terminar a carreira desliguei-me por completo do futebol como interveniente. Ainda treinei durante dois anos equipas de colégios, mas após essa experiência afastei-me por compelto. O facto de ter sido um bom jogador não significa que tivesse sido um bom treinador, entende? Nem sempre os bons jogadores se tornam bons técnicos. Depois do futebol tive muitas pizzarias em Rochester, onde vivi grande parte da minha vida, até a minha esposa ter sido transferida - via profissional - para Gilbert (Arizona), onde vivo atualmente. Hoje, estou reformado, e ocupo o meu tempo livre entre o voluntariado na American Legion, onde dou uma ajuda na cozinha, e o futebol enquanto espetador.

MVF: Continua a acompanhar o jogo que tanta glória lhe trouxe, portanto?
CM: Sim, vejo jogos de vários campeonatos nacionais da Europa e da América do Sul.

MVF: São poucas as semelhanças do futebol de hoje e do seu tempo. O jogo evoluiu em vários aspetos...
CM: Correto, antigamente acho que era mais difícil ser jogador. No passado o futebol era mais duro, e eu que o diga, já que ao longo da minha carreira encontrei vários defesas que primavam pelo excesso de dureza, casos do Willie Evans, um ganês que jogava em Miami, e que um dia me deu uma pancada e como consequência tive de levar quatro pontos na cara, ou do uruguaio Roberto Lonardo, outro assassino que tive de enfrentar (risos). Hoje, joga-se de uma forma mais limpa, e bonita.

MVF: Qual o jogador que no futebol de hoje se assemelha mais ao Topolino?
CM: Talvez o Neymar, embora eu fosse um pouco mais rápido do que ele. Mas ele ainda é novo, pode evoluir muito mais, pode chegar ao topo, embora para já a luta por esse topo se resuma ao Messi e ao Cristiano Ronaldo.

MVF: Ainda voltando ao seu tempo de atleta, que outros craques ainda vagueiam pela sua memória?
CM: Alguns com que tive o prazer de jogar ao lado e contra. Recordo especialmente o argentino Piotti, que chegou a jogar na Juventus de Itália, o português Simões, ou o Kubala. E claro, o meu primo Gilson (Metidieri), um baixinho que era um inferno para os defesas! Ele foi dos melhores que eu vi jogar. E era ainda mais baixo do que eu (risos).

Metidieri parece estar a passar "coroa de rei" da NASL
ao seu compatriota Pelé
MVF: E Pelé, impossível terminar esta conversa não sem antes falar do Rei Pelé...
CM: Já disse antes que denfrontei o Pelé quando jogava no Brasil, pelo São Bento.
Venci-o algumas vezes, e perdi outras. Nos EUA também joguei contra ele, quando o Santos aqui vinha em digressão, pois quando ele foi para a NASL eu já tinha deixado a liga.
Tive o prazer de conviver com ele algumas vezes, e posso dizer que era uma pessoa humilde. Lembro-me também que era muito mulherengo (risos), foi o único cara que conheci que numa noite dormia com uma mulher e no dia seguinte ia para o campo e fazia três golos (risos).

MVF: O doping do Pelé era o sexo antes dos jogos, portanto...
CM: Sim, nesse aspeto ele era um dopado (risos). Uma vez estava com ele em Nova Iorque, e antes de um jogo conhecemos duas miúdas, e o resto, bom... (risos)

MVF: Ok, já percebi, tiveram um bom estágio antes do jogo, mas em relação... ao futebol em concreto. Já mencionou alguns jogadores por quem nutre admiração, outros que fizeram da sua vida um inferno dentro dos retângulos de jogo, casos dos defesas assassinos que defrontou. E treinadores, houve algum que o tivesse marcado?
CM: Alguns também. Ray Wood (Los Angeles Wolves), Wilson Capão (São Bento), Rubens Minelli (Palmeiras), e claro Sal de Rosa (Rochester Lancers), último técnico este com quem fui campeão da NASL. Ele era italiano, e era muito amigo dos jogadores. Nós dávamos tudo em campo por ele.

MVF: Ser campeão da NASL foi o melhor momento da sua carreira?
CM: Não, o melhor momento foi talvez aquele golo que apontei aos 176 minutos da meia final da liga de 71 contra os Dallas Tornado, jogo sobre o qual já falei. Após ter marcado o golo recordo-me que saltei de alegria que nem um moleque pelo campo fora, e feliz pelo jogo ter terminado (risos). Depois, cai de joelhos, como já disse antes.

MVF: E a pior lembrança?
CM: Certa ocasião num jogo da liga de Over 30 (o equivalente a um campeonato de veteranos) em Rochester, quando o árbitro do encontro caiu morto a um metro de mim...

MVF: Morreu em campo?
CM: Sim, de ataque cardíaco. Aquela imagem marcou-me.

Topolino na atualidade
MVF: E já agora, os jogos da sua vida...
CM: O tal jogo contra o Benfica de Eusébio, no princípio da década de 60, onde eu fiz uma grande exibição, um outro encontro contra a Universidade do Chile, em que eu marquei quatro golos, e o jogo que fiz pela seleção dos EUA na Polónia, onde a torcida local colocou-me o nickname de americanisk Muller.

MVF: Para terminar esta visita ao Museu Virtual Futebol. Topolino, o que significou, ou significa, para si o futebol? 
CM: Tudo. Conheci o Mundo, muitas pessoas de várias partes desse Mundo, aprendi línguas, e fiz muitas amizades que ainda hoje perduram. Inclusive, você, que conheci por intermédio do futebol (risos).

MVF: Obrigado, o prazer foi todo nosso. Abraço Topolino.
CM: Abraço. Até um dia destes.