quarta-feira, outubro 14, 2020

Arquivos do Futebol Português (12)...

Bronze Viúva Alexandre Senna: o pontapé de saída das competições do futebol em Portugal

O troféu "Bronze Viúva
Alexandre Senna"
Os jogos avulso entre os grupos oficiais e não oficiais eram cada vez mais à medida em que o século XX dava os seus primeiros passos. Por jogos avulso entenda-se duelos futebolísticos agendados entre grupos/clubes com relativa frequência aqui e acolá, ou desforras quando alguém se sentia injustiçado no final de um match e propunha de pronto um outro confronto para tirar as teimas.

Urgia pois criar uma competição que reunisse o maior número de clubes, e em 1906 surge o primeiro torneio organizado em Portugal e que, de certa forma, surgiu de molde para o que dali em diante viria, isto é, os campeonatos e provas a eliminar.

Lisboa tinha por esta altura alguns clubes devidamente organizados, entre outros o recém fundado Sport Lisboa, os ingleses do Carcavelos, o Club Internacional de Football (CIF), o Lisbon Cricket Club, ou o Grupo de Football Cruz Negra. Foi perante este cenário que a Casa da Viúva José Alexandre Senna, que comercializava artigos desportivos, teve a ideia de criar um torneio. Este estabelecimento comercial tinha também a seu cargo uma revista quinzenal ilustrada que abordava a temática da educação física além de outras notícias desportivas da época, e que se intitulava de Tiro e Sport. Aliás, e esmiuçando mais um pouco da história desta casa comercial e da sua revista - que na época custava 150 reis e era publicada em papel couché -, em 1880 dá-se a morte do seu fundador, Alexandre José de Senna, passando o negócio para o filho, José Alexandre de Senna que por sua vez confia a gerência da loja (em 1897) ao sobrinho Frederico Carlos de Senna Cardoso. Figura esta que teve um papel fulcral na organização do citado torneio, já que foi ele, que desempenhava igualmente funções de redator na revista Tiro e Sport, que tratou de colocar em marcha a ideia de edificar um torneio, entregando o regulamento da prova a Carlos Villar, nome ligado aos primórdios da história do futebol em Portugal, uma figura que esteve na génese da fundação do Football Club Lisbonense e mais tarde do CIF juntamente com a família Pinto Basto. Villar foi ademais o primeiro presidente do CIF, tendo estado igualmente presente no jogo em que esteve em disputa o primeiro troféu da história do futebol luso, a Taça Rei D. Carlos, disputada no Campo Alegre (Porto) e que opôs o Football Club Lisbonense e o Football Club do Porto.

Imagem da Casa Senna

A Casa Senna ofereceu de pronto à revista um troféu no sentido de premiar a equipa vencedora do torneio, uma peça em bronze (que representava um jogador de futebol a dar um pontapé na bola), e dai o nome que se dá a esta competição: "Bronze Viúva Alexandre Senna". Com o crescente número de fundações de clubes no país, sobretudo em Lisboa e no Porto, a ideia inicial era fazer um torneio que englobasse teams de vários pontos de Portugal, tendo-se pois enviado convites a vários emblemas. Porém, e devido aos custos com deslocações e afins, somente alguns clubes de Lisboa responderam ao repto. Nesse sentido ficaria definido que o vencedor da prova se iria intitular de campeão de Lisboa! Inscreveram-se para a contenda o Sport Lisboa, o CIF, o Lisbon Cricket Club, e o Grupo de Football Cruz Negra. 
Lisbon Cricket club, os vencedores da primeira competição futebolística
realizada em Portugal entre clubes

A Team do Sport Lisboa, onde pontificava Cosme Damião

O poderoso conjunto do CIF, da família Pinto Basto

O Fooball Cruz Negra

O primeiro desafio foi disputado a 17 de março entre o Sport Lisboa e o Lisbon Cricket, no Campo da Cruz Quebrada, e cuja crónica publicada na Tiro e Sport de 31 de março de 1906 se pode ler nas imagens de baixo: 



1-0 para um Lisbon Cricket formado única e exclusivamente por ingleses, e que assim atingia a final.

Na outra partida, realizada a 24 de março, jogaram o Football Cruz Negra e o CIF - com três elementos da família Pinto Basto, entre o pai do futebol português, Guilherme Pinto Basto - e cuja maior experiência e poderia se fez notar no resultado esclarecedor de 4-0. A crónica do match segue na imagem abaixo:

E chegados à grande final, disputada entre o CIF a 31 de março desse ano de 1906. O Lisbon Cricket marcou por duas vezes na primeira parte, enquanto na segunda ambos os conjuntos marcaram por uma vez, o que conferiu um resultado de 3-1 a favor do Lisbon Cricket, que assim vencia o primeiro torneio de futebol disputado em Portugal.
Mas melhor que as nossas palavras são as imagens que reproduzem a crónica deste encontro, crónica essa edição da revista Tiro e Sport:


1906 fica ainda marcado pelo nascimento de outro gigante da História do futebol nacional: o Sporting Clube de Portugal. Nasce em julho desse ano, por intermédio de elementos dissidentes do Campo Grande Football Club. Entre estes encontra-se José de Alvalade, que cansado da ideologia desportiva que o Campo Grande estava a tomar - seguia mais por vertente social do que pela vertente desportiva - resolve atirar para o ar a frase: «vou ter com o meu avô que ele dá-me dinheiro para formar outro clube". E assim foi. José de Alvalade foi ter com o Visconde de Alvalade que patrocinou esta vontade do neto. E assim nascia o Sporting Clube de Portugal.

quarta-feira, outubro 07, 2020

Arquivos do Futebol Português (11)...

1904 fica marcado pela fundação do embrião daquele que viria a ser um dos gigantes do futebol português dali em diante. Em Belém um grupo de jovens decide fundar o Sport Lisboa, o antecessor do atual Sport Lisboa e Benfica. Os fundadores são antigos alunos da Casa Pia de Lisboa - que formavam a Associação de Bem - e do Grupo dos Catataus - igualmente denominado de Belém Football Club. Estes jovens residiam quase no todos no mesmo prédio, localizado na Rua de Belém, onde estava instalada a Farmácia Franco, espaço onde tem lugar a (hoje) famosa reunião da qual viria a resultar a formação do Sport Lisboa. Este grupo, reza a história, dispunha de talentosos artistas da bola, com evidência para os irmãos Catatau, nomeadamente José, António, Cândido e Jorge Rosa Rodrigues. Junto deles alinhavam os Monteiro's e os Carrilho's, todos vizinhos. Ainda antes da fundação oficial do Sport Lisboa, este grupo, que atuava em terrenos na zona de Belém, havia constituído um misto (entre a Associação de Bem e o Grupo dos Catatau) que defrontou o poderoso Grupo dos Pinto Basto, família responsável pela introdução do futebol em Portugal.


A Farmácia Franco foi pois o ponto de partida do clube, sendo precisamente ali que trabalhava Manuel Goularde, e que segundo muitos historiadores foi o grande responsável pela fundação de uma coletividade germinada em finais 1903 e concretizada a 28 de fevereiro de 1904.

Goularde, ao que se diz, foi o mentor da fundação, o responsável por juntar os dois grupos que dariam origem ao Sport Lisboa. Apesar de medíocre enquanto futebolista ele foi uma espécie de homem dos 7 Ofícios dentro do novo clube, pois foi ele que mandou vir as regras e catálogos de equipamentos de futebol de Inglaterra, quem organizou os primeiros jogos, quem registou os frequentadores dos primeiros treinos do recém-formado clube, quem desempenhou as funções de treinador nos primeiros anos de vida do emblema, e acima de tudo quem despendeu uma boa parte das suas economias para ajudar a que o clube sobrevivesse. Foi ademais ele que definiu que as cores do novo clube seriam o encarnado berrante e... vencedor.
Nascido no Bairro da Ajuda, em 25 de outubro de 1872, este empregado (diz-se que era contabilista) da Farmácia Franco viria a desempenhar dentro do novo clube funções de tesoureiro. Ao todo foram 24 os homens que formalizaram a criação do Sport Lisboa. Entre eles estava pois Manuel Goularde. Sobre ele, disse ao jornal A Bola em 1945 Cosme Damião, outro dos nomes que esteve na génese do Sport Lisboa: «Tu não calculas o que era a figura desse rapaz. Estou-o vendo: aparecia sempre equipado, por completo - da cabeça aos pés... Kepi preto, camisa branca, calção preto, meias de futebol e botas também de futebol. Mas o que dava mais nas vistas era uma grande faixa sobre a camisa, a tiracolo, com as três cores da bandeira francesa. Não soubemos a princípio o seu nome. Começou a aparecer talvez no terceiro treino. Não jogava. Dava apenas uns pontapés...
Era o Manuel Goularde, o empregado da Farmácia Franco.

Manuel Goularde conhecia muito bem as leis do jogo. Tomou para nós, o papel de técnico - do futebol. Passou a acamaradar francamente com os jogadores da Associação do Bem. E falavamos dele com simpatia, nos locais onde nos reuiniamos, geralmente numa farmácia do Conde Barão, também frequentada por sócios do Clube Naval, de Lisboa. Mas continuavam a gostar do futebol. Manuel Goularde foi, mais tarde, quando nos faltavam jogadores, o ponto de ligação do grupo dos «Catataus.... O Manuel Goularde pensou que nós podíamos defrontar aquele grupo se incluíssemos no «team» jogadores do grupo dos «Catataus», ao tempo designado por grupo de Futebol Lisbonense, ou título semelhante. Fizemos assim, um misto entre a Associação do Bem e o Lisbonense. Julgo que perdemos o primeiro desafio, por 0-1. Mas ganhámos o segundo por 1-0. Os dois desafios foram disputados nas Salésias, talvez em Dezembro de 1903. Houve festa rija numa cervejaria em frente da Farmácia Franco, para celebrar a vitória. E partiu da referida festa a ideia de nos reunirmos em clube. Esta ideia discutimo-la depois. Hesitámos no título. Sport Lisbonense de Lisboa. Sport Lisboa. E optámos, no fim, pela última designação. Ficaram especialmente connosco o Goularde, o Daniel de Brito e os quatro irmãos Rosa Rodrigues. Nasceu, assim, o Sport Lisboa».


segunda-feira, outubro 05, 2020