quarta-feira, fevereiro 19, 2020

Jogos Memoráveis (1)... Vitória de Guimarães - Aston Villa (Taça UEFA de 1983/84)


Capitães do Villa e do Vitória
trocam cumprimentos

Dá-mos hoje o pontapé de saída de uma nova rubrica no Museu Virtual do Futebol, a qual nasce com a missão de recordar os jogos que, por algum motivo, ficaram na nossa memória. Jogos que deram origem a um inesquecível título, que marcaram a estreia numa competição de sonho, ou simplesmente porque "aquela" foi uma tarde (ou noite) em que o pequeno David derrotou o gigante Golias.

E para recordar estes capítulos marcantes nada melhor do que trazer ao Museu quem os viveu, quem ajudou a fazer com que estes momentos figurem na vitrina da eternidade.

Esta é um pouco da essência da rubrica... Jogos Memoráveis. E para dar início a esta nova viagem à História do Belo Jogo recuámos até ao dia 14 de setembro de 1983, altura em que a temporada desportiva 1983/84 dava os primeiros passos. Nesse dia arrancava a corrida europeia de mais uma edição da Taça UEFA, no sentido de encontrar o sucessor do Anderlecht enquanto detentor do terceiro ceptro continental mais importante - logo a seguir à Taça dos Campeões Europeus (TCE) e à Taça das Taças.

Hermann Stessl,
treinador do Vitória em 83/84
64 clubes iniciaram essa corrida, entre eles o Vitória de Guimarães, fruto do 4.º lugar alcançado na época anterior na 1.ª Divisão Nacional. Vitorianos que participavam pela terceira vez nas provas uefeiras, sendo que as duas anteriores aconteceram na antecessora desta Taça UEFA, a Taça das Cidades com Feira.
Desta feita, pela frente os vimaranenses encontraram aquela que para muitos era a segunda melhor equipa inglesa daquele período: o Aston Villa.
Pelo menos a julgar pelas palavras do próprio treinador do Vitória, o austríaco Hermann Stessl: «A seguir ao Liverpool, o Aston Villa é a melhor equipa inglesa». Está opinião, só por si, chegava para colocar em sentido qualquer equipa de futebol daquela altura, pois o Liverpool tão somente tinha conquistado sete campeonatos nacionais ingleses ao longo dos dez anos anteriores, bem como três TCE, pelo que estar na sombra desta mítica equipa de Anfield Road fazia crer que o Villa só podia ser também uma equipa poderosa. E era de facto.

Jornal do Vitória
faz eco do jogo
Havia, contudo, outros aspetos que faziam do mítico clube de Birmingham um osso mais do que duro de roer para o Vitória. Desde logo, porque o futebol de terras de Sua Majestade dominava a seu bel prazer a Europa futebolística.
Só para se ter uma ideia desse domínio avassalador, entre 1977 e 1983 a principal competição uefeira, a TCE, havia viajado para Inglaterra em seis ocasiões(!), três por intermédio do Liverpool, duas pela mão do Nottingham Forest e uma pela do... Aston Villa.
Pois é, o adversário do Vitória era também um ex-recente campeão europeu. Cerca de um ano antes, mais concretamente a 26 de maio de 1982, o Villa havia surpreendido o Mundo do futebol ao derrotar na Banheira de Roterdão o gigante alemão Bayern de Munique, graças a um golo solitário de Peter Withe. Esta era, quiçá, a principal razão que fazia com que o Aston Villa fosse um adversário menos desejado para os pupilos de Stessel nesta primeira ronda da Taça UEFA de 83/84. Ou não! Pois qualquer jogador de futebol ambiciona enfrentar os melhores seja em que circunstância for. E os melhores, neste caso, alguns dos jogadores que pouco mais de um ano antes haviam sido corados reis do Velho Continente, estavam de visita ao Municipal de Guimarães. Motivo mais do que suficiente para termos aqui mais uma versão da saga David vs Golias? O resultado final haveria de provar que sim, que o Vitória Sport Clube haveria nesta tarde de escrever a sua primeira página de glória na Europa do futebol ao vergar o poderoso Villa no berço da nação lusa, tal e qual D. Afonso Henriques na mítica batalha de S. Mamede em 1128, em que o jovem e destemido cavaleiro derrotou as tropas de sua mãe, D. Teresa... contra todas as expectativas!
O 11 do Vitória que na Cidade Berço bateu o poderoso Villa

O 1-0 a favor dos então praticamente desconhecidos (além fronteiras) vimaranenses foi notícia! Fez as gordas em muitos jornais. Afinal de contas, este era mais um capítulo da história em que o frágil David derrota o gigante Golias. Para termos uma ideia da dimensão deste triunfo imagine-se o Moreirense derrotar o Real Madrid numa partida oficial! Esta seria, mais ao menos, a imagem atual daquela tarde de fim de verão em 1983, num Estádio Municipal de Guimarães a arrebentar pelas costuras.

De acordo com as crónicas de então, foi uma vitória que valeu mais pelo impacto - derrotar o então gigante Villa não era para toda a gente - do que propriamente pelo desempenho na partida.
Na verdade, nem Vitória nem Aston Villa exibiram no relvado do hoje denominado Estádio D. Afonso Henriques um futebol encantador, um futebol que justificasse o triunfo. Muito longe disso, na verdade. Disto nos deu conta o jornalista Dias Gomes, na edição de 15 de setembro de 1983 do Jornal de Notícias. E é precisamente esse texto – ou crónica, que teve como título “Laureta encontrou antídoto para toada anestesiante do Villa” - que iremos reproduzir nas próximas linhas.

No seu relato dos acontecimentos, Dias Gomes começa por escrever que «o triunfo da turma de Hermann Stessl diante do Aston Villa foi, medindo todos os prós e contras, merecido, embora, se os ingleses ganhassem, ninguém, estamos certos, se surpreenderia, visto que as melhores oportunidades de golo lhes pertenceram, como aquela logo aos 4 minutos, em que Withe, aproveitando um cruzamento longo do defesa-direito Williams, ficou isolado, “matou” o esférico no peito, e disparou de pronto, correspondendo Silvino com uma defesa maravilhosa para canto. Daí não hesitarmos em escrever que os britânicos também podiam ter ganho, embora o empate fosse o desfecho mais “enquadrado” com o desenrolar do encontro».

Comitiva do Villa na chegada
a Portugal
A concretizar-se este golo logo a abrir tudo poderia ser diferente, poderia ter sido uma alavanca para um duelo mais intenso e animado do que aquilo que na verdade foi...  
«Assim, o jogo sem aquele acicate inicial, caiu numa longa toada lenta, estereotipada e sem grandes situações emocionantes, a conduzir o espetador para a euforia. As pessoas presentes caíram na modorra face ao baixo nível técnico, sobretudo por parte do Aston Villa, uma equipa que já foi, simplesmente, campeã da Europa. O que nos pareceu foi que a equipa de Tony Barton pretendeu narcotizar a equipa do Vitória, com uma velocidade de jogo baixa, sem grandes variações e correrias como é tão característica das turmas da Velha Albion. O Vitória de Guimarães “embarcou” nesse esquema e dificilmente se libertava. Muito diferente, sem dúvida, para pior esta turma vimaranense que tão boas indicações tinha dado nestes primeiros encontros do Nacional, nos quais tinha apresentado um futebol rectilíneo e incisivo, porque alicerçado numa boa condição física. Será que foi uma tarde menos boa, daquelas que acontecem a todas as boas equipas? Depois, o que nos surpreendeu foi a maneira como a massa adepta se comportou. completamente amorfa, silenciosa. Só em lances em que a inviolabilidade da baliza de Spink estivesse em apuros os vitorianos se manifestavam. Julgamos que este comportamento não é só específico dos vitorianos, mas dos portugueses em geral. Que diferença dos estádios ingleses, alemães, belgas, etc…».

Laureta foi decisivo na vitória
histórica do... Vitória
O lance do quase golo britânico aos 4 minutos «abanou os vimaranenses, que constataram de imediato que os ingleses não constituem uma formação qualquer. E daí para a frente, entraram numa manobra mais dinâmica, sobretudo no meio campo, para roubar a iniciativa aos opositores. Nivaldo passou então a ser o catalisador da equipa portuguesa, funcionando como um autêntico pivot. Lá bem na direita principiou a surgir Paquito, a aproveitar o corredor, praticamente sempre livre, para do fundo da linha tirar alguns centros para Eldon e Da Silva bem no coração da área inglesa. E na verdade algumas descidas foram então concretizadas pelos jogadores da Cidade Berço,, surgindo designadamente um lance de perigo, aos 17 minutos, pelo antigo futebolista do Rio Ave. Paquito cruzou mas Da Silva rematou porém um tudo ou nada ao lado da baliza. Este lance fez com que a equipa da Velha Albion refreasse as suas iniciativas. Por outras palavras, os visitantes encararam o Guimarães com mais respeito e entraram a atuar mais encolhidos na tal manobra de retenção da bola, culminada com variadíssimos passes ao guardião Spink, alguns deles de bastante longe».

Nigel Spink: o
lendário guardião do Villa
O Vitória de Guimarães não estava numa tarde sim, «continuando a pautar a sua ação pela falta de agressividade (...) e o tempo ia escoando ao encontro dos desejos dos britânicos, com um compromisso dificílimo depois de amanhã, pois terão de defrontar o Liverpool. Foi uma surpresa, mas negativa, esta equipa do Villa. Que nos lembre, nunca vimos ingleses jogar com tantas cautelas defensivas. … e o Vitória continuou sem soluções para furar o compartimento mais recuado dos ingleses. As jogadas desenrolavam-se genericamente no miolo do retângulo.  Só aos 25 minutos Spink voltou a ser importunado com um pontapé de Paquito. (…) Entretanto, surgiu o apito final e com ele uma certa ansiedade de que o panorama futebolístico mudasse no tempo complementar (…) especialmente esperava-se muito mais dos britânicos. Quem assim pensou enganou-se redondamente, e se o nível anterior tinha sido mediano, salvo alguns (muito poucos), períodos, os 45 minutos restantes foram francamente desanimadores, nada condizentes com um encontro internacional. Para começar, Stessl e Barton não modificaram o “xadrez”.
Tony Barton
A iniciativa continuou a pertencer aos vimaranenses. Infelizmente, nenhuma geradora de situação angustiante para os homens do Aston Villa. Sem visão periférica, partindo da zona axial do terreno sem rapidez e denotando a quilómetros a intenção, os jogadores do Vitória entregavam os trunfos ao adversário que ia deixando correr o marfim. E ironicamente sem fazer pela vida, os ingleses tiveram outra oportunidade flagrante de golo, de novo da responsabilidade de Withe, um avançado com bons predicados e o mais inconformado. Tratou-se de um remate raso, forte, e que bateu à frente de Silvino, que em última instância desviou para canto, talvez traído pela irregularidade daquela zona de ação do guarda-redes, sempre ou quase sempre sem relva. (…) Entretanto, aos 65 minutos houve um lance dúbio na grande área inglesa. Laureta foi derrubado e todo o mundo reclamou penalty mas o árbitro não atendeu os homens de Guimarães. Ele estava em cima do lance (…)».

Mas se não marcou (grande penalidade) à primeira haveria de o fazer à segunda, e novamente com Laureta envolvido no lance que haveria de dar origem ao único golo da partida. «Num envolvimento atacante Laureta, descaído sobre o lado esquerdo e já dentro da área, foi derrubado por trás, numa altura em que tinha boas hipóteses de fazer golo. Perto, o árbitro francês Quiniou, marcou de pronto o castigo máximo. E nasceu ai o Vitória de Guimarães. Os ingleses ainda vieram para a frente. Contudo, era demasiado tarde. Faltavam só oito minutos. (...)».

Em jeito de remate final, o jornalista Dias Gomes escrevia que «do mau que seu viu os vimaranenses foram os menos maus. É claro que é um desfecho escasso. Lá em Birmingham vai ser difícil. Mesmo tremendamente difícil de conservar tão magra vantagem. Todavia, numa noite de sorte tudo é possível».

Pois é, mas não o foi. Cerca de duas semanas depois, o vendaval Villa varreu por completo com o Vitória de Guimarães da Taça UEFA daquela temporada, na sequência de um inquestionável triunfo por 5-0.
Contudo, ninguém tira o mérito à ousadia do pequeno Vitória de Guimarães ter derrubado o gigante Aston Villa numa tarde de final de verão e desta feita escrito um dos capítulos mais brilhantes da história do futebol vitoriano no plano internacional.

Mas para a história fica mesmo o jogo de Guimarães, cuja line-up foi a seguinte:
Árbitro: Joel Quiniou (França)
Vitória: Silvino, Amândio, Joaquim Murça, Alfredo Murça, Laureta, Barrinha (Flávio, 83) Gregório Freixo, Nivaldo, Paquito, Da Silva (Fonseca, 56) e Eldon. Treinador: Hermann Stessel
Aston Villa: Nigel Spink, Gary Williams, Allan Evans, Colin Gibson, Brendan Ormsby, Andy Blair (Mark Walters, 74), Dennis Mortimer, Alan Curbishley, Steve McMahon, Peter Withe e Paul Rideout (Tony Morley, 81). Treinador: Tony Barton
Golo: Gregório Freixo (82, g.p.)

ENTREVISTA COM GREGÓRIO FREIXO

Uma vontade férrea de vencer um jogo que era uma montra para a Europa

Nasceu para o futebol na Cidade dos Estudantes, Coimbra, tendo envergado o manto sagrado da Briosa (Académica), onde se tornou uma pedra basilar ao longo da década de 70.
No início dos anos 80 muda de ares, vai para o berço da nação, Guimarães, para defender as cores do Vitória por sete temporadas. Em 1983/84, mais do que ser um dos indiscutíveis titulares do "xadrez" vitoriano, ele era igualmente o líder da equipa na condição de capitão. Naquela tarde de final de verão de 1983 ele foi tudo isto e muito mais... e esse mais foi o golo que fez a história deste jogo.
O seu nome é Gregório Freixo, o homem que chamou a si a responsabilidade de aos 82 minutos tentar bater o homem que pouco mais de um ano antes havia sido elevado à categoria de herói de Roterdão, após defender tudo o que havia para defender e levar a orelhuda - vulgo a Taça dos Clubes Campeões Europeus - para Birmingham. Perante (o lendário) Nigel Spink, Freixo não tremeu e fez o único golo deste jogo memorável.
O Museu Virtual do Futebol tem o prazer de o receber hoje, convidando-o a recordar os contornos deste épico encontro da quase centenária vida do Vitória.

Gregório Freixo com as cores
do Vitória S.C.
Museu Virtual do Futebol (MVF): Assim que o nome do Aston Villa surgiu no caminho do Vitória, qual foi o pensamento que invadiu o balneário do clube?
Gregório Freixo (GF): O melhor possível, pois preferíamos um grande clube e o Aston Villa veio mesmo a calhar, já que todos nós queríamos entrar nas competições para nos valorizarmos.

MVF: Os jogadores estavam cientes do poderio do Villa, clube que cerca de um ano antes havia vencido a TCE? Conheciam os jogadores, ou naquela altura ao contrário de hoje, em que há mais meios de comunicação, havia pouco informação individual do Villa?
GF: Como diz e bem não havia muita informação, pouco ou nada sabíamos do adversário, só que tinha um avançado muito alto.

MVF: Havia receio ou crença de que poderiam eliminar o gigante inglês?
GF: Todos queríamos ir o mais longe possível, a nossa equipa era muito unida e coletivamente muito forte e tinha uma vontade de ganhar muito grande. Além disso, sentíamos que tínhamos uma grande oportunidade de nos mostrarmos ao mundo do futebol.

MVF: O treinador do Vitória nessa temporada era Hermann Stessel, que recordações tem dele e que vos disse ele antes dessa eliminatória?
GF: A época que estávamos a fazer fala pela capacidade do senhor Stessel. Deixava-nos jogar, deixava-nos mostrar o nosso talento, tirava-nos a responsabilidade do resultado. Só nos disse para aproveitarmos a oportunidade de nos mostrar ao mundo do futebol.

MVF: O jogo começa. O D. Afonso Henriques cheio naquela tarde. Quer falar do jogo...
GF: O campo cheio já estávamos habituados a ter (o Vitória tem a melhor massa adepta que apoia em Portugal). Tudo o resto foi um querer ganhar em conjunto para seguir em frente na competição.

Capitão Gregório parece tirar
satisfações com o árbitro francês Quiniou
MVF: Com o decorrer do jogo sentiram que podiam vergar o ex-campeão da Europa?
GF: O querer (ganhar) era tanto e o que jogámos (naquela tarde) ia tudo nesse sentido. Aliás, o guarda-redes deles foi o melhor jogador em campo, daí se pode perceber o que atacámos. O árbitro também não quis marcar um penalti antes do que marcou, pelo que podíamos ter ganho por 3-0, o que complicaria mais o jogo para eles em Inglaterra.

MVF: As crónicas da época falam de um Villa tímido, que jogou remetido à defesa e de um Vitória que não aproveitou esse facto para partir para cima do adversário...
GF: ... Não, isto não foi o que se passou no jogo!

MVF: Até que chega o momento do penalti, a cerca de 10 minutos do fim. Quer contar como foi chamado à conversão do penalti?
GF: Normal, pois era eu o habitual marcador de penaltis da nossa equipa, e como tal parti confiante para a bola, sabendo que ia marcar. Foi, de facto, um golo que marcou a minha carreira.

MVF: Tremeu na hora de enfrentar um homem que cerca de um ano antes foi o herói do Villa em Roterdão ao segurar a TCE para os ingleses?
GF: Tremer não, mas que assusta ver um guarda-redes muito alto com os braços abertos na baliza, lá isso assustava. Não vês para onde atirar a bola, e só tentei que ele se atirasse antes de eu pontapear, para depois atirar a bola para o lado contrario, que foi, aliás, o que aconteceu.

MVF: Após esta vitória chegaram a pensar que poderia ser possível eliminar o gigante inglês?
GF: Pensar... pensámos, mas sabíamos que o 1-0 era muito curto. E acabou por ser!

MVF: Depois, seguiu-se o descalabro em Birmingham! Como explica essa derrota?
GF: Normal, vindo de uma equipa inexperiente (a nível internacional) como a nossa, e que foi apanhar em Inglaterra um Mundo novo, coisas que não conheciamos. Por exemplo, uma hora antes do jogo estávamos a tirar fotos às instalações do adversário, que tinha um relvado que parecia uma alcatifa e um público a cantar de princípio ao fim. Estávamos deslumbrados!

quinta-feira, fevereiro 13, 2020

Cidades do Futebol (2)... Gotemburgo: Onde os Deuses nascem e as surpresas acontecem



Gotemburgo nos finais do século XIX, altura
em que o futebol aqui chegou

Inglaterra, o berço do futebol moderno. Foi daqui que ele – o então ainda jovem football – partiu à conquista do resto do Mundo pela mão de marinheiros, mineiros, ferroviários, ou diplomatas que na bagagem rumo a outras paragens (por motivos profissionais) levavam recordações alusivas à sua amada pátria no sentido de minimizar a saudade de casa. Entre os muitos objetos saudosistas estava, naturalmente, a bola de futebol, que nos tempos livres assumia protagonismo entre os súditos de Sua Majestade.
Brincadeiras que rapidamente contagiaram os habitantes locais, criando-se clubes, campos, duelos acesos, ligas, e acima de tudo uma enorme paixão que foi crescendo até aos dias de hoje. Foi assim um pouco por todo Mundo onde o Belo Jogo se implementou e criou raízes.
Tal e qual uma qualquer carga ou mercadoria foi pela via marítima que o futebol chegou a grande parte dos países do globo terrestre, começando, consequentemente, por se implementar nas cidades portuárias para depois se expandir para o interior dos territórios. Foi assim na cidade que hoje visitamos, uma cidade por natureza fria mas extremamente quente no que a capítulos de inolvidável glória futebolística diz respeito.
Bem vindo a Gotemburgo.

Trabalhadores britânicos dos caminhos de ferro
Mas comecemos pelo início. Estávamos em 1870 quando cravadores escoceses, marinheiros ingleses, engenheiros e trabalhadores dos caminhos de ferro britânicos atracavam naquela que é hoje a segunda maior cidade da Suécia - logo atrás da capital Estocolmo -, localizada na foz do rio Gota e cenário do maior porto dos países nórdicos em busca de melhores condições de vida. Gotemburgo foi pois o centro da ação dos primeiros tempos em que a bola rolou em território sueco, sendo que com a rápida incursão dos mestres ingleses por outros pontos do país o jogo passou a desenrolar-se noutras cidades, como por exemplo Malmo, dista a cerca de 275 quilómetros de Gotemburgo. Foi precisamente em Malmo que 20 anos depois do football ter atracado na Suécia se desenrolou o primeiro jogo oficial, isto é, disputado sob as regras da Football Association, na Suécia.
Facto ocorrido então em 1890, quando no pequeno velódromo de ciclismo de Malmo um clube da vizinha Dinamarca, o Kobenhavns Bold Club, dividiu o seu grupo de atletas em duas equipas e levou à cena uma espécie de jogo de exibição para os habitantes locais.
Dois anos após este capítulo a História da Bola na Suécia conheceu outro momento importante, quando em Gotemburgo se defrontaram pela primeira vez duas equipas suecas. entre o Orgryte IS e o Lyckans Soldater, em Heden, um campo no centro de Gotemburgo. Facto ocorrido na zona de Heden, no centro de Gotemburgo, quando num pequeno campo ali erguido aquele que ainda hoje é considerado como o primeiro gigante do futebol sueco mediu forças com o combinado do Lyckans Soldater.

Equipa do Orgryte que venceu a primeira
edição do campeonato sueco em 1896
Gigante esse que dá pelo nome de Orgryte Idrottsallskap, fundado a 4 de dezembro de 1887, e que contribuiu imenso para o crescimento do futebol no país. A influência britânica neste emblema fez-se notar desde a nascença, influência, e sobretudo mestria, essa que fez do Orgryte o clube dominador do futebol sueco nas primeiras duas décadas de vida da liga sueca, criada em finais do século XIX - 1896, para sermos mais precisos. Emblema apoiado pela classe média da cidade, o Orgryte entrou para a história não só por ter vencido os primeiros títulos oficiais do país, mas de igual modo por ser o primeiro a criar infraestruturas condignas para a prática do jogo ao erguer logo após a sua fundação o primeiro campo desportivo da cidade, o Balders Hage (1887). Porém, com o crescimento do futebol cerca de 9 anos volvidos é construído um templo maior, o Goteborgs velociped klubb. Foi aqui que a Suécia jogou o seu primeiro jogo internacional, em 1908, contra a Noruega. Foi também neste ano que o Orgryte construiu na zona de Walhalla um estádio ainda maior, com capacidade para 8000 pessoas, com a missão de substituir o Balders Hage, já pequeno demais face à grandeza do clube.
O Walhalla foi inaugurado num jogo ante o campeão alemão, o Viktoria Berlim, em 6 de setembro de 1908 numa altura em que o Orgryte detinha já nos eu currículo oito títulos de campeão sueco em 12 edições de uma liga que começou a ser disputada em 1896 e que até 1900 era restrita apenas a clubes de Gotemburgo. Só a partir deste primeiro ano do século XX é que os emblemas de Estocolmo foram inseridos na liga.

O símbolo e as cores
do IFK Gotemburgo
A popularização do futebol torna-se viral na Suécia a partir do novo século, nascendo "aqui e ali" as primeiras rivalidades locais. E em 1904 nasce em Gotemburgo aquele que viria não só a ser o maior opositor do Orgryte a nível local como também o responsável pelo (hoje) declínio do primeiro gigante do futebol sueco: o IFK. O facto de ser um clube que nasceu em berço pobre, de ser um clube do povo, nascido por influência da classe trabalhadora de Gotemburgo e por estudantes locais, contrariamente ao Orgryte, um clube apoiado pela classe média-alta da cidade e com forte influência britânica (muitos dos seus principais jogadores eram ingleses e escoceses), tornou o IFK popular e com o passar dos anos no clube de maior sucesso do futebol da Suécia. A ultrapassagem em termos de popularidade do IFK ao vizinho Orgryte começou a ser dada em 1907 quando os primeiros batem pela primeira vez os segundos num jogo oficial.
Com o passar dos anos o IFK atraiu a si uma multidão cada vez maior, ao passo que o Orgryte começou a perder fulgor a partir dos anos 30, e consequentemente poderio financeiro para lutar com o rival IFK não só a nível local como a nível nacional e a prova disso é que o após 1930 apenas por uma vez conseguiu alcançar o título nacional, em 1985, vagueando hoje pelas ruas da amargura, o mesmo será dizer, pelas divisões secundárias do futebol sueco.

Contudo, ninguém pode apagar a história, e a história diz-nos que estamos perante o primeiro grande clube da Suécia que entre 1896 e 1930 conquistou 13 dos seus 14 títulos de campeão nacional, e acima de tudo contribuiu para o crescimento do Belo Jogo no país. Hoje, como já vimos, atua na 2.ª Divisão sueca, continua a ser um clube apoiado pela classe média alta da cidade, mas humilde e com pouca ou nenhuma expressão no futebol nacional.
Do outro lado, está o clube mais popular e dos mais titulados da Suécia, o IFK, com 18 títulos de campeão nacional - superado apenas pelo Malmo, com 20 - e o único emblema do país a triunfar nas competições europeias de clubes.

Rivais de Gotemburgo partilham a primeira lenda do futebol sueco

Erik Borjesson, a primeira lenda sueca
Além de uma outrora acesa rivalidade, algo que hoje em dia não acontece, precisamente pela distância em termos de dimensão que os dois clubes se encontram, Orgryte e IFK partilham o privilégio de terem sido defendidos por aquele que é considerado como a primeira grande lenda do futebol sueco: Erik Borjesson.
Nascido em Jonsered, uma pequena cidade nos arredores de Gotemburgo, no dia 1 de dezembro de 1888, Borjesson começou a trabalhar cedo, aos 12 anos, numa fábrica local, onde ainda cedo perdeu dois dedos num acidente de trabalho. Facto que não o impediria de brilhar pelo clube da sua terra natal, o GIF, centrando em si os olhares dos grandes clubes de Gotemburgo que correram pela sua contratação. Ganhou a corrida o IFK, que a partir de 1907 começa a beneficiar da ímpar habilidade e perícia no remate de Erik Borjesson para lograr alcançar os seus primeiros títulos. Ele foi decisivo em 1908 na conquista do primeiro campeonato por parte dos azuis e brancos de Gotemburgo.
Dois anos depois (1910) ele troca de camisola, passando a envergar a dos grandes rivais do IFK, o Orgryte, mas por pouco tempo, já que em 1912 retorna ao IFK num ano de grande importância para o futebol sueco. É neste ano que o país organiza os Jogos Olímpicos, cabendo a Estocolmo a responsabilidade de sediar o maior evento desportivo do planeta. Borjesson é um dos nomes principais da seleção sueca que disputa o torneio de futebol olímpico, seleção a quem o Orgryte dá nove jogadores e o IFK dois, prova do poderio dos dois clubes. As esperanças suecas em fazer um bom torneio são eclipsadas logo na primeira eliminatória aos pés da Holanda, que no Estádio Olímpico batem os anfitriões por 4-3.
Balders Hege,o primeiro templo do
futebol em Gotemburgo
Um dos três tentos suecos é da autoria de Erik Borjesson que até final da sua carreira (1925) declina um pomposo convite que poderia, quiçá, ter tornado a sua lenda ainda maior. Estávamos em 1914, quando após um amigável entre o IFK e o Liverpool o clube inglês quis contratar o talentoso sueco que por sua vez disse "não". Até 1920 defendeu as cores do IFK Gotemburgo, ao serviço do qual conquistou em 1918 mais um título nacional. entre 1920 e 1922 não se lhe conhece quaisquer atividade desportiva, tendo regressado aos relvados em 1923 para voltar a defender as cores do outro clube da cidade, o Orgryte, algo que fez até 1925 quando colocou então um ponto final na carreira. Pela Suécia Borjesson jogou um total de 17 jogos internacionais, tendo marcado 14 golos. Faleceu em 1983, já depois de ter visto o homem que lhe sucedeu no Mundo do Futebol na qualidade de filho pródigo de Gotemburgo a vingar no Planeta da Bola.

A fábula Gre-No-Li tem raízes em Gotemburgo

O famoso trio Gre-No-Li
ao serviço do Milan
Em 1920 nascia na cidade aquele que haveria de ser um dos principais símbolos do desporto sueco dos anos 40 e 50. Filho de um carpinteiro local ele nasceu com o talento ímpar que ainda hoje fazem dele uma lenda viva do desporto deste país, apesar de já deixado o Mundo terrestre em 1991. O seu nome é Gunnar Gren.
Com apenas 13 anos ele mostrou a sua perícia com uma bola de futebol ao vencer um prémio de malabarismos com o esférico, e aos 17 era já a estrela principal do Garda, um pequeno clube de Gotemburgo que tinha sido fundado no final dos anos 20. Ali, ele despertou a atenção de um dos gigantes da cidade, no caso o IFK, que o contrata em 1941. Ao serviço deste clube venceu apenas uma liga (em 1942) mas entrou para a história após vencer a primeira edição do prémio de melhor marcador do campeonato sueco, em 1946.
Mas a lenda de Gren ganhou maiores contornos ao serviço da seleção nacional, cuja camisola ele vestiu pela primeira vez ainda antes de se transferir para o IFK, em 1940. Envergou a camisola amarela da Suécia em quase 60 ocasiões (57 para sermos mais precisos) entre 1940 e 1958, quase sempre na companhia dos seus inseparáveis companheiros e amigos Gunnar Nordhal e Nils Liedholm, com quem formou um dos trios atacantes mais sublimes e mortíferos - para os adversários - do futebol planetário: o Gre-No-Li.

Gunnar Gren com a camisola do IFK
Na verdade, esta sigla não é mais do que as primeiras sílabas dos nomes Gren, Nordhal e Liedholm. Sob a liderança destes três artistas a Suécia viveu a era mais gloriosa da sua história no que ao futebol concerne. Em 1948, eles foram os responsáveis pela conquista daquele que é ainda hoje o título mais importante do futebol sueco, a medalha de ouro dos Jogos Olímpicos que nesse ano decorreram em Londres.
Treinada pelo inglês George Raynor - e aqui se constata a contínua influência dos britânicos no futebol deste país - os suecos começaram por vencer a Áustria (3-0) para depois esmagaram a Coreia (12-0). Nas meias-finais, encontraram pela frente os vizinhos da Dinamarca, que até se adiantou no marcador, mas os suecos deram a volta e ganharam por 4-2.
Na final, disputada no majestoso Estádio de Wembley, os escandinavos tiveram pela frente a Jugoslávia. A contenda foi resolvida pelo trio Gre-No-Li. Gren marcou dois golos e Nordhal o outro da vitória por 3-1 que garantiu a conquista do ouro olímpico.
Depois deste brilharete os três jogadores foram aliciados por clubes de grande dimensão. O primeiro a morder o anzol foi Nordhal, que seria contratado pelo Milan, precisamente na temporada de 48-49. Uma transferência polémica, já que o facto de na Suécia o futebol ser então ainda amador e os jogadores eram obrigados a ter uma profissão fora dos retângulos de jogo, fez com que Gunnar Nordhal fosse obrigado a abandonar a seleção. Nada que impedisse que uma temporada mais tarde Gren e Liedholm seguissem as pisadas do seu compatriota e também eles assinassem pelo emblema de Milão.
A partir de então o trio Gre-No-Li tornou-se a atração principal de todos aqueles que se sentavam nas bancadas dos estádios italianos para ver o Milan jogar. Juntos apenas venceram um Scudetto (50-51) bem como uma Taça Latina (nessa mesma temporada).
Com a saída de Gren para a Fiorentina em 1953 o trio separou-se, mas a magia dos três exímios executantes suecos continuou por mais alguns anos em Itália em emblemas como o Génova, ou Roma.
O momento de ouro do futebol sueco em 1948
Com a abolição da proibição do profissionalismo no futebol sueco dois destes três artistas ainda voltaram a vestir a camisola da seleção nórdica, nomeadamente Gren e Liedholm . Os dois integraram a equipa nacional que em 1958 atuou em casa no Campeonato do Mundo que seria ganho pelo Brasil, que na final derrotou precisamente a seleção sueca, por 5-2, que assim alcançava o seu segundo maior feito na sua história: ser vice-campeã do Mundo. E Gren esteve lá, ele que depois de regressar de Itália ainda atuou Orgryte e nos GAIS, outro pequeno emblema da cidade de Gotemburgo.

1958 é pois um ano de ouro para a Suécia, não só porque acolheu o maior certame futebolístico planetário, como também pelo facto de se ter sagrado vice-campeã  mundial face a uma equipa... do outro Mundo.

Deuses do futebol brasileiro nascem em Gotemburgo

Os Deuses Pelé e Garrincha
Para muitos historiadores do Belo Jogo terá sido na Suécia, e quiçá em Gotemburgo, que o Brasil se tornou no país do futebol, em que se tornou rei do futebol além fronteiras. Foi na Suécia que os brasileiros foram coroados pela primeira vez como campeões do Mundo, depois de nas cinco primeiras edições da Copa do Mundo terem feito campanhas modestas ou mesmo dramáticas como a de 1950 quando em pleno Maracanã viram o Uruguai levar para casa a taça.
O fantasma do Maracanã estava pois bem vivo no seio da seleção antes da partida para a Suécia em 58. A seleção partiu desacreditada para o continente europeu não só por tudo que tinha feito em copas anteriores, mas também pela sofrida qualificação - empate com o Peru, em Lima, 1-1, e uma vitória medíocre contra a mesma seleção, por 1-0, no Maracanã, graças a um golo de Didi. Comandada por Vicente Feola a seleção incorporava alguns dos maiores talentos do país, casos de Didi, Djalma Santos, Bellini, Mauro, Nilton Santos, Vavá, Zagallo, Pepe, entre tantos outros. E junto destes estavam dois então profundos desconhecidos para o resto do Mundo, dois jovens que hoje repousam no Panteão dos Imortais do futebol, duas lendas, dois génios que jamais o Mundo irá esquecer. Pelé e Garrincha. Dois nomes que ajudaram a matar o fantasma do Maracanã, senão mesmo os principais responsáveis pela morte desse temível fantasma.
Mas hoje a história poderia ser bem diferente caso ambos não tivessem viajado para a Suécia, como esteve para acontecer na antecâmara do Mundial.

E vai Mané Garricnha para mais um drible
O jornalista e escritor Ruy Castro conta no seu livro " Estrela Solitária – Um brasileiro chamado Garrincha" que «em 1958, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) contratou o psicólogo João Carvalhaes para submeter os atletas a testes de “avaliação de inteligência e equilíbrio psicológico”. Os exercícios consistiam em completar figuras pela metade ou desenhar o que viesse à cabeça e dizer o que significava. Num máximo de 123 pontos, Garrincha fez somente 38. Pelé fez 68. O psicólogo definiu o jovem de 17 anos com essas palavras: “Pelé é obviamente infantil. Falta-lhe o necessário espírito de luta. É jovem demais para sentir as agressões e reagir com a força adequada. [...] Não acho aconselhável seu aproveitamento».
Já Garrincha, obteve uma nota 38 nos testes e com esse desempenho ele estava reprovado num comum exame de condução! Face a este fraco desempenho o psicólogo da seleção concluiu que Mané não tinha condições de participar em jogos de muita pressão como eram os de um Campeonato do Mundo. Além disso, Garrincha tinha um pormenor físico curioso: tinha as pernas tortas. A sua perna direita era seis centímetros mais curta que a sua perna esquerda, além de que a direita era flexionada para o lado esquerdo, tal como a perna esquerda. Era assim como que um... desenho animado mal... desenhado.
Contudo, apesar desta avaliação médica a sorte dos jogadores, e da própria nação, acabou por vir ao de cima, já que Julinho, o habitual dono do lugar que Garrincha ocupava em campo, recusou representar a seleção. Isto porque atuava em Itália na altura e achava que não era justo jogadores que atuavam no estrangeiro ocuparem o lugar de atletas que desenvolviam a sua carreira em solo brasileiro, pelo que Mané ficou com o lugar e viajou para a Suécia.
Pelé foi decisivo contra o País de Gales
em Gotemburgo
Já Pelé, os seus colegas de seleção e o próprio selecionador insistiram na sua convocação, e mesmo contra o diagnóstico do psicólogo o jovem oriundo de Três Corações também seguiu viagem para a Europa.
Contudo, os dois jogadores ficaram de fora nos dois primeiros jogos do Brasil na Copa. O escrete fez a estreia no Mundial em Gotemburgo diante da Áustria, tendo vencido por 3-0 mas sem convencer. Seguiu-se a Inglaterra, também em Gotemburgo, num palco inaugurado precisamente nesse ano de 1958 e que hoje mais do que ser o mais emblemático estádio do futebol sueco e igualmente um dos templos mais mediáticos do futebol planetário, por tudo o que irá ser escrito daqui em diante. Senhoras e senhores bem vindos ao majestoso Ullevi Stadium. Foi aqui que nasceram inúmeros mitos, e o do Brasil foi talvez o primeiro deles.

Pelé e Garrincha festejam o título mundial
Mas voltemos à partida com a Inglaterra, em que o Brasil empatou de forma dramática a zero bolas, onde o guardião inglês defendeu tudo o que havia para defender e os sul-amercianos quase perderam. O alarme soou então. Reunião de emergência entre o selecionador e alguns dos jogadores mais influentes. O resultado fazia recordar, ou antever, 1950, o Maracanazo, e urgia encontrar uma solução para que tal não se voltasse a repetir. E a solução estava no banco: Pelé e Garrincha. Os dois seriam titulares no encontro decisivo do grupo ante os cientistas do futebol, a União Soviética, que dois anos antes havia vencido o torneio olímpico de futebol e dois anos mais tarde seria coroada campeã da Europa. Uma super equipa liderada desde a baliza pelo lendário Lev Yashin.
O dia 15 de junho de 1958 entra para a história da própria Humanidade, pois nesse dia Pelé e Garrincha mostraram-se pela primeira vez ao Mundo num grande palco, num Campeonato do Mundo. Naquele dia em Gotemburgo nasciam dois Deuses do futebol.
Na Suécia o Brasil é campeão do Mundo
pela primeira vez
Nesse jogo o Brasil deslumbrou, jogou um futebol ofensivo e brilhante sob o ponto de vista técnico. Sobretudo, porque tinha Garrincha, que driblou meia equipa da União Soviética vezes sem conta para delírio dos sortudos que nesse dia estiveram nas bancadas do Ullevi Stadium. Criativo o quanto baste o ponta direita do escrete ofuscou o futebol cientifico dos soviéticos, sendo decisivo para uma vitória de 2-0 que qualificou o Brasil para a fase seguinte. O resto desta história é apenas isso, história. Pelé seria decisivo ante o País de Gales nos quartos de final, também disputados em Gotemburgo, e demolidor na meia final contra a França. E na grande final foi a vez da anfitriã Suécia testemunhar a magia e arte dos dois jogadores que integraram uma das maiores equipas de futebol de sempre, o Brasil de 58. O Brasil campeão do Mundo de 1958. E tudo começou em Gotemburgo. Com Pelé e Garrincha juntos em campo a seleção brasileira nunca foi derrotada: foram 40 jogos, com 36 vitórias e quatro empates! É obra.

Gotemburgo: Paraíso de outsiders

Sven Goran Eriksson nos tempos do IFK
Quando o capitão Bellini ergueu em Estocolmo a primeira taça Jules Rimet da história do Brasil, na pequena cidade sueca de Torsby vivia uma criança de apenas 4 anos que muito provavelmente estaria longe de imaginar o quão importante tinha sido aquela conquista para a nação sul-americana, mas mais ainda distante de sonhar que também haveria de entrar na História do futebol. Após uma não muito bem sucedida carreira de futebolista nos escalões secundários do futebol sueco a par de um emprego enquanto professor de Educação Física em Orebro, eis que com apenas 27 anos decide pendurar as chuteiras e dar início a uma brilhante carreira de treinador. O seu nome é Sven-Goran Eriksson.
Nos anos 70 o futebol sueco ainda bebia - e muito - da influência britânica, sobretudo ao nível do estilo de jogo e da mentalidade, e a prova disso é que o país estava "povoado" de técnicos britânicos, tendo alguns deles feito um trabalho notável ao serviço dos clubes locais. Foram os casos de Roy Hodgson (ao serviço do Halmstad, do Orebro ou do Malmo) e de Bob Houghton (que em 79 levou pela primeira vez uma equipa nórdica, no caso o Malmo, a uma final europeia, mais precisamente à final da Taça dos Campeões Europeus, onde seria derrotado pelo Nottingham Forest).

Desfeito o sonho de ser futebolista profissional, Eriksson iniciou a sua carreira de treinador ao serviço do Degerfors, onde aos 29 anos de idade começou a beber da sabedoria do seu mentor, Tord Grip. Começou como adjunto de Grip e com a saída deste para a seleção nacional sueca o jovem Sven assumiu o barco do Degerfors onde rapidamente atingiu o sucesso, guiando a modesta equipa da 2.ª à 1.ª divisão sueca logo em ano de estreia.
Este sucesso chamou à atenção do IFK Gotemburgo, clube histórico que decidiu romper com a tradição de técnicos britânicos ao leme das equipas suecas e oferecer o cargo de treinador da sua equipa a Eriksson, então com apenas 31 anos. Para muitos foi uma decisão arriscada, tendo em conta que além de jovem era um técnico ainda muito pouco conhecido na Suécia, mas o risco seria desfeito logo na época de estreia com a conquista da primeira Taça da Suécia para o emblema de Gotemburgo.
Mas a glória suprema seria alcançada no ano de 1982. Ano memorável para Eriksson e para o futebol sueco. Além da conquista da dobradinha (campeonato e taça) para o IFK, sendo que o campeonato já não era conquistado por este emblema desde 1969, Sven chocou o futebol continental ao levar o clube de Gotemburgo à vitória na Taça UEFA de 81/82.
Talento, força e inteligência foram os ingredientes que Eriksson, um confesso admirador do estilo britânico, aplicou naquele histórico conjunto, onde pontificavam artistas como Glenn Stromberg (um filho de Gotemburgo), Torbjorn Nilsson, ou Dan Corneliusson. Com muitos jogadores oriundos da sua formação, o IFK de Eriksson praticava um futebol de pressão alta, concedendo pouco espaço aos seus opositores, além de exibir uma disciplina férrea, ou não fosse Sven um obcecado pela disciplina tática.

Os capitães de equipa antes da primeira mão
da final da Taça UEFA de 1982
A campanha europeia do IFK começou na Finlândia face a um fraco oponente, o Haka, que seria facilmente despachado com dois triunfos (3-2 e 4-0). Seguiu-se uma viagem à Áustria, onde o Sturm Graz foi um osso duro de roer para os suecos, que garantiram a passagem de eliminatória por um golo de diferença (5-4 no agregado dos dois jogos). Mais fácil foram as vitórias (3-1 e 1-0) sobre o Dínamo de Bucareste na ronda seguinte que levaram o IFK até uns impensáveis quartos-de-final da prova. Para muitos este era o limite para os semi-profissionais suecos, que nesta eliminatória teriam pela frente o experiente e favorito Valência. A eliminatória começou de forma conturbada mesmo antes das equipas terem entrado em campo, pois uma crise interna no IFK fez com que o clube não tivesse dinheiro para custear a viagem até Espanha. Valeram os adeptos, que se juntaram e pagaram a deslocação do grupo liderado por Eriksson. As bases populares do IFK estavam aqui bem visíveis com este gesto. Tocados por esta atitude os suecos fizeram uma grande exibição no Mestalla, alcançando um impensável empate a duas bolas. Seria contudo na fortaleza de Ullevi, perante 50.000 adeptos em estado de loucura total pela campanha que a sua equipa vinha fazendo, que o IFK logo aos 4 minutos fez explodir de alegria as bancadas do mítico estádio ao marcar o primeiro golo do jogo. A confirmação da vitória e da passagem às meias-finais aconteceu na segunda metade, de penalty, e o Ullevi entrou em delírio absoluto. Nas meias-finais o IFK enfrentava a força do futebol alemão, expressa no Kaiserslautern, que havia deixado pelo caminho o Real Madrid. Após dois jogos muito equilibrados só o prolongamento decidiu quem passava à final, tendo o talento, a força e a inteligência do IFK levado a melhor.
Estava igualado o feito do Malmo em 79, e pela segunda vez uma equipa sueca atingia uma final europeia.

IFK Gotemburgo sobe ao céu no verão de 82
A expectativa na cidade era enorme. A final seria ante outro gigante alemão, no caso o Hamburgo, orientado pelo mestre da tática Ernst Happel, sendo que o primeiro encontro da final seria no Ullevi. Felix Magath, Groh, Lars Bastrup, ou Hrubesch eram algumas das pedras principais da poderosa equipa alemã, que um ano mais tarde se consagraria campeã da Europa.
Num Estádio Ullevi lotado, o Hamburgo entrou estranhamente a defender, parecendo satisfeito em levar para a segunda mão uma igualdade a zero bolas. Num relvado extremamente pesado, devido à chuva intensa que nesse dia caiu sobre Gotemburgo, o IFK tentava de todas as maneiras chegar à baliza de Stein, persistência que daria frutos a três minutos do fim quando Holmgren marcou o único golo do encontro para a turma da casa.
Aqui estava o primeiro capítulo do Ullevi enquanto palco de grandes surpresas internacionais no que a finais europeias dizia respeito.

Na segunda mão uma multidão de 60.000 pessoas lotou o Volksparkstadion de Hamburgo na esperança de ver a equipa da casa facilmente anular a desvantagem trazida da Suécia e ficar com a taça. Puro engano. A primeira parte foi controlada em absoluto pelo IFK, de forma inteligente, uma supremacia coroada com êxito logo aos 19 minutos quando Corneliusson fez o 1-0. Se já estava difícil para os alemães mais ainda ficou após este golo. Mas o baile de Eriksson não se ficou por aqui. Lançados no ataque os alemães abriram muitos espaços na sua defesa na segunda metade, facto aproveitado por Nilsson aos 62 minutos para fazer o 2-0. O Hamburgo estava de cabeça perdida, e quatro minutos depois comete uma falta dentro de área que rapidamente o árbitro inglês Courtney sancionou com o castigo máximo, o qual seria aplicado por Fredriksson. 3-0 e as dúvidas estavam acabadas. O IFK entrava para a história como a primeira equipa sueca a vencer uma competição continental. A Europa começou a olhar então espantada para Gotemburgo e após esse sucesso Eriksson rumou para outras paragens, tornando-se com o passar dos anos num dos mais afamados e talentosos técnicos do futebol mundial. Com Eriksson saíram outros craques daquele talentoso IFK, tal como Stromberg, mas a aptidão pelas grandes vitórias manteve-se na cidade portuária da Suécia. Não só a nível interno, onde o IFK continuou a colecionar títulos, mas sobretudo no plano internacional, onde a equipa continuou a surpreender.

Final da Taça UEFA de 1987
Em 1986 os suecos trilharam uma caminhada quase triunfal na prova rainha da UEFA, a Taça dos Campeões Europeus, caindo somente nas meias-finais ante o Barcelona após o desempate nas grandes penalidades. Na época seguinte o IFK provou, se é que ainda o tinha de fazer, que a vitória na Taça UEFA de 82 estaria longe de ser um milagre, repetindo a glória nesta competição após um triunfo na final sobre os escoceses do Dundee United.  Pode não ter sido um triunfo tão surpreendente quanto o de 82, mas mesmo assim não deixou de ser marcante, sobretudo quando nos quartos-de-final a equipa então orientada pela velha raposa Giovani Trapattoni e que tinha como grande estrela o alemão Karl-Heinz Rummenigge.

Contam-se pelos dedos de uma só mão as ocasiões em que o gigante Real Madrid perdeu uma final europeia. Foram precisamente cinco as vezes em que os merengues claudicaram no jogo de todas as decisões numa prova da UEFA, e uma delas foi provavelmente umas das maiores surpresas da história do futebol internacional. E não deixa de ser curioso que tenha acontecido numa outra noite chuvosa de Gotemburgo apenas um ano depois do IFK ali ter dado o primeiro passo rumo à conquista da Taça UEFA de 1982.
No dia 11 de maio de 1983 a Europa assistiu de boca aberta a mais um capítulo da fábula "David vs Golias" em que o pequeno David derrota o gigante Golias. E em 83 o papel de David foi interpretado pelo praticamente desconhecido Aberdeen Football Club, liderado pelo até então não menos conhecido no plano internacional Alex Ferguson.

Alex Ferguson nos tempos do Aberdeen
Este antigo futebolista nascido em Glasgow e que brilhou na década de 60, tendo sido o melhor marcador da liga escocesa em 66 ao serviço do Dunfermline Athletic, facto que no ano seguinte fez o Rangers perder a cabeça e pagar uma pipa de massa pela sua contratação, a qual viria a tornar-se um fiasco, iniciou, tal como Eriksson, a sua carreira de treinador relativamente jovem, com 32 anos.
Após passagens pelo East Stirlingshire e pelo St. Mirren ele chega a Aberdeen aos 36 anos, em junho de 78. Desde 1955 que o clube não ganhava um título, vivendo de lá para cá na sombra dos gigantes de Glasgow (Celtic e Rangers). A chegada a Pittodrie (a casa do Aberdeen) não foi pacífica, sobretudo porque no clube atuavam jogadores mais velhos que o próprio Ferguson e que não viam com bons olhos um rapaz de Glasgow dar-lhes ordens.
Contudo, a reputação de Alex enquanto disciplinador autoritário rapidamente esfriou as intenções dos jogadores mais velhos do Aberdeen, que rapidamente se renderam a ele. Os primeiros sinais de sucesso chegaram em 1980, quando os Dons (alcunha do Aberdeen) interromperam o reinado de 15 anos consecutivos do Rangers e do Celtic na liga escocesa, vencendo assim o segundo campeonato da história do clube do norte da Escócia. Sob a liderança de Ferguson o Aberdeen viveu a fase mais gloriosa da sua existência, alcançando em 1984 e 1985 mais dois títulos de campeão nacional aos quais juntou três vitórias consecutivas na Taça da Escócia (82, 83 e 84) e uma Taça da Liga (86). Mas a glória suprema do reinado de Ferguson no Pittodrie aconteceu então na noite chuvosa de 11 de maio de 63, em Gotemburgo, quando o modesto Aberdeen defrontou o poderoso Real Madrid na final da Taça dos Vencedores das Taças.

Primeira glória europeia de Fergie ao serviço
do modesto Aberdeen
A caminhada triunfal começou na Suíça, numa ronda pré-eliminar, tendo os escoceses despachado com facilidade o Sion por um total (no conjunto das duas mãos) de 11-1. Nas duas rondas seguintes foi a vez do Dínamo de Tirana e do Lech Poznan caírem aos pés dos pupilos de Fergie (como ficaria conhecido anos mais tarde). O primeiro grande obstáculo vinha da Baviera e dava pelo nome de Bayern de Munique. E quem pensava num atropelamento na primeira mão na Alemanha enganou-se redondamente. O encontro terminou empatado a zero, e se para a maioria dos escoceses este era um resultado estupendo, para Ferguson o nulo havia sido um péssimo resultado, pois a sua equipa havia... vulgarizado o colosso Bayern. E queixou-se de alguma falta de sorte para justificar as duas bolas enviadas ao poste dos germânicos.
Na segunda mão, disputada nas Terras Altas da Escócia, a teoria esteve quase a confirmar-se, isto é, que o Bayern era favorito a passar a eliminatória, sobretudo depois do golo de Augenthaler logo aos 10 minutos. O jogo esteve frenético a partir de então, e ainda antes do descanso Neil Simpson fez o empate. No reatamento o Bayern voltou a agigantar-se e Pflugler fez o 2-1 que parecia sentenciar a eliminatória e acabar com o sonho dos Dons. Mas o que se seguiu foram talvez os 30 minutos mais soberbos da história do futebol escocês. Uma cavalgada impressionante do Aberdeen destruiu por completo o conjunto germânico que saiu do Pittodrie vergado a uma derrota por 3-2. Os Dons estavam nas meias finais, onde viriam a derrotar com relativa facilidade os belgas do Waterschei Thor por um total de 5-2 nas duas mãos. A impensável final de Gotemburgo era agora uma realidade.

Lance da final de 83 no Ullevi
Na gélida Suécia o conjunto de Fergie tinha pela frente o colosso mundial Real Madrid, orientado pela sua maior lenda, Alfredo Di Stéfano, que tinha à sua disposição um leque de notáveis artistas como Santillana, Camacho, Stielike, Metdgod, Del Bosque, ou Juanito. Em suma, gente mais do que suficiente para conquistar a taça. Cerca de 14.000 adeptos do Aberdeen perderam a cabeça e deixaram tudo para trás para acompanhar o seu modesto clube nesta aventura europeia. Fretaram-se aviões, alguns fans fizeram a longa viagem de barco até aos mares da Escandinávia ao longo de dois dias. Assim que chegaram a Gotemburgo o clima era-lhes familiar: chovia copiosamente e isso favorecia o estilo de jogo britânico do Aberdeen em detrimento do estilo mais tecnicista e latino dos madrilenos.
Fergie preparou a equipa de forma meticulosa, incutiu em cada jogador um espírito indomável, uma vontade férrea de vencer, como anos mais tarde disse um dos jogadores chave daquela equipa, Gordon Strachan: «Se pudéssemos transformar toda a energia que ele nos passou antes desse jogo em eletricidade, poderíamos alimentar todo o norte da Escócia!».
Ferguson era já na altura um especialista em mind games, no chamado jogo psicológico, tendo antes da final passado a mensagem de que para o Aberdeen estar ali, naquele jogo, já era uma grande vitória, dando a entender com isto ao Real Madrid que os escoceses iriam quase que fazer figura de corpo presente e assistir ao triunfo do colosso madrileno. Os espanhóis morderam o isco, sentiram-se importantes, superiores, e assim que a bola começou a rolar no relvado encharcado do Ullevi o que se viu foi um festival dado pelo Aberdeen.

Aberdeen alcança a glória em Gotemburgo
Logo aos 7 minutos Eric Black traduziu em golo a superioridade dos escoceses, batendo um desamparado Augustín. Porém, o estado difícil do terreno também traiu os rapazes do norte da Escócia, e um passe mal calculado de Alex McLeish para o guardião Jim Leighton deu origem a uma grande penalidade a favor dos madrilenos, a qual seria convertia por Juanito, ao minuto 15. No segundo tempo o Aberdeen dispôs das melhores oportunidades para marcar, mas teimosamente o marcador não se iria alterar até aos 90 minutos, pelo que se teve de jogar mais 30 minutos de prolongamento. Mas aqui veio ao de cima a criatividade tática de Fergie, que ao colocar John Hewitt em campo trocou por completo as voltas ao Real Madrid, tendo este suplente sido o autor do 2-1 que conferiu o título mais importante da história do clube escocês.
Quanto a Ferguson, após ter sido do Pittodrie assinou pelo Manchester United, onde... fez a história que sobejamente se conhece e que o iria tornar em Sir Alex Ferguson.

Sampdoria vence no Ullevi o seu único
troféu internacional
Apesar de ter o condão de transformar Golias em heróis o Ullevi serviu também para confirmar o poderio de escolas, ou correntes, futebolísticas. Foi o caso da escola italiana, cujo campeonato nacional nos anos 80 e 90 era tão só o mais mediático a nível mundial. Os grandes astros do futebol atuavam todos em Itália, e como consequência disso os emblemas transalpinos venceram 15 troféus europeus nestas duas décadas de supremacia, para além de terem chegado a muitas outras finais continentais.
E em 1990 fizeram algo que nunca nenhum outro país conseguiu até hoje, que foi fazer o pleno de vitórias nas três competições europeias, isto é, vencer na mesma temporada a Taça dos Campeões Europeus, a Taça UEFA e a Taça das Taças. A primeira foi conquistada pelo super Milan liderada pelo trio holandês composto por Gullit,  Van Basten e Rijkaard, ao passo que a segunda também viajou para Milão, mas pelas mãos do Inter dos alemães Klinsmann, Brehme e Matthaus. A terceira foi conquistada pela Sampdoria, cujo ponto forte estava no eu ataque, o qual era composto pela dupla Roberto Mancini e Gianluca Vialli que em Gotemburgo foram preponderantes em ajudar a Samp a conquistar (ao Anderlecht) o seu único troféu internacional até à data.

Vikings provocam em Gotemburgo a maior surpresa da História

Dinamarqueses festejam o conto de fadas
no verão de 92
Mas quiçá a maior surpresa da história do futebol europeu - e porque não dizê-lo a nível Mundial - aconteceu dois anos depois da Samp ter erguido nos céus de Gotemburgo a Taça das Taças. Utopia, simples palavra que servirá - ainda hoje - para descrever esta surpresa que alude a um triunfo que se equipara a um conto de fadas, altamente improvável de transpor as fronteiras da realidade e que ainda hoje causa uma certa estranheza de perceber como é que uma equipa chamada à última da hora, para substituir outra, conseguiu conjungar os verbos chegar, ver, e vencer de uma forma tão nítida num certame de grau de dificuldade tão elevado como é o caso do Campeonato da Europa!
Estas são algumas palavras que ajudam a descrever a vitória da Dinamarca no Euro 92, disputado em solo sueco, e que teve em Gotemburgo a grande final. Ou melhor, a grande surpresa.

Dinamarca que na verdade nem se qualificou para este Europeu, mas o facto de a Jugoslávia estar então a braços com uma guerra abriu as portas do Euro aos vikings, que desta forma à última da hora fizeram as malas e embarcaram para a vizinha Suécia. Reza a lenda que a maior parte dos jogadores dinamarqueses gozava já o merecido período de férias nas tórridas praias do sul da Europa, entre eles a grande estrela daquela seleção, Michael Laudrup, que quando convocado - à última da hora - pelo selecionador Richard Moller-Nielsen preferiu... continuar a apanhar sol ao invés de calçar as chuteiras numa prova em que o próprio - e não só - achava que o seu país não ia fazer mais do que corpo presente. Na verdade, não só Laudrup era desta opinião, todos os críticos e conhecedores da modalidade estavam cientes de que pelo seu curto tempo de preparação a seleção escandinava pouco mais podia fazer do que evitar sair goleada dos 3 jogos que iria fazer no grupo 1 da fase final. Como estavam enganados.

E na estreia a Dinamarca contrariou desde logo essa previsão, impondo um empate a zero a Gary Lineker e companhia, isto é, à seleção de Inglaterra, que dois anos antes havia alcançado um brilhante 4º lugar no Mundial de Itália. Um pobre 0-0, na realidade, resultado de um paupérrimo jogo de futebol, mas que na verdade rasgou sorrisos de felicidade entre os até há poucos dias atrás veraneantes vikings.
Seguiu-se o duelo nórdico, entre Dinamarca e Suécia, sendo que os primeiros mesmo não fazendo um mau jogo, contrariamente ao que haviam feito dias antes ante a Inglaterra, não conseguiram contrariar a avalanche ofensiva sueca, liderada por Limpar, Dahlin, e Brolin, cabendo a esta último o papel de herói dessa célebre noite, depois de apontar (aos 58 minutos) o único golo da partida. Porém, chamando a si o espírito da Danish Dynamite dos anos 80 os dinamarqueses protagonizaram no dia 17 de junho de 92 a primeira grande surpresa daquele Euro, quando em Malmo derrotaram (2-1) e eliminaram a favorita França de Eric Cantona, Boli, Manuel Amoros, Casoni, Fernandez, ou do goleador Papin. Acontecesse o que acontecesse dali em diante a Dinamarca já tinha feito muito mais do que era esperado.

A taça é nossa! Quem imaginava esta imagem?
E de novo o Ullevi de Gotemburgo voltou a ser palco de um verdadeiro conto de fadas na semi-final do Euro 92. Pela frente os dinamarqueses tinham os detentores do ceptro europeu, a Holanda, que não só pela sua condição de detentor do título mas sobretudo pelo futebol espetáculo apresentado na fase de grupos poucos imaginavam que não voltaria a erguer o troféu. Pelo que a Dinamarca era apenas uma mera formalidade para cumprir com maior ou menor dificuldade. Aliás, na véspera do jogo o defesa holandês Ronald Koeman adiantava à imprensa que já sonhava com a final e com... as férias do Algarve! Como muitas das vezes acontece o excesso de confiança paga-se bem caro, e os mestres holandeses pagaram-no, efetivamente. Os nórdicos colocaram-se em vantagem bem cedo (5 minutos) por intermédio de Henrik Larsen, que naquela tarde de 22 de junho viveria na relva do Ullevi o grande momento da sua carreira, como mais à frente iremos perceber. Bergkamp ainda empatou para a Holanda, aos 23 minutos, mas os vikings queriam fazer história, queriam continuar a sua - inesperada - aventura, e à passagem do minuto 32 Henrik Larsen voltou a colocar em delírio os apoiantes dinamarqueses. Naquele instante ninguém no Reino da Dinamarca se lembrava de... Michael Laudrup. Larsen, Lars Olsen, Kim Vilfort, Povlsen, Peter Schmeichel, ou o mais novo dos Laudrup (Brian) eram mais do que suficientes para trazer alegria à nação escandinava. O guarda-redes Schmeichel fez mesmo uma das melhores exibições da sua gloriosa carreira, travando com defesas espetaculares e seguras a avalanche holandesa que ia subindo de intensidade à medida que o relógio ia avançando. Porém, aos 85 minutos, Schmeichel foi incapaz de travar o remate certeiro de Frank Rijkaard, que desta forma colocava tudo na estaca zero. A Dinamarca tinha já superado o pior, mas ainda assim poucos acreditavam que a Holanda não acabasse por demonstrar a sua superioridade no prolongamento. Não mostrou, na verdade, e o jogo foi decidido nas grandes penalidades, onde um desinspirado Marco Van Basten - fez um Euro 92 muito abaixo das suas potencialidades - viu o seu penalty ser travado pelo bravo Schmeichel, que pouco depois via o seu companheiro Christofte levar a Dinamarca para a final do Campeonato da Europa! Impensável, não nos cansamos de repetir. E tudo o que acontecesse depois daquela noite não teria importância, pois quer vencessem ou não a final os dinamarqueses já eram os grandes heróis deste Euro 92.
E como não tinham mesmo nada a perder o conto de fadas conheceu um final deslumbrante!

Uma imagem do Ullevi atual, o palco onde
nasceram Deuses
e onde aconteceram grandes surpresas
Estádio Ullevi, dia 26 de junho, para a Alemanha poderia ser mais um jogo rumo a mais um título, para a Dinamarca era o jogo de uma vida, o momento mais sublime da sua história desportiva. Cedo os alemães quiseram ver a questão resolvida, mas os nórdicos mostravam que já que haviam sido convidados para participar na festa não queriam sair dali sem se divertirem. E alegria foi o que John Faxe Jensen terá sentido ao minuto 18 quando na sequência de um remate à entrada da área coloca a Dinamarca em vantagem! Os Deuses (do futebol) estavam definitivamente loucos. Os alemães continuaram no entanto a dominar, massacrar será mesmo a palavra exata. Mas aquela não era a sua noite, era a noite de uns mágicos vikings que já perto do final da contenda deram o golpe final por intermédio de Kim Vilfort. 2-0, os veraneantes dinamarqueses podiam finalmente gozar as suas merecidas férias, mas agora ostentando o pomposo título de CAMPEÕES DA EUROPA, e o Mundo ficava pasmado, de olhos postos em Gotemburgo, uma cidade que futebolisticamente falando viu nascer Deuses como Pelé, Garrincha, Sven Goran Eriksson, Alex Ferguson, ou Peter Schmeichel, mas também testemunhou alguns dos mais belos contos de fada do Planeta da Bola, como esta final do Euro 92.