A equipa do Sporting que eliminou o Bolonha |
Nos anos 80 e 90 do século passado ninguém mais reluzia no mais alto patamar competitivo e mediático do plano internacional do que o campeonato italiano. Os melhores futebolistas do Mundo, e por consequência as melhores equipas do planeta, atuavam na Serie A italiana. Nesse sentido, os emblemas italianos ditavam leis na Europa do futebol, argumento este sustentado com a conquista de 5 Taças dosCampeões Europeus, 8 Taças UEFA e 4 Taças dos Vencedores das Taças. Isto, no período compreendido entre 1980 e 1999. Perante este cenário, para qualquer clube de outro canto qualquer do Velho Continente vencer um clube italiano numa das (então) três provas uefeiras era um feito digno de ser registado e acima de tudo enaltecido.
E na temporada de 1990/91 o Sporting alcançou o feito de eliminar um conjunto italiano da então Taça UEFA, no caso o Bolonha. Esta vitória do conjunto luso abriu-lhe pela terceira vez na sua história as portas das meias-finais de uma prova europeia, igualando, pelo menos, o registo obtido nas temporadas de 1963/64 e de 1973/74, em que chegou às meias-finais da Taça das Taças. Desta forma, o afastamento dos bolonheses garantia aos sportinguistas a primeira presença nas meias-finais da Taça UEFA, hoje denominada Liga Europa. O feito tem ainda contornos de maior glória tendo em conta que os leões de Alvalade passavam por um período de vacas magras a nível interno, isto é, já não venciam o campeonatonacional e a Taça de Portugal há 9 anos, levando neste longo período de jejum para o seu museu apenas uma Supertaça Cândido de Oliveira, arrecadada em 1987.
O conjunto italiano não viveu bons momentos em 90/91 |
Não era por falta de qualidade, muito pelo contrário, que os lisboetas andavam arredados dos títulos e das grandes vitórias internacionais. Neste plantel de 90/91 o Sporting tinha nomes sonantes do futebol nacional e internacional, casos de Jorge Cadete, Balakov, Fernando Gomes, Carlos Xavier, Oceano, Luisinho, Douglas, Ivkovic, ou Careca. Deste grupo faziam ainda parte jovens oriundos da Geração de Ouro do futebol português que espreitavam por uma oportunidade no onze orientado pelo brasileiro Marinho Peres, como eram os casos de Luís Figo, Emílio Peixe, Paulo Torres, Filipe, ou Amaral, todos eles campeões do Mundo de sub-20 ao serviço de Portugal.
Quis o destino que o Sporting defrontasse nos quartos-de-final da Taça UEFA de 90/91 o 8.º classificado da Serie A da época transata, o Bolonha, clube para quem 90/91 foi uma temporada negativa a todos os títulos. O conjunto da região de Emília-Romanha obteve em termos internos uma prestação paupérrima, sendo a prova disso o último lugar do campeonato desse ano, que lhe valeria a despromoção à Serie B. Tudo correu mal ao Bolonha em 90/91, pelo que uma possível salvação poderia passar por um bom desempenho na Taça UEFA, embora os próprios meios de comunicação italianos assim que o sorteio ditou o Sporting no caminho dos bolonheses logo atribuíram o favoritismo na eliminatória aos portugueses! E quando os italianos, tão nacionalistas que são, dizem isto… !
E a verdade é que os dois jogos da eliminatória lhes dariam razão. A passagem do Sporting começou a ser desenhada na 1.ª mão, em solo transalpino, onde se registou um empate a uma bola. E como altura os golos fora valiam por dois, os portugueses encararam a 2.ª mão ainda com maior otimismo. Mesmo tendo pela frente uma equipa oriunda do todo poderoso campeonato italiano, eram poucos os sportinguistas que não acreditavam na passagem da sua equipa, desde logo o então presidente leonino, o excêntrico Sousa Cintra, que nas vésperas do confronto da noite de 20 de março de 1991 não admitia outro resultado que não a vitória e o regresso às meias-finais de uma competição europeia 17 anos depois. Cientes de que estavam prestes a presenciar mais um grande momento da história do seu clube, 60.000 sportinguistas lotaram o Estádio de Alvalade. E será à boleia do jornal A Bola que nas próximas linhas iremos recordar este jogo memorável que terminou com a vitória leonina por 2-0.
Numa análise global ao encontro, o jornalista Aurélio Márcio começava por escrever que a terceira meia-final europeia do Sporting «foi muito bem conseguida, numa linda noite, fazendo regressar o futebol europeu, no seu belo esplendor, ao relvado de Alvalade, qualificação feita à custa de uma equipa italiana que sendo embora modesta – penúltima classificado do campeonato de Itália – e desfalcada de cinco ou seis jogadores, entre castigados e magoados, sempre é uma equipa de Itália, representante de um país que está no top do futebol mundial». O jornalista do jornal da Travessa da Queimada escrevia mais adiante que o otimismo exagerado do Sporting e dos seus adeptos acabou por não ter razões de o ser face a um Bolonha que depois de sofrer até ao primeiro golo leonino – à passagem do minuto 19 –, reergueu-se, organizou-se e equilibrou o encontro até aos 74 minutos, altura em que passou a jogar com menos uma unidade em campo e… se entregou ao adversário.
O
Sporting entrou em campo balanceado ao ataque, com dois pontas-de-lança, Jorge Cadete
e Fernando Gomes, que seriam bem vigiados pela dupla defensiva composta por
Rosario Biondo e Paolo Negro. «O Sporting
desde o começo, viu-se diante de uma resistência que não contava e procurava
demoli-la, sem o conseguir, muito embora, aqui e ali, as situações de perigo fossem
aparecendo, mas sem concretização», retratava Aurélio Márcio.
Mesmo desfalcado de muitos dos seus melhores jogadores, entre eles a sua principal estrela de então, o médio húngaro Lajos Détári, o Bolonha «obrigou o Sporting a tomar cuidados que provavelmente não esperavam». Nos primeiros 15 minutos jogava-se «como no ping-pong, os portugueses a atacar, os italianos a defenderem-se e não parecia sair-se disso», dizia a reportagem de A Bola. Até que quando nada o fazia prever, face ao que o jogo mostrava até então, o Sporting marcou. «Um golo lindo de ser ver», «bonito e panorâmico», de Jorge Cadete, corria o minuto 19, e que surgiu na sequência de um cruzamento «longo da direita para a esquerda, com a bola muito por alto, o defesa Biondo ficou-se distraído, e Cadete arrancou, saltou, e com a cabeça, muito no ar, atirou-a para a baliza, fazendo-a cruzar pela frente de Valleriani, que se lançou mal e atrasado», assim foi descrito o golaço do ponta de lança português.
O golo despertou os portugueses, que começaram a dar mais trabalho à defesa italiana, obrigando-a a correr muito mais, o que originou a abertura de algumas brechas na muralha defensiva bolonhesa. Carlos Xavier enviou ainda uma bola ao poste numa primeira parte onde o azar bateu à porta dos italianos, que aos 30 minutos já tinham esgotado as duas substituições permitidas, por motivos de lesão de De Già e de Schenardi. Para complicar ainda mais a tarefa dos transalpinos, Cadete, moralizado pelo grande golo apontado, era um verdadeiro “diabo à solta”, fazendo diversos sprints que faziam estremecer o Bolonha. Mas todo este entusiasmo leonino foi esmorecendo, e o jogo volta ao ritmo inicial. Os italianos equilibram a balança dos acontecimentos, o que intranquiliza um Sporting que sabe que um golo do adversário empata a eliminatória e obriga a um prolongamento. O Bolonha percebe a inquietude dos portugueses e vai procurando o tento da igualdade. Porém, esta era uma noite de infortúnio da squadra do norte de Itália. A 15 minutos do final, o influente médio Pietro Mariani sai lesionado após um choque com o defesa Leal, e como a sua equipa já tinha esgotado as substituições, esta fica a jogar com menos uma unidade. Os italianos ainda resistiram durante alguns minutos a mais esta contrariedade, mas a diferença numérica acabaria por fazer mossa, e aos 80 minutos Verga derruba Filipe dentro da área, tendo o árbitro francês Joel Quiniou apontado de pronto para a marca da grande penalidade. Na conversão, Fernando Gomes, o bi-bota de ouro, faria o golo da tranquilidade leonina, o golo que carimbou a histórica passagem às meias-finais da Taça UEFA.
Após o
apito final, sorrisos de euforia tomaram conta das bancadas e do relvado do
Estádio de Alvalade. O jornalista de A
Bola, Vítor Cândido, outro dos profissionais destacados para a cobertura
deste encontro, relata que nos balneários há «bolo e champanhe. Comemorava-se a entrada dos “leões” nas meias-finais
da Taça UEFA e… o 44.º aniversário do técnico vitorioso Marinho Peres». No
sentido de ficar a festejar este duplo motivo, digamos, o treinador brasileiro
delegou no seu adjunto, António Dominguez, a tarefa de falar aos jornalistas,
que diria que o Sporting fez o jogo possível sem perder a cabeça. «O Sporting controlou o jogo durante os 90
minutos, mas não podíamos entrar em loucuras, não podíamos sair para o ataque
de qualquer maneira. Isso podia sair-nos caro. O resultado foi escasso para
tantas oportunidades desperdiçadas. Fizemos uma exibição normal, condizente com
as nossas pretensões». Quando questionado sobre o adversário preferido para
as meias-finais, o treinador-adjunto foi perentório em dizer que técnico e
jogadores já tinham falado sobre isso, e… «queremos
o Roma. Era bom para a receita, para projeção da nossa equipa e para… vingarmos
o Benfica», tendo em conta que a equipa da capital italiana havia afastado
da prova os vizinhos da Segunda Circular logo na 1.ª eliminatória.
Do lado
do Bolonha havia, naturalmente, um ambiente de tristeza, «os jogadores estavam destroçados. (…) No corredor de acesso aos
balneários, todos os responsáveis do clube, incluindo o presidente e muitos
dirigentes, olhavam uns para os outros emudecidos», escrevia Vítor Cândido.
Por sua vez, o técnico Luigi Radice, um dos três treinadores que nesta
temporada negra orientou a turma
italiana, diria estar «muito satisfeito
com os meus rapazes pela forma como se bateram. O momento difícil que
atravessamos não deu para fazer mais. Com esta “squadra” era impossível fazer
melhor. Faltam-nos muitos jogadores importantes. Não podíamos ter veleidades.
Ainda para mais, a infelicidade não nos deixou de perseguir neste jogo».
Questionado sobre as possibilidades do futuro do Sporting na competição, o
técnico italiano vaticinou dificuldades aos portugueses. «Penso que a Roma é melhor. Não será impossível, mas parece-me que será
muito difícil para o Sporting superar a Roma ou o Inter. Só passou o Bolonha
porque estávamos desfalcados. Fomos uma equipa sem soluções para chegar à
vitória». E como estava certo Radice, pois nas meias-finais o Inter
acabaria com o sonho dos portugueses em chegar à final.
No
Estádio de Alvalade, sob arbitragem de Joel Quiniou, as equipas alinharam da
seguinte forma: Sporting – Ivkovic, Carlos Xavier, Luisinho, Venâncio, Leal,
Litos (Mário Jorge, 85), Oceano, Douglas (Careca, 82), Filipe, Gomes e Cadete.
Treinador: Marinho Peres.
Bolonha –
Valleriani, Verga, Biondo, Negro, De Già (Anaclerio, 14), Traversa, Martino,
Galvani, Tricella, Mariani, Wass (Turkyilmaz, 30) e Schenardi. Treinador: Luigi
Radice.
Vídeo: SPORTING - BOLONHA
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