Pegar
num clube com pouca, ou nenhuma, cultura de títulos e conduzi-lo até à glória é
algo que na história do futebol foi alcançado por poucos treinadores.
Sobretudo, se atendermos ao facto de esse trajeto glorioso ter sido feito em
ligas/campeonatos dominadas décadas e fio por "gigantes", ou emblemas
de maior dimensão/poderio. O nosso Mestre da Tática de hoje fez isso, e só não atingiu o patamar dos Deuses do futebol planetário enquanto
treinador, porque, entre outros aspetos, a sua Era Dourada
coincidiu com a de outro génio da tática: Alex Ferguson. James Yuille McLean, ou simplesmente,
Jim McLean, é a figura dos bancos que hoje vamos recordar, um homem que está
diretamente ligado ao período de maior sucesso dos simpáticos escoceses do
Dundee United. Não é fácil triunfar num país onde a história de glória do
futebol se restringe quase à cidade de Glasgow, através dos rivais Celtic e
Rangers, que só à sua conta detêm (juntos) 108 dos 132 títulos do escalão
principal da Escócia (hoje em dia denominada de Scottish Premiership) disputados até hoje.
Porém,
a década de 80 do século passado contrariou esta abismal tendência dos "gigantes" de Glasgow, muito por culta de dois então jovens treinadores que ao comando de
emblemas de menor dimensão se intrometerem (com sucesso) na hegemonia de
títulos de Celtic e Rangers. Esses homens foram Jim McLean, ao serviço do
Dundee United, e Alex Ferguson, aos comandos do Aberdeen. Claro que
na balança de títulos, Ferguson teve mais peso, já que venceu três campeonatos
nacionais da 1.ª Divisão escocesa, quatro Taças da Escócia, uma Taça da Liga
Escocesa, e ainda uma competição europeia, a Taça dos Vencedores das Taças,
curiosamente o último troféu internacional ganho por um emblema escocês. Tudo
isto na tal década de 80.
O
palmarés de McLean é mais modesto, mas na essência o seu legado foi tão
importante como o de Sir Alex, pois também ele levou um pequeno clube, que até à
sua chegada só tinha como cartão de
visita dois títulos da 2.ª Divisão escocesa, à glória.
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McLean levado em ombros após a conquista do título de 1983 |
Jim
nasceu em Larkhall, em 21 de abril de 1937, e era filho de um padeiro local, sendo
que o seu avô materno havia sido jogador do Rangers. Como tantos e tantos outros meninos da sua idade, McLean começou a trabalhar cedo, como marceneiro,
atividade desenvolvida em paralelo com a de futebolista amador. Nos retângulos
de jogo atuou como avançado, primeiro no Hamilton Academical, entre 1956 e
1960, passando depois para o Clyde, onde esteve cinco temporadas, até se
transferir para o Dundee Fooball Club, onde se tornou futebolista profissional.
Após três temporadas a defender a camisola dos The Dark Blues, a alcunha do Dundee FC, Jim transferiu-se para Kilmarnock,
onde uma lesão pôs fim à sua carreira de futebolista, corria o ano de 1970. Não
esteve muito tempo longe dos relvados, pois em 71 regressa a Dundee para fazer
parte da equipa técnica dos The Dark
Blues, mas não por muito tempo. Tudo porque com apenas 34 anos resolveu
literalmente atravessar a Rua Tannadice para assumir o comando técnico dos vizinhos Dundee United. Ambos os estádios (dos dois emblemas da cidade de Dundee) distam
um do outro de poucos mais de 200 metros (!), pelo que esta foi uma viagem
curta e muito proveitosa, como se iria perceber nos mais de 20 anos que se
seguiram. Então com apenas 34 anos Jim McLean substituiu no cargo outra lenda
do United, Jerry Kerr, que em 1960 havia guiado os tangerinas - alcunha do United, devido à cor das suas camisolas,
cor de laranja - até à 1.ª Divisão da Escócia. Não foi uma substituição fácil,
não só pelo longo trajeto de Kerr à frente do Dundee United enquanto treinador,
mas também porque havia sido futebolista no clube ao longo de oito
temporadas. Mas, rapidamente este sentimento dos adeptos dos Tangerines se desfez, pois o jovem
McLean implementou de pronto uma filosofia vencedora no clube. Ele começou a
chamar à sua responsabilidade todos os aspetos que tinham a ver com futebol no
seio do clube. Fez uma verdadeira revolução no Dundee United, contratando uma
série de jogadores poucos conhecidos, com salários modestos, moldando-os à sua
imagem. Entre outros, formou jogadores como David Narey, Paul Sturrock, Paul
Hegarty, Davie Dodds, Eamonn Bannon, ou Maurice Malpas, que saltaram do
anonimato para a seleção da Escócia! Os bons resultados do Dundee United de Jim
McLean não foram imediatos, ele teve de ter tempo para reconstruir o clube à
maneira - disciplinadora e dura, dizem alguns dos que conviveram com ele - até
atingir a glória. Sob a sua batuta os Tangerines
começaram a figurar mais vezes no topo da tabela do escalão maior da Escócia,
qualificando-se com regularidades para as provas europeias. Até que o
primeiro título de renome surgiu em 1980, com a conquista da Taça da Liga
escocesa, após derrotar o Aberdeen de... Alex Ferguson, numa finalíssima
disputada em Dens Park, nada mais nada menos do que a casa do rival Dundee FC.
Que ironia! Mas a ironia subiu de tom um ano mais tarde, quando o United
revalidou o título de campeão da Taça da Liga à custa do vizinho e eterno
inimigo Dundee FC, numa final mais uma vez disputada em Dens Park! Por esta
altura , não haveria por certo nenhum fiel devoto dos The Dark Blues que estivesse arrependido em deixar que McLean
tivesse atravessado a rua para abandonar Dens Park em direção a Tannadice Park
(o estádio do Dundee United).
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Final da Taça UEFA de 86/87 |
Com
fama de durão (dizem que obrigava os jogadores a pegarem num balde e numa
esfregona para limpar os balneários) e até de explorador (já que muitos dos
jogadores que consigo trabalharam o acusaram de explorar os atletas pelo facto
de lhes colocar à frente contratos de longa duração e com baixos salários),
McLean atingiu o ponto mais alto da sua carreira de técnico em 82/83, altura em
que trouxe para Dundee o título de campeão nacional da Escócia. Foi um
campeonato inesquecível e disputado até ao fim pelos "gigantes"
Rangers e Celtic, aos quais se juntaram Aberdeen (de Ferguson) e Dundee United.
O título foi carimbado na última jornada, e adivinhe contra quem? Pois é, ante
o vizinho e grande rival Dundee FC! E onde foi a festa? Isso mesmo, em Dens
Park, a casa do inimigo! Nessa temporada histórica McLean usou apenas 14
jogadores (!) - sendo que dez deles eram oriundos da formação do clube,
idealizada e gerida pelo próprio Jim - na caminhada triunfal, em que em 36
jogos venceu 24. Conquistada a Escócia era altura de conquistar... a Europa.
McLean não o conseguiu, é certo, mas esteve muito perto de o fazer em duas
ocasiões. Na condição de campeões escoceses o United disputou em 83/84 a Taça
dos Campeões Europeus, e a caminhada só não foi de glória porque a Roma de
Falcão, Toninho Cerezo, Graziani, Pruzzo, Bruno Conti e companhia estragou os planos dos
escoceses nas meis-finais, impedido de McLean disputar a final da maior
competição europeia de clubes em... Roma! Pois é, a final da
"orelhuda" dessa temporada seria disputada na Cidade Eterna. McLean
não conseguiu assim repetir o feito do seu grande rival dos anos 80 dentro do
futebol escocês, Alex Ferguson, que um ano antes havia levado o Aberdeen à
glória europeia, após vencer a Taça das Taças.
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McLean eternizado em estátua em Tannadice Park |
Jim
McLean teve uma nova hipótese de igualar o sucesso europeu de Sir Alex à frente
de um clube modesto. Em 86/87, na Taça UEFA,
deixou pelo caminho potências como o Barcelona ou o Borussia
Monchengladbach para atingir a final da então terceira prova mais importante de
clubes do Velho Continente. No
entanto, sucumbiu aos pés de um (então) poderoso IFK Gotemburgo.
Com
o evoluir do futebol McLean achou por bem afastar-se dos bancos, no início da
década de 90, optando pelo trabalho mais de gabinete, ou seja, integrando o setor
administrativo do Dundee United. Foi dirigente do clube entre 1993 e 2000. Isto
numa altura em que Ferguson era já rei absoluto em Manchester, ao serviço do
United, para onde se havia mudado em 1986, na sequência do tremendo sucesso -
interno e externo - obtido ao serviço do modesto Aberdeen. McLean não seguiu as
pisadas do seu contemporâneo Alex Ferguson, não por falta de oportunidades,
pois recebeu inúmeros convites para treinar clubes de maior nomeada, quer da
Escócia, quer fora do seu país, mas a tranquilidade que sentia em Dundee, o
amor à cidade e ao clube, fizeram com que aqui ficasse até ao fim da vida: no
dia seguinte ao Natal de 2020.
Ainda
hoje, quando se fala nos maiores treinadores escoceses de todos os tempos, o
seu nome surge a par de Alex Ferguson, Bill Shankly, Jock Stein, ou Matt Busby.
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