quarta-feira, novembro 20, 2013

ENTREVISTA - Duílio, notável ex-defesa-central, esteve de visita ao nosso Museu onde relembrou a glória alcançada ao serviço do Fluminense, do Sporting, e do Estrela da Amadora

O Museu Virtual do Futebol recebe hoje a visita de um dos mais sólidos e elegantes defesas-centrais que passaram pelo futebol português na década de 80. Brasileiro de berço, alma e coração, deu-se a conhecer ao planeta da bola na sua terra natal, Curitiba, mas seria na Cidade Maravilhosa (Rio de Janeiro) que iria atingir o pico de uma carreira que terminaria com momentos de alegria – e glória – no futebol lusitano. Ele é Duílio Dias Júnior, ou simplesmente Duílio, o nome de guerra que o imortalizou no Grande Atlas do Futebol.
Num bate papo curto o ex-zagueiro é simples e direto, sem complicar, à imagem do que era dentro de campo, e quando a conversa resvala para temas mais sensíveis o nosso ilustre visitante não hesita em chutar para canto para evitar confusões na sua área.
Sem mais demoras passemos a bola a Duílio.

Museu Virtual do Futebol (MVF): O Coritiba foi o ponto de partida de uma carreira iniciada em finais da década de 70. Depois de quatro temporadas defendendo com brio a camisa do time da sua terra natal seguiram-se fugazes passagens pela Portuguesa (São Paulo) e pelo América (Rio de Janeiro) antes de ingressar no Fluminense, onde durante três épocas iria vivenciar diversos momentos de glória. 1984 marca um desses momentos, a conquista do título de campeão brasileiro ao serviço do tricolor carioca...
Duílio: É, recordo esse momento com muita alegria e saudade, pois foi o coroação de uma equipa que deu muitas glórias ao Fluminense.

MVF: A final, contra o vizinho Vasco da Gama, foi disputada no grande templo do futebol brasileiro, o gigante Maracanã, o palco que qualquer futebolista, brasileiro ou não, um dia sonha pisar. Lembra-se do Maracanã nesses dois jogos decisivos do Brasileirão de 84? (Nota: a final do campeonato brasileiro era disputada em dois jogos, sendo que os de 1984 decorreram ambos naquele que era na altura o maior estádio do Mundo).
Duílio: O Maracanã estava lotado (com cerca de 200 000 torcedores nas bancadas!). Havia pessoas sentadas nas marquises onde estavam instalados os holofotes (!), e recordo que foram dois jogos muito intensos. (O Flu venceu o primeiro por 1-0 e empatou a zero o segundo).


MVF: Aquele time do Fluminense tinha verdadeiras lendas do futebol. Branco, Ricardo Gomes, ou o paraguaio Romerito eram alguns desses notáveis. Qual foi o segredo da conquista desse título?
Duílio: O ambiente era muito bom, sabíamos o que queríamos e fazíamos valer isso dentro do gramado (relvado), sem nunca deixar de respeitar qualquer que fosse o adversário. Pode ter sido esse o segredo da nossa vitória.

MVF: Com 28 anos o Duílio veio para a Europa. Para Portugal e para o Sporting, para sermos mais precisos. Como surgiu a hipótese de jogar para estes lados?
Duílio: Foi na sequência de uma conversa com o então representante do Sporting, o senhor Joaquim Oliveira. Acertámos tudo e depois o Fluminense me liberou. Após a conversa fui pesquisar sobre esse grande clube português e tive a certeza que estava no caminho certo.


MVF: O Sporting dos finais da década de 80 tinha verdadeiras lendas do futebol luso, casos do Vítor Damas, Manuel Fernandes, Gabriel, Virgílio, Venâncio, Oceano, Jaime Pacheco, António Sousa, ou Jordão. Foi chegar (na época de 85/86) ver e vencer, ou nem por isso?
Duílio: Foi complicado entrar no “onze” daquele Sporting. Os dois zagueiros titulares da época (Venâncio e Morato) eram jogadores de seleção, e depois havia os métodos do treinador, aos quais eu não estava habituado. Foi um ano de adaptação, pois vinha jogando sempre a titular no Brasil e no Sporting fiz a maior parte dos jogos na equipa das reservas. Se não me engano apenas realizei uns oito encontros na equipa principal durante essa primeira época. Recordo que o grupo tinha uma mescla de jogadores experientes com outros que estavam a começar a afirmar-se no futebol, e que eram promessas. Pode ter sido por isso que não deu certo, ou como dizemos aqui, não houve química.

MVF: Como frisei na questão anterior aquele Sporting tinha nomes consagrados do futebol português. Houve algum que o tivesse impressionado?
Duílio: O Oceano, que raça (!), que disposição em campo. Destaco também um dos melhores guarda-redes portugueses, senão mesmo o melhor de sempre, o Vitor Damas,  que além de grande jogador era um grande homem. Também o nosso capitão, o Manuel Fernandes, que mais tarde foi meu treinador no Estrela da Amadora e que era um líder nato, o nosso capitão em todas as horas. Havia ainda o Jordão, que classe de jogador!

MVF: Na temporada seguinte (86/87) fizeram uma classificação final (foram 4ºs), mas escreveram uma das páginas mais brilhantes da história dos dérbis entre Benfica e Sporting. Em Alvalade venceram por 7-1, os famosos 7-1, uma tarde inspirada de Manuel Fernandes, autor de quatro golos. O Duílio foi suplente utilizado nesse jogo, como viveu essa célebre tarde?
Duílio: Grande jogo, entrei na segunda parte quando ainda restavam uns 15 minutos para jogar. Na altura o resultado era de 5-1, mas depois ainda marcámos mais dois golos, e se houvesse mais uns minutos de jogo poderiam ter saído mais alguns... Ganhar ao Benfica é sempre bom, e com um resultado daqueles então ainda melhor. Recordo que no balneário, após o jogo, houve muita comemoração. 

MVF: Nessa época o Sporting perdeu tudo para o rival Benfica, apesar desses míticos 7-1. Esse expressivo resultado serviu de certo modo de consolação para terem perdido o campeonato e a taça para o Benfica?
Duílio: Claro que não, ficou um vazio enorme, pois queríamos ganhar algo, o que acabámos por não conseguir.


MVF: Na época seguinte o Sporting vingou-se, e venceu a Supertaça Cândido de Oliveira ao Benfica. E logo com duas vitórias, uma na Luz (3-0) e outra em Alvalade (1-0). O Duílio participou nos dois jogos, e este além de ter sido o seu primeiro troféu conquistado em solo português foi o único que arrecadou com a camisola dos leões...
Duílio: Sim, é verdade. Essa supertaça teve dois jogos muito atípicos, e lembro que naquela época não se dava tanto valor a esse troféu. Mas ganhar ao Benfica, como já disse, era sempre bom, e essa conquista foi comemorada como uma taça merece ser comemorada.

MVF: Ainda no Sporting o Duílio estreou-se nas competições europeias em 86/87, e fê-lo logo contra o grande Barcelona de Zubizarreta, de Victor Muñoz, de Mark Hughes, e de Gary Lineker. O Sporting foi afastado na segunda eliminatória da então Taça UEFA, mas fez a vida negra ao Barça. Grande momento esse, não?
Duílio: Recordo essa estreia com alegria e tristeza. Alegria por ter jogado, e tristeza por ter sido eliminado da competição, pois fizemos um grande jogo em Alvalade e não merecíamos sair derrotados, apesar de ter ganho o jogo por 2-1, mas o adversário tinha vencido na primeira mão em casa por 1-0. Jogar contra grandes jogadores como aqueles foi uma experiência boa, já que isso te enriquece não só como jogador mas também como pessoa.

MVF: Quando saiu do Sporting estava com 31 anos. Para continuar a carreira escolheu um pequeno clube dos arredores de Lisboa, o Estrela da Amadora. Porquê essa escolha, com 31 anos não se sentia capaz de comandar a zaga (defesa) de outro grande clube de futebol, português ou não...
Duílio: Houve muitos convites de grandes equipas de Portugal, mas ao sair do escritório do diretor de futebol em Alvalade, encontrei o senhor Armando Biscoito, que estava no Estrela, o qual me perguntou se eu queria ir para lá. Como sempre gostei de desafios conversei com a patroa (esposa) e decidimos ficar por ali...


MVF:... Uma aposta que se viria a revelar acertada, já que na sua segunda temporada na Reboleira (casa do Estrela) capitaneou a equipa na surpreendente vitória na final da Taça de Portugal ante o Farense...
Duílio: Foi de facto um momento inesquecível, o qual ainda hoje recordo com muita alegria. Ganhar a Taça de Portugal não era para qualquer equipa, por isso fizemos história! Lembro que a final teve dois jogos (final e finalíssima). No primeiro não jogamos bem, estavámos nervosos, e terminamos empatados (1-1). No segundo encontro, já mais soltos, fizemos uma grande partida, e vencemos por 2-0, até o Paulo Bento, que é o atual selecionador de Portugal, fez um golo. A vitória teve como chave a união do grupo, além de que era muito bem comandada pelo técnico João Alves.

MVF: Pelo Estrela voltou às competições europeias, mais concretamente à Taça das Taças, onde até marcou um golo, na segunda eliminatória, na segunda mão, contra o Liège. Por uma unha negra o Estrela não continuou essa aventura europeia.
Duílio: Foi outra experiência fantástica. Recordo que só nós, jogadores, tínhamos crença em nós, e não passamos à segunda eliminatória devido a... coisas do futebol.

MVF: Por falar em Estrela da Amadora, como recebeu a notícia do fim do futebol profissional no clube?
Duílio: Com muita tristeza, penso que se o presidente José Gomes estivesse vivo o Estrela nunca teria deixado de existir.


MVF: Depois de sair da Reboleira, onde esteve três temporadas, ainda jogou pela Ovarense e pelo Portimonense nos escalões secundários do futebol português. Que recordações tem desses dois clubes, das experiências que lá viveu?
Duílio: Na Ovarense convivi com outros grandes craques do futebol português, casos do Quinito, do Eduardo Luís, do José Luís, e do Frasco, que era o treinador e que depois saiu para dar lugar ao Manuel Fernandes, e conseguimos como melhor resultado chegar ao oitavo lugar na Divisão de Honra. Quanto ao Portimonense, foi mais um desafio na minha carreira, onde fui campeão da 2ª Divisão/zona sul, e lá encerrei a carreira de jogador de futebol.

MVF: Agora, e em jeito de remate final: Qual foi o seu melhor momento em Portugal?
Duílio: Todos! Tenho a certeza que fiz a opção certa quando escolhi jogar futebol em Portugal.

MVF: Qual o treinador que mais o marcou?
Duílio: Em Portugal tive grandes treinadores, alguns de renome internacional, mas o mister João Alves deixou saudades.

MVF: Qual o melhor momento da sua carreira?
Duílio: Quando ergui o troféu de campeão brasileiro pelo Fluminense, e quando optei por jogar em Portugal

MVF: O que faltou para o Duílio se afirmar como um zagueiro de seleção brasileira, como foram Ricardo Gomes, Aldair, ou Mozer, nas décadas de 80/90?
Duílio: O Ricardo Gomes foi meu companheiro no Fluminense e fizemos uma grande zaga. Já em 83 fui eleito junto com o Mozer o melhor zagueiro do futebol carioca, e quanto ao Aldair esse veio bem depois. Cheguei a vestir a camisa da seleção em 1979 com o falecido selecionador Cláudio Coutinho quando fizemos dois jogos amigáveis no Brasil, além de que fui falado para a seleção algumas vezes, mas quando se coloca politica no meio do futebol... deixa para lá.

MVF: Agora é mesmo o remate final. Hoje, com 56 anos é treinador de futebol, tendo já passado por diversos clubes do seu país. E em Portugal, onde foi feliz como jogador, vislumbra uma carreira como treinador num futuro próximo?
Duílio: Gostaria muito de ai voltar e treinar um clube. Porque não? Foi em Portugal onde fiz os cursos de treinador, e aliás já treinei aí, o Machico, e até estava indo bem, mas tem sempre alguém que... deixa para lá novamente. Um grande abraço.

Outro para si Duílio, e obrigado por esta breve mas agradável visita ao Museu Virtual do Futebol. Até uma próxima. 

Legenda das fotografias:
1-Duílio, com a camisola do Fluminense, onde alcançou o estatuto de capitão de equipa
2-O Fluminense campeão brasileiro de 1984. (Duílio está identificado pelo círculo vermelho)
3- Com a camisola do Sporting
4-Equipa do Sporting na temporada de 86/87, a tal dos 7-1 ao rival Benfica
5-Duílio em ação contra o rival da Segunda Circular
6-O onze do Estrela da Amadora, capitaneado por Duílio, que venceu no Jamor a Taça de Portugal de 90
7-Um plantel do Portimonense (Duílio está na fila de cima), o último clube da carreira do zagueiro nascido em Curitiba 

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